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A (in)eficácia da medida de internação aplicada aos adolescentes infratores no Estado de Santa Catarina

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19/05/2014 às 14:51
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4 CONCLUSÃO

O Direito da Criança e do Adolescente é uma área que sofreu importantes evoluções. Se for observada a ordem cronológica é possível perceber que essas mudanças são recentes. No Brasil, por exemplo, a Teoria da Proteção Integral, que eleva os menores à condição de titulares de Direitos Fundamentais, foi introduzida no cenário jurídico pela Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, embasou o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA.

O Estatuto, por sua vez, substituiu o Código Penal de Menores que estava direcionado para as situações de carência e delinquência. Contudo, criou um rol de Medidas de Proteção que podem ser aplicadas tanto às crianças que apresentam Desvios de Conduta quanto aos adolescentes que praticarem Atos Infracionais. Além das Medidas de Proteção, fez previsão, também, de Medidas Socioeducativas direcionadas aos adolescentes que cometem Atos Infracionais, dentre as quais se encontra a Medida de Internação.

A Medida Socioeducativa de Internação será aplicada somente nos casos em que o Estatuto definiu, quais sejam: (a) o Ato Infracional cometido com violência ou grave ameaça, (b) reiteração nas infrações graves e (c) descumprimento reiterado e não justificado de outra medida imposta. Ademais, deverá observar os princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar da pessoa em desenvolvimento.

A Internação é medida privativa de liberdade. Nela o adolescente infrator é retirado do convívio familiar e social e internado em um estabelecimento próprio para que possa se recuperar através de acompanhamento de equipe multidisciplinar e participação em atividades pedagógicas.

Para que não haja abusos, foram estipulados direitos individuais e garantias processuais aos adolescentes, bem como direitos para os menores que já se encontram cumprindo Medida de Internação. Verificou-se que grande parte dos direitos concedidos derivam de normas Constitucionais que, por outro lado, remete ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Após a contextualização jurídica, passou-se à descrição dos Centros Educacionais Regionais de Santa Catarina. Nesse ponto é possível perceber algumas discrepâncias entre o que determina a lei e a realidade fática.

O Sistema Socioeducativo do Estado, no que se refere aos estabelecimentos destinados ao cumprimento da Medida de Internação definitiva, é insuficiente. São três Centros Educacionais Regionais localizados no Oeste, Região Serrana e Litoral. Contudo, o Centro Educacional Regional de São José, São Lucas, foi interditado judicialmente em dezembro de 2010 e suas edificações foram demolidas em junho do ano seguinte. Conclui-se, portanto, que são apenas dois estabelecimentos próprios. Os demais existentes se destinam às medidas de Semiliberdade e Internação Provisória que, diga-se de passagem, não poderá superar o prazo de 45 (quarenta e cinco) dias.

Da Inspeção realizada pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ extraíram-se importantes relatos acerca das condições estruturais e da forma como os profissionais vinham exercendo suas atividades. No tocante à estrutura física, os Centros Educacionais se assemelham às penitenciárias o que destoa da proposta terapêutica e pedagógica da própria medida. Ainda, a separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração, prevista no artigo 123 do ECA, não é respeitada, fato que coloca em risco a integridade física do adolescente e proporciona o aperfeiçoamento das condutas que se pretende evitar.

Há violação dos direitos humanos e fundamentais, pois são narrados casos de humilhação, agressão física e tortura, afronta direta ao artigo 124 do ECA.

Mais uma vez é preciso lembrar que o objetivo da Internação é a ressocialização do menor para que ele possa retornar ao convívio familiar e social. É uma realidade preocupante, pois o próprio Estatuto define a medida, como deverá ser sua execução, inclusive no que diz respeito aos Centros Educacionais, mas se não há amparo do Estado para garantir seu cumprimento nos termos em que foi proposta, então, tem-se mais uma legislação feita para não funcionar.

Nesse contexto, faz-se imprescindível a imediata capacitação de todos os profissionais envolvidos para que possam assimilar e colocar em prática os objetivos pretendidos pelo legislador ao criar a Medida Socioeducativa de Internação. Cabe ao Poder Público a construção de mais unidades educacionais e a adequação daquelas existentes, a fim de que os adolescentes cumpram a medida imposta em local salubre e, principalmente, perto do seu núcleo familiar.

Desse modo, conclui-se que a (In)Eficácia da Medida de Internação aplicada aos Adolescentes Infratores no Estado de Santa Catarina ocorre, justamente, porque os profissionais não respeitam os parâmetros definidos na legislação para aplicação e execução da medida e acabam por violar os direitos dos menores,desvirtuando, assim, a finalidade primeira de recuperá-los e devolvê-los ao meio social, bem como no descaso do Poder Público que não investe em políticas preventivas, de modo a evitar que ocorram Desvios de Conduta e/ou Atos Infracionais.


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Sobre a autora
Marina dos Santos

Advogada, Graduada em Direito pelo Centro Universitário Estácio de Sá de Santa Catarina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Marina. A (in)eficácia da medida de internação aplicada aos adolescentes infratores no Estado de Santa Catarina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3974, 19 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28595. Acesso em: 29 mar. 2024.

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