Ementa: Direito Processual Civil. Conciliação. Negócio jurídico processual. Possibilidade de revogação. Procedimento dos Juizados. Irrecorribilidade. Frustração do fim do acordo
Palavras-chaves: Conciliação. Sentença homologatória. Descumprimento. Revogação. Frustração da finalidade do acordo.
A solução consensual dos conflitos é uma marca no processo civil. Um dos seus deveres processuais é tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes (art. 125, IV do CPC). A conciliação surge, em diversas fases, no procedimento ordinário, sumário e sumariíssimo, onde ganhou maior repercussão, seja pela informalidade que preside este último rito, seja pela maior incidência prática da feitura de acordos.
Com efeito, um dos objetivos legais da criação dos Juizados Especiais é a conciliação, o processamento e o julgamento das causas de pequeno valor (art. 1º da Lei nº 9.099/95). Obtida a conciliação, o juiz homologará o acordo por sentença, da qual não cabe recurso (art. 41 da Lei nº 9.099/95). É a almejada celeridade processual refletida na lei.
No entanto, o prestígio que se deu à conciliação, negócio jurídico processual que põe termo ao processo, não pode fechar os olhos a manobras dolosas de uma das partes, que, ao descumprir o acordo homologado, pode retirar sua utilidade para a outra parte.
Muitas vezes, ao conciliar, o autor de uma pequena causa tem a intenção de abrir mão de parte do seu prejuízo em prol de uma solução rápida do litígio, principalmente quando se diz respeito a obrigações pecuniárias. Por outro lado, tempo é dinheiro. Quanto mais uma empresa posterga o pagamento de uma indenização, por exemplo, mais ela lucra, pois o tempo corrói o valor da dívida que, desatualizada, representa uma indenização menor.
Por essa razão, o descumprimento de um acordo pode resultar na frustração de seu fim para uma das partes. Por isso, deve-se sempre admitir, tendo em vista o caso concreto, a possibilidade de revogação do negócio, com base no dever processual de lealdade e boa-fé (art. 14, II do CPC), como forma de atingir o direito fundamental à tutela jurisdicional adequada.
Segundo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, “a frustração do fim do contrato nasceu na common Law, tendo como precedente os coronations cases. Na hipótese, sacadas e terraços foram locados com finalidade de os locatórios presenciarem a cerimônia de coroação do Reio Edward VII; todavia, houve o cancelamento do percurso das carruagens. Vê-se, pelo exemplo, que a prestação perdeu a razão de ser, haja vista a frustração do desiderato pretendido pelo contratante e conhecido pela outra parte.
De acordo com MARCOS HOPPENSTEDT, o fim do contrato é a realização dos interesses concretos das partes contratantes. Assim, a frustração do fim independe de descumprimento ou de qualquer outro comportamento das partes, bastando uma alteração superveniente do suporte fático do negócio jurídico (...)” (Direito civil. 2ª ed., Salvador: Ed. JusPodivm, 2012, p. 570, vol. 4).
Nesse sentido, está o Enunciado nº 166 do Conselho da Justiça Federal: “A frustração do fim do contrato como hipótese que não se confunde com a impossibilidade da prestação ou com a excessiva onerosidade, tem guarida no direito brasileiro pela aplicação do art. 421 do Código Civil”.
Assim, diante de circunstâncias supervenientes do caso concreto, onde o tempo se mostre um dos fatores que levou a parte a transigir, deve-se atentar que a execução do acordo homologado, no lugar de sua revogação, iria beneficiar tão-somente uma das partes, que, propositalmente, entra em mora.
Portanto, diante de acordos descumpridos, ante a frustração do fim do negócio jurídico, é possível à parte prejudicada pedir sua revogação ao mesmo Juízo que homologou a conciliação, em vez de executar o título, que deixa de ser tão interessante quanto nas circunstâncias iniciais.