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Dos crimes omissivos

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10. Da Tentativa em Delitos Omissivos

A existência de tentativa em delitos omissivos é concebida como possível tão somente para os delitos comissivos por omissão ou omissivos impróprios. Acredita-se impossível a tentativa em delitos omissivos próprios, eis que a tentativa somente existiria quando o agente iniciasse atos de execução, algo inconcebível para um delito omissivo, uma aplicação direta do princípio da legalidade (nullum crimen sine lege).

Segundo Tavares46, a doutrina brasileira adotou a teoria formal-objetiva, segundo a qual há tentativa toda vez que se inicia a ação típica, porém, o delito não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Segundo o Código Penal Brasileiro, art. 14, inciso II: “tentado, quando iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.” Exemplifica-se: no crime de homicídio, segundo esta teoria, a execução inicia-se com a ação de matar.

Logo, pela doutrina expressamente adotada no Brasil, somente delitos de expressão material seriam passíveis de tentativa, como no caso, os delitos omissivos impróprios.

Contudo, existe outra teoria, chamada material-objetiva ou subjetiva-objetiva, pela qual a tentativa residiria no critério do perigo para o bem jurídico protegido.

Para exemplificar tais teorias, vejamos a lição de Tavares:

Dois ladrões pretendem arrombar uma casa, que é guardada por ferozes cães, além de possuir grades e alarmes em portas e janelas. Para realizarem o furto, necessitam, previamente, contornar esses obstáculos. Primeiramente, matam os cachorros; depois colocam ácido nas grades e fechaduras e, finalmente, provocam um curto-circuito para desativar o sistema de alarme. Pela teoria formal-objetiva, esses atos, que não podem ser identificados com a ação de subtrair, constituem meros atos preparatórios, impuníveis. Pela teoria material-objetiva, constituiriam já início da execução do delito de furto, porque estariam integrados em plano natural à própria ação típica de subtrair, como seus sucedâneos, e teriam colocado em perigo o bem jurídico. A mesma solução seria dada pela teoria subjetivo-objetiva, com base no plano dos agentes.47

Quanto às chamadas tentativa acabada e tentativa inacabada, é importante asseverar que, na primeira, a sequencia do fato estaria à mercê da sorte, eis que a execução do delito se inicia no momento em que o sujeito não se vale da primeira chance de interromper a causalidade, que segue seu curso, havendo o resultado delituoso. Exemplo: a mãe que deixa de alimentar seu filho responderá pelos danos que causar no exato momento em que a falta de alimentação lesionar a criança, sendo seu dever alimentar a criança imediatamente, mas deixa passar essa chance. Já a segunda, tentativa inacabada, o desdobramento do fato posterior depende da omissão do próprio sujeito.

Por fim, analisando-se a desistência voluntária, temos, segundo Figueiredo Dias48, que o delito omissivo impróprio seria passível de tal fenômeno, bastando que o garante intervenha ativamente no sentido de impedir a consumação ou o resultado típico, ou pelo menos se esforce para evitá-los.


11. Referências

Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo. Editora Saraiva.

Callegari, André Luís. Teoria geral do delito e da imputação objetiva. Porto Alegre. Editora Livraria do Advogado. 2009.

D´Ávila, Fábio Roberto. Ofensividade e Crimes Omissivos Próprios (Contributo à compreensão do crime como ofensa ao bem jurídico). Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra. Coimbra. Coimbra Editora. 2005.

Dias, Jorge de Figueiredo. Direito Penal – Parte Geral. Coimbra. Coimbra Editora/ Revista dos Tribunais. 2007.

Greco, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro. Editora Impetus, 2002.

Prado. Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2013.

Tavares, Juarez. As Controvérsias em Torno dos Crimes Omissivos. Instituto Latino-Americano de Cooperação Penal. Rio de Janeiro. 1996.

Zaffaroni, Eugenio Raul; Pierangeli, José Henrique. Manual de Direito Penal – Parte Geral. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2004.


Notas

1D´Ávila. Fábio Roberto. Ofensividade e Crimes Omissivos Próprios (Contributo à compreensão do crime como ofensa ao bem jurídico). Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra. Coimbra Editora. Coimbra. 2005.p. 184.

2 Ibid. p. 188/189.

3 Prado. Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2013. p. 326.

4 Ibid. p. 328.

5 Ibid. p. 329.

6 Ibid. p. 354.

7 Dias. Jorge de Figueiredo. Direito Penal – Parte Geral. Coimbra. Coimbra Editora/ Revista dos Tribunais. 2007. p. 913.

8 Tavares, Juares. As Controvérsias em Torno dos Crimes Omissivos. Rio de Janeiro. 1996. Instituto Latino-Americano de Cooperação Penal. p 63/65.

9 Tavares, Juarez. As Controvérsias em Torno dos Crimes Omissivos. Instituto Latino-Americano de Cooperação Penal. Rio de Janeiro. 1996, p.64.

10 D’Ávila. Fábio Roberto. Ofensividade e Crimes Omissivos Próprios. Portugal. Coimbra. 2005. Coimbra Editora. p. 217.

11 Greco, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro. Editora Impetus, 2002, p.251.

12 Greco, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro. Editora Impetus, 2002, p. 252.

13 Os mestres Zaffaroni e Pierangeli lecionam que: “As duas primeiras situações estabelecidas no art. 13, §2º, do CP não apresentam grande dificuldade, mas a terceira mostra-se bastante complexa, recebendo da doutrina a denominação “conduta precedente do sujeito”. Situações bem claras se apresentam, como aquela de quem induz a outro a um empreendimento perigoso, assegurando-lhe sua assistência para evitação do resultado. Mas, muito mais duvidosa apresenta-se o caso de quem, num acidente de circulação, cria situação de perigo para a vida de uma pessoa, muito especialmente sob uma angulação da tentativa: é autor de tentativa de homicídio doloso aquele que foge do lugar do acidente, sem prestar assistência à pessoa em perigo em razão do acidente causado, muito embora outra assista e o evento morte não venha a ocorrer? Poder-se-ia responder negativamente, porque em tais pressupostos não há dolo de homicídio, mas essa resposta se complica na situação do dolo eventual.” (Zaffaroni, Eugenio Raul. Pierangeli, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 516).

14 Tavares, Juarez. As Controvérsias em Torno dos Crimes Omissivos. Instituto Latino-Americano de Cooperação Penal. Rio de Janeiro. 1996, p.70.

15 Omissão de socorroart. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública.

16 Callegari. André Luís. Teoria geral do delito e da imputação objetiva. Porto Alegre. Editora Livraria do Advogado. 2009. p. 37.

17 Ibid. p. 37.

18 Não confundir a garantia que decorre dos crimes omissivos próprios em que o agente se torna garante devido a sua conduta de não fazer o que é devido conforme a lei com o dever de garantia e função de garante dos crimes omissivos impróprios.

19 Dias. Jorge de Figueiredo. Direito Penal – Parte Geral. Coimbra. Coimbra Editora/ Revista dos Tribunais. 2007. p. 913.

20 Dias, Jorge de Figueiredo. Direito Penal – Parte Geral. Coimbra. Coimbra Editora/ Revista dos Tribunais. 2007, p. 917.

21 Apropriação indébita previdenciária - art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional.

22 Abandono material - art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo.

23 Abandono intelectual - art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar.

24 Omissão de notificação de doença - Art. 269 - Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória.

25 Não cancelamento de restos a pagar - art. 359-F. Deixar de ordenar, de autorizar ou de promover o cancelamento do montante de restos a pagar inscrito em valor superior ao permitido em lei.

26 Prado. Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2013. p. 357.

27Dias, Jorge de Figueiredo. Direito Penal – Parte Geral. Coimbra. Coimbra Editora/ Revista dos Tribunais. 2007, p. 358.

28 D´Ávila. Fábio Roberto. Ofensividade e Crimes Omissivos Próprios (Contributo à compreensão do crime como ofensa ao bem jurídico). Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra. Coimbra Editora. Coimbra. 2005.p. 237.

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29 Ibid. p. 242/243.

30 Ibid. p. 276.

31 Ibid. p. 277.

32Tavares, Juarez. As Controvérsias em Torno dos Crimes Omissivos. Instituto Latino-Americano de Cooperação Penal. Rio de Janeiro. 1996, p 75.

33 Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo. Editora Saraiva, p. 251.

34 Tavares, Juarez. As Controvérsias em Torno dos Crimes Omissivos. Instituto Latino-Americano de Cooperação Penal. Rio de Janeiro. 1996, p.77.

35 BITENCOURT, Cezar. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. 14ª. Edição. Porto Alegre: Editora Saraiva, 2009, p. 250.

36 Ibid., p. 250.

37Zaffaroni, Eugenio Raul; Pierangeli, José Henrique. Manual de Direito Penal – Parte Geral. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2004, p. 519.

38 Para a doutrina portuguesa: “No direito penal atual, continua a ser, tanto na lei como na vida, muito maior o número de ações do que de omissões jurídico-penalmente relevantes. Mas, como bem se compreende, o número de omissões jurídico-penalmente relevantes terá tendência para aumentar, em número e em significado, no seio da “sociedade do risco”. Sem dever, todavia, esquecer-se que uma punição generalizada ou demasiado alargada da omissão conduzirá seguramente a uma sistemática, inadmissível e insuportável intromissão – tanto mais insuportável quanto maior for, precisamente, a complexidade social – de cada um na esfera jurídica dos outros, para assim não incorrerem na possibilidade de serem jurídico-penalmente responsabilizados por omissões.” Dias, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte Geral. Tomo I. 2ª edição. Portugal. Coimbra. 2012. Coimbra Editora. p. 908.

39 Dias. Jorge de Figueiredo. Direito Penal – Parte Geral. Coimbra. Coimbra Editora/ Revista dos Tribunais. 2007, p. 908.

40 Zaffaroni, Eugenio Raul; Pierangeli, José Henrique. Manual de Direito Penal – Parte Geral. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2004, p. 518.

41 Ibid., p. 519.

42 Dias. Jorge de Figueiredo. Direito Penal – Parte Geral. Coimbra. Coimbra Editora/ Revista dos Tribunais. 2007, p. 965.

43 Tavares, Juarez. As Controvérsias em Torno dos Crimes Omissivos. Instituto Latino-Americano de Cooperação Penal. Rio de Janeiro. 1996, p. 85.

44 Ibid, p. 86.

45 Dias. Jorge de Figueiredo. Direito Penal – Parte Geral. Coimbra. Coimbra Editora/ Revista dos Tribunais. 2007, p. 971.

46Tavares, Juarez. As Controvérsias em Torno dos Crimes Omissivos. Instituto Latino-Americano de Cooperação Penal. Rio de Janeiro. 1996, p.89

47Ibid., p. 91.

48Dias. Jorge de Figueiredo. Direito Penal – Parte Geral. Coimbra. Coimbra Editora/ Revista dos Tribunais. 2007, pp. 966-971.

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Sobre os autores
Ayrton Figueiredo Martins Júnior

Delegado de polícia do RS. Multiplicador Força Nacional/PEFRON 9ª. INC

Lívia Limas

Advogada. Mestranda em Ciências Criminais pela PUCRS. Bacharel em Ciências Jurídicas pela PUCRS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS JÚNIOR, Ayrton Figueiredo ; LIMAS, Lívia. Dos crimes omissivos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3981, 26 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28886. Acesso em: 26 abr. 2024.

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