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Programa de pesquisa minimalista e a redução da idade penal:

em busca de uma terceira alternativa

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29/05/2014 às 15:29
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O instituto da maioridade penal voluntária poderia representar um progresso social e filosófico contra a criminalidade que ocorre na faixa etária da população entre 16 e 18 anos, na medida em que certos jovens delinquentes que estão formalmente livres do Código Penal seriam reclassificados em dois novos tipos sociais: infratores e criminosos.

RESUMO: Esse artigo pretende contribuir no debate sobre a redução da idade penal ajudando a opinião pública a desenvolver uma fórmula de raciocínio que reconheça a importância dos argumentos penais em uma escala gradativa de reflexão, onde o cidadão pode situar e compreender filosoficamente a sua própria opinião nesse momento crítico da realidade social. Com essa expectativa, transformamos o livro “Direito Penal do Equilíbrio”, do autor Rogério Grecco, na forma de um programa científico de pesquisa, composto por uma série de categorias (ontologia, metodologia, axiologia, teoria, práxis e contexto espaço-temporal) que se destinam a conhecer e criticar os discursos reproduzidos na mídia sobre a redução da idade penal.

PALAVRAS-CHAVE: abolicionismo penal; maximalismo penal; minimalismo penal.


INTRODUÇÃO

O objetivo dessa pesquisa é desenvolver uma análise crítica sobre os discursos sociais que defendem e rejeitam a tese da redução da idade penal no caso brasileiro, apresentando oportunamente como alternativa uma terceira resposta entre o maximalismo e o abolicionismo penal que nesse caso não seria “nem sim, nem não”, mas um meio-termo na concepção aristotélica ou uma síntese na perspectiva kantiana.

Para fundamentar essa terceira resposta que consideramos ser necessária para enfrentar a crise experimentada simultaneamente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Direito Penal partimos da premissa que o problema da redução da idade (ou maioridade) penal é complexo e exige uma abordagem filosófica que não seja simplista sobre os fatos sociais de tal modo, portanto, que nos permita conhecer a existência de uma terceira dimensão da realidade na fronteira entre a maioridade e a menoridade penal, cronologicamente situada na faixa etária dos 16 aos 18 anos de idade, onde constatamos a existência de um grande conflito de opiniões e até mesmo a ocorrência de uma anomalia constitucional que desrespeita a cláusula pétrea da maioridade penal, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966) e também o próprio conceito de ser adulto na sociedade brasileira.

Com o intuito de operacionalizar a argumentação desse estudo, reciclamos a obra “Direito Penal do Equilíbrio” do autor Rogério Grecco (2009), que foi transformada em um programa cientifico de pesquisa (MONTARROYOS, 2012) adaptado especialmente para diagnosticar e criticar as correntes antagônicas reveladas pela opinião pública na internet, devendo ser utilizado, em seguida, para produzir uma terceira resposta intermediária entre os extremos teóricos do maximalismo e do abolicionismo penal.

O programa de pesquisa desse estudo desenvolve uma série de categorias do conhecimento interdependentes que apontam para a necessidade de se fazer uma crítica radical contundente sobre o modo de produção dos discursos penais que estão sendo reproduzidos pela sociedade brasileira na internet sobre a crise da norma jurídica e dos procedimentos institucionais que melhor se destinariam a cuidar da criança e do adolescente, antes e depois de terem cometido algum ato infracional.

A primeira dessas categorias programáticas é a ontologia garantista, formada por uma teia de princípios que determinam ao pesquisador social repensar a dignidade da pessoa e da sociedade humana como núcleo dogmático de trabalho. Por força dessa categoria, observamos que o princípio da intervenção mínima sugere que se pense em uma nova possibilidade juspolítica que relativize a cultura jurídica tradicional centrada no protecionismo e no intervencionismo máximo do Estado.

Para proteger os bens vitais e necessários ao bom convívio na sociedade, esse princípio sugere, portanto, que o Estado refaça as suas tipificações penais, de modo a evitar que a proibição de certos comportamentos individuais e coletivos contra determinados bens jurídicos não entre em contradição com aquilo que é tolerado pela sociedade (2009, p.72).

Além disso, é preciso evitar a aplicação do Direito Penal quando outros ramos do Direito já disponibilizam tipificações e punições específicas, restando-lhe, assim, a participação em último caso, até mesmo por se tratar de um medida drástica sobre a vida das pessoas (ibid., p.73). Em outras palavras, devem ser esgotadas as possibilidades de intervenção de outros ramos do Direito em casos ilícitos (como por exemplo, Administrativo, Civil, Eleitoral, etc.) antes de ser fixada a participação mais austera do Direito Penal em favor da proteção dos bens jurídicos vitais e necessários à sociedade.

O princípio da lesividade na perspectiva minimalista contém, por sua vez, a ideia básica de que a acusação penal começa com alguma ofensa que foi tipificada pelo Estado, resultando necessário configurar-se a exterioridade e a alteridade do delito (ibid., p. 78), bem como sua gravidade sobre a sociedade, ainda que virtualmente. Esse princípio está preocupado com alguns aspectos cruciais: 1-proibir incriminações que digam respeito a uma conduta interna do agente; 2-proibir incriminações que ultrapassem o comportamento realizado pelo seu autor; 3-proibir incriminações sobre simples estados ou condições existenciais; 4- por último, proibir incriminações de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico (ibid., p.78).

O princípio da adequação social chama a atenção, da sua parte, para a necessidade de observação do espaço social, visto que as antigas e novas tipificações penais definidas pelos legisladores precisam ser repensadas ou produzidas à luz daquilo que a sociedade estabelece como tolerável e secundário. De outro modo, esse princípio sugere a revisão dos tipos penais, organizando uma escala de relevância social e consequentemente descartando o que for de menor utilidade. Além de servir como fonte produtora do direito, esse princípio deve servir também como fonte interpretativa do ordenamento em vigor, ligando o texto com o contexto, a fim de buscar, dessa maneira, um equilíbrio entre a Lei e o sentimento social (ibid., p.80).

O princípio da insignificância estimula, por sua vez, pensar os tipos penais coerentes com a realidade social, desse modo, sendo necessário, em sua perspectiva de análise, publicizar textos legislativos claros e embasados sociologicamente, contando, sobretudo, com a técnica apurada da redação e com o vasto conhecimento político-criminal disponível no século XXI. Nesse sentido, crimes contra o patrimônio devem ser relativizados dependendo da complexidade social do tema.

Em geral, o princípio da insignificância pede que se afaste do tipo penal os danos de pequena ou nenhuma gravidade ou importância para a sociedade (ibid., p.86).

O princípio da individualização da pena sugere, por outro lado, que seja determinada a pena de acordo com o caso pertinente, a fim de se alcançar a efetividade da lei (ibid., p.95). Reconhecido na Constituição federal brasileira, esse princípio pode ocorrer através da privação ou restrição da liberdade; pagando-se multas; sofrendo perdas de bens; realizando-se alguma prestação social alternativa; ou experimentando-se alguma suspensão ou interdição de direitos (ibid., p.92).

Na ontologia complexa do programa de pesquisa minimalista, encontra-se também o princípio da proporcionalidade sugerindo que o juiz fique atento aos limites impostos pela lei e também ao contexto do delito, de forma que ele possa definir a aplicação da lei de maneira suficiente para desestimular as reincidências criminais na sociedade (ibid., p. 96). Ressaltamos, entretanto, que o princípio da proporcionalidade perfeita ao caso concreto é impossível de ser alcançado, mas o caminho recomendado para se chegar perto desse ideal é integrar o texto com o contexto social onde se localiza a gravidade dos crimes, concretamente ou reconhecidos em abstrato pela Lei.

O princípio da responsabilidade individual da pena reforça a ontologia do nosso programa de pesquisa considerando que a pena deve cair sobre o criminoso e, obviamente, não sobre a sua família, comunidade, ou nacionalidade (ibid., p. 104). Nesses termos, esse princípio é conhecido como princípio da pessoalidade ou intranscendência da pena; e determina que nenhuma punição pode ultrapassar, formalmente, a pessoa do condenado.

O princípio da limitação das penas chama atenção, ao mesmo tempo, na ontologia do programa, aos excessos punitivos através da prisão perpétua; pena de morte; banimento; suplícios, ou trabalhos forçados, que agridem a dignidade da pessoa humana. Por outro lado, o princípio a limitação das penas imagina que o apenado poderá um dia retornar ao convívio social. Para isso acontecer, entretanto, será necessário que ele experimente um constante processo de ressocialização durante a privação carcerária (GRECCO, 2009, p. 108 et.seq.)

O princípio da culpabilidade, outro componente fundamental no raciocínio minimalista, observa que a culpa depende de uma avaliação objetiva do juiz, independentemente da valoração subjetiva do acusado, que muitas vezes pode alegar que não tem culpa, “porque todo mundo faz assim; ou foi obrigado pela circunstância a cometer o delito; ou então, simplesmente não admite responsabilidade alguma sobre o crime ocorrido, etc.” (ibid., p.117). Em outras palavras, o princípio da culpabilidade orienta o juiz para que ele aplique da melhor maneira possível e com a devida segurança jurídica a pena coerente com o grau da infração penal praticada.

O princípio da legalidade também é importante na metafísica ou ontologia minimalista, porque sugere diminuir excessos e abusos do poder estatal garantindo idealmente à pessoa humana o dever, através das normas oficiais, de não praticar atos que prejudiquem os outros, ao mesmo tempo conferindo-lhe direito de viver livremente sua vida desde que não viole os bons costumes de um lado, e a ordem pública, de outro lado. Com esse princípio, considera-se, inclusive, que a lei anterior do ordenamento jurídico que em sua época era branda ou indiferente a determinada infração penal não poderá prejudicar o acusado, mas sim, beneficiá-lo; sobretudo no período de transição de um ordenamento antigo para outro moderno. Idealmente, esse princípio pede também que o texto da lei deve ser claro, preciso, e de fácil entendimento a fim de permitir a exata compreensão de seu conteúdo técnico e constitucional (GRECCO, 2009, p. 132 et.seq.).

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Na sequência das ideias, a metodologia do programa de pesquisa minimalista desenvolve em consonância com a ontologia principiológica uma autêntica gradação kantiana do pensamento, utilizando uma escala crescente que vai grau zero ao grau máximo, passando por níveis intermediários onde podemos desenvolver intelectualmente a existência de um grau mínimo, e inédito, de produção e aplicação do Direito Penal. Sobre a gradação das ideias, Kant em sua obra “Crítica da razão pura” admitiu que podemos representar nossas sensações sobre a realidade fixando um ponto máximo e nulo das ideias, fazendo uma espécie de termômetro ou escala de raciocínio que nos possibilita pensar uma região intermediária, um estado “mais ou menos” como alternativa intelectual do sujeito crítico.

Indo nessa direção, Grecco reconheceu intuitivamente que existem dois graus extremos no debate contemporâneo, envolvendo o grau máximo e o grau nulo, que apresentam características antagônicas entre si. Especificamente, em um grau extremo das ideias, o maximalismo penal tem como representante os defensores do slogan “Lei e Ordem”. Na prática, ele defende a doutrina da carceragem e apresenta como solução aos problemas atuais da criminalidade o rigor máximo da punição e da prisão que nessa perspectiva exerceria, supostamente, uma função pedagógica na sociedade usando a força e a repressão como instrumentos ressocializadores do apenado.

Nos dias atuais, percebemos que o discurso maximalismo ganha popularidade com a sociedade amedrontada e acuada com a violência generalizada; indignada, além disso, com a deterioração do sistema penitenciário e com a falta de leis que possam punir e prender menores de idade que cometam crimes hediondos e de extrema gravidade social.

Por trás da corrente maximalista esconde-se um desespero social em busca de soluções rápidas que possam proteger os bens jurídicos fundamentais do ser humano, como vida, liberdade, segurança e propriedade. Consequentemente, se a Política não produz esse tipo de resposta, o maximalismo supostamente se baseia no princípio da estrita legalidade e publicidade do Direito, emergindo inconscientemente com força intelectual até mesmo entre pessoas simples que nada sabem a respeito dos trâmites processuais ou das finalidades filosóficas do Direito Penal, propagandeando nesse caso uma “salvação” social que se remete a uma utopia chamada “ressocialização” através do sistema prisional falido em todos os sentidos (filosóficos, econômicos, políticos, jurídicos, históricos, etc.).

Representando essa demanda histórica pela punição imediata ou veloz ganha popularidade, por exemplo, a teoria do Direito Penal do inimigo, que nada mais é do que o ressurgimento da teoria clássica do Leviatã que tudo pode e deve fazer livremente para manter a sociedade fora do estado de natureza, onde se destacariam indesejavelmente, hoje, no plano internacional, os imigrantes ilegais, os traficantes e os terroristas, entre outros.

Dentro da lógica absolutista do Leviatã, os inimigos do Estado nunca se tornarão pessoas confiáveis à manutenção da soberania pública, restando, portanto, a prisão, a condenação e a expulsão desses tipos sociais de forma ágil, portanto, desvinculada dos ritos burocráticos e dos procedimentos humanistas que na prática atrapalhariam a rapidez autoritária.

Esse fenômeno público aumenta, a cada dia, com a própria anuência da sociedade que confia ao Estado a tarefa de eliminar determinados tipos de sujeitos que causam desordem e insegurança pública.

Através desse consentimento silencioso de aceitação do poder público repressivo e arbitrário para certos tipos sociais indesejáveis, o Leviatã ressurge nesse momento como Deus mortal e também como força policial; e pelo mundo afora persegue os imigrantes ilegais que ameaçam os direitos do cidadão em seu território nacional, sem se preocupar com as condições desumanas do país de origem desses mesmos imigrantes que estão pedindo, de maneira “ilegal” um asilo econômico, fugindo da miséria e da tirania política.

O segundo problema derivado da teoria penal do inimigo é que paulatinamente a mídia brasileira tem repaginado o inimigo penal não mais como aquele que vem de fora, mas de dentro da própria sociedade, sendo assim, o apenado e os criminosos nacionais seriam inimigos do Estado Democrático de Direito e por isso mesmo deveriam receber um tratamento veloz e autoritário da parte do Estado, com menos gasto e maior repressão nas cadeias. Na maioria esmagadora dos casos, entretanto, contatamos que os pseudos “inimigos” são pessoas pobres.

Diferentemente, para aqueles que defendem o grau zero de intervenção penal, os chamados abolicionistas legais, a solução seria um sistema livre da intervenção do Direito Penal tendo em vista o esgotamento, a ineficiência e o autoritarismo na prática social do Estado. Nessa perspectiva crítica, ao longo da História, o Direito Penal tem servido muito mais como instrumento de dominação dos ricos sobre os pobres e miseráveis, trabalhadores ou minorias sociais.

O abolicionismo acredita que os outros ramos do Direito poderão resolver melhor certas infrações legais, como o Direito Administrativo, Tributário ou Civil, ao invés da intervenção drástica e absolutista do Direito Penal. Na prática, o abolicionismo avalia que quando as penas são experimentadas nos presídios, o Estado não desenvolve medidas pedagógicas e civilizatórias eficazes sobre os apenados, consequentemente, ele não garante a segurança pública, nem evita novos crimes dessa ou daquela natureza na sociedade. Ou seja, para os abolicionistas legais a prisão é um instrumento irracional e fere a dignidade da pessoa humana.

De acordo com Grecco (2009), essas duas correntes, abolicionismo e maximalismo, conforme notamos anteriormente, desenvolvem alguns pressupostos equivocados e alguns vícios de argumentação constitucional.

Ao criticar especificamente o abolicionismo, Grecco mostra que do ponto de vista absoluto é insustentável acabar, de vez, com a intervenção do Direito Penal na sociedade, apesar de serem evidentes as suas mazelas institucionais. Entretanto, do ponto de vista relativo, Grecco apresentou em seu livro alguns fragmentos de autores abolicionistas que propõem acabar com o sistema carcerário e penalista envolvendo alguns tipos de comportamentos que são tratados como criminosos numa determinada época e não em outra, portanto, trata-se de um abuso recorrente, verificado na História, que pode reaparecer em nossa atual sociedade. Fazendo essa ressalva, o abolicionismo fortalece o seu prestígio como teoria crítica e humanista colocando em evidência os abusos do Estado inspirado na teoria maximalista, perseguindo judeus, homossexuais, malandros ou feiticeiras.

Para evitar os extremos da balança, Grecco utilizou uma saída aristotélica ou kantiana, buscando o equilíbrio ou moderação na escala das ideias, destacando que a filosofia minimalista se preocuparia em classificar e punir tão somente os delitos que ameaçam a dignidade da sociedade humana ou seja, prejudicariam os bens jurídicos vitais e necessários à sociedade. Segundo o autor (op. cit., p.26), o minimalismo defende o mínimo de intervenção penal do Estado sugerindo, desse modo, o conhecimento sociológico da realidade com a preocupação de humanizar e racionalizar o ordenamento jurídico vigente.

O princípio da lesividade pede, por exemplo, que se observe a gravidade do comportamento que se refere não ao que o indivíduo fez consigo, mas principalmente com os outros, atingindo bens de terceiros (por exemplo, tentativas de suicídio, ser homossexual, ou então, provocar autoflagelações, etc., dizem respeito a individualidade, portanto, não precisariam ser criminalizados pelo Direito Penal).

Consequentemente, na axiologia dessa metodologia de pesquisa, é evidente a preocupação do minimalismo com a justiça humana; entretanto, não se pretende aqui ficar restrito ao conteúdo final da sentença, mas criticar os meios aplicados que devem ser justos e equilibristas entre o ideal da dignidade da pessoa humana e o ideal da dignidade da sociedade humana.

Para buscar essa harmonização, o minimalismo desenvolve um sistema ontológico de princípios, que conforme já dissemos no começo são estruturas pensantes abertas à imaginação do usuário (segundo conceituação de HART, 1994; MONTARROYOS, 2012), e que oportunamente servem para embasar o ato de julgar de maneira ética direcionada ao ideal do “melhor viver” apoiado, ontologicamente, pelo conteúdo ético e jurídico dos Tratados e Convenções Internacionais da ONU. 

Várias teorias têm conceituado o crime no debate penalista, porém, nessa pesquisa a sugestão principal é considerar que o criminologista deve ser eclético e assim produza uma nova teoria sintética adaptada ao movimento da sociedade, a fim de desvendar com eficiência a relação entre a vítima e o delinquente, descobrindo sempre suas causas e gravidade social (ibid., p.46).

A teoria minimalista consegue fazer essa grande síntese ou reciclagem das teorias penais tradicionais e propõe, além disso, que a criminologia desenvolva, significativamente, uma abertura teórica e prática aos princípios dos direitos humanos internacionais, produzindo novos critérios garantistas ou procedimentos que por sua natureza filosófica devem juntar a técnica jurídica com a ética dos direitos humanos.

Na opinião do jurista Rogerio Grecco, a criminologia deve ser interdisciplinar e precisa articular o conhecimento da tipologia penal com a reação social. Durante a formulação da tipicidade, ilicitude e punitividade do delito, o criminologista necessita, portanto, conhecer a história do comportamento delitivo, além de seus aspectos técnicos ou lógicos.

E mais ainda: precisa incluir a reação social como objeto de estudo, pois esse elemento traz novas possibilidades de legitimação e de operacionalidade do sistema penal, refletindo o estilo de vida da sociedade que reprova ou tolera certos atos desviantes (ibid., p.31).

 As teorias do Direito Penal mais conhecidas desde o século XVIII são: a teoria do delito como eleição; das predisposições agressivas; da aprendizagem da delinquência; e a teoria do etiquetamento social. Essas teorias são recorrentes nos discursos penais da população brasileira conforme se vê na internet e são recicláveis pela metateoria do garantismo penal.

A teoria do delito como escolha ou eleição surgiu no século XVIII com Beccaria, Bentham, Rousseau entre outros iluministas, e sugere que as pessoas mentalmente capazes estão aptas a escolher entre cometer ou não um delito, sabendo elas da existência das sanções correspondentes que teriam, por sua vez, a função de inibir a repetição dos atos criminosos. De acordo com o que observou Rogério Grecco, foi através dessa teoria que certos princípios ganharam corpo, como por exemplo, o princípio da necessidade; suficiência; proporcionalidade; in dubio pro reo; utilidade; e publicidade do julgamento.

Atualmente, essa teoria continua sendo invocada, descrevendo a racionalidade ou estratégia dos indivíduos que procuram otimizar as oportunidades criminosas contabilizando custos e benefícios pessoais, prazeres e sofrimentos, conforme diria, nesse momento, o utilitarista social Bentham.

A teoria das influências, outra teoria clássica do Direito Penal, afirma que a pessoa é induzida pelo ambiente a cometer certas práticas, lícitas ou ilícitas. Trata-se, nesses termos, de uma teoria preocupada com a qualidade do ambiente e nesse sentido conta com o auxílio de cinco subteorias complementares: 1-ecológica; 2-do controle social informal; 3-dos vínculos sociais; 4-da tensão; e 5-da subcultura.

A subteoria ecológica (1) destacou-se no século XIX afirmando que a criminalidade seria uma doença que contamina o corpo social, semelhantemente ao que pensava Durkheim a respeito das anomias sociais. Essa teoria serve para explicar porque em certos lugares da cidade a criminalidade é maior ou menor, ou então porque aparecem estes e não aqueles tipos delitivos em determinada época. Os adeptos dessa teoria julgam, ainda, que a melhoria das condições materiais de vida (infraestrutura; policiamento; renda; escola; empregabilidade; atendimento médico público; etc.) provocaria positivamente a diminuição da criminalidade. Entretanto, observaram alguns críticos adversários que essa teoria falha quando expõe a crença absoluta de que o número crescente de crimes seria resultado direto do atraso, pois empiricamente nos Estados Unidos e Espanha, na década de 1980, deflagrou-se um notável desenvolvimento econômico e social, mas ao mesmo tempo aumentou a delinquência na sociedade (ibid., p.38).

A subteoria do controle social informal (2) acredita, por sua vez, que existem regras sociais e morais que na prática julgam ou fazem constrangimentos sobre o indivíduo de tal modo que ele se autolimita e autocorrige, sem precisar da intervenção do Estado. Em relação aos jovens, suas condutas estariam diretamente vinculadas aos laços sociais que se forem fracos ou inexistentes os levariam aos braços da atividade criminosa (ibid., p. 38).

A subteoria dos vínculos sociais (3) vai nessa mesma direção da teoria anterior, afirmando que a socialização do jovem através da família, amizade, religião, etc., é decisiva na qualidade de sua conduta penal, evitando a delinquência (ibid., p. 39).

A subteoria da tensão (4), defendida por muitos sociólogos, considera, por sua vez, que existe um ideal posto pelo Estado que não se concretiza para o bem de certas classes e tipos sociais, daí nascendo uma série de reações ou resistências onde a criminalidade ganha novos contornos nitidamente sociológicos e políticos (ibid., p. 39).

Concordando com esse ponto de vista, a subteoria das subculturas (4) complementa a análise social observando que surge no processo de resistência uma contracultura, por exemplo, as gangs seriam um veículo de agressividade e de desordem da juventude (ibid., p. 40).

A subteoria das predisposições agressivas do século XIX, apoiada, por exemplo, pelo pensamento de Cesar Lombroso, considera, finalmente, que as características biológicas são marcadores informacionais a respeito da criminalidade; por exemplo: pessoas com orelhas deformadas, possuindo personalidade insensível e por isso mesmo usando tatuagens no corpo, além de apresentarem feições com grossas sobrancelhas e possuírem um calota craniana grande ou pequena, entre outros aspectos, evidenciariam facilmente o potencial criminoso do indivíduo no espaço público (ibid., p.40). Nessa linha de raciocínio, alguns pensadores adotaram como critério de observação a existência dos seguintes tipos criminosos: natos, habituais, passionais, ocasionais e loucos.

De acordo com a teoria do aprendizado da delinquência, a criminalidade entre os jovens se dá por força da influência de pessoas adultas ou superiores, e desse modo, através do contato social eles aprendem a cometer os delitos por serem inferiores ou como se diz atualmente: são vulneráveis (ibid., p. 42).

De outro modo, a teoria do etiquetamento social analisa o desvio comportamental e, sobretudo, aqueles desvios penalizados pelo Estado que se tornam empiricamente um status negativo na sociedade.

A partir de determinado ponto crítico, ou seja, ser condenado pelo Estado, a teoria do etiquetamento percebe que “ser delinquente” é uma anomalia social e desperta, indesejavelmente, um clima reacionário de controle e de discriminação pública generalizado sobre certos indivíduos apenas suspeitos ou diferentes, que se tornariam por força da pressão da sociedade como tipos “pré-delinquentes”, uma espécie de “sinal amarelo” no trânsito social de pessoas. Em outras palavras, o desvio social e as diferenças individuais em uma sociedade preconceituosa e alienada gera um novo estigma e, portanto, um novo tipo social: o pré-delinquente. Por isso mesmo, as elites precisariam aplicar maior investimento na educação e socialização do indivíduo a fim de evitar que evolua a maldade pessoal decorrente, traumaticamente, nesse caso, da imagem social produzida no cotidiano. De acordo ainda com essa teoria, tanto o pré-delinquente como o próprio apenado sofrem o mal coletivo dos estereótipos, porque são considerados perigosos na sociedade, tanto pelo que fizeram ou pelo que supostamente poderão fazer (ibid., p. 44).

 Na concepção sociológica ou contextual do programa de pesquisa minimalista a sensação de insegurança aumenta o desejo da opinião pública em favor do grau máximo de intervenção penal; consequentemente, propaga-se a doutrina prisional como solução do problema, embora seja do conhecimento dos brasileiros que o sistema carcerário não tem investimentos suficientes da parte do Estado para receber novos apenados, funcionando por isso mesmo como fábrica de “monstros sociais”, que se tornam piores no convívio da prisão, tendo em vista, entre outros fatores, a falta de acompanhamento psicossocial e econômico dos prisioneiros.

Como resultado da concepção segregacionista através da prisão notamos no século XXI o fracasso do projeto de ressocialização do detento uma vez que dentro do sistema carcerário não existe uma réplica do cotidiano social onde os presos poderiam reprogramar a sua existência indo para o trabalho, lazer, igreja, etc., tudo isso, dentro da própria “comunidade prisional”. Da mesma forma, paradoxalmente, a crença de que as Casas de Recuperação ou Internação reeducariam e ressocializariam o menor, aplicando-se um modelo aberto para o Mundo, é outro projeto social que não se concretiza positivamente no país.

Ressocialização dos menores significaria garantir melhores condições de vida para a família desses jovens, o que também não acontece.

Com o objetivo de pensar e de propor soluções para esse quadro social, o programa minimalista sugere como critério de reflexão o esquema gradativo kantiano que representa o grau das ideias, e por meio dessa dinâmica projeta conclusivamente um grau mínimo de penalização. Esse critério epistemológico proposto por Kant, em sua obra “Crítica da Razão Pura”, considera que toda sensação e obviamente toda realidade no fenômeno, por menor que seja, tem um grau, quer dizer, possui uma grandeza intensiva que pode ser diminuída ou aumentada. Por extensão, entre a realidade e a negação existe um encadeamento contínuo de percepções possíveis cada vez menos, ou mais intensas. Ainda de acordo com Kant, a gradação é um conceito de ligação epistemológica que possui capacidade para juntar outras ideias entre si, possibilitando conectar elementos diversos dentro de uma sequência hierarquizada de sensações e de percepções do sujeito em relação a determinado objeto.

Esse critério de gradação sugere no caso da teoria garantista do Direito Penal que o pesquisador articule uma série de princípios que o levam a imaginar ou projetar um ponto intermediário entre o grau zero e o grau máximo de intervenção do Estado.

Procurando imaginar e propor esse ponto intermediário, Grecco recomendou, portanto, utilizar os princípios jurídicos em geral, que são estruturas abertas e pensantes do Direito. Segundo ele, a combinação humanista de vários princípios pode nos levar, para cada caso em questão, ao possível e necessário grau mínimo do Direito Penal, representando obrigatoriamente a institucionalização dos critérios minimalistas que comandariam as regras e os princípios do ordenamento jurídico vigente. O princípio da subsidiariedade (ibid., p. 72), por exemplo, deve considerar que o Direito Penal não é o centro do mundo, mas seria uma alternativa para tratar de casos mais graves de atentado contra os bens jurídicos vitais e necessários ao bom convívio na sociedade.

O Direito Penal é, portanto, secundário e subsidiário, quando os outros ramos do Direito não conseguirem responder à gravidade de determinado delito. Por exemplo, há certos casos em que o Direito Administrativo ou Eleitoral poderá ser mais útil para a sociedade do que o Direito Penal, o que justifica a inclusão de outro princípio, o da intervenção mínima, quando os casos forem de menor gravidade para a sociedade. Consequentemente, o princípio da lesividade (ibid., p. 78) contribui também nesse debate quando ele propõe que os legisladores e os aplicadores do Direito devem perseguir a objetividade da tipificação do delito baseado essencialmente na ameaça que o delinquente ou o tipo delituoso possa acarretar sobre a dignidade da sociedade humana.

Outro princípio que nos ajuda a pensar e a formular um grau mínimo de Direito Penal é o princípio da adequação social, que na prática deve servir como reformador dos tipos penais já existentes, levando-se em conta o fato de que a sociedade tem poder intrínseco de transformar certos delitos em bagatelas ou insignificâncias do cotidiano. Entretanto, é importante relembrar que a eliminação dos tipos delitivos da Lei não pode ficar na contramão dos direitos fundamentais, por isso mesmo, o analista penal deve ser atencioso sobre a adequação social pois nem tudo está automaticamente harmonizado com os princípios da dignidade da pessoa e da sociedade humana. O princípio da insignificância nessa direção sugere que o legislador repense o que é um tipo criminoso, eliminando dialeticamente tipos de menor lesividade aos bens jurídicos necessários e vitais à sociedade (ibid., p. 84).

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Sobre o autor
Heraldo Elias Montarroyos

Professor da Faculdade de Direito da UNIFESSPA MARABÁ, PARÁ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTARROYOS, Heraldo Elias. Programa de pesquisa minimalista e a redução da idade penal:: em busca de uma terceira alternativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3984, 29 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28974. Acesso em: 24 abr. 2024.

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