O Judiciário tem firmado o entendimento de que, nos Juizados Especiais Federais, os recursos interpostos em face de sentença de 1º grau possuem apenas o efeito devolutivo.
O fundamento legal utilizado é o art. 43 da Lei nº 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, segundo “o qual recurso terá somente efeito devolutivo, podendo o Juiz dar-lhe efeito suspensivo, para evitar dano irreparável para a parte”.
Com efeito, a Turma Nacional de Uniformização, no julgamento do Recurso Cível nº 200335007009769[1], acolheu a tese acima, em acórdão assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO. INTERPRETAÇÃO DOART. 16 DA LEI Nº 10.259, DE 2001 E DO ART. 43 DA LEI Nº 9.099, DE1995. IMPROVIMENTO.
Na oportunidade, a parte recorrente insurgiu-se contra o recebimento do recurso apenas no efeito devolutivo, argumentando que o art. 16 da Lei nº 10.259/2001, ao condicionar o cumprimento da obrigação de fazer ao trânsito em julgado da sentença, impediria o cumprimento imediato da sentença, o que, na prática, significa o mesmo que atribuir efeito suspensivo ao recurso.
A relatora, sem seu voto, deu o seguinte tratamento à questão:
“Em princípio, o fato de ter o art. 16 da Lei nº 10.259/2001 se referido ao trânsito em julgado não impõe seja o recurso recebido no efeito suspensivo. É que, nos termos do art. 43 da Lei nº 9.099/95, somente em casos excepcionais pode ser emprestado efeito suspensivo ao recurso, o que se mostra realmente mais consentâneo com a celeridade indispensável ao rito das ações que tramitam no Juizado Especial. A regra é, pois, que o recurso seja recebido apenas no efeito devolutivo, sendo excepcional o recebimento também no efeito suspensivo.”
Entretanto, não podemos concordar com a interpretação dada pela relatora e acolhida pela TNU.
O equívoco cometido reside justamente em interpretar os dispositivos da Lei nº 10.259/2001 tendo como parâmetro a Lei nº 9.099/95, sem levar em consideração as particularidades de cada norma e, em especial, as particularidades dos litigantes sujeitos a cada procedimento.
Decerto que o art. 1º da Lei dos JEFs estabelece que se aplicam as disposições da Lei nº 9.099/95, porém, desde que não conflitem com suas próprias normas. Ocorre que entendemos que os dispositivos são conflitantes entre si, ou seja, o art. 43 da Lei nº 9.099/95 não é compatível com o art. 16 da Lei nº 10.259/2001 e, portanto, no âmbito dos JEFs apenas este último dispositivo possui aplicabilidade.
O procedimento dos juizados especiais cíveis dirige-se a causas de menor complexidade e/ou menor expressão econômico-financeira. São excluídas da competência dos juizados especiais cíveis as causas de natureza fiscal e de interesse da Fazenda Pública. As pessoas jurídicas de direito público e as empresas públicas da União sequer podem ser partes nos processos sujeitos ao procedimento regulado pela Lei nº 9.099/95.
A Lei dos Juizados Especiais Cíveis foi editada para solucionar com maior celeridade pequenos conflitos entre os particulares, visando sobretudo a conciliação entre os litigantes como forma de por fim à lide e atingir a finalidade jurisdicional de pacificação social.
Daí a opção do legislador por romper com a tradição processual clássica e atribuir ao recurso efeito meramente devolutivo, como regra geral, podendo o Juiz atribuir efeito suspensivo para evitar dano irreparável à parte.
Trata-se de medida direcionada para dar maior efetividade ao procedimento sumaríssimo estabelecido pela Lei nº 9.099/95, mormente em função da simplicidade imposta ao rito, bem assim dos princípios que inspiram os Juizados, dentre eles, além da simplicidade, a celeridade e a economia processual.
Por outro lado, o procedimento criado com a Lei dos JEFs destinava-se às causas de pequeno valor da competência da Justiça Federal. Isto é, os litígios entre os particulares e a União, autarquias ou empresas públicas federais cujo valor não excedesse sessenta salários-mínimos.
Já não se trata aqui de pequenas discussões entre vizinhos ou questionamentos oriundos de contratos de pequeno valor celebrado entre particulares, mas de litígios entre particulares e a Administração Pública Federal.
É óbvio que não se pode tratar o ente público federal da mesma forma que o particular, pelo simples fato de que aquela está sujeita a regime jurídico diverso. O ordenamento está repleto de normas excepcionais quando envolvem o interesse público. Exemplo disso são as causas sujeitas ao reexame necessário.
Quanto ao art. 16 da Lei dos JEFs, o dispositivo encerra norma de proteção ao interesse público, na medida em que as obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa certa impostas à União, autarquias ou empresas públicas federais por sentença judicial somente obrigarão o ente após o trânsito em julgado, ou seja, quando a decisão for definitiva, impassível de modificação.
Objetiva resguardar o ente e o interesse público por ele representado contra decisões que, posteriormente, venham ser modificadas pelo órgão recursal. O cumprimento imediato dessas decisões, por vezes fundamentadas em teses minoritariamente aceitas pela comunidade jurídica, acarreta profundos danos à pessoa jurídica de direito público, dada a extrema dificuldade de retorno ao status quo ante.
Tomemos como exemplo as causas previdenciárias, imensa maioria dentre os processos em curso nos Juizados Especiais Federais. Em geral, quando o INSS é condenado à concessão de benefício previdenciário, há determinação para que a decisão seja imediatamente cumprida.
Ocorre que, sendo reformada a decisão, em sede de recurso, certamente os valores pagos já terão sido gastos pelo particular, restando para o ente suportar o prejuízo decorrente do pagamento de benefício indevido.
A nosso ver, a interpretação dada pela TNU ao art. 16 da Lei nº 10.259/2001 deixa-o completamente esvaziado de significado. O dispositivo é claro em exigir o trânsito em julgado para o cumprimento da sentença que imponha obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa certa. Com isso, é lógico que os recursos possuem efeito suspensivo.
Concluindo, o art. 43 da Lei dos Juizados Especiais Cíveis é, portanto, conflitante com a redação do art. 16 da Lei dos Juizados Especiais Federais e, consequentemente, não tem aplicabilidade no âmbito dos JEFs, por expressa disposição do art. 1º da Lei nº 10.259/2001.
Nota
[1] Relatora: JUÍZA MARIA MAURA MARTINS MORAES TAYER, Julgamento: 25/03/2003, Publicação: DJGO 08/04/2003.