A afirmação que compõe o título do artigo é absolutamente dispensável, por óbvia. Ninguém duvida de que vai ter Copa. Certamente não a Copa prometida, com o aguardado “legado”, mas vai ter. Desde 2007, aliás, quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2014 era certo de que teria copa por aqui. Um discurso de protesto (até certo ponto bastante pertinente) cunhou a expressão (às vezes usada de maneira fascista) ‘não vai ter copa’, mas nem de longe se imaginou, com o mínimo de razoabilidade, sua efetividade.
Vai ter Copa sim, é claro, assim como é claro, desde 2007, que vamos fazer um evento para gringos, com estrutura temporária para eles, vendendo parte de nossa soberania para a FIFA e deixando muito pouco de bom para os brasileiros. Mas isso tudo também já era esperado. Tudo por aqui é assim e temos um exemplo exponencial e deveras semelhante: o Panamericano de 2007 no Rio de Janeiro. Gastaram-se bilhões, da mesma forma, mas de bom desse evento não sobrou nada. Basta ver que tudo terá de ser refeito para as Olimpíadas de 2016 na mesma cidade.
“Padrão FIFA”? Não, claro que não. Virou jargão e também grito de guerra em protestos a exigência de um “padrão FIFA” para diversos setores de serviços públicos do país, supondo que seria o “padrão” ideal. O Brasil nunca será um país “padrão FIFA”. Com Copa ou sem Copa. Aliás, o Brasil não melhora nem piora por causa da Copa. Não é por culpa do evento que estamos assim e também não é o primeiro (nem o último) evento que faremos assim, com o “padrão Brasil”: corrupção, fraudes, exploração, atrasos, maquiagens etc. Esse é o nosso “padrão”, infelizmente.
Já faz algum tempo, por outro lado, que o futebol deixou de mover o país. Temos muitas outras preocupações, tanto de ordem pessoal quanto de ordem coletiva. A Copa vai nos envolver enquanto a bola estiver rolando já que é um evento cativante, de fato. Mas acabando, com o Brasil campeão ou não, voltaremos aos nossos afazeres, tarefas, deveres, problemas etc. Esses não são possíveis de serem resolvidos assim, com Copa, sem Copa com “padrão FIFA” ou sem “padrão FIFA”. A vida de hoje não segue padrões e não se rende a eventos pontuais.
Diante disso, é importante também salientar que, ao contrário do que afirmam alguns oportunistas/ineptos, o resultado do torneio de seleções não alterará em nada a disputa eleitoral desse ano. É ainda tachar o brasileiro de imbecil supor que um fator - tão diminuto e tão irrelevante do ponto de vista pessoal e mesmo em termos nacionais - possa determinar os contornos de algo tão importante como o futuro do país em ano de eleição presidencial. Esse motor eleitoral pertencia à ditadura. E nem naquela quadra deu certo.
Foi-se o tempo em que se associava futebol a política como algo determinante. Repetindo: os nossos problemas não melhorarão nem piorarão com a seleção ganhando ou perdendo a copa. Já o resultado de uma eleição de tais dimensões como a de 2014 mexe bastante com eles. Torcer e votar são coisas absolutamente diferentes. E o brasileiro já sabe disso de há muito.
Ademais, protestos legítimos têm de existir sempre, seja durante a Copa ou após. O brasileiro sempre foi muito passivo e assistiu, submisso, à venda do nosso país com a privataria tucana, à corrupção desenfreada de épocas imemoriais, às maiores taxas de juros do mundo, à falta de políticas públicas eficazes em diversos setores; é até hoje enganado pelos exorbitantes pagamentos que o poder público faz aos bancos (o que faz com que falte dinheiro para o país, realmente), e se curvou à contumaz pressão conveniente da mídia em favor de seus preferidos. Espero que tenha chegado a hora de abrirmos o olho, ou, usando outro clichê dos protestos: “o gigante tenha acordado”. Seria o melhor legado que Copa poderia nos deixar.
HOMO SAPIENS: “Pecar pelo silêncio, quando se deveria protestar, transforma homens em covardes.” Abraham Lincoln, presidente dos Estados Unidos.
“Quem não luta pelos seus direitos, não é digno deles.” Rui Barbosa, jurista brasileiro.