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Tributação e cidadania

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26/08/2014 às 13:13
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6. Conclusão

O Estado, construção do Direito, objeto cultural, necessita de recursos para custear os gastos públicos, o que ocorre principalmente por meio do tributo.

Apesar de não existir um conceito expresso do signo tributo, uma interpretação sistemática da Constituição permite construir uma definição, qual seja, de que tributo consiste no vínculo obrigacional que atribui a um determinado sujeito ativo a possibilidade de exigir, de um sujeito passivo, uma prestação de cunho econômico, decorrente de um fato lícito.

É possível reunir esforços apenas para estudar o tributo, formando aquilo que, didaticamente, convencionou-se chamar de Direito Tributário. Na República Federativa do Brasil, estruturada a partir da Lei Maior, e fruto da soberania popular, a matéria tributária recebeu atenção especial, podendo falar num verdadeiro sistema constitucional tributário. O povo, atribuidor e destinatário do poder, dá consentimento ao tributo, desde que respeitados os limites do poder de tributar previstos constitucionalmente.

Os Governantes estão subordinados ao império das normas, especialmente às cláusulas pétreas, que garantem direitos imodificáveis no sistema jurídico. Tal ocorre com os ideais republicanos, com a Federação e com os direitos fundamentais dos contribuintes.

Falar em República é falar em forma de governo. Nela, República, os poderes são conferidos aos representantes do povo, caracterizando uma democracia. Por meio do voto, os cidadãos dão consentimento para outras pessoas gerirem a res publica, em prol do interesse da coletividade.

Já Federação, outra cláusula pétrea, é forma de estrutura do Estado. O texto constitucional atribuiu a cada pessoa política, União Federal, Estados, Municípios e Distrito Federal, em pé de igualdade, personalidade jurídica e autonomia própria, num verdadeiro pacto federativo cooperado.

A autonomia dos entes federados pressupõe capacidade financeira, afinal as autoridades estatais necessitam de recursos pecuniários para implementar medidas estatais. Esta autonomia (nos seus aspectos administrativo, legislativo e, principalmente, financeiro) integra o elemento nuclear do princípio federativo.

Também os direitos fundamentais, expressão que alberga os direitos e garantias individuais, são imutáveis pelo poder reformador. Trata-se de uma conquista do povo, representando uma ordem objetiva de valores consagrados pelo ordenamento.

No contexto do direito tributário, não raramente o intérprete se depara com reformas constitucionais promovidas no sistema tributário previsto originariamente, o que enseja uma análise do que pode ou não ser alterado no sistema inicialmente desenhado, considerando justamente os limites materiais ao poder constituinte derivado.

A nosso ver é vedado ao poder reformador: (i) reduzir o campo de abrangência dos princípios constitucionais tributários; (ii) restringir ou revogar qualquer espécie de imunidade; (iii) invadir o campo de competência de ente político alheio; (iv) ampliar a materialidade de tributos em desacordo com as regras da competência residual; e (v) transferir competência tributária que enseje perda de autonomia de qualquer pessoa política.

Temos percebido, entretanto, que nem sempre essas regras são levadas em conta nas questões judiciais que envolvem os limites das Emendas Constitucionais. O STF já deu sinais favoráveis à flexibilização de nosso sistema constitucional tributário, o que pode comprometer o consentimento do cidadão quanto ao pagamento de tributo, enfraquecendo a própria República.

Defendemos, nesse ponto, que qualquer afetação às cláusulas pétreas seja interpretada de forma a maximizar os direitos fundamentais. Os contribuintes devem pagar tributos dentro dos rigorosos limites impostos por ocasião da criação do nosso sistema jurídico, o que ocorreu por meio da Constituição Federal de 1988.


Referências

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VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Limitações constitucionais ao poder de tributar e tratados internacionais. Belo Horizonte: Del Rey. 2000.


Notas

[1] De acordo com LEANDRO PAULSEN, “os tributos são a principal receita financeira do Estado, classificando-se como receita derivada (porque advinda do patrimônio privado) e compulsória (uma vez que decorre de lei, independendo da vontade das pessoas de contribuírem para o custeio da atividade estatal).” Direito Tributário. Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2005. P.17.

[2] MACHADO, Hugo de Brito. Direitos fundamentais do contribuinte e a efetividade da jurisdição. São Paulo: Ed. Atlas. 2009. P. 11.

[3] DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros. 17ª edição. P. 185.

[4] Nesse ponto, não podemos nos esquecer da clássica lição de ALFREDO AUGUSTO BECKER, para quem “a autonomia (no sentido de independência relativa) de qualquer ramo do Direito Positivo é sempre e unicamente didática para, investigando-se os efeitos jurídicos resultantes da incidência de determinado número de regras jurídicas, descobrir a concatenação lógica que as reúne num grupo orgânico e que une este grupo à totalidade do sistema jurídico” (Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Noeses. 4ª Ed.P. 33).

[5] DE SOUSA, Rubens Gomes. Compêndio de legislação tributária. São Paulo. Ed. Resenha Tributária. 1975. P. 30.

[6] ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: RT. 1968. P. 21.

[7] CARVALHO, Paulo de barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva. 23ª ed. P. 190 e 191.

[8] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva. 2009. P. 106 e 107.

[9] Nas lições de PAULO DE BARROS CARVALHO, o termo princípio é utilizado para “apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usado, igualmente, para significar o próprio valor, independentemente da estrutura a que está agregado e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma”. (Sobre princípios constitucionais tributários. RDT 55/147).

[10] “O princípio implícito não difere senão formalmente do expresso. Têm ambos o mesmo grau de positividade. Não há uma positividade “forte” (a expressa) e outra “fraca” (a implícita). Um princípio implícito pode muito bem ter eficácia (= produzir efeitos) muito mais acentuada do que um princípio expresso”. (JOSÉ SOUTO MAIOS BORGES. O Princípio da Segurança Jurídica na Criação e Aplicação do Tributo. RDT nº 63. Malheiros. P. 207).

[11] (STF – Tribunal Pleno - ADI 712-MC - DJ 19/02/93).

[12] Imunidade Tributária das Instituições de Educação. Revista de Direito Tributário nº 3. P. 167.

[13] Nas lições de GERALDO ATALIBA: “Em termos de matéria tributária é fantástica a minuciosidade dessa Constituição. Isso permite que o intérprete qualifique essa Constituição como exaustiva, quer dizer, ela exaure o campo da matéria tributável; ela deixa para o legislador ordinário uma tarefa meramente de preencher para casos concretos, regulamentar, porque tudo mais está dito no próprio Texto Constitucional. (...) Quero dizer que a Constituição parece, a meus olhos – e estou convicto disso – que tem duas características básicas e fundamentais: rígida e exaustiva. (Lei Complementar em Matéria Tributária. Conferências e Debates. Revista de Direito Tributário nº 48. P. 88).

[14] Cf CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros. 28ª ed. P. 36/37.

[15] Cf. CANOTILHO, Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1996, P. 137.

[16] Mais adiante, referido Autor esclarece que: “O Poder Constituinte classifica-se em Poder Constituinte originário ou de 1º grau e Poder Constituinte derivado, constituído, ou de 2º grau. (...) O Poder Constituinte Originário estabelece a Constituição de um novo Estado, organizando-o e criando os poderes destinados a reger os interesses de uma comunidade. (...)O Poder Constituinte caracteriza-se por ser inicial, ilimitado, autônomo e incondicionado. (...) O Poder Constituinte derivado está inserido na própria Constituição, pois decorre de uma regra jurídica de autenticidade constitucional, portanto, conhece limitações constitucionais expressas e implícitas e é passível de controle de constitucionalidade.”(Cf. DE MORAES, Alexandre. Direito Constitucional.São Paulo: Ed. Atlas. 2012. P. 25/27).

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[17] Cf. GERALDO ATALIBA. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: RT. 1968. P. 21.

[18] AMARO, Luciano. As Cláusulas Pétreas e o Direito Tributário. Revista Dialética de Direito Tributário nº 71, P. 72.

[19] Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva. 7ª edição.

[20] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros. 28ª ed. P. 68.

[21] DE MIRANDA, Pontes. Democracia, liberdade e igualdade – os três caminhos. São Paulo: Saraiva, 2ª Ed.

[22] DALLARI, Dalmo. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. p.14.

[23] Conforme, aliás, prescreve o artigo 1º, II, do texto constitucional.

[24] Cf. GERALDO ATALIBA. República e Constituição. São Paulo: Malheiros.3ª Ed. P. 164.

[25] “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (art. 2º, CF).

[26] DE MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Natureza jurídica do estado federal. Monografia premiada pelo Instituto dos Advogados de São Paulo. 1948.

[27] LACOMBE, Américo. Princípios Constitucionais Tributários. Malheiros: 1996. P. 76

[28] VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Limitações constitucionais ao poder de tributar e tratados internacionais. Belo Horizonte: Del Rey. 2000. P. 117

[29] REVERBEL, Carlos Eduardo Diedes. O federalismo numa visão tridimensional do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2012. P. 132

[30] DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros. 17ª edição. P. 477.

[31] DALLARI, Dalmo de Abreu. Normas gerais sobre saúde: cabimento e limitações. Artigo extraído do Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD), pág. 61, disponibilizado no sítio do Ministério Público do Estado do Paraná (http://www.saude.caop.mp.pr.gov.br).

[32] Como bem definido por ROQUE ANTONIO CARRAZZA, autonomia financeira é “o conjunto de meios, tributários ou orçamentários, que levam a pessoa política a obter os recursos com os quais garantirá as demais autonomias (autonomia política, autonomia administrativa e autonomia legislativa.” (Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros. 28ª ed. P. 574. Rodapé 12.).

[33] BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. [atual: Misabel Abreu Machado Derzi]. Rio de Janeiro: Forense, 2010, P. 587/588

[34] STF. Tribunal Pleno. RE 572.762-9. Dje nº 167, de 04/09/2008. Ementário 2331-4.

[35] ADIn nº 939-DF, Tribunal Pleno, RTJ 151.

[36] Hierarquia e sistema tributário. São Paulo: Quartier Latin. 2011. P. 262

[37] Vide, por exemplo, ADI 1.417-MC e ADI 1.667-MC.

[38] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros. 28ª ed. P 303-306.

[39] Este dispositivo previa que o imposto de renda “não incidirá, nos termos e limites fixados em lei, sobre rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, pagos pela previdência social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a pessoa com idade superior a sessenta e cinco anos, cuja renda total seja constituída, exclusivamente, de rendimentos do trabalho”.

[40] STF, RE 372600, Relator Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, DJ 23-04-2004.

[41] Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros. 2012. P. 35.

[42] “Art. 154. A União poderá instituir:

I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;”

[43] A nosso ver, a edição de Emenda Constitucional, por requerer quórum mais qualificado, supre o requisito da instituição de tributo residual por lei complementar.

[44] Recurso Extraordinário 573.675-0, onde o Pleno do STF, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, declarou a constitucionalidade da contribuição de iluminação pública, instituída com base no artigo 149-A, da CR/88.

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Sobre o autor
Luis Henrique Marotti Toselli

Mestrando em Direito Tributário pela PUC/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Especialista em Direito Previdenciário pela Escola Paulista de Direito – EPD. Advogado em São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOSELLI, Luis Henrique Marotti. Tributação e cidadania. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4073, 26 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29343. Acesso em: 25 abr. 2024.

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