Das provas no processo penal e os paradigmas do instituto da reconstituição do crime
Guilherme Batista Gomes Rocha | Natália Fagundes Coelho
RESUMO: O presente trabalho visa trazer à baila a importância de todo o conjunto probante no processo penal. A justiça criminal deve dispor de recursos eficientes para a elucidação do crime, bem com o conhecimento do modus operandi do agente. Assim, por meio deste trabalho ficou límpido que a prova pericial bem como o instituto da reconstituição de crime são pilares importantes da investigação criminal para que a persecução penal seja eficiente. Como qualquer meio de prova no processo penal, tais provas apresentam limitações para que o Estado exerça o jus puniendi de forma isonômica, justa e ponderada, sem qualquer arbitrariedade frente às garantias constitucionais.
PALAVRAS-CHAVE: Provas no processo penal; persecução penal; investigação criminal, garantias constitucionais.
1.0 INTRODUÇÃO
É notório que, todo o conjunto probante, relacionado com autoria e materialidade de um crime, é essencial para a persecução penal.
Para o nobre doutrinador Távora (2013), o convencimento do julgador é o cerne das partes que litigam em juízo, que procurarão fazê-lo por intermédio de todo o manancial probatório carreado aos autos. Esta é a fase da instrução processual, onde se utilizam os elementos disponíveis para descortinar a "verdade" do que se alega, na busca de um provimento judicial favorável.
Deve-se buscar o melhor resultado possível, isto é, os processos devem ser revestidos de qualidade, isentos de suposições e deduções arbitrárias, visto que somente poderá haver condenação em face da certeza de culpabilidade.
Segundo Pacelli (2013), a prova judiciária tem como vertente basilar a reconstrução dos fatos investigados:
“A prova judiciária tem um objetivo claramente definido: a reconstrução dos fatos investigados no processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço e no tempo. A tarefa, portanto, é das mais difíceis, quando não impossível: a reconstrução da verdade.”[1]
Por mais difícil que seja e por mais improvável que também seja a hipótese da reconstrução da realidade histórica esse é um compromisso irrenunciável da atividade estatal jurisdicional.
2.0 DAS PROVAS
O Código de Processo Penal, a partir do título VII, contemplou um conjunto de regras que regulamentam a produção de provas no âmbito do processo criminal. De modo que estabeleceu normas gerais relacionadas aos critérios a serem relacionados pelos magistrados na valoração dos elementos de convicção carreados ao processo e ao ônus probante, bem como disciplinou determinados meios específicos de prova, ou seja, elementos trazidos ao processo capazes de orientar o juiz na busca da verdade dos fatos.
2.1 A ATUAÇÃO PROCESSUAL DAS PARTES EM RELAÇÃO À PERÍCIA
A lei 11690/2008 que modificou a redação do art. 159 do CPP, facultou ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado o direito à formulação de quesitos e à indicação de assistente técnico. Estabeleceu, outrossim, que o assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, devendo as partes ser intimadas da decisão de admissão.
Conforme o regramento disposto no art. 159, do CPP, o assistente técnico poderá atuar apenas depois de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas dessa decisão.
Quanto à posse e guarda do objeto da perícia, o parágrafo 6º do art. 159 determina que, o objeto da perícia ficará sob a guarda e vigilância dos peritos do juízo (oficial ou leigos). Assim, não sendo suficiente o contato com elementos formais integrantes dos autos e com as conclusões dos peritos oficiais e necessitando o assistente técnico interagir diretamente com esse objeto (v.g., a arma do crime, a fibra encontrada no local do fato, a peça de vestuário contendo resíduos de sangue etc.), poderá ter acesso ao material probatório que serviu de base à perícia, o qual, porém, “será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sob sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação”.
Para o respeitado processualista Távora (2013), as conclusões feitas pelo assistente segue o mesmo regramento disciplinado para os peritos oficiais:
“As conclusões do assistente serão vazadas em parecer técnico, a ser apresentado em prazo estabelecido pelo magistrado. Entendemos que a regra deve ser o prazo de dez dias, por analogia ao parágrafo único do art.160 do CPP, ao tratar do prazo para os peritos apresentarem o seu laudo. Se houver motivo justificado, não enxergamos obstáculo para a prorrogação,existindo requerimento neste sentido. Os assistentes também poderão ser inquiridos na audiência de instrução e julgamento,pressupondo requerimento dos interessados. Poderá haver até mesmo acareação entre os assistentes de acusação e da defesa, ou entre eles e o perito do juízo, tudo em prol do maior e melhor esclarecimento técnico possível. Estamos diante de mais um meio de prova, afinal, o magistrado, se assim estiver convencido, poderá afastar o laudo oficial e valer-se do parecer do assistente para lastrear a decisão.”[2]
2.2 DA PROVA PERICIAL
No atual modelo processual, não existe hierarquia entre as provas, tendo em vista que o juiz atua com liberdade de convencimento, dele se exigindo apenas a motivação do julgado.
Pacelli (2013) assevera que a prova pericial consiste numa prova técnica de cunho científico específico:
“A prova pericial, antes de qualquer outra consideração, é uma provatécnica, na medida em que pretende certificar a existência de fatos cuja certeza, segundo a lei, somente seria possível a partir de conhecimentos específicos. Por isso, deverá ser produzida por pessoas devidamente habilitadas, sendo o reconhecimento desta habilitação feito normalmente na própria lei, que cuida das profissões e atividades regulamentadas, fiscalizadas por órgãos regionais e nacionais.”[3]
A infração penal quando deixar vestígios, a materialidade do delito e/ou a extensão de suas conseqüências deverão ser objeto de prova pericial, a ser realizada diretamente sobre o objeto material do crime, o corpo de delito, ou, não mais podendo sê-lo, pelo desaparecimento inevitável do vestígio, de modo indireto.
Já o exame de corpo de delito indireto é realizado com a ajuda de meios acessórios, alternativos, pois o corpo de delito não mais subsiste para ser cerne do exame. Como exemplo, considere que uma vítima de lesões tenha comparecido meses depois, quando então os hematomas já estavam sanados. Resta a tentativa de elaboração do laudo por outros meios, como a utilização de fotos que tenham sido tiradas à época da agressão, prontuários médicos, dentre outros.
A regra estabelecida pelo Código de Processo Penal é a de que o exame de corpo de delito possa ser feito em qualquer dia e hora, sem restrições quanto aos feriados e períodos noturnos (art. 161).
A prova pericial se faz por meio da elaboração de laudo técnico, pelo qual o(s) expert(s) responderão às indagações e aos esclarecimentos requeridos pelas partes e pelo juiz, por meio de quesitos (Pacelli, 2013).
2.3 DA NECESSIDADE DO LAUDO PERICIAL
Deixando a infração vestígios, a realização do exame direto ou indireto é obrigatória, podendo ser suprida, como já visto, pela utilização da prova testemunhal (art. 167, CPP).
"A não realização de perícia não implica nulidade do processo, vejamos a lição de Távora (2013):“A não realização da perícia implicaria nulidade absoluta do processo, a teor do art. 564, m, b, do Código de Processo Penal, com a ressalva da possibilidade de utilização das testemunhas. Tal a saída do código, que não nos parece, contudo, a mais adequada para todos os casos. No transcorrer do processo, percebendo o magistrado a ausência do exame, a determinação ex officio supriria a omissão. Em não sendo possível a realização do exame, e percebendo que a materialidade não ficou demonstrada, a alternativa é a absolvição do réu, e não O reconhecimento da nulidade do processo. Por sua vez, a condenação sem a perícia implicaria nulidade insanável.”[4]
Uma observação importante a se fazer é que, quanto à admissibilidade da inicial acusatória, nada restringe, nas infrações que deixam vestígios, que e a denúncia ou a queixa sejam recebidas sem estar acompanhadas da prova pericial. Isso se deve porque o exame pode ser realizado no curso do processo. Contudo, o mestre Távora (2013) tece ressalvas importantes:
“Contudo, se a lei exigir como condição de procedibilidade ao início do processo a prévia realização do laudo, a sua presença lastreando a denúncia ou a queixa será obrigatória. Caso contrário, a exordial deve ser rejeitada. É o que ocorre com as infrações contra a propriedade imaterial que deixam vestígios (art. 525, CPP). O mesmo acontece na Lei nO 11.343/2006 (tóxicos), onde o laudo de constatação é requisito essencial para a lavratura do flagrante e para a oferta da denúncia (art. 50, § 10).”[5]
2.4 DO INSTITUTO DA RECONSTITUIÇÃO DO CRIME
A reconstituição do crime ou reprodução simulada vem instituída no art. 7º do Código Processo Penal:
Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública.
Depreende-se do referido dispositivo legal que, a reprodução simulada visa à compreensão do modus operandi do agente. O legislador ordinário, sabidamente, materializou a preocupação de tal recurso investigativo não conflitar com os bons ditames da moralidade ou ordem pública.
Para Mehmeri (1992) esse recurso é uma importante providência instrutória a cargo da autoridade policial
“Está compreendida no elenco das providências instrutórias a cargo da autoridade policial. Esta autoridade poderá proceder à reconstituição nos casos de complexa elucidação, principalmente quando houver dúvidas sobre posicionamento, distância, existência de obstáculos, etc.”[6]
Para Luiz Carlos Rocha, a reconstituição apresenta certas características
"(a) quanto à natureza, é uma prova mista, baseada nas informações e nas fotografias, filmagens ou vídeos feitos na ocasião da diligência; b) quanto ao objetivo, verificar como o crime foi praticado; c) quanto ao modo de fixação, é documentada pelo relatório pericial, ilustrado com fotografias seriadas com legendas e croquis; d) quanto à oportunidade, é procedida geralmente na apuração de crimes de homicídio, acidentes de trânsito e contra o patrimônio" [7]
Como elemento de prova obtido no inquérito policial está sujeita as mesmas imitações dos demais meios de prova levados a efeito nesta fase da persecução penal.
Sob o manto constitucional, o indiciado não poderá jamais ser compelido a participar dos atos de reconstituição, visto que essa imposição obrigatória poderia causar um constrangimento ilegal o qual não está obrigado a suportar, além de ferir um princípio da Magna Carta que é o de não auto-incriminação – Nemo tenetur se detegere. Na mesma linhagem segue a jurisprudência do STF
"O suposto autor do ilícito penal não pode ser compelido, sob pena de caracterização de injusto constrangimento, a participar da reprodução simulada do fato delituoso. Do magistério doutrinário, atento ao princípio que concede a qualquer indiciado ou réu o privilégio contra auto-incriminação, resulta circunstância de que é essencialmente voluntária a participação do imputado ao ato – provido de indiscutível eficácia probatória – caracterizador de reprodução simulada do fato delituoso" (RT 697:385-6).
3.0 CONCLUSÃO
Assim, por meio deste trabalho ficou límpido que a prova pericial bem como o instituto da reconstituição de crime são pilares importantes da investigação criminal para que a persecução penal seja eficiente. Como qualquer meio de prova no processo penal, tais provas apresentam limitações para que o Estado exerça o jus punied de forma isonômica, justa e ponderada, sem qualquer arbitrariedade frente às garantias constitucionais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Juspodivm. 8ª edição, 2013.
- PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. Atlas. 17ª Edição, 2013.
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. Atlas. 17ª Edição, 2013, pág. 325.
[2] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Juspodivm. 8ª edição, 2013, pág. 415.
[3] PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. Atlas. 17ª Edição, 2013, pág. 439.
[4] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Juspodivm. 8ª edição, 2013, pág. 419.
[5] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Juspodivm. 8ª edição, 2013, pág. 419.
[6] MEHMERI, Adilson. Inquérito Policial (dinâmica). São Paulo: Saraiva, 1992. Pág. 259.
[7] ROCHA, Luiz Carlos. Investigação Policial. Teoria e prática. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. Pág. 104.