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Das espécies de prisão em flagrante

15/06/2014 às 16:22

Resumo:

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  • A prisão em flagrante é definida como uma medida cautelar de privação de liberdade, aplicada a quem é surpreendido cometendo ou logo após cometer um delito, sem necessidade de ordem judicial prévia.

  • Existem diversas espécies de flagrante, incluindo o flagrante próprio, impróprio, presumido, facultativo, obrigatório, preparado, forjado, esperado e prorrogado, cada um com características específicas que determinam sua aplicabilidade.

  • O flagrante preparado e forjado são considerados ilegais e passíveis de relaxamento, enquanto o flagrante esperado e prorrogado são, em tese, legais e permitem ação policial baseada em informação prévia ou autorização judicial para retardar a intervenção.


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Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

São nove as espécies de flagrante: facultativo, obrigatório, próprio, impróprio, presumido, preparado, forjado, esperado e prorrogado.

INTRODUÇÃO

Lembro-me como se fosse ontem a magnífica aula de meu professor de Direito Penal, hoje Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, explicando para a turma de Direito algumas das espécies de prisão em flagrante. Muito embora a matéria seja de direito adjetivo, isto é, processual, o professor nos explanou de maneira simples, adequando aos exemplos dados em sala, numa aula sobre crime impossível, quais eram os tipos de prisão em flagrante. É daí que inicio o estudo sobre as espécies de flagrante.

Prisão em flagrante nada mais é do que o ato constritivo de liberdade, de natureza processual, do sujeito ativo do delito que está praticando ou acabou de praticá-lo. Daí, podemos conceituar a prisão em flagrante como sendo a medida cautelar de privação de liberdade daquele que praticou o delito, está cometendo, é perseguido logo após o crime ou preso logo depois com objetos que façam presumir ser o autor do crime, sendo prescindível qualquer autorização judicial e não caracterizando antecipação de pena.

Neste sentido, Fernando Capez sintetiza bem o conceito de prisão em flagrante, como sendo “medida restritiva de liberdade, de natureza cautelar e processual, consistente na prisão, independentemente de ordem escrita do Juiz competente, de quem é surpreendido cometendo ou logo após cometer um crime ou uma contravenção” (p. 175). Trata-se de mecanismo de autodefesa da sociedade, ao permitir qualquer pessoa de privar, temporariamente, aquele que está praticando ou praticou infração penal, da sua liberdade de locomoção, sendo desnecessário mandado de prisão.

É verdadeira espécie de prisão cautelar (muito embora Aury Lopes Jr. entenda se tratar de pré-cautelaridade – p. 796). Por não consistir em prisão-pena, enquadra-se como espécie do gênero prisão provisória/processual. Assim, para que ocorra, é necessário o preenchimento dos requisitos do fumus boni iuris (fumus comissi delicti) e periculum in mora (periculum libertatis), como bem asseverou Tourinho Filho: “Tratando-se, como se trata, de providência cautelar, indispensável a coexistência dos dois pressupostos: fumus boni juris e periculum libertatis, mesmo porque medida cautelar não há que dispense sua conglomeração” (p. 445).

Para Paulo Rangel, são ainda necessários dois outros requisitos, além dos pressupostos acima descritos: a atualidade e a visibilidade. Assim, “a atualidade é expressa pela própria situação flagrancial, ou seja, algo que está acontecendo naquele momento ou acabou de acontecer. A visibilidade é a ocorrência externa ao ato. É a situação de alguém atestar a ocorrência do fato ligando-o ao sujeito que o pratica. Portanto, somadas a atualidade a visibilidade tem-se o flagrante delito” (p. 585).

Regra geral, os artigos 301 e seguintes do Código de Processo Penal dispõem sobre a prisão em flagrante. No entanto, outras diversas normas regem o assunto, tais como a Constituição Federal, a Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 9.034/95), a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06), a Lei de Lavagens de Capitais (Lei nº 9.613/98), entre outras.


DAS ESPÉCIES DE FLAGRANTE

Pois bem, repassado de maneira genérica essa pequena introdução sobre o conceito, fundamento, natureza jurídica e disposição normativa, passamos ao tema principal: as espécies de prisão em flagrante.

São nove as espécies de flagrante: a) facultativo; b) obrigatório; c) próprio; d) impróprio; e) presumido; f) preparado; g) forjado, h) esperado; e i) prorrogado.


DO FLAGRANTE FACULTATIVO E DO OBRIGATÓRIO

O flagrante facultativo e o obrigatório fazem referência ao sujeito ativo da prisão, ou seja, aquele que efetua a prisão em flagrante.

Consiste o flagrante facultativo na possibilidade de qualquer do povo efetuar a prisão daquele que está praticando o delito ou esteja em outra situação legítima de flagrante. Trata-se de hipótese de exercício regular do direito, atribuindo a faculdade de qualquer pessoa dar voz de prisão àquele que pratica (ou praticou) a infração penal. A situação está regulada no artigo 301, primeira parte, do Código de Processo Penal.

Sobre o assunto, é o magistério de Renato Brasileiro de Lima: “Extrai-se do art. 301 do CPP que qualquer do povo poderá prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. Percebe-se, pois, que o particular (inclusive a própria vítima) tem a faculdade de prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. Para o particular, portanto, a prisão em flagrante configura exercício regular de direito” (p. 1276).

Imagine-se a seguinte situação: o proprietário de uma loja é vítima de um furto. Ao notar a subtração, quando o sujeito já estava em fuga, o proprietário, em perseguição imediata, consegue alcançar o autor do delito e detê-lo. Nessa hipótese, é facultado ao proprietário/vítima dar voz de prisão ao autor do delito e conduzi-lo, coercitivamente, se necessário for, até a delegacia de polícia. Trata-se, portanto, de exemplo de flagrante delito facultativo.

A segunda espécie de flagrante é o obrigatório, compulsório ou coercitivo. Consiste na atuação coativa, isto é, compulsória, de certas pessoas, para prender aquele que está em situação de flagrante delito, consoante se depreende da parte final do artigo 301 do Código de Processo Penal. Essas pessoas são agentes públicos ligados às forças policiais, tais como policiais civis, militares, federais, rodoviários etc. Tais agentes tem o dever legal de efetuar a prisão daquele que está praticando (ou praticou) a infração penal. Para os demais agentes públicos, incluindo promotor de justiça e juiz de direito, não há a obrigatoriedade, mas, sim, mera faculdade.

Para Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar dissertam que essa situação de flagrante “alcança a atuação das forças de segurança, englobando as policias civil, militar, rodoviária, ferroviária e o corpo de bombeiros militar (art. 144 da CF). Estas têm o dever de efetuar a prisão em flagrante, sempre que a hipótese se apresente (art. 301, in fine, CPP). Entendemos que esta obrigatoriedade perdura enquanto os integrantes estiverem em serviço. Durante as férias, licenças, folgas, os policiais atuam como qualquer cidadão, e a obrigatoriedade cede espaço à mera faculdade” (p. 463).


DO FLAGRANTE PRÓPRIO, DO IMPRÓPRIO E DO PRESUMIDO

A terceira espécie denomina-se flagrante próprio, propriamente dito, verdadeiro, perfeito ou real, e tem sua previsão legal no artigo 302, incisos I e II, do Código de Processo Penal. Está em situação de flagrante verdadeiro aquele que é surpreendido praticando a infração ou acaba de cometê-la. Nesse caso, o agente é encontrado executando o delito ou imediatamente após praticá-lo, havendo uma relação de absoluta imediatidade (rectius: sem intervalo de tempo) entre a prática do delito e o momento em que é surpreendido.

Assim, o flagrante próprio “caracteriza-se quando o agente está cometendo a infração penal ou acabou de cometê-la. (...) Observe-se que, (...) a expressão ‘acaba de cometê-la’ deve ser interpretada de forma totalmente restritiva, contemplando a hipótese do indivíduo que, imediatamente após a consumação da infração, vale dizer, sem o decurso de qualquer intervalo temporal, é surpreendido no cenário da prática delituosa” (Avena, p. 779).

Exemplificando a situação de flagrante real, suponha o agente, querendo matar outrem, saca de seu revólver e desfere vários tiros contra a vítima. No entanto, no momento da execução, policiais militares intervêm ao feito e logram prender o autor dos disparos. Ou, na segunda hipótese, após acertar o alvo, ocasionando a sua morte, antes de fugir, populares detém o autor do homicídio. Note-se que, no primeiro caso, o crime está ainda em execução, independentemente da ocorrência posterior da morte do agente, sendo mais comum a configuração da figura da tentativa. Já na segunda hipótese, há a morte da vítima (consumação do crime), porém, o autor é preso quase que instantaneamente, ainda no local dos fatos, ou em suas proximidades.

O quarto tipo de flagrante é o impróprio, também chamado de imperfeito, quase-flagrante ou irreal. É a situação descrita no inciso III, do artigo 302 do Código de Processo Penal. Ocorre quando “o agente é perseguido pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer outra pessoa logo após a prática do fato delituoso, em situação que faça presumir ser autor da infração” (Bonfim, p. 406).

Para que ocorra esse tipo de flagrante, é imprescindível que a) haja perseguição do agente logo após a prática do delito; b) esteja em situação que faça presumir sua autoria. Nas palavras de Renato Brasileiro de Lima, trata-se de requisitos de atividade/temporal e circunstancial (p. 1278). Já Paulo Rangel (p. 591) entende que são três outros os requisitos para caracterização do flagrante irreal: a) volitivo (vontade das pessoas mencionadas no artigo), b) temporal (logo após) e o fático (o agente se encontre em situação que faça presumi-lo autor da infração).

O fato é que tendo o agente praticado o delito e haja a sua perseguição, logo após, sendo encontrado em situação que faça presumir sua autoria, é possível a sua prisão, por estar em quase-flagrante.

O importante, nesta espécie, é definir a expressão “logo após”. A doutrina majoritária, aqui delineada novamente pelo pensamento de Renato Brasileiro de Lima, posiciona nesta linha: “Por logo após compreende-se o lapso temporal que permeia entre o acionamento da autoridade policial, seu comparecimento ao local e a colheita de elementos necessários para que dê início à perseguição do autor” (p. 1278/1279).

Eugênio Pacelli de Oliveira prefere adotar a aplicabilidade da expressão no caso concreto, desde que configure a imediatidade entre a prática do crime e a prisão do agente: “O que deve ser decisivo aqui é a imediatidade da perseguição (...) para fim de caracterizar a situação de flagrante. A perseguição, como ocorre em qualquer flagrante, pode ser feita por qualquer pessoa do povo (art. 301, CPP) e deve ser iniciada logo após o cometimento do fato, ainda que o perseguidor não o tenha efetivamente presenciado. Não há um critério legal objetivo para definir o que seja o logo após, mencionando no art. 302, devendo a questão ser examinada sempre a partir do caso concreto, pelo sopesamento das circunstâncias do crime, das informações acerca da fuga e da presteza da diligência persecutória” (p. 526).

A jurisprudência já se posicionou no seguinte sentido, no que se refere ao quase-flagrante: “Prisão em flagrante. Flagrante impróprio, no qual a autoridade perseguiu os acusados ao logo de estrada de rodagem, até os alcançar já detidos por policiais rodoviários (CPP, 302, III)”. (STF. RHC 66.444/SP. Rel. Min. Carlos Madeira. 2ª T. Julg. 17.06.1988).

Abre-se parêntesis a fim de consignar que não há prazo para a prisão em flagrante. Isto é, o dito de que a prisão em flagrante deve ocorrer até 24 horas conseguintes ao crime não é verdadeiro, uma vez que não existe limite temporal legal. Deste modo, havendo continuidade da perseguição (não pode haver interrupção), é possível a prisão em flagrante, a qualquer momento, do agente.

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Destarte, o que deve se levar em mente, para que configure a prisão em flagrante impróprio, é a imediata e contínua perseguição do agente delituoso, logrando êxito em prendê-lo em situação que faça presumir ser o autor do fato.

A próxima espécie é a prisão em flagrante presumido, assimilado, ficto ou reputé flagrant (do direito francês), segundo o qual o agente é encontrado logo depois da prática delituosa com instrumentos, objetos, armas ou qualquer coisa que faça presumir ser ele o autor da infração, sendo desnecessária a existência de perseguição. Três, portanto, são os elementos desse flagrante: a) encontrar o agente (atividade), b) logo depois (temporal), c) presunção de autoria, com armas ou objetos do crime.

Nestor Távora e Fábio Roque de Araújo, ao comentar o inciso IV do artigo 302 do Código de Processo Penal, ensinam que “Neste caso, não é necessário que haja perseguição. O lapso temporal entre a infração penal e a efetivação da prisão pode ser ainda mais elastecido do que o flagrante impróprio” (p. 379). Destarte, embora posicionamentos diversos (vide Renato Brasileiro de Lima, p. 1281), a doutrina majoritária tem entendido que a expressão logo após e logo depois não são sinônimas (Tourinho Filho, p. 456), atribuindo um lapso de tempo maior para o caso de “logo depois”, a ser verificada no caso concreto.

O Supremo Tribunal Federal, em precedentes, dispensa, inclusive, em casos de flagrante presumido, que a prisão seja efetuada na mesma comarca. In verbis: “Em se tratando de flagrante presumido (art. 302, IV, do CPP), como no caso sub judice, a prisão pode ocorrer em localidade diversa daquela onde o crime consumou” (STF. HC 102646/PR. Rel. Min. Luiz Fux. 1ª T. Julg. 02.08.2011).

A título ilustrativo, suponha-se a hipótese de um homicídio por arma branca, em que o agente foge do local, porém, fica escondido em um viaduto abandonado. Caso haja perseguição e seja encontrado em situação que faça presumir ser o autor do delito, haverá flagrante impróprio. Todavia, no caso de ser encontrado em uma batida policial, com intuito de localizar o agente, de posse da faca utilizada no crime, ainda com sangue da vítima, a hipótese é de flagrante ficto. Veja que, no primeiro caso há perseguição logo após a prática do delito. Na segunda hipótese, o agente foi encontrado de posse da faca, instrumento utilizado para a prática do homicídio, presumindo ser o autor.

Enfim, resume a jurisprudência essas três primeiras espécies de flagrante: “Para fins de prisão em flagrante delito, nos termos do art. 302 do CPP, é preciso que o acusado esteja cometendo o crime ou tenha acabado de cometê-lo (flagrante próprio); tenha sido perseguido, logo após, pela autoridade, pela vítima ou por qualquer pessoa, em situação que se fizesse presumir ser o autor da infração (flagrante impróprio); ou seja encontrado, logo depois, com instrumento, armas, objetos ou papéis que fizessem presumi-lo ser o autor da infração (flagrante presumido)”. (STJ. RHC 24.027/PI. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. T5. Julg. 14.10.2008).


DO FLAGRANTE PREPARADO E DO FORJADO

A sexta espécie de flagrante é o preparado, também denominado como provocado, crime de ensaio, delito putativo por obra do agente ou delito de experiência. Ocorre quando o agente é instigado a praticar o delito, caracterizando verdadeiro crime impossível. Corroborando com essa definição, Norberto Avena afirma que o flagrante preparado “é aquele pelo qual o agente é instigado a praticar o crime, não sabendo, porém, que está sob a vigilância atenta da autoridade ou de terceiros, que só aguardam o início dos atos de execução para realizar o flagrante” (p. 788).

Nessa espécie há a figura de um agente provocador que induz o delituoso a praticar o crime. Na verdade, o autor do fato delituoso é na verdade mero “ator” de uma trama ensaiada para prendê-lo em flagrante, uma vez que há adoção de precauções para que o crime não se consume. Portanto, dois são os elementos do flagrante provocado: a) existência de agente provocador; b) providências para que o crime não se consume.

Aury Lopes Junior disserta que “o flagrante provocado também é ilegal e ocorre quando existe uma indução, um estímulo para que o agente cometa um delito exatamente para ser preso. Trata-se daquilo que o Direito Penal chama de delito putativo por obra do agente provocador. Bitencourt explica que isso não passa de uma cilada, uma encenação teatral, em que o agente é impelido à prática de um delito por um agente provocador, normalmente um policial ou alguém a seu serviço” (p. 807/808).

Já decidiu o Supremo Tribunal Federal no sentido de que inexistindo induzimento, estimulo ou provocação da autoridade pública, não há que se falar em flagrante preparado (STF. HC. 82.124/SC. Rel. Min. Celso de Melo. 2ª T. Julg. 24.09.2002).

Situação interessante é a de venda simulada de drogas, quando o agente provocador incita o traficante a vender-lhe drogas, e, após, dá-lhe a voz de prisão. Na verdade, a prisão ocorre não pela venda em si da droga (pois, flagrante preparado), mas, sim, pelo portar, trazer consigo, guardar, ter em depósito a droga. Em outras palavras, a há a indução da venda, motivo pelo qual não poderá o agente ser denunciado por esse critério, porém, pelos demais verbos-núcleos que preexistiam à venda, ou seja, que o agente praticou antes de vender, é possível a sua prisão em flagrante (Avena, p. 789; Lima, p. 1284/1286).

Seguindo. A próxima modalidade de flagrante é o forjado, maquiado, fabricado, urdido ou armado. Consiste em uma situação falsa de flagrante criada para incriminar alguém. “É aquele armado, fabricado, realizado para incriminar pessoa inocente. É a lídima expressão do arbítrio, onde a situação de flagrância é maquinada para ocasionar a prisão daquele que não tem conhecimento do ardil. (...) É uma modalidade ilícita do flagrante, onde o único infrator é o agente forjador, que pratica o crime de denunciação caluniosa (art. 339 CP), e sendo agente público, também abuso de autoridade (Lei nº 4.898/65)” (Távora e Alencar, p. 467).

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

Ou, ainda, parafraseando meu mestre acadêmico, trata-se de flagrante “Ai, Jesus!” que ocorre quando, por exemplo, os policiais jogam, no bolso na vítima do flagrante forjado, no momento da revista pessoal, um pacote de drogas, com intuito de incriminá-lo. Ao retirarem a droga do bolso e indaga-lo sobre aquele invólucro, a vítima, assustada, diz: “Ai, Jesus!”.

Brincadeiras a parte, essa situação de flagrante fabricado ocorre reiteradamente no cotidiano policial, a fim de justificar atos ilegais praticados pela polícia, conforme vemos reiteradamente nos noticiários televisivos. Não é incomum a armação de flagrante no caso de invasão de domicílio, sem mandado, quando nada é encontrado no seu interior; quando há o enxerto de drogas ou de armas em um veículo, entre outros inúmeros exemplos. Em qualquer dos casos, cuida-se de ilegalidade de flagrante.

O Superior Tribunal de Justiça já interpretou a diferença entre esses dois tipos de flagrante: “No flagrante preparado, a polícia provoca o agente a praticar o delito e, ao mesmo tempo, impede que ele se consume, cuidando-se, assim, de crime impossível, ao passo que no flagrante forjado, a conduta do agente é criada pela polícia, tratando-se de fato atípico, (...)”. (STJ. HC. 204.426/SP. Rel. Min. Jorge Mussi. T5. Julg. 23.04.2013).

Em suma, há flagrante preparado ou provocado quando há a figura do agente provocador (indução) e há adoção de precauções para que o crime não se consume. Trata-se de crime de ensaio, portanto, ilegal e impossível, nos termos do artigo 17 do Código Penal e Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal. Por outro lado, há flagrante forjado, quando uma situação é armada a fim de incriminar o agente, legitimando falsamente a prisão em flagrante. Ocorrendo qualquer uma das hipóteses, é causa de relaxamento da prisão em flagrante.


DO FLAGRANTE ESPERADO E DO PRORROGADO

As duas últimas hipóteses de flagrante são o flagrante esperado e o prorrogado. Ambas as formas são, em tese, legais.

Há flagrante esperando quando terceiros (policiais ou particulares) dirigem-se ao local onde irá ocorrer o crime e aguardam a sua execução. Neste caso, não há a figura de um agente provocador, ou seja, não há indução para a prática do crime. É o caso de campanas realizadas pelos policiais que, após informações sobre o crime, aguardam o início da sua execução no local, com a finalidade de prender o criminoso em flagrante.

Paulo Rangel entende que o flagrante esperado é sinônimo de flagrante diferido ou retardado (p. 602), o que não é o caso.

Por sua vez, Pacelli entende que, em regra, não há uma real diferença entre o flagrante preparado e o esperado, por se tratar, em ambos os casos, de crime impossível, dando o seguinte exemplo: “duzentos policiais postados para impedir um crime provocado por terceiro (o agente provocador) têm a mesma eficácia ou eficiência que outros duzentos policiais igualmente postados para impedir a prática de um crime esperado” (p. 531). Nessa hipótese, conclui: “de duas, uma: ou se aceita ambas as hipóteses como de flagrante válido, como nos parece mais acertado, ou as duas devem ser igualmente recusadas, por coerência na respectiva fundamentação” (idem).

Acompanha parcialmente esse entendimento Rogério Greco, apud Renato Brasileiro de Lima, aduzindo que o flagrante esperado pode se tornar crime impossível, no caso de esquema infalível de proteção ao bem jurídico tutelado, de tal forma que o crime jamais possa se consumar (p. 1283).

A jurisprudência, contudo, tem decidido pela validade do flagrante esperado. A propósito confira precedente do Supremo Tribunal Federal: “Não caracteriza flagrante preparado, e sim flagrante esperado, o fato de a Polícia, tendo conhecimento prévio de que o delito estava prestes a ser cometido, surpreende o agente na prática da ação delitiva” (STF. HC 78250/RS. Rel. Min. Maurício Correia. 2ª T. Julg. 15.12.1998). E também: “O fato como descrito na denúncia amolda-se ao que a doutrina e jurisprudência têm denominado flagrante esperado, dado que dele não se extrai que o paciente tenha sido provocado ou induzido à prática do crime. Ademais, a denúncia imputa ao paciente outros delitos que, antes do flagrante, já teriam consumado” (STF. HC 86066/PE. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. 1ª T. Julg. 06.09.2005). Não menos importante: “verifica-se o flagrante esperado na hipótese em que policiais, após obterem, por meio de interceptação telefônica judicialmente autorizada, informações de que quadrilha armada pretende realizar roubo em estabelecimento industrial, consegue, por meio de ação tempestiva, evitar a consumação da empreitada criminosa” (STJ. HC. 84.141/SP. Rel. Min. Felix Fischer. T5. Julg. 20.11.2007).

Quanto aos sistemas de vigilância, como o de monitoramento eletrônico (câmeras), seguranças particulares que acompanham/fiscalizam o agente etc., a jurisprudência também tem decidido no sentido de existir o crime, tendo em vista a possibilidade, ainda que mínima, da consumação do delito. Neste sentido: “A existência de sistema de monitoramento eletrônico ou a observação dos passos do praticante do furto pelos seguranças da loja não rende ensejo, por si só, ao automático reconhecimento da existência de crime impossível, porquanto, mesmo assim, há possibilidade de o delito ocorrer” (STJ. HC 216.114/RJ. Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura. T6. Julg. 07.11.2013).

Por fim, o flagrante é prorrogado, retardado, diferido, protelado ou por ação controlada quando, mediante autorização judicial, o agente policial retarda o momento da sua intervenção, para um momento futuro, mais eficaz e oportuno para o colhimento das provas ou por conveniência da investigação. Consiste, pois, “no retardamento da intervenção policial, que deve ocorrer no momento mais oportuno do ponto de vista da investigação criminal ou da colheita de provas”. (Lima, p. 1286). Possui previsão legal no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 9.034/1995 (organizações criminosas), artigo 53, inciso II, da Lei nº 11.343/06 (drogas) e artigo 4º-B, da Lei nº 9.613/98 (lavagem de capitais).

Esse tipo de flagrante tem objetivo o combate à macrocriminalidade e aos grandes criminosos, com a possibilidade de infiltração de agentes policiais em organizações criminosas.

Gustavo Badaró, citado por Aury Lopes Jr., posiciona-se no sentido de que esta espécie de flagrante – diferido – não é, a rigor, uma nova modalidade de prisão. O que se trata é apenas de uma autorização judicial para a postergação do flagrante. “A autoridade policial está autorizada, apenas, a deixar de proceder naquele exato momento, para que possa obter maiores informações que deem um lastro probatório mais robusto para a investigação. Depois disso, o que deverá ser feito – em caso de necessidade demonstrada – é representar pela prisão temporária ou definitiva. Com isso, o flagrante diferido não constitui uma nova modalidade de prisão, senão um instrumento-meio, com vistas à eficácia da investigação” (p. 810).

Embora não se considere verdadeira espécie de prisão em flagrante, o flagrante por apresentação, disposto nos revogados artigos 317 e 318 do Código de Processo Penal, tem-se entendido que a apresentação espontânea do autor do delito à polícia não cabe, em regra, a prisão em flagrante delito, uma vez que não caracteriza quaisquer das hipóteses do artigo 302 do supracitado códex.

A situação, a princípio, demonstra a ausência de periculum libertatis, impedindo a prisão em flagrante do agente. No entanto, verificados os pressupostos da prisão preventiva, nada impede que seja decretada a sua prisão provisória, pela autoridade competente. A propósito, eis a lição de Távora e Alencar: “quem se entrega à polícia não se enquadra em nenhuma das hipóteses legais autorizadoras do flagrante. Assim, não será autuado. Não obstante, se estiverem presentes os requisitos legais (...) poderá a autoridade policial representar ao judiciário pela decretação da prisão preventiva” (p. 467).


CONCLUSÃO

A prisão em flagrante é espécie de prisão provisória, isto é, possui natureza cautelar, e consiste em um verdadeiro mecanismo de defesa da sociedade. Trata-se de ato constritivo de liberdade de locomoção, assegurando a qualquer pessoa a possibilidade de prender alguém pela prática de infração penal.

Nove são as espécies de flagrante. O facultativo, praticado por qualquer do povo, com base no exercício regular do direito, e o obrigatório, em que é sujeito ativo da prisão a autoridade policial, cujo fundamento se encontra na regra do estrito cumprimento do dever legal.

Do artigo 302 do Código de Processo Penal podem-se retirar outras três espécies: o flagrante próprio (aquele que está praticando ou acaba de cometer o delito), o flagrante impróprio (perseguição logo após a prática do crime, em situação que faça presumir ser autor do delito) e o flagrante presumido (logo depois da infração penal, com objetos, instrumentos, que o façam presumir ser o autor).

Já o preparado e o forjado são espécies ilegais de flagrante delito, passível, portanto, de relaxamento. O flagrante preparado ocorre quando há um agente provocador, que instiga o autor a praticar o crime e, ao mesmo tempo, assegura a não realização do resultado pretendido (consumação). Por outro lado, há o flagrante forjado quando se cria uma situação para incriminar alguém.

Finalmente, o flagrante esperado e o prorrogado. O primeiro consiste no aguardo da prática criminosa, que é previamente conhecido. Não há interferência de agente provocador. Apenas há prévia informação sobre a prática delituosa e campana dos policiais para a prisão do agente delituoso. O flagrante prorrogado nada mais é do que a obtenção de autorização judicial para, em determinados crimes, o retardamento da prisão em flagrante dos agentes criminosos, em momento mais propício para a produção de provas ou para fins da investigação.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. São Paulo: Método, 2009.

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

CAPEZ, Fernando. Processo Penal. 16. Ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2006.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Niteroi: Impetus, 2011. Vol. 1.

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 16 ed. São Paulo: Altas, 2012.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 12. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2007.

TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 3. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2009.

TÁVORA, Nestor. ARAÚJO, Fábio Roque. Código de Processo Penal Para Concursos. Salvador: Jus Podivm, 2010.

TOURINHO FILHO, Fernando Costa. Processo Penal. 29. Ed São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 3.

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Sobre o autor
Irving Marc Shikasho Nagima

Bacharel em Direito. Especialista em Direito Criminal. Advogado Licenciado. Ex-Assessor de Juiz. Assessor de Desembargador. Autor do livro "Ações Cíveis de Direito Bancário", publicado pela Editora Del Rey. Coautor do livro "Estudos de Direito Criminal", publicado pela editora Urbi et Orbi.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NAGIMA, Irving Marc Shikasho. Das espécies de prisão em flagrante. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4001, 15 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29437. Acesso em: 22 dez. 2024.

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