CONCLUSÃO
A antinomia entre a usucapião extrajudicial (ou administrativa) de imóveis urbanos públicos, prevista no artigo 60 da Lei n. 11.977/2009, e a proibição de usucapião de bens públicos, prevista nos artigos 183, § 3º, e 191, parágrafo único, ambos da Constituição Federal, é apenas aparente, uma vez que, de fato, não há conflito.
Isso porque, embora o artigo 60 desvie-se da regra constitucional de proibição de usucapião de bens públicos, a interpretação sistemática demonstra que ele encontra perfeita guarida no seio do direito fundamental da função social da propriedade, facilitando e agilizando o procedimento de regularização fundiária de interesse social e, consequentemente, contribuindo para o fim maior de resguardar e concretizar a dignidade da pessoa humana, fundamento constitucional da República Federativa do Brasil (CF, art. 2º, III).
Também não há se falar em conflito entre as disposições constitucionais proibitivas da usucapião e aquelas que exigem das propriedades imóveis o desempenho de sua função social.
Analisando referidos dispositivos sob o ângulo dos princípios da unidade da Constituição e da proporcionalidade, é fora de dúvida que a regra proibitiva de usucapião de bens públicos sucumbe diante da obrigação imposta pela Constituição Federal, em forma de direito fundamental, de que toda propriedade imóvel urbana, seja pública ou não, exerça sua função social da forma mais ampla possível.
A Súmula 340 do Supremo Tribunal Federal também não deve ser óbice à usucapião extrajudicial. Editada ainda no ano de 1963, a referida Súmula não encontra mais legitimidade na atual realidade social, jurídica, demográfica e política do país.
Por fim, deve se ter em vista que a regra específica do artigo 60 da Lei n. 11.977/2009 excepcionou a regra geral do artigo 102 do Código Civil.
Logo, os Oficiais de Registro de Imóveis não tem nada a temer a respeito da aplicabilidade da usucapião extrajudicial (ou administrativa) prevista no artigo 60 da Lei n. 11.977/2009, mesmo quando a área a ser regularizada abranger imóveis pertencentes a pessoas jurídicas de direito público.
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Abstract: This article aims to make a succinct approach to the possibility of converting the landholding legitimation in property by adverse possession, expressed in the article 60 of the law n. 11.977/2009, when the landholding is of public goods, as it seems to be possible by reading the articles prior to said article, and, if so, this innovation is constitutional or not, given the prohibition on adverse possession of public goods introduced by the articles 183, § 3, and 191, sole paragraph, of the Constitution of the Brazilian Republic.
Key-words: Landholding legitimation; Conversion; Adverse possession; Public goods.