1. Considerações iniciais
A Lei Complementar 110, de 29.06.2001, instituiu, em seus arts. 1º e 2º duas novas contribuições sociais à cargo dos empregadores, incidentes, respectivamente:
I – no caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de 10% (dez por cento) sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), durante a vigência do contrato de trabalho, acrescidos das remunerações aplicáveis às contas vinculadas;
II – à alíquota de 0,5% (cinco décimos por cento), sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, ou seja, sobre a folha de pagamento de salários.
Essas contribuições devem ser recolhidas até o dia 7 (sete) de cada mês, em conta bancária vinculada, cabendo à Caixa Econômica Federal a apuração de débitos e das infrações praticadas pelo empregadores ou tomadores de serviços, nos termos dos arts. 15 e 23 da Lei 8.036/90.
De acordo com o art. 14 da Lei Complementar 110/2001, referidas contribuições passaram a ser devidas
a) noventa dias a partir da data inicial de sua vigência, relativamente à contribuição de 10%, devida nas despedida sem justa causa, ou seja, a partir de 28.09.2001, no caso da contribuição social devida à alíquota de 10% na despedida de empregados sem justa causa;
b) a partir do primeiro dia do mês seguinte ao nonagésimo dia da data de início de sua vigência, ou seja, a partir de 1º. 10.2001, no tocante à contribuição social devida à alíquota de 0,5% sobre a folha de pagamento de salários.
De acordo, ainda, com o parágrafo único do art. 1º e parágrafo 2º do art. 2º da Lei Complementar 110, de 29.06.2001, ficam isentas das contribuições:
"Art. 1º...
Parágrafo único. Ficam isentos da contribuição social instituída neste artigo, os empregadores domésticos.
Art. 2º...
Parágrafo 1º Ficam isentas da contribuição social instituída neste artigo:
I – as empresas inscritas no Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES, desde que o faturamento anual não ultrapasse o limite de R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais);
II – as pessoas físicas, em relação à remuneração de empregados domésticos;
III – as pessoas físicas, em relação à remuneração de empregados rurais, desde que sua receita bruta anual não ultrapasse o limite de R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais)."
Dessa forma, a partir do início da produção de efeitos da Lei Complementar 110/2001, as empresas passaram a se sujeitar às referidas contribuições sociais.
Todavia, a Lei Complementar 110/2001 está irremediavelmente comprometida por afrontar a Constituição Federal, conforme examinado nos tópicos a seguir.
2. Natureza jurídica das contribuições ao FGTS
O art. 7º, I, da Constituição Federal assegura aos trabalhadores entre outros direitos sociais, a proteção contra a demissão arbitrária ou sem justa causa, in verbis:
"Art. 7º. CF. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária sem justa causa, nos termos da lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos. "
No intuito de conferir eficácia imediata ao dispositivo constitucional acima mencionado, foi disciplinado no Ato das Disposições Constitucionais transitórias - ADCT em seu artigo 10, que a garantia do empregado em caso de despedida arbitrária, ficaria limitada ao pagamento de quarenta por cento do saldo da conta vinculada, nos seguintes termos:
"Art. 10. ADCT. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
I. Fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 65º caput § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966."
Diante da redação do mencionado dispositivo, o limite imposto constitucionalmente só pode ser alterado por emenda constitucional, ou como determina o caput, desde que seja promulgada lei complementar regulando o disposto no art. 7º, da Constituição Federal, ou seja, "nos termos da lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos", e não como pretendeu fazer a LC nº 110/2001 ao instituir as contribuições ora examinadas.
Impossível admitir-se que, da leitura destes dois dispositivos alguém possa concluir que as contribuições insertas nos arts. 1º e 2º da Lei Complementar 110/2001 objetivam, à semelhança da destinada ao FGTS, dar efetividade ao direito social consagrado no inciso III, do art. 7º, do capítulo II, da Carta Política de 1988.
A Constituição Federal não autoriza que por meio de lei complementar sejam instituídas outras contribuições a título de indenização por despedida arbitrária e, ainda, que esses valores não revertam ao respectivo beneficiário quando da sua despedida.
A indenização compensatória prevista no art. 7º, CF, é uma proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa assegurada ao trabalhador - que foi despedido arbitrariamente ou sem justa causa.
Assim, as exações instituídas pela LC nº 110/2001 nada têm em comum com as contribuições ao FGTS.
3. Destinação das contribuições instituídas pela Lei Complementar 110/01
As novas exações instituídas pela Lei Complementar 110/2001, visam arrecadar fundos para indenizar perdas sofridas pelas contas vinculadas do FGTS na implementação de Planos Econômicos, tais como o Plano Verão e o Plano Collor I.
Todavia, referidas contribuições serão exigidas de todas as empresas que possuírem empregados, inclusive daquelas que não existiam à época desses planos e, em contrapartida, não serão cobradas de empresas que existiam na ocasião, mas que já encerraram suas atividades.
Em nenhum momento a lei complementar instituidora das novas contribuições deixa claro que o produto de sua arrecadação encontra-se legalmente destinado ao aporte de recursos financeiros aos cofres do FGTS, a fim de dar cumprimento efetivo ao Direito Social consagrado no inciso III, do artigo 7º, da Constituição Federal.
Como sabemos, o valor arrecadado com o aumento das alíquotas será separado e beneficiará outro trabalhador, não aquele cujo salário ou dispensa originou o recolhimento. Esse pagamento para os outros trabalhadores é devido em razão de ilegalidades na correção monetária do FGTS anterior e não originou-se para ajudar o trabalhador.
Nesse caso, as contribuições sub examine nada têm em comum com o FGTS, pois a destinação dos recursos provenientes dessas novas contribuições está clara na Lei Complementar nº 110/2001. Destinam-se a arrecadar recursos em favor da receita pública, para que possa o Governo Federal cumprir com a restituição das perdas sofridas pelas contas vinculadas do FGTS na implementação de planos econômicos.
Tendo finalidades totalmente diversa da contribuição ao FGTS, é forçoso concluir que as exações instituídas pela Lei Complementar 110/2001 não têm natureza de indenização trabalhista, conforme previsto no art. 7º da Constituição Federal acima transcrito.
4. As novas exações como contribuições sociais em geral
Para se saber se essas novas exações caracterizam-se como contribuições sociais, faz-se necessário verificar qual a natureza jurídica das contribuições ora questionadas, para somente depois analisar a sua destinação.
O art. 149 da Constituição Federal autoriza a União a instituir contribuições sociais nos seguintes termos:
"Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto no art. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo."
Por conseguinte, os arts. 146, III, e 150, I e III da Constituição Federal estabelecem que:
"Art. 146. Cabe a lei complementar:
(...)
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b )obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas."
"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
...
III- cobrar tributo:
a )em relação aos fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;"
O § 6o, do art. 195, da Constituição Federal dispõe sobre a anterioridade nonagesimal nos seguintes termos:
"Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
...
§ 6º As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b."
Ocorre que, embora referidas contribuições tenham sido definidas pela lei que as instituiu como "contribuições sociais para a seguridade social" e até preencham alguns dos requisitos de validade previstos na Constituição Federal (tais como: instituição por lei complementar e anterioridade nonagesimal), temos que não há fundamento constitucional que ampare a instituição dessas contribuições, senão vejamos.
A Constituição Federal descreve a norma padrão de cada hipótese de incidência tributária, ou seja, traça o perfil de cada espécie tributária existente em nosso ordenamento jurídico. Assim, a partir do exame de cada hipótese de incidência tributária descrita no texto constitucional identifica-se a espécie de exação, sendo certo que temos em nosso sistema tributário cinco espécies tributárias, a saber: os impostos, as contribuições de melhoria, as contribuições sociais e os empréstimos compulsórios.
Tendo a Lei Complementar nº 110/2001 definido as contribuições por ela instituídas como contribuições sociais, vale analisar o conceito e requisitos para validade constitucional da criação dessa espécie tributária.
Em primeiro lugar, há que se observar que o que diferencia os impostos das contribuições sociais e de melhoria é o fato de que os impostos são tributos não vinculados a uma atuação estatal específica, relativa ao contribuinte, nos precisos termos do art. 16 do Código Tributário Nacional.
Segundo Hugo de Brito Machado [1]:
"Quando se diz que o imposto é uma exação não vinculada, o que se está afirmando é que o fato gerador do imposto não se liga a atividade estatal específica relativa ao contribuinte.
...
A obrigação de pagar imposto não se origina de nenhuma atividade específica do Estado, relativa ao contribuinte. O fato gerador do dever jurídico de pagar imposto é uma situação da vida do contribuinte, relacionada a seu patrimônio, independentemente do agir do Estado."
Nesse caso, tendo as contribuições em questão sido definidas como contribuições sociais, se revestiriam da característica de tributo vinculado, ou seja, daquela espécie tributária cujo aspecto material (núcleo da hipótese de incidência) consiste numa atividade do Estado.
Todavia, as contribuições instituídas pela Lei Complementar nº 110/2001 não possuem natureza jurídica de verdadeiras contribuições sociais, cuja regra matriz tem assento no art. 149, da Constituição Federal acima transcrito, nem de contribuição destinadas a seguridade social, nos termos do art. 195, § 4º da Constituição Federal.
Como é cediço, as novas exações cobrirão despesas do Estado com o pagamento de dívidas suas. Assim, fica evidente que o trabalhador que originou o recolhimento não será diretamente (nem indiretamente) beneficiado com os valores recolhidos. Teremos até a estranha situação daqueles que não trabalham, mas se beneficiarão da nova contribuição maquiada como FGTS.
Aliás, conforme ressalta Alexandre Macedo Tavares [2], essa distinção foi captada por Misabel Derzi ao ponderar que:
"... as contribuições à seguridade social (as do art. 195 da Constituição Federal estão ‘submetidas a um regime constitucional próprio, peculiar e diferenciado das demais contribuições sociais, ou de intervenção no domínio econômico, ou ainda, corporativas.’
Debruçando-se sobre o tema, ainda chegou a averbar:
‘(...) o conceito de seguridade social varia de direito positivo a outro, dependendo o seu conteúdo do momento histórico e as experiências vivenciadas de país para país. Entre nós, pelo menos do ponto de vista formal e objetivo, a seguridade social abrange o conjunto de ações destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (art. 149). Nela não estão incluídos o direito à educação, à habitação e outros que compõem o conjunto da ordem social em todo o Título VIII da Constituição."
É forçoso, concluir, portanto, que essas novas contribuições não se enquandram nos permissivos constitucionais autorizadores da criação de contribuições sociais, pois os recursos delas provenientes não serão destinados a financiar a seguridade social e não possuem qualquer finalidade social.
E isso porque, ao contrário do que afirma a apelante, as contribuições em questão não se destinam à saúde, previdência ou assistência social, não podendo, portanto, ser categorizadas como contribuições para a seguridade social.
À propósito, essas contribuições foram instituídas, conforme inclusive foi amplamente divulgado pela imprensa, com o objetivo de formar fundos necessários para indenizar as perdas sofridas pelas contas vinculadas do FGTS na implementação de Planos Econômicos, tais como o Plano Verão e o Plano Collor I, o que reforça ainda mais a conclusão de que referidas contribuições nada tem a ver com as contribuições sociais de que tratam o art. 149, da Constituição Federal.
Não há que se argumentar, também, que se tratam de novas espécies de contribuições sociais, eis que, conforme acentua Alexandre Tavares Macedo [3]:
"Deveras, o constituinte não outorgou à União um cheque em branco para que pudesse instituir tantas contribuições sociais quantas fossem as destinações orçamentárias que procurasse prover, vez que – e agora invocamos clássica lição da doutrina germânica – toda outorga de competência encerra, ao mesmo tempo, uma autorização e uma limitação.
O que queremos dizer é que uma ‘contribuição social’, assim como qualquer tributo, precisa encontrar seu fundamento de validade constitucional, isto é, particularmente falando, deve ter por escopo o custeio dos direitos sociais e/ou das metas fixadas na Ordem Social. Título VIII, da Lex Mater, até mesmo porque essas contribuições, como bem adverte Bernardo Ribeiro de Moraes, ‘são tributos qualificados pela finalidade que busca alcançar." (grifos nossos)
Hugo de Brito Machado [4] também assevera que as contribuições sociais têm finalidade constitucionalmente definida, não podendo, portanto, dela se afastar.
Marco Aurélio Grecco adverte que a instituição de contribuições sociais deve observar os requisitos traçados pela Constituição Federal:
"...A criação de contribuições somente poderá ocorrer em relação a finalidades:
a) previstas constitucionalmente; e
b )relativamente às quais a própria Constituição tenha autorizado a criação de contribuições.
Cumpre estejam reunidos os dois requisitos, não bastando que uma determinada finalidade esteja prestigiada constitucionalmente, no sentido de incorporar um valor buscado pelo ordenamento. É indispensável que se trate de uma finalidade contemplada e para a qual a CF preveja a contribuição como instrumento para atendimento da finalidade.
...Assim, serão inconstitucionais por inexistência de norma atributiva de competência, as contribuições que se vinculem a:
a) finalidades não contempladas na CF (ou incompatíveis com as que ela prevê); ou
b) previstas na CF, mas para as quais ela não preveja a instituição de contribuições. " (n.g)
Aroldo Gomes de Mattos [5] salienta que a natureza jurídica dessas contribuições é nitidamente financeira, sendo completamente estranha ao campo de atuação da União, previsto no citado art. 149 da Constituição Federal.
Nesse compasso, conclui-se que a instituição das novas contribuições não encontra fundamento de validade na Carta Maior e, ao contrário, viola as limitações constitucionais ao poder de tributar, pois pretende instituir tributo não autorizado pela Constituição.
Não há, portanto, fundamento na Constituição Federal que dê suporte de validade para as exigências em questão. E sendo a instituição dessas contribuições alheia ao texto Constitucional caracterizada está a inconstitucionalidade dessas exigências.
5. Ausência de destinação social
As contribuições de que tratam a LC 110/2001, apesar de serem denominadas "contribuições sociais", estão destituídas de qualquer finalidade social, afinal foram criadas para arrecadar os recursos necessários para cobrir um rombo no Fundo de Garantia, decorrente do expurgo dos índices de correção monetária.
A Constituição Federal, por sua vez não autoriza a criação de contribuições sociais com a finalidade de gerar recursos, que não tenham finalidade social e sim financeira.
Neste sentido o entendimento de Alexandre Macedo Tavares [6]:
"Constata-se, então, que a finalidade das contribuições em tela é, indubitavelmente, de propiciar recursos para o cumprimento das decisões judiciais e que, uma vez recebidos pela Caixa Econômica Federal, serão eles destinados a resgatar as defasagens da correção monetária nas contas vinculadas do FGTS por ela devidas.
...
A natureza jurídica dessas "contribuições" é, pois, nitidamente financeira, sendo, por sua vez, completamente estranha ao campo de atuação da União, previsto no citado art. 149 da CF,(...)
...
Logo, não são "contribuições" e tampouco têm finalidades "sociais"."
Isso comprova, mais uma vez que tais exações não se caracterizam como contribuições sociais, pois não existe a possibilidade de se instituir uma contribuição com a finalidade de cumprir "acordo" do Governo com os seus credores, como pretende a LC nº 110/2001. Além disso, essas novas exações em nenhuma hipótese, atendem a qualquer finalidade social, que é requisito essencial para a criação de um tributo com essas características, daí porque mencionada lei é manifestamente inconstitucional.
As contribuições independentemente da espécie, só podem ser instituídas desde que haja previsão de sua destinação e finalidade expressas na Constituição, o que não ocorreu no presente caso.
Ao contrário dos demais tributos que se caracterizam pelos seus elementos, como o fato gerador e a base de cálculo, as contribuições sociais caracterizam-se pela sua finalidade, ou seja, pela destinação dos recursos delas provenientes.
Destinação, nesse contexto, tem o sentido de finalidade, isto é, o fim que a norma visa atingir.
Para Helley Henares Neto [7]:
"... no caso das contribuições sociais é fundamental que a norma que a institui indique a destinação específica e que esta esteja rigorosamente enquadrada na destinação constitucional. Ainda que a destinação específica seja a de direcionar recursos à seguridade, ela precisa estar mencionada. Se a destinação for de seguridade e, contudo, tratar-se de hipóteses em que já houver contribuição com esta destinação, então, neste caso, a destinação específica terá que ser ainda mais específica, terá que direcionar a finalidade próxima visada pela norma instituidora desta nova contribuição, de modo a justificar o seu caráter complementar a uma outra contribuição de seguridade anterior, sob pena de, se assim não o fizer, transformar a regra de competência em verdadeiro cheque em branco para o titular da função legislativa, como já frisamos." (n.g.).
Ora, esse tem sido o entendimento, manifestado em cognição sumária, pelo E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região [8], para fundamentar a manutenção de liminares concedidas, conforme se depreende do trecho do r. despacho a seguir transcrito:
" Assim, concluo que, embora a natureza jurídica da exação cobrada demande um estudo mais aprofundado, resta extreme de dúvidas não se tratar de contribuição social destinada a financiar a seguridade social, restando inaplicável, por consequência, a anterioridade especial já mencionada.
...Assim, ao menos em sede de cognição sumária, face à dúvidosa constitucionalidade das exações em questão, configurada, ainda, a hipótese da ocorrência de lesão grave ou de difícil reparação consubstanciada no recolhimento indevido dessas contribuições, não deve ser reformado o decisum atacado."
Assim, não atendida a finalidade constitucionalmente prevista, sob a denominação de "contribuição social" poderiam ser instituídas tantas contribuições quantas fossem necessárias para suportar os encargos do Governo Federal o que, mais uma vez esbarra na segurança jurídica.
A exigência da exações em questão, abala irremediavelmente a própria segurança das relações jurídicas, tendo em vista que, para que nasça uma obrigação tributária, o fato que lhe deu origem deve corresponder fielmente à figura traçada na Constituição Federal e prevista na lei instituidora.
Esse princípio, conforme salienta Roque Antonio Carrazza [9], exige que os contribuintes tenham condições de antecipar objetivamente seus direitos e deveres tributários que, por isto mesmo, só podem surgir de lei, igual para todos, irretroativa e votada pela pessoa política competente. Assim, a segurança jurídica acaba por desembocar no princípio da confiança na lei fiscal que, como leciona Alberto Xavier, traduz-se, praticamente, na possibilidade dada ao contribuinte de conhecer e computar os seus encargos tributários com base exclusivamente na lei.
6. O desvirtuamento da destinação e o desvio de poder
Assim, sendo a destinação o elemento da contribuição social que exerce a função de critério material delimitador da competência impositiva, a sua ofensa consiste em vício de inconstitucionalidade material.
A vinculação da destinação pode se dar quanto aos meios ou aos fins, conforme assevera Halley Henares Neto [10]:
"No primeiro caso, a competência apenas deverá ser exercida em vista de fins expressos nesta destinação. No segundo caso, somente deverá ser exercida através de meios aptos (proporcionais) ao atingimento da finalidade constitucvional (regra e princípios jurídicos que se visa concretizar por intermédio da atividade legiferante), sem ônus desnecessário ou excessivo ao contribuinte. Da mesma forma, no primeiro caso, a desobediência a esta regra incorrerá em desvio de poder legislativo; no segundo, em excesso de poder. Ambas, hipóteses prefiguradoras de inconstitucionalidade material."
...
A destinação é, ao mesmo tempo, critério material vinculador da relação finalidade constitucional/finalidade legal e da relação finalidade constitucional/meio legal, na medida em que é presida pela noção de função, na qual se visa adequar meios e fins.
Nesse sentido, percebemos que, na primeira relação, se a finalidade não for cumprida, se não houver na lei uma expressa e específica finalidade, não haverá relação possível de subsunção desta aos interesses públicos primários (CF), o que conduzirá ao desvio de poder legislativo. Na Segunda espécie de relação, à sua vez, se não houver uma necessária e adequada utilização da contribuição para o atingimento daquele interesse público primário, resguardado na destinação constitucional da norma constitucional que prevê esta contribuição, de modo a onerar, em menor grau possível, o contribuinte, ocorrerá, então, excesso de poder legislativo."
Os recursos provenientes das novas exações não terão, certamente, a mesma destinação dos recursos provenientes das contribuições do FGTS que estão expressamente previstos na Constituição Federal.
A instituição de contribuição com finalidade diversa daquela traçada pela Constituição Federal configura excesso de poder legislativo e traduz-se em violação ao princípio da capacidade contributiva, inscrito no § 1º do art. 145 da Constituição Federal.
Esse dispositivo constitucional veda a instituição de tributo sem guardar proporção com a capacidade econômica do contribuinte e com a finalidade de captar riqueza. E desatendido esse corolário constitucional estar-se-à diante da figura do confisco, expressamente vedado pelo inciso IV do art. 150 da Constituição Federal.
Dessa forma, com a exigência de recolhimento de tributo de forma não autorizada pela nossa Constituição Federal, fica caracterizado o confisco, expressamente vedado na Carta Magna.
Ademais, se vislumbrarmos mais esse tributo no contexto geral da carga tributária exigida pelo Estado não há como negar a caracterização do confisco, com a infração do artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal.
Por fim, como bem vem se posicionando a jurisprudência, por qualquer ângulo que se analise essas exações, não há fundamento constitucional que ampare a sua instituição.
Notas
1. Curso de Direito Tributário, Malheiros Editores, 11ª edição, p. 44 e 203.
2. A Natureza Jurídica das Contribuições do FGTS e a Lei Complementar nº 110/01, RDDT 73, p. 11.
3. Obra citada, p. 14.
4. Obra citada, p.. 313.
5. A Natureza Jurídica das Contribuições Sociais ao FGTS Instituídas pela LC nº 110/01, RDDT 73, pág. 21.
6. Obra citada, p.26.
7. "A importância da destinação nas contribuições sociais", Repertório IOB de Jurisprudência, Caderno 1, Boletim 21/2001, p. 625.
8. AI 2001.03.00.035941-7/SP.
9. Curso de Direito Constitucional Tributário, Malheiros, 7ª edição, p.256.
10. Obra citada, p. 621/622.