O debate sobre o tema acalorou-se no mês de Maio de 2014, quando o Tribunal de Justiça da União Européia julgou procedente o pedido de um cidadão espanhol que desejava exclusão dos links mostrados nas buscas na internet, que vinculavam seu nome à um fato depreciativo e equivocado do seu passado distante.
De tão comuns e habituais que se tornaram as buscas na internet, a prática substitui em alguns momentos a própria faculdade do indivíduo de raciocinar ou de autodeterminar-se acerca de um assunto. É mais fácil procurar no google… Por isso a preocupação internacional quanto ao conteúdo que pode ser mostrado nas buscas pela internet.
Muito desse material remete o usuário à um passado que revela fatos ofensivos à honra, à imagem e à intimidade de algumas pessoas, que não possuem o menor interesse da lembrança de tais referências, pelo contrário, querem que seus nomes sejam esquecidos. Aqui se inicia a construção do direito: seria digno forçar uma pessoa a conviver com um erro do seu passado? Ou uma família com um erro dos seus antepassados?
Essa é a idéia do direito ao esquecimento. Derivado de um fundamento maior, a dignidade da pessoa humana, fortalece-se como medida de proteção da personalidade, evitando que a eternização da informação, especialmente as difamatórias, possam gerar danos morais e psicológicos constantes aos envolvidos na notícia. Ainda mais quando versar sobre um crime, cujo réu foi absolvido, cumpriu sua pena ou até mesmo que vítima não queira mais ser lembrada.
A questão ganha contornos polêmicos quando é ponderada com direitos consagrados como a liberdade de expressão e de imprensa. Obrigar a retirada de uma notícia verdadeira, sob o argumento de que ocorreu há muitos anos e de que os envolvidos não querem que ela volte à tona, não seria censura? Não estaríamos atribuindo prazo prescricional à história? É o que pensam os que criticam o direito ao esquecimento? O tempo seria capaz de transformar uma notícia histórica lícita em ilícita?
O equilíbrio entre os direitos individuais não é injusto pra nenhum dos lados. Há quem tenha o interesse e o direito de relembrar, mas há também quem tenha o interesse em se fazer esquecido. Por isso afirmamos que o que vai legitimar a lembrança dos fatos é o seu interesse público ou a necessidade histórica do fato, que deverão ser analisados isoladamente, sem que se arrepiem os cabelos com medo da censura.
O controle da informação sempre existiu, e permanece em tempos democráticos. Não há direito absoluto. Nem a vida é absoluto. Por que a liberdade e imprensa haveria de ser? Na Era da Informação, onde a velocidade de propagação das notícias torna praticamente impossível seu controle, os danos causados por uma ofensa são irreversíveis e sem um equivalente pecuniário indenizatório. Por isso devemos reacender o debate sobre equilíbrio entre imprensa e privacidade na Sociedade da Informação.
Com o incremento da internet os danos se tornam ainda maiores. Muitas vezes, quando se objetiva a retirada do conteúdo on line, ele já se espalhou em milhares de outros links em sites, redes sociais, aplicativos de mensagens etc. É o que se convencionou chamar Streisand Effect, em referência ao caso da atriz norte americana Barbra Streisand, que teve suas fotos publicadas por um fotógrafo, e quando conseguiu judicialmente que as fotos fossem retiradas do site, foram popularizadas na internet e publicadas em diversos outros sites de relacionamento.
A ideia do Direito ao esquecimento pode ter surgido em 1931 no julgamento do caso Mervin versus Reid nos Estados Unidos, quando a justiça impediu a publicação da biografia de uma ex prostituta injustamente acusada de homicídio, absolvida em 1918.
No caso que mencionamos no início do texto, julgado pelo Tribunal Europeu em maio, o google foi obrigado a retirar o vínculo entre o nome do Espanhol Mario González e uma notícia veiculada pelo jornal La Vanguardia em 1998, relatando que a casa deste sujeito estava indo à leilão por dívidas fiscais. No pedido ele informou que a dívida foi quitada, logo ele não chegou a perder o imóvel, e queria proteger seus dados íntimos e pessoais, especialmente os inverídicos, dos resultados dos sites de busca.
No Brasil temos alguns casos relevantes sobre a proteção de dados e direito ao esquecimento. Um dos principais é o da apresentadora Xuxa (Maria da Graça Meneghel), que luta na justiça pela retirada da ligação do seu nome com as buscas pelas palavras “pornografia” “pedofilia” e “Sexo”, espalhadas por diversos links na internet em razão do filme que gravou em 1982, onde protagoniza uma cena de sexo com um garoto de 12 anos de idade, Marcelo Ribeiro, que deixou de ser professor para tornar-se ator pornô aos 38 anos.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro chegou a julgar procedente o pedido da apresentadora contra a empresa Google, atribuindo multa de 20 mil reais para cada link, porém, o Superior Tribunal de Justiça reformou a decisão afirmando que a empresa não é responsável pela produção e divulgação do conteúdo, cumpre apenas o papel de ferramenta de pesquisa, organizando os resultados. (Será?) A decisão foi em 2012 e agora aguarda posicionamento do Supremo Tribunal Federal.
Em 2013, o STJ reconheceu o Direito ao Esquecimento, mas em um caso um pouco diferente. Um homem absolvido pela acusação de ter participado da Chacina da Candelária, apesar de ter recusado entrevista à reportagem da TV Globo, o programa foi ao ar apontando-o como envolvido no crime, mas que havia sido absolvido pela justiça. O STJ reconheceu que ele tinha o direito de ser esquecido, especialmente por ser inocente, que a lembrança do seu nome vinculado ao fato gerou danos morais, por isso condenou a TV a pagar o valor de 50 mil reais. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.334.097 -RJ)
No mesmo período, outro caso nesse sentido chegou ao STJ. Familiares de Aída Curi (vítima de um crime sexual bárbaro em 1958) buscaram indenização contra a Globo pela reportagem do programa linha direta quase 60 anos após o fato, que, de acordo com a família, trouxe de volta sentimentos de angústia e revolta. Os ministros, apesar de considerarem o sofrimento da família, decidiram que o tempo se encarregou de tirar o fato da memória do povo e abrandar seu efeito na honra dos familiares vivos. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.335.153 -RJ)
O Ministro Luis Felipe Salomão, relator dos recursos especiais que levaram a questão ao tribunal superior, afirmou que “não se pode, pois, nestes casos, permitir a eternização da informação. Especificamente no que concerne ao confronto entre o direito de informação e o direito ao esquecimento dos condenados e dos absolvidos em processo criminal, a doutrina não vacila em dar prevalência, em regra, ao último”.
Aos poucos a jurisprudência nacional vai se concretizando sobre o tema. Parte da doutrina civilista já se manifestou a favor do reconhecimento do direito, conforme se percebe no enunciado 531 editado na VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal com a seguinte redação: “A Tutela da Dignidade Humana na Sociedade da Informação inclui o Direito ao Esquecimento”.
O texto não vincula os tribunais, é apenas uma orientação doutrinária baseada no Código Civil, ressaltando como um dos direitos da personalidade a idéia de que ninguém é obrigado a conviver pra sempre com problemas do passado.
Importante mencionar que antes disso já tínhamos excelentes defesas doutrinárias, como as dos professores Rene Ariel Dotti (Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação) e Paulo José da Costa Jr. (Direito de Estar só) que sempre acreditaram na necessidade humana de proteger seus dados pessoais e vida privada.
Na Europa, seguindo a decisão do Tribunal, o google criou um formulário on line acessível a todos (europeus) que tenham interesse na remoção de links. Com a ferramenta, os interessados poderão informar o endereço do conteúdo que pretendem remover (URL), seu país de origem e uma fundamentação para seu pedido. Em poucos dias a empresa já recebeu mais de 12 mil requerimentos.
O elevado número talvez seja um termômetro sobre a vontade da população européia, quiça mundial. No Brasil também há muitas pessoas querendo ser esquecidas, na internet e fora dela.
A decisão do Tribunal Europeu certamente influenciará as decisões no Brasil, pelo menos é o que esperamos. O respeito a dignidade humana deve prevalecer em todos os casos. Esse sim é absoluto. Essa é a hora que alguém pergunta, mas você não acabou de dizer que nenhum direito é absoluto? Sim. Mas a dignidade humana não é direito, nem princípio, é, de acordo com o Art. 1° da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, é fundamento do Estado Democrático de Direito. Ou seja, deve prevalecer em caso de conflito com um direito fundamental, inclusive o de imprensa e de expressão.
Sendo assim, consideramos que em casos como o da apresentadora Xuxa, onde está evidente o sofrimento e o arrependimento provocado pelo fato ocorrido num contexto social diferente do atual, devem ser deferidos os pedidos de esquecimento.
Posto isto, deixamos como sugestão dois requisitos para se reconhecer o Direito de ser esquecido: a) Avaliar se a notícia é de interesse coletivo ou uma necessidade histórica; b) Avaliar se a lembrança de fato pretérito ofende a dignidade da pessoa envolvida.
Aproveitamos para reforçar nossa tese de que regras envolvendo a internet, como a que obriga a retirada desses links, devem ser postas em documento de valor internacional, com orientações uniformes e universais, unificando normas de cooperação entre os países, promovendo as liberdades constitucionais e os direitos humanos informacionais, mas facilitando denúncias e pedidos de controle de conteúdo, em homenagem à dignidade da pessoa humana.