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Acidente de trabalho e seus efeitos colaterais na vida do trabalhador.

Nexo entre o acidente de trabalho e seus efeitos psicossociais

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28/09/2014 às 08:44
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O Brasil é recordista mundial em acidente de trabalho. Este texto faz uma análise crítica da segurança no ambiente de trabalho. O direito a um trabalho decente é uma questão de cidadania, fundamental para o desenvolvimento pessoal, social, tecnológico e econômico do país.

1. NEXO ENTRE ACIDENTES DE TRABALHO E DISTÚBIOS PSÍQUICOS: IMPACTOS PSICOSSOCIAIS QUE AFETAM OS VITIMADOS PELO INFORTÚNIO LABORAL   

Origem da palavra trabalho

Inicialmente, cumpre trazer a lume o sentido etimológico e histórico da palavra trabalho: a qual encontra derivação no latim – tripalium. No Império Romano utilizava-se o tripalium para domar os animais e também para submeter pela força os escravos rebeldes.

Em francês, a expressão travailler (trabalhar) tem procedência no baixo latim tripaliare (torturar com o tripalim). Ademais, as origens da palavra trabalho estão relacionadas ao cultivo da terra, extremamente ligado à fadiga humana.[1]

A brilhante obra de Direito do Trabalho da Professora, Drª Vólia Bomfim[2] corrobora esse entendimento ao informar que o termo trabalho teria origem no latim – trepalium (cavalete de três paus, utilizado para colocar ferradura nos cavalos).

Tutela legal: principais dispositivos que regulam a temática

A CRFB concebeu a saúde do trabalhador como um direito social, consoante dispôs em seu art. 6º e, por sua vez, informou em seu art. 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Já o art. 7º, XXII e XXXI assegura, como direitos sociais, a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança, bem como, proíbe discriminação no tocante a salário e critério de admissão do trabalhador portador de deficiência. No Capítulo I, intitulado “Da Organização Político-administrativa” a Carta Política atribuiu competência comum às pessoas jurídicas de direito público interno para “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”, nos termos do art. 23, II e para legislar concorrentemente sobre “proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência”, consoante art. 24, XIV. Ficou definida a competência do Sistema Único de Saúde (SUS) para executar as ações de saúde do trabalhador, bem como na proteção do meio ambiente do trabalho, conforme se depreende do art. 200, II e VIII da CRFB. Nesse contexto, coube à Lei Orgânica da Saúde (8.080/1990) e as Leis Previdenciárias (8.212/91 e 8.213/1991) instituírem normas de proteção à saúde do trabalhador.

A partir da CRFB ficou consagrado no texto constitucional, conforme se observa:

Art. 7º.  São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXVIII: seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; (grifo nosso)

Em sintonia com tal preceito constitucional que não qualifica o grau da culpa, o art. 121 da Lei n. 8.213/91 dispõe: “O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem”.

Exsurge então do mesmo fato, qual seja, o acidente de trabalho, desdobramentos distintos. O empregado acidentado recebe o benefício da Previdência Social, independentemente da caracterização de culpa, com fundamento na teoria da responsabilidade objetiva. Poderá ainda receber a reparação decorrente da responsabilidade civil a ser paga pelo empregador que estará sujeita à comprovação de dolo ou culpa deste ou seus prepostos, tendo em vista se fundamentar na teoria subjetiva. Daí se extrai a forçosa ilação de que a reparação dos danos causados aos empregados, oriundos de acidente de trabalho ou moléstia profissional se equiparam a verbas genuinamente trabalhistas, inconfundível com o benefício previdenciário concedido ao empregado acidentado. Donde se conclui tratar de institutos que tem natureza jurídica e objetivos distintos.

Nas serenas lições do Doutrinador Oliveira,[3] é oportuno lembrar que, o seguro de acidente de trabalho citado no art. 7º, XXVIII da CRFB não tem natureza jurídica e nem sequer conteúdo de seguro, apesar da denominação. Só garante um estrito benefício de cunho alimentar que visa proporcionar a sobrevivência do acidentado e de seus dependentes.  Ademais, não contempla nenhuma indenização nem reparação dos prejuízos sofridos.

Nessa perspectiva, o Congresso Nacional aprovou por meio do Decreto Legislativo n. 186 de 09 de julho de 2008, nos termos do art. 5º, § 3º da CRFB a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência em que se constituiu no primeiro Tratado sobre Direitos Humanos a passar pelo crivo do art. 5º ingressando em nosso Ordenamento Jurídico Pátrio com status de Emenda Constitucional. Por fim, foi explicitamente reconhecida por decisão plenária do Supremo Tribunal Federal, seção de dezembro de 2008 admitindo o caráter supralegal das regras internacionais ratificadas sobre direitos humanos (STF-RE-466343, STF-RE-HC 87585, sessão de 03-12-08).

Trata-se de direitos fundamentais de segunda dimensão que confere proteção aos direitos sociais, econômicos e culturais, em que do Estado não mais se exige uma abstenção, mas ao contrário, impõe-se a sua intervenção.

A CRFB ampara os portadores de deficiência e acidentados, consoante fixa o art. 37, VIII, prevendo a reserva de cargos e a proibição de qualquer discriminação, cabendo à Lei definir o percentual e critérios de admissão.

Atendendo o comando constitucional, foi promulgada a Lei n. 7.853 de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social e instituiu a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos. Esses direitos foram regulados pelo Decreto n. 3.298 de 20 de dezembro de 1999 que dispõe sobre a Política Nacional para integração das pessoas portadoras de Deficiência. O art. 3º desse Decreto informa o que pode ser entendido como deficiência: “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”. 

Em obediência aos mesmos reclames constitucionais foi promulgada a Lei n. 8.899/1994 regulada pelo Decreto n. 3.691/2000, que concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema de transporte coletivo interestadual. Nessa esteira, a Lei n. 10.098/2000 estabelece critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a eliminação de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação e a Lei n. 10.048/2000 assegura o atendimento prioritário às pessoas com deficiência física.

Merece menção a Lei n. 10.226/2001 que alterou o Código Eleitoral ao determinar a expedição de instruções sobre a escolha dos locais de votação de mais fácil acesso para o eleitor com deficiência física. Já a Lei n. 10.216/2001 dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais.

Ainda no tocante à inclusão social, a Lei n. 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – em seu art. 59, IV dispõe acerca da educação especial para o trabalho.[4]

Nessa toada coube à Lei n. 8.213/1991 indicar os percentuais mínimos em relação ao posto de trabalho que deverão ser preenchidos por pessoas portadoras de necessidades especiais, conforme se observa:

Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I - até 200 empregados.........................................................2%;

II - de 201 a 500...................................................................3%;

III - de 501 a 1000................................................................4%;

IV - de 1.001 em diante........................................................5%.

Nessa esteira, importante destacar a decisão de liminar proferida pelo Ministro Ayres Britto, presidente do STF, suspendendo a realização dos concursos públicos para os cargos de escrivão, perito criminal e delegado da Polícia Federal até que a União reserve vagas para deficientes físicos nos editais de concorrência.Tal determinação foi provocada por meio da Reclamação n.14.145 STF, na qual o Ministério Público Federal (MPF) alega que os editais dos concursos teriam descumprido o entendimento da Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, que, ao analisar o processo relacionado ao caso – o Recurso Extraordinário (RE) n. 676335 – decidiu que a jurisprudência da Corte Suprema é no sentido da obrigatoriedade de destinação de vagas em concurso público aos portadores de necessidades especiais.

Nesse contexto faz-se mister mencionar que tal decisão demonstra uma mudança de paradigma da mais alta Corte do País, que tem a nobre função de interpretar e zelar pela higidez da CRFB.

 Consolidando essa tessitura, a CRFB assegura em seu art. 203, IV a prestação de assistência social a quem necessitar, tendo como objetivos “a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária” e no inciso V, “garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.

No capítulo III, intitulado “Da Educação, Da Cultura E do Desporto” o art. 208, III, a Magna Carta preceitua como dever do Estado o “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.

Já no Capítulo VII, art. 227, § 1º, II, assegurou como dever do Estado a criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.

É sobremodo importante assinalar que, com o advento da Lei n. 9.032/95 foram igualados os valores dos benefícios decorrentes do acidente de trabalho   aos demais benefícios previdenciários.

Por todas as considerações sobressai a percepção de que o Brasil possui legislação que tutela os direitos sociais das pessoas portadoras de necessidades especiais, bem como do acidentado, em que se busca a promoção de sua inclusão em todos os setores da sociedade. Entretanto, compete a cada cidadão exigir a concretização e o respeito a esses direitos, bem como o acesso igualitário e a participação plena dessas pessoas na vida social e no desenvolvimento do País, de forma a garantir a realização máxima de sua dignidade e personalidade, consoante preceitua a CRFB.

Ademais, uma sociedade de fato pluralista e sem preconceitos só se constrói primando pelo respeito aos valores sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar e a justiça, como valores supremos, com vista a garantir os mesmos direitos a cada cidadão, conforme se proclama no Preâmbulo da Carta Política como objetivos a serem alcançadas pelo Estado Democrático e Social de Direito.

No dizer sempre expressivo de Oliveira[5] constitui um dos direitos fundamentais inerentes ao ser humano a possibilidade de ascender profissionalmente e, a cada dia adquirir novos conhecimentos, dominar novas técnicas e estabelecer laços interpessoais. Angústia, medo, frustrações, a falta de critérios claros e justos de promoção do empregado constituem importantes fatores que contribuem para o seu adoecimento, o comprometimento da criatividade, bem como a redução da produtividade e o prazer de trabalhar. Aliás, não se mostra crível medir o ser humano em parâmetros, equações ou dados técnicos como vem se tentando fazer na organização do trabalho.

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Somente com a valorização do homem como ser que sobrevive, trabalha e interage com outros indivíduos e com respeito às suas pluralidades, tanto pelo Direito quanto pela sociedade será possível alcançar a dignidade da pessoa humana como superprincípio orientador tanto do direito interno, como da ordem jurídica internacional.

A esse respeito a CRFB foi pródiga em reservar o capítulo VI para tratar da temática acerca dos direitos sociais e que marcou um avanço na consolidação dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana.

Estatísticas dos Acidentes de Trabalho

Consoante preceitua a Lei n. 8.213/91, art. 19 considera-se como acidente do trabalho o evento ocorrido com o segurado pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício da atividade dos segurados especiais, que provoquem lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou redução, permanente ou temporária da capacidade para o trabalho.

Inadequado seria esquecer também que, as doenças profissionais ou do trabalho são definidas como afecções, perturbações funcionais, lesões agudas ou crônicas que podem vitimar os trabalhadores, por força da atividade, produzindo dano físico ou psíquico que os incapacitam para a atividade habitual.

Impende observar que o art. 20[6] da lei em destaque enumera as situações enquadradas como acidente do trabalho e o art. 21[7] aponta outros eventos que se equiparam ao acidente do trabalho, conferindo-lhes a mesma tutela jurídica, os quais são conhecidos também como causalidade indireta ou concausa.

Nesse sentido assevera Sérgio Cavalieri[8] que “a concausa é outra causa que, juntando-se à principal, concorre para o resultado. Ela não inicia e nem interrompe o processo causal, apenas o reforça, tal como um rio menor que deságua em outro maior, aumentando-lhe o caudal.” Assim, as concausas são circunstâncias que concorrem para o agravamento do dano, porém, não tem o condão de excluir o nexo causal desencadeado pela conduta principal.

Seguindo nessa análise, se faz mister ressaltar que, embora as conquistas trabalhistas tenham avançado em algumas searas, notadamente com relação à limitação da jornada de trabalho em oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, período de repouso intra e interjornada, férias, garantia dos direitos rescisórios, licença maternidade e paternidade, auxílio acidente, FGTS, organização sindical, entre outros, também é verdade que os números dos acidentes de trabalho continuaram sua escalada ascendente, bem como as lesões, doenças e mortes, e os distúrbios de ordem psíquicos decorrentes do exercício do labor.

    Conforme dados da OIT, a cada dia no mundo, ocorrem aproximadamente 1.000.000 de acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais que geram em torno de 5.500 mortes. No Brasil, em 2010 foram registrados 701.496 acidentes de trabalho, sendo confirmadas 2.712 mortes.[9]

Segundo blog da Previdência Social, quando da análise dos números dos acidentes por região, constata-se a notificação de 378.564 acidentes de trabalho na Região Sudeste; 156.853 na Região Sul; 89.485 no Nordeste; 47.374 no Centro-Oeste; e 29.220 na Região Norte. Vale lembrar que é no Sudeste e no Sul que se concentra o maior número de trabalhadores com carteira assinada.[10]

Não se pode desconsiderar que as estatísticas sobre acidente do trabalho não refletem a realidade, tendo em vista que reportam apenas ao setor formal. Cumpre obtemperar, todavia, que, mesmo nos casos de trabalhadores que possuem registro em sua CTPS, ainda assim, muitos acidentes são camuflados pelo empregador, ou seja, não abrem a Comunicação de Acidentes de Trabalho – CAT.

 A fim de sensibilizar a todos acerca dos meios de prevenção e dos riscos ocupacionais, a OIT adotou uma campanha internacional em que foi instituído em 2003, o “Dia Mundial sobre Segurança e Saúde no Trabalho”, celebrado no dia 28 de abril de cada ano.[11]

Conforme assevera Vargas,[12] até há bem pouco tempo, o enquadramento de um acidente como de trabalho estava reservado à perda da saúde física dos trabalhadores. Não se cogitavam para o fato de que o estado de saúde de uma pessoa depende tanto da saúde física como da saúde mental. Importante perceber ainda que os estatutos jurídicos que tutelam a saúde do trabalhador também não contemplam a saúde psíquica, como é o caso do Diploma Laboral brasileiro.

Convém destacar a inteligência do art. 5º, b  da Convenção 155[13] que demonstra um esboço na mudança de paradigma ao fazer previsão de que o maquinário, equipamentos, tempo de trabalho, operações e processos de trabalho deverão se adaptar às capacidades físicas e mentais dos trabalhadores, o que demonstra a nítida preocupação com o meio ambiente do trabalho e sua adaptação ao ser humano.

 Essa preocupação sinaliza para uma mudança de tônica na atualidade em que o trabalhador, ainda que de forma incipiente, começa a ser visto como um protagonista no local em que exerce suas atividades laborais, e não uma mera peça descartável e de fácil reposição na engrenagem do processo produtivo. Ademais, consoante afirma Oliveira,[14] o local de trabalho é para o empregado ganhar a vida e não para encontrar ou apressar sua morte.

 Cabe menção ao art. 14, ainda da Convenção 155 que assevera que as medidas de segurança, higiene, meio ambiente de trabalho deverão ser difundidas em todos os níveis de ensinos, incluído o ensino superior técnico, médico e profissional, a fim de propiciar o treinamento de todos os trabalhadores.

Ademais, o art. 16 preceitua que os empregadores deverão garantir que os locais de trabalho, bem como os maquinários, equipamentos e as operações e processos que estiverem sob seu controle sejam seguros e não envolvam nenhum risco para a segurança do trabalhador.

Já o art. 17, em perfeita sintonia com o art. 2º do Diploma Consolidado, estabelece a responsabilidade solidária, sempre que duas ou mais empresas desenvolverem simultaneamente atividades num mesmo local de trabalho, quando então todas terão o dever de colaborar na aplicação das medidas de segurança, higiene e saúde do trabalhador.

Por sua vez, o art. 19 estabelece o direito à informação, tanto que os representantes dos empregados devem ser informados acerca de medidas adotadas no que concerne à segurança e à saúde dos trabalhadores, podendo inclusive discutir tais medidas no âmbito de suas organizações ou em comum acordo com o empregador, até mesmo junto a conselheiros técnicos, alheios à empregadora.

 Tal previsão é de vital importância, pois, consoante pontua Salim[15], todo acidente constitui em um fenômeno complexo e multicausal (falta de gestão dos riscos, ausência de equipamentos de proteção, desobediência às normas de prevenção, pressão por produtividade, ritmo, cadência, pausas, ferramentas utilizadas na execução dos serviços, treinamento, ansiedade e conflitos interpessoais, falta de comunicação, valorização do trabalho, mobiliários inadequados, movimentos repetitivos, esforço físico, jornada de trabalho, temperatura, ruído, iluminação, umidade, gases, vapores, fumaças, microorganismos, entre outros) e não raro, o empregado se expõe a uma condição de risco, por não conhecer totalmente os perigos existentes em seu ambiente de trabalho. Dessa forma, destaca-se a importância em deslocar o gerenciamento do risco para o topo da organização, onde as decisões são tomadas, bem como da disseminação das informações dentro do ambiente de trabalho.

 Ademais, tem permeado uma cultura dentro das organizações, tanto em nível nacional quanto internacional de atribuir a culpa do acidente ao erro humano, ou seja, o pessoal da linha de frente deixa de observar as normas de segurança. Nessa abordagem clássica, os operadores são apontados como os principais “culpados”, vale destacar, o elo fraco do sistema sócio técnico. Diante desse erro de foco, a solução apontada, numa visão simplista, tem sido a busca da otimização da interface homem-máquina, o que não tem atingido o alvo de evitar a ocorrência de acidente, conforme ressalta Salim[16].

 Diante do exposto, a mera atribuição da falha ao erro humano passou a ser tema de estudo dos psicólogos, sociólogos e engenheiros do trabalho mais interessados em conhecer os fatores organizacionais desencadeadores do acidente, deslocando-se o foco do trabalhador como culpado, para o nível gerencial, principais responsáveis pela decisão e implementação das políticas de segurança. Sobressai a percepção de que a origem dos acidentes possuiria outras variáveis ligadas aos fatores organizacionais, tais como, o conflito da cultura de segurança versus produtividade; pressão por resultados rápidos; negligenciamento às normas e procedimentos de segurança; permissividade e complacência diante de pequenos incidentes que já evidenciavam alto potencial de risco em aceitação pelo cumprimento de metas de produção; a ausência de informações entre os empregados e supervisores; a importância da segurança para a organização; a cultura do medo difundido no ambiente de trabalho.    

Não é despiciendo destacar que atribuir a culpa do acidente ao empregado tem como objetivo deslocar a responsabilidade civil e criminal do empregador, bem como a responsabilidade ética e social da organização empresarial. Por conseguinte, não é do interesse dos gestores admitirem as falhas gerenciais, pois elas são a expressão do processo de tomada de decisão. Ademais, o empregado é o elo mais frágil da corrente, não tendo acesso às informações, nem assessoramento de bons profissionais como médicos assistentes aptos a realizarem uma perícia de qualidade, nem muito menos a consultoria de advogados. Donde se depreende que o obreiro não tem mecanismos de enfretamento às negligências e desorganização no ambiente laboral engendrada pelo empregador na busca do lucro rápido.

Por outro lado, difunde-se na organização a cultura do medo de perder seu posto de trabalho, o que leva os colegas que presenciaram um acidente a silenciarem, frente à pressão de seus superiores hierárquicos. Tais fatos provocam um círculo vicioso em que se difunde o terror e a deterioração do ambiente de trabalho, aumentando ainda mais o risco de acidente e o surgimento de doenças psíquicas, conforme relatos a seguir:

Minha depressão tem a ver com essa coisa de insegurança. Foi várias coisas de usina: foi problema de acidente, presenciando colegas nossos acidentando, outros morrendo... Aí, com o passar do tempo, tinha também colegas nossos com problema de depressão que levou eles até ao suicídio [...]  (sic) [17] 

Convém ponderar que, na maioria das vezes, o trabalhador consegue perceber que o desenvolvimento de certas patologias como, fadiga, depressão, estresse, distúrbio do sono, comprometimento das relações familiares e sociais, alteração da personalidade, tem relação direta com as características do trabalho desenvolvido. Mas, por outro lado, é comum tanto a empresa quanto os profissionais da área de saúde, num mesmo refrão, atribuírem precipidamente a degradação da saúde do trabalhador a suas próprias “fraquezas”, ou seja, predisposição genética, sem nenhuma análise ergonômica mais acurada do local de trabalho com a intenção sincera de detectar possíveis agentes nocivos.

Tais posturas não se coadunam com os compromissos preconizados pela CRFB que assegura como direito fundamental do obreiro a função sócio-ambiental e a redução dos riscos no ambiente de trabalho por meio da implementação de normas de saúde, higiene e segurança.

 Convém notar, outrossim,  que, quando se fala em erro humano induz-se a pensar que “alguém deveria ter feito algo diferente do que fez”. Entretanto, só se chega efetivamente a tal conclusão após a realização de perícias, cálculos milimétricos, exames minuciosos, análises das gravações da caixa-preta, e, mesmo assim, não estando submetido à situação de estresse e pressão. Ou seja, posteriormente, de posse de um contingente de informações que os operadores não tiveram no momento do acidente é que se conclui que a conduta desejável seria outra, como foi o caso do acidente com o Air France que fazia o vôo AF-447, com destino Rio de Janeiro a Paris, na madrugada de 1º de junho de 2009, quando morreram 228 pessoas a bordo. Informa a reportagem da Revista Veja que o relatório final da análise do acidente concluiu que os dois copilotos cometeram erros fatais, conforme se depreende pelo fragmento da reportagem: “[...] por falta de destreza, treinamento ou as duas coisas [...]” [18]·.

 Conforme assevera Guérin[19], em vez de ‘erro humano’, seria mais prudente falar: “foi impossível para os operadores fazerem uma representação da situação atual, permitindo decidir a conduta a seguir, sob os constrangimentos[20] do momento.”

Destarte, as investigações dos acidentes são conduzidas de forma superficial e as falhas, por sua vez, atribuídas ao próprio trabalhador, sem uma análise criteriosa das razões e intenções envolvidas nos atos que antecedem o acidente. Donde se depreende que, com essa análise deturpada da realidade, onde se difunde a cultura do “culpado” se torna impossível aprender com o erro, ou seja, não se tira nenhuma lição a fim de se evitar que novos acidentes venham a ocorrer. Em termos práticos, não se adota medidas preventivas adequadas.

Com efeito, impera um quadro marcado por uma ausência de debates, prevalência do paradigma do erro humano, resistência das chefias às análises de acidentes que revelem que suas origens estão associadas a decisões estratégicas relacionadas ao aumento da produtividade e da rentabilidade, entre tantos outros fatores “espinhosos”. [21]

 Donde se depreende que persiste ainda uma cultura de engenharia centrada na tecnologia, na técnica, ignorando fatores organizacionais, os quais se baseiam na pressão quase permanente de planos de urgência, da obsessão por números, pelo quantitativo e pelos mitos da eficácia e do imediatismo acompanhados de profunda desconfiança contra a reflexão coletiva e a autocrítica.

Conforme informa Salim,[22] todo acidente tem uma história, uma trajetória, um somatório de causas. Ao se negligenciar pequenos acidentes ou mesmo ‘quase acidentes’, dificulta-se o controle de riscos. Destarte, o acidente nada mais é do que a potencialização de uma situação que já dava indícios de possível degeneração em um acidente.

 Vale conferir um relato sombrio de um empregado de como os acidentes eram valorados em seu local de trabalho: 

Eles nunca gostaram de emitir a CAT, sempre eles queria punir era o funcionário. Qualquer acidente que acontece dentro da empresa, nunca que eles vê excesso de serviço, nunca que eles vê o lado errado da empresa. Sempre que acontecer um acidente eles acha que é falha humana. Se é um acidente grave, eles abrem a CAT, como acidente de trabalho, mas sempre tentando jogar as consequências pra cima da pessoa. (sic).[23][24]

Conforme se denota do recorte acima, a angústia experienciada pelo empregado que sofre acidente ou que presencie colega de trabalho acidentando, não raro, dado à precarização das condições de trabalho e a “coisificação” do ser humano tem o condão de desencadear distúrbios psíquicos, tais como, depressão, insônia, transtorno de ansiedade, síndrome do pânico, entre outras manifestações, acompanhadas de suas sequelas mais comuns: alcoolismo e suicídio.[25]

Tais consequências poderiam ser minimizadas caso a empresa oferecesse, além da assistência material, suporte médico e psicológico, tanto aos empregados acidentados e familiares, quanto àqueles que presenciaram o evento.

Balizando esse entendimento, convém destacar o art. 203, IV da Carta Política, que confere a prestação da assistência social a quem dela necessitar, bem como a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência.

Donde se infere que, certas formas de organização do trabalho levam os trabalhadores, no afã de conservarem seus postos de trabalho, construir mecanismos de defesas psíquicas que podem resultar em consequências graves para a saúde mental do obreiro, chegando mesmo aos quadros de alteração de personalidade. O histórico pessoal de cada um poderá ser decisivo na dinâmica e desenlace dos conflitos entre a personalidade e a organização do trabalho, conforme afirma Guérin.[26]

 A esse respeito, Anick Llory[27] em seu livro “O Custo do Silêncio” desenvolve uma análise das perturbações das relações interpessoais e conclui que o acidente é uma ruptura de uma situação de normalidade provocando distúrbios físicos e psíquicos, tais como: emergência do medo e desconfiança; desestabilização dos coletivos de trabalho; retorno às estratégias individuais de defesa; surgimento de uma dinâmica de acusações; revelações de disfunções organizacionais, entre outros. Surge no trabalhador, o temor da inutilidade, o que impede o desenvolvimento da solidariedade do grupo para resistir e reivindicar direitos.

Cumpre mencionar a NR-17 [28] elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego que embora tenha sido endereçada aos profissionais de informática, contêm dispositivos e princípios que podem ser aplicados analogicamente aos profissionais das demais categorias. Merece destaque o enfoque dado às formas de organização do trabalho, as quais deverão ser adequadas às características psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado, devendo ainda ser levado em conta os modos de operacionalização da atividade, o tempo, ritmos, bem como o conteúdo das tarefas.

Não se pode olvidar que a aposentadoria precoce em decorrência de acidente é um acontecimento que intercepta de forma abrupta as perspectivas de ascensão profissional, inviabiliza a construção de uma carreira exitosa, enfim, desfaz os projetos de se aposentar merecidamente após uma vida dedicada ao trabalho com a consequênte manutenção de um padrão de vida e, ainda como agravante, o acidentado passa a sofrer com os preconceitos e acusações dos colegas, familiares e da própria sociedade. Diante desses conflitos nefastos experiênciados de forma repentina, não raro, o acidentado se vê acometido por inúmeras patologias, como, alcoolismo, pressão alta, depressão, distúrbio do sono, evoluindo para quadros extremos de isolamento, chegando até mesmo ao suicídio.[29]

Em última análise, um acontecimento dessa magnitude na vida do trabalhador fere de morte o princípio da dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, alçados pelo Legislador Constituinte Originário como fundamentos da República Federativa do Brasil e razão de ser de uma vida em sociedade, pautada na justiça social, conforme se depreende da interpretação teleológica dos art. 1º, III-IV e 193 da CRFB.

Além do mais, conforme pontua Salim[30], as novas demandas da globalização exigem dos trabalhadores uma jornada exaustiva, pressão por produtividade, eliminação de pausas, posições inadequadas na execução das tarefas devido à falta de mobiliário ergonômico e, ainda como agravante, tem-se a ruptura da solidariedade no ambiente de trabalho. Tal disputa pela manutenção do posto de trabalho ameaçado pela reestruturação produtiva tem levado a um aumento de competitividade entre os próprios colegas, comprometendo as potencialidades intelectuais e criativas do empregado. Essa deteriorização do ambiente de trabalho, além de criar um clima de constante tensão e hostilidade, potencializa o desenvolvimento de patologias ligadas ao desempenho das funções, bem como a ocorrência de acidentes.

Embora fique patente as contradições nas análises de acidentes realizadas pela empresa, que tende sempre a atribuir a culpa ao empregado, conforme se observa no depoimento acima de próprio integrante de CIPA, ora pelos laudos de peritos de confiança duvidosa e sem especialização, o empregado tem consciência de que seus problemas de saúde têm nexo com o trabalho desenvolvido na empresa, conforme se depreende do recorte abaixo extraído da fala de um acidentado:

Quando eu entrei para a companhia não tinha doença nenhuma. E, agora, não consigo ficar de pé e nem sentado por muito tempo. Não consigo dormir bem, não consigo comer direito. Eu tomo é muito café. E fico mais nervoso. Minha vida é um problema. (sic).[31]

É bem verdade que, apesar de ter ciência de que o meio ambiente de trabalho não oferece condições para se conciliar objetivos econômicos com o exercício digno das atividades pelos empregados de forma que não comprometa a saúde destes, a empresa não tem predisposição em fazer as devidas adaptações, estabelecendo um diálogo entre o fator social e o econômico, permitindo que ambos se complementem. De forma inflexível, o fator humano é que acaba se adaptando às condições técnicas e organizacionais do sistema previamente engendrado, tendo como meta primária, a majoração da produtividade.

Conforme salienta Guérin,[32] a lógica de concepção tende a ignorar as particularidades humanas e possíveis variáveis, o que não raro, resulta em desilusões e fracassos e, às vezes com consequências graves. As falhas, de forma precipitadas e reducionistas, são atribuídas a erros humanos, à imprudência e a não observância dos procedimentos de segurança, o que minimiza o impacto das concepções equivocadas de gestão.

É imperativo ressaltar que nesses ambientes onde os acidentes são recorrentes constata-se que todo o arsenal tecnológico, bem como o sistema de produção foram concebidos sem levar em conta as características humanas, ou seja, o ser humano é apenas “encaixado” . Quanto não tem mais serventia substitui-se. Descarta-se. Simples assim!

Donde se depreende que as condições de trabalho produzem triagens sucessivas, seja no momento da admissão, através de critérios explícitos ou não, e posteriormente, no decorrer da vida ativa, por meio da demissão, ou pelas fortes pressões que levam o obreiro a pedir seu desligamento, quando seu estado funcional, em decorrência de sequelas de um acidente de trabalho, doenças profissionais crônicas, ou até mesmo sofrendo os efeitos inexoráveis do envelhecimento, já não consegue tolerar as condições de trabalho. Essa lógica cruel pautada na busca pela produtividade, com base na equação produção versus efetivo provoca mudanças sucessivas de emprego e consequênte marginalização do trabalhador que não consegue recolocação no mercado de trabalho, acabando na informalidade produzida pela iniquidade do sistema contra o qual protestam todos os sentimentos de direitos humanos.

Conclui-se, pois, que deve entrar na pauta, em regime de urgência o investimento, bem como a promoção do meio ambiente do trabalho como uma questão de ordem pública, de interesse de toda a sociedade, a fim de que o local de trabalho se torne não só um lugar salubre, onde o obreiro ganha a vida, mas também de realização em todas as suas formas, de suas mais altas aspirações e valores. Ademais, o direito a um trabalho decente é uma questão de cidadania, fundamental para o desenvolvimento pessoal, social, tecnológico e econômico do país. Somente assim, o Brasil poderá sair dessa triste estatística de recordista mundial em acidente de trabalho, afinal, a implicação do trabalho na saúde é muito mais ampla e difusa que os riscos profissionais.

De outro tanto, não se pode perder de vista que a República Federativa do Brasil está embasada na dignidade da pessoa humana e no valor social do trabalho, conforme dicção do art. 1º, III e IV. Com efeito, o art.170 preceitua que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano e, por sua vez, o art. 193 afirma que a ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo, o bem-estar e a justiça social.

Em última análise, nas serenas lições do Papa João Paulo II, na Encíclica Laborem Exercens[33] de 14 de setembro de 1981, que afirma a centralidade do homem como sujeito e não objeto do trabalho, conforme se observa do recorte: “o trabalho é uma das características que distingue o homem do resto das criaturas”.

 Nessa perspectiva, não se pode conceber constantes ultrajes aos valores e fundamentos mais caros que conferem sentido à existência humana e constitui razão de ser do nosso Estado Democrático e Social de Direito, quais sejam, a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho e a função social da propriedade.

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Sobre a autora
Ruth Martins Figueiredo

Formação acadêmica: Bacharel em Ciências Contábeis; Administração de Empresas e Direito; Especialista em Direito do Trabalho<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIGUEIREDO, Ruth Martins. Acidente de trabalho e seus efeitos colaterais na vida do trabalhador.: Nexo entre o acidente de trabalho e seus efeitos psicossociais . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4106, 28 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29693. Acesso em: 19 dez. 2024.

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