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Das formas de composição de litígio no âmbito dos juizados especiais criminais

01/07/2014 às 12:22
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As fomas de composição de litígio no âmbito do Juizado Especial Criminal surgem como uma forma de tornar os processos mais céleres, além de atingir um dos seus mais importantes objetivos, qual seja, a recuperação e a prevenção dos autores do fato.

Resumo: Cuida-se a presente análise de abordagem acerca da forma de composição de litígios no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, tudo à luz da legislação em vigor e do entendimento jurisprudencial sobre o tema.

Palavras-Chave: JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. COMPOSIÇÃO DE LITÍGIO. ESPÉCIES.

Sumário: INTRODUÇÃO. I – COMPOSIÇÃO CIVIL. II – TRANSAÇÃO PENAL. III – SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. CONCLUSÃO. BIBLIOGRAFIA.


Introdução:

Com o advento da Lei dos Juizados Especiais Criminais, que trouxe as figuras despenalizadoras da Suspensão Condicional do Processo, da Composição Civil e da Transação Penal, o princípio da obrigatoriedade se tornou mais flexível, tendo em conta que o Ministério Público, enquanto titular da ação penal, poderá dispor da ação penal pública  nas hipóteses taxativamente previstas em lei.

Cumpre rememorar, neste ponto, dois princípios relativos à ação penal pública, quais sejam, o princípio da legalidade e o princípio da obrigatoriedade.

A legalidade no processo penal tem um significado específico: legalidade é sinônimo de obrigatoriedade.  Assim, ela significa que os órgãos de persecução, ou seja, a polícia e o Ministério Público, tomando conhecimento de uma infração de ação pública, não podem deixar de tomar as providências cabíveis. Até mesmo diante de um fato insignificante (o que pode ocorrer muitas vezes nos delitos de competência dos Juizados Especiais Criminais) não pode a autoridade policial deixar de exercer o seu poder de ofício. O Ministério Público, tomando conhecimento da existência de um crime e sendo certa a autoria, ou pelo menos havendo indícios da autoria, deve denunciar.

Diz-se, frequentemente, entretanto, que o princípio da obrigatoriedade foi mitigado pela Lei 9.099/95, na medida em que a autoridade policial não instaura inquérito nas infrações penais de menor potencial ofensivo, mas sim Termo Circunstanciado de Ocorrência (T.C.O.), e o Ministério Público pode deixar de propor a ação penal pública, quando se tratar de ilícitos de menor potencial ofensivo, valendo-se, para tanto, das medidas alternativas que serão aprofundadas adiante.                                                                                                                                                

Nesse contexto, é relevante o ensinamento de Mirabette:

Essa iniciativa, decorrente do princípio da oportunidade da propositura da ação penal, é hipótese de discricionariedade limitada, ou regrada, ou regulada, cabendo ao Ministério Público a atuação discricionária de fazer a proposta, nos casos em que a lei o permite, de exercitar o direito subjetivo de punir do Estado com a aplicação de pena não privativa de liberdade nas infrações de menor potencial ofensivo sem denúncia e instauração de processo.[1]

Entretanto, um dos objetivos dessa nova modalidade de Justiça Criminal é a reparação imediata do dano, seja ele de ordem material ou moral, sofrido pela vítima, através das formas de composição de litígio previstas pela lei dos juizados: a Composição Civil, que, se aceita, acarretará a renúncia ao direito de representação ou de queixa, que levará à decretação da extinção da punibilidade do Autor do fato, não dando possibilidade de oferecimento para uma segunda forma de composição de litígio que é a Transação Penal. Há ainda, uma terceira forma: a Suspensão Condicional do Processo.

Com essas formas de composição, evita-se a aplicação da pena privativa de liberdade e aplicam-se outras sanções mais brandas, todas elas voltadas para uma maior possibilidade de recuperação do infrator.

Ada Pellegrini, juntamente com outros renomados juristas, sintetiza bem tal assunto quando diz que:

A Lei 9.099/95 não cuidou de nenhum processo de descriminalização, isto é, não retirou o caráter ilícito de nenhuma infração penal. Mas disciplinou, isso sim, quatro medidas despenalizadoras (que são medidas penais ou processuais alternativas que procuram evitar a pena de prisão): 1.ª) nas infrações de menor potencial ofensivo de iniciativa privada ou pública condicionada, havendo composição civil, resulta extinta a punibilidade (art. 74, parágrafo único); 2.ª) não havendo composição civil ou tratando-se de ação pública incondicionada, a lei prevê a aplicação imediata de pena alternativa (restritiva ou multa) (transação penal, art. 76); 3.ª) as lesões corporais culposas ou leves passaram a exigir representação da vítima (art. 88); 4.ª) os crimes cuja pena mínima não seja superior a um ano permitem a suspensão condicional do processo (art. 89).[2]


I - Composição Civil:

A Composição Civil só é cabível nos crimes cuja ação é de iniciativa privativa do ofendido ou nas ações penais públicas condicionadas, e nada mais é do que a composição dos danos causados à vítima quando da prática da infração penal.

O Autor do fato oferece à vítima determinada quantia em dinheiro ou a execução de uma obrigação de fazer ou não fazer,  com a finalidade de ressarcir o prejuízo causado.

Quando o acordo for firmado pelas partes e homologado pelo Juiz, tem-se a renúncia ao direito de representação ou queixa, com a consequente extinção da punibilidade, ao contrário do que ocorre nas ações públicas incondicionadas que não impede a propositura da ação penal.

A composição Civil pode ser feita na audiência preliminar, mais conhecida como audiência de conciliação, que é, justamente, uma tentativa de composição dos danos cíveis causados pela prática do delito.

Essa medida alternativa, com previsão no artigo 74 da Lei 9.099/95, é mais uma forma de causa extintiva da punibilidade, pois se trata de uma renúncia tácita ao direito de queixa ou representação do ofendido em consequência da homologação da composição civil.


II - Transação Penal:

A pena aplicada nesse instituto jurídico foi, primeiramente, prevista pela Lei 7209/94 que trazia a pena de multa ou restritiva de direitos,  consistente em prestação de serviço à comunidade, limitação de fim de semana e interdição temporária de direitos, como penas a serem aplicadas quando da aceitação desse benefício pelo Autor do fato.

Com o advento da Lei 9.099/95, a Transação Penal passou a prever que as penas aplicadas seriam a pena de multa e as penas restritivas de direito, como se observa no artigo 76 da referida lei que prevê esse benefício: “Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.” [3]

A Transação Penal é mais uma medida despenalizadora, que permite ao Ministério Público, titular privativo da ação penal, a faculdade de dispor do direito de ação, desde que presentes os requisitos legais objetivos e subjetivos (antecedentes, conduta social e personalidade do agente, motivos e circunstâncias da infração).

O Autor do fato, quando presente esses requisitos, torna-se titular de um direito subjetivo à obtenção do benefício. É no art. 76, § 2º da Lei 9.099/95 que estão dispostos os requisitos permissivos da Transação Penal.

Caso a proposta oferecida pelo Membro do Parquet seja aceita pelo autor da infração penal, não se terá a instauração do processo. É uma medida alternativa de composição de litígio cuja proposta, como já foi dito, é feita pelo Ministério Público ao Autor do fato, nas infrações de menor potencial ofensivo -  aquelas a que a lei comine pena máxima não superior a 02 (dois) anos.

Com essa medida, não há julgamento do mérito da questão, cabendo ao infrator aceitar ou não a proposta do Promotor de Justiça. Caso a proposta seja aceita, não ficará registrado antecedente criminal contra o autor beneficiado. O mesmo ocorre nos casos de descumprimento injustificado por parte do beneficiado da medida alternativa aceita, pois, quando verificado o descumprimento, o membro do Parquet denunciará o Autor dando continuidade ao procedimento sumaríssimo, sendo designada a instrução processual. É perceptível que esse instituto surge como uma forma de inibir a aplicação de penas restritivas de liberdade.

É importante ressaltar que, o registro da Transação Penal impede novas Transações em até 05 (cinco) anos; que será contado da data em que for declarada extinta a pena restritiva de direitos ou multa anteriormente aplicada.

Quando do oferecimento da proposta, o infrator deverá estar devidamente acompanhado de seu defensor e caso a proposta seja aceita, não implicará em confissão de culpa por parte do mesmo, evitando-se, deste modo, a instauração da ação penal. A pena tem que vir especificada na proposta, pois não pode ser apresentada de forma genérica, imprecisa, vaga.

Nesse contexto, é relevante o ensinamento de Ada Pellegrini Grinover e outros renomados juristas:

A proposta da acusação deverá ser clara e precisa, para dar ao autuado e seu defensor pleno conhecimento da pena proposta, com a medida de suas conseqüências práticas. Referir-se-á ao fato narrado no termo de ocorrência, mas sem qualquer tipificação legal. Isso porque a aplicação da sanção não indica reconhecimento da culpabilidade.”[4]

Em uma primeira análise do Art. 76 da lei, verifica-se que o legislador só previu a possibilidade desse instituto nos casos de ação pena pública incondicionada e nos casos de ação pública condicionada, uma vez que, não efetuada a composição civil e tiver o ofendido oferecido a representação contra o autor do fato, não sendo considerada para fins de Transação Penal a ação penal privada. Porém, já é pacífico na doutrina, a aplicação desse artigo, por analogia, nas infrações cuja iniciativa de propositura é privativa do ofendido.


III - Suspensão Condicional do Processo:

Edílson Mougenot, sobre o instituto da suspensão condicional do processo, ressalta:

A suspensão condicional do processo pode ser definida como a interrupção do curso processual, com a imposição de uma série de condições ao beneficiado, durante um período de prova, que poderá levar à extinção da punibilidade.[5]

Esta medida despenalizadora está prevista na Lei 9.099/1995, em seu art. 89, entretanto não é um instituto próprio dos juizados especiais criminais, podendo ser aplicado a todos os crimes cuja pena mínima cominada seja igual ou inferior a 01 (um) ano.

A proposta de suspensão do processo, também chamado de sursis processual, é oferecida pelo membro do Ministério Público, em sede de audiência de instrução criminal ou então quando do oferecimento da própria peça acusatória e encontra-se vinculada aos requisitos legais dispostos no artigo 89 da Lei dos Juizados Especiais Criminais.

O sursis processual é um direito subjetivo do acusado e um poder-dever do Ministério Público, sendo um ato bilateral, já que necessita da aceitação da proposta pelo Autor do fato e seu Defensor.

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Caso a proposta seja aceita, o processo ficará suspenso pelo período de 02 (dois) a 04 (quatro) anos, ficando o acusado sujeito a algumas restrições e obrigações impostas pela lei, ou seja, passará por um período de prova e após esse período, não existirá qualquer registro do ocorrido, é como se o fato não tivesse ocorrido.

Veja-se o teor do Art. 89, caput e §1º, da Lei 9099/95:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II - proibição de freqüentar determinados lugares;

III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;

IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.


Conclusão:

De tudo ressalta evidente a importância da Lei 9.099/95, mormente, como visto no presente artigo, considerando a aplicação das medidas despenalizadoras, como alternativas de solução dos litígios de menor potencial ofensivo.

As fomas de composição de litígio no âmbito do Juizado Especial Criminal surgem, nesta perspectiva, como uma forma de tornar os processos mais céleres, além de, através da suspensão condicional do processo, da transação penal e da composição civil, atingir um dos seus mais importantes objetivos, qual seja, a recuperação e a prevenção dos autores do fato, evitando que eles sejam submetidos a uma pena privativa de liberdade, o que tornaria a reinserção à sociedade mais remota.


REFERÊNCIAS

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2006.

BRASIL. Código de Processo Penal. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12.ed.. São Paulo: Saraiva, 2005. v.1.

GRINOVER, Ada Pellegrini et. Al. Juizados Especiais Criminais: Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

MIRABETTE, Júlio Fabrinni. Juizados Especiais Criminais.3 ed. São Paulo: Editora Atlas.,1998.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004.

PACHECO, Denílson Feitoza. Direito Processual Penal: teoria, críticas e práxis. 4. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.


Notas

[1] MIRABETTE, Júlio Fabrinni. Juizados Especiais Criminais.3 ed. São Paulo: Editora Atlas.,1998, pág. 84.

[2] GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais: Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, pág. 46.

[3] BRASIL. Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 1496.

[4] GRINOVER, Ada Pellegrini et. Al. Juizados Especiais Criminais: Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, pág. 148.

[5] BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2006.p.517.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIANA, Henrique. Das formas de composição de litígio no âmbito dos juizados especiais criminais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4017, 1 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29694. Acesso em: 29 mar. 2024.

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