Abandono afetivo e as consequências em matéria de responsabilidade civil

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A possibilidade ou não de responsabilizar civilmente aquele que abandona afetivamente um filho vem sendo debatido no cenário jurídico nacional nos últimos anos. O presente artigo busca analisar a incidência ou não do dever de indenização por danos morais nesse caso.

Resumo

A possibilidade ou não de responsabilizar civilmente aquele que abandona afetivamente um filho vem sendo debatido no cenário jurídico nacional nos últimos anos. O presente artigo busca analisar a incidência ou não do dever de indenizar por danos morais as situações onde o abandono afetivo for identificado. Serão analisadas questões introdutórias da responsabilidade civil e far-se-á um breve histórico da família e as transformações ocorridas no decorrer dos tempos, desde a destituição do pátrio poder até o surgimento de uma família igualitária, ainda sobre a etapa em que havia distinção entre filhos. Analisar-se-á a condição dos filhos como sujeitos de direitos, considerando o princípio da dignidade da pessoa humana. Após, será estudado brevemente acerca do abandono afetivo. Nesse sentido se abordará acerca do dano moral e, ainda será analisada a aplicação ou não de indenização em decorrência do abandono afetivo, mediante analises doutrinarias e jurisprudenciais.

Palavras-chave: Abandono afetivo. Dano moral. Família. Responsabilidade civil.

Abstract

The possibility or not civilly who affectively abandons a child has been debated in the national legal scenario THE LAST years. This article seeks to analyze the incidence or not the duty to indemnify for punitive damage situations where the emotional distance is identified. Introductory issues of liability will be analyzed and a brief history of the family and the changes occurring in the course of time, since the removal of paternal power until the emergence of an egalitarian family, yet on the stage in which was no distinction between will be built sons. Will be analyzed - the condition of children as subjects of rights, considering the principle of human dignity. After, will be studied briefly about the emotional distance. Accordingly be approached about the moral damage and still be considered or not the application for compensation as a result of emotional abandonment by doctrinal and jurisprudential analysis .

Keywords : emotional neglect. Material damage . Family. liability

1 INTRODUÇÃO

O estudo da responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo não envolve somente a legislação dentro do direito de família, mas sim, envolve questões éticas e morais. Isso porque a família, na sociedade brasileira, sofreu diversas transformações, nas quais se buscou uma família mais humanizada, onde houvesse a uma maior proteção estatal dentro desta instituição, o que fez com que o Estado se vise obrigado a preservar alguns direitos antes não observados.

O abandono afetivo se caracteriza mediante a omissão de um dos pais no dever de prestar a atenção psicológica ao menor. Contudo, ainda não há nenhuma previsão legal acerca do tema e, há várias discussões ante a possibilidade ou não de responsabilizar o genitor por referida omissão.

Dessa forma, o presente artigo visa identificar se há ou não a possibilidade de indenizar os filhos em decorrência de abandono afetivo praticado pelos genitores, diante da não prestação dos cuidados necessários, tanto psicológicos, como morais com os filhos.

           

2 A RESPONSABILIDADE CIVIL: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

                              

 A fim de melhor compreender o estudo a ser realizado, imprescindível o exame do tema “responsabilidade civil”, salientando-se que a análise será adstrita ao mencionado, abordando questões introdutórias da responsabilidade civil, a fim de demonstrar os aspectos gerais desta, bem como seus pressupostos, tais como, conduta, dano, nexo de causalidade e culpa e, ainda uma breve diferenciação entre responsabilidade civil objetiva e subjetiva.

           

2.1 Aspectos gerais da Responsabilidade civil

A responsabilidade civil tem seu surgimento no direito romano, onde a forma de reparação era havida mediante a vingança, baseada na lei de talião, “olho por olho, dente por dente”. Com o decorrer dos tempos, o poder público começou de certa forma, a intervir na aplicação das penas, permitindo ou não a utilização da referida reparação. Após este período, iniciou-se a composição tarifada, na qual a indenização era obrigatória, regulamentada por lei que fixava a indenização ao caso concreto. (SANTOS, 2012 [s/p]) [3].

Passado por essas fases surgiu a Lex Aquiliana, ou seja, responsabilidade civil aquiliana, mediante a qual houve o surgimento da responsabilidade extracontratual, sendo de suma importância ao desenvolvimento da responsabilidade civil, posto que esta nova legislação trouxe ao ordenamento uma substituição da pena, eis que passou a ser fixada uma indenização, mediante a observação do dano causado à vítima e não mais de forma preestabelecida em lei. (SANTOS, 2012 [s/p]).  Senão veja-se:

A indenização permanecia substituindo o caráter da pena, sendo que os textos relativos a ações de responsabilidade se espraiaram de tal forma que, em ultimo grau do direito romano, já não mais faziam menção apenas aos danos materiais, mas também aos danos morais. (DIAS, 2006, pág. 26).

A responsabilidade civil aquiliana, com o Código Civil de Napoleão, instituiu a culpa como pressuposto de sua aplicação. Assim, várias legislações tiveram influência da legislação francesa, dentre elas o Código Civil brasileiro de 1916.

É através das modificações diárias da sociedade que se torna necessário o aprimoramento das normas, ou mesmo, sua criação, visando uma proteção maior aos direitos da sociedade. Dias (2006), relata acerca da evolução da responsabilidade:

O instituto é essencialmente dinâmico, tem de adaptar-se, transformar-se na mesma proporção em que evolve a civilização, há de ser dotado de flexibilidade suficiente para oferecer, em qualquer época, o meio ou processo pelo qual, em face de nova técnica, de novas conquistas, de novos gêneros de atividades, assegure a finalidade de restabelecer o equilíbrio desfeito por ocasião do dano, considerado, em cada tempo, em função das condições sociais vigentes. (DIAS, 2006, pág. 25).

Assim, aduz-se que com tais desenvolvimentos a responsabilidade civil é analisada em sentido amplo, remetendo a uma ideia de obrigação, contraprestação, para uma posterior reparação de um prejuízo gerado pela violação de um direito pré-existente, mediante a presença ou ausência da culpa. Assim, Dias (2006) define responsabilidade, vale conferir: “A responsabilidade é, portanto, resultado da ação pela qual o homem expressa o seu comportamento, em face desse dever de obrigação”.

Entende-se que antes de haver uma responsabilização, é necessária a existência de uma obrigação anterior. Nesse sentido, (Cavalieri, 2004, p.24) expõe:

Obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo consequente à violação do primeiro. Neste norte, o código civil também apresenta a distinção havida entre a obrigação e a responsabilidade em seu art. 389. “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos (...).

Com a constante transformação da sociedade e de suas necessidades, o atual Código Civil, dentre as modalidades de obrigação que já integravam nosso ordenamento (dar, fazer, não fazer), incluiu-se a obrigação de indenizar:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (BRASIL, C.C/2002).

Denota-se que violada uma obrigação, surge o dever de indenizar mediante o cometimento de um ato ilícito. Com base nesse pressuposto, observa-se:

A responsabilidade civil opera a partir do ato ilícito, com o nascimento da obrigação de indenizar, que tem por finalidade tornar indemne o lesado, colocar a vítima na situação em que estaria sem a ocorrência do fato danoso. (CAVALIERI, 2008).            Ver pág.

 

Irá advir da norma legal a obrigação de indenizar, pois será a lei que determinará quando surge a obrigação. Para se identificar quando há o dever de responsabilizar o lesado, se analisará dois pontos. Para que seja identificada a responsabilidade civil torna-se necessário a observação dos pressupostos, a conduta, o dano, o nexo causal e a culpa, que serão analisados no tópico seguinte.

2.2 Pressupostos da responsabilidade civil

Cavalieri Filho (2008, pág. 18) aduz que a partir da prática do ato ilícito, surge um conjunto de pressupostos da responsabilidade, sendo um elemento formal, um elemento subjetivo e outro elemento causal-material que devem ser analisados conjuntamente. O elemento formal ocorre quando de uma ação ou omissão voluntária do agente, este viola um dever jurídico. O elemento subjetivo é considerado o dolo ou a culpa. E o elemento causal-material sendo este ligado ao dano e o nexo de causalidade.

Os pressupostos da responsabilidade civil dividem-se em: conduta, dano, nexo causal e a culpa.

2.2.1 Conduta

A conduta do agente é o que, alicerçada na culpa e no dano causado, geram o dever de reparação do dano. Dessa forma, deve o agente agir ou se omitir a determinado fato, classificados como ação em sentido lato, abrangendo assim, uma ação stricto sensu e uma omissão.

O ato de vontade é essencial para a conduta humana, pois exterioriza a consciência da ação ou omissão do agente, mesmo que este, não possua o discernimento do dano que pode efetivamente causar, mediante sua conduta.

Nesse norte, caracteriza-se a ação como um comportamento positivo, no qual o agente causa o dano operando, sem, contudo prever o resultado. Cavalieri Filho, 2010, pág. 24, discorre acerca da ação:

A ação é a forma mais comum de exteriorização da conduta, porque, fora do domínio contratual, as pessoas estão obrigadas a abster-se da prática de atos que possam lesar o seu semelhante, de sorte que a violação desse dever geral de abstenção se obtém através de um fazer.

 

A omissão, todavia, tem como característica um comportamento negativo, sendo que este, normalmente, não gera o dever de indenizar. Apesar disso, possuindo o agente o dever jurídico de agir, de impedir o resultado e, se não o fizer, por deixar de agir ou por não fazer nada para impedir o resultado quando imperiosa sua ação, deverá indenizar o lesado.

[...] Só pode ser responsabilizado por omissão quem tiver o dever jurídico de agir, vale dizer, estiver numa situação jurídica que o obrigue a impedir a ocorrência do resultado. Se assim não fosse, toda e qualquer omissão seria relevante e, consequentemente, todos teriam contas a prestar à Justiça.” (CAVALIERI, 2008, pág. 25).

Denota-se que um dos pressupostos que deve ser analisado para uma possível verificação de responsabilidade civil, é a conduta. Que se concretiza mediante uma ação ou omissão do agente.

2.2.2 Dano

O dano significa uma lesão de dano moral ou patrimonial e com o decorrer dos anos a forma de analisar o dano na responsabilidade civil passou a ser diferente, posto que se iniciou uma analise, tanto de dano patrimonial, bem como de dano moral. Com esse novo posicionamento, Cavalieri Filho, conceituou o dano, veja-se:

Conceitua-se, então, dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral. (CAVALIERI, 2010, pág. 71).

 

O dano ocorrerá em face de patrimônios individuais que são divididos em bens materiais e imateriais. Os bens materiais são aqueles em que se torna possível à verificação e avaliação da prestação pecuniária. Já os bens imateriais compreendem aqueles inerentes à personalidade, a vida, a hora, a liberdade, os quais tornam mais complexa à fixação de indenização ao dano possivelmente causado (NADER, 2010, pág. 86).

Cavalieri Filho, (2008, pág. 80), ensina que com a Constituição de 1988, novas normas foram introduzidas em seu texto, trazendo novas formas de dano. Entre as quais se instituiu o dano moral, também conhecido como dano extrapatrimonial, que será tratado em item distinto.

Por fim, denota-se que o dano é essencial que ocorra um dano a vítima de ato ilícito, objetivando uma responsabilidade civil futura ao ofensor.

2.2.3 Nexo de Causalidade

O nexo causal é de suma importância para que outros elementos instituidores da responsabilidade civil venham a serem identificados, sendo que é o liame entre a conduta do agente e o dano.

Necessário analisar primeiro o nexo de causalidade, se o agente deu causa ao dano, para posteriormente verificar a se houve culpa ou não no ato praticado. Tendo em vista que ninguém deve responder por algo a que não deu causa. Devendo analisar, se o dano causado à vítima ocorreu face ao ato ilícito praticado pela mesma. Por isso é de suma importância a exigência do nexo causal.

Em síntese, é necessário que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado desse ato, sem o que a responsabilidade não correrá a cargo do autor material do fato. Daí a relevância do chamado nexo causal. Cuida-se, então, de saber quando um determinado resultado é imputável ao agente; que relação deve existir entre o dano e o fato para que este, sob a ótica do Direito, possa ser considerado causa daquele. (CAVALIERI, 2010, pág. 46).

 

É o nexo causal o vinculo entre a causa e efeito, bem como entre a conduta e o resultado, sendo que decorrem das leis naturais. Mediante a observação dos elementos acima descritos é que se identificará o causador do dano. Nesse sentido, Cavalieri Filho, (2008, pág. 46) expõe: “O conceito de nexo causal não é jurídico; decorre das leis naturais. É o vinculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado”.

Destarte, conclui-se que não havendo nexo causal entre a conduta do agente e o resultado, não ocorrerá o dever de reparar o dano supostamente causado.

2.2.3.1 Culpa

Na responsabilidade civil brasileira admite-se a culpa como pressuposto, contudo pode haver responsabilidade sem que haja a culpa. Não sendo considerado, dessa forma, essencial perante aos demais pressupostos. Na culpa, o agente não possui a intenção de causar o dano, mas devido a um comportamento negligente, imprudente e imperito, gera a violação de um dever preexistente, vindo a provocar o dano. (VEIRA, 2003, [s/p])[4].

Paulo Nader, (2010, pág. 98), descreve culpa como a ação quando o agente “[...] não age intencionalmente, mas tem a ciência dos riscos da conduta e ainda assim pratica o ato ou omissão, provocando danos a outrem”.

Ainda, nesse sentido Stoco explana:

Quando existe a intenção deliberada de ofender o direito, ou de ocasionar prejuízo a outrem, há o dolo, isto é, o pleno conhecimento do mal e o direto propósito de o praticar. Se não houvesse esse intento deliberado, proposital, mas o prejuízo veio a surgir, por imprudência ou negligência, existe a culpa (stricto sensu). (STOCO, 2007, pág. 133). (grifo nosso).

 

Nader (2010, pág. 98) coloca que a essência da culpa é a previsibilidade e a inevitabilidade, posto que o agente possui consciência do dano que pode causar a outrem, contudo quando de sua ocorrência torna-se inevitável o dano.

Ensina Cavalieri Filho (2008, pág. 37) que a culpa é elemento fundamental somente à teoria subjetiva, eis que na teoria objetiva esta é dispensável. Sendo que pode ser divida em várias espécies, tais quais, Culpa grave, leve e levíssima; culpa contratual e extracontratual; Culpa “in elegendo”, “in vigilando” e “in custodiando”; Culpa presumida e culpa contra a legalidade; Culpa concorrente.

A culpa grave ocorre quando o agente causador do dano age abusivamente de forma descuidada. Chega a ser próximo ao dolo, tendo em vista o grau de imprudência do agente. Veja-se a descrição de Nader, (2010, pág. 101): “A primeira se verifica quando o autor comete uma falta perceptível ao senso comum, altamente censurável, como ao se descurar de cuidados elementares”.

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A culpa leve e levíssima decorre de ato ou omissão, sendo que a primeira se concretiza quando o agente não toma as cautelas necessárias de atenção ordinária, de um agente cumpridor de seus deveres, eis que bastava um pouco de previdência para evitar o dano. A segunda, entretanto, é aquela em que a ação ou omissão do agente somente poderia ser evitada se houvesse uma atenção extraordinária deste, mediante uma habilidade especial ou conhecimento singular, bem como seria necessária à máxima diligência para conseguir evitar o efeito danoso.

Assim,  a culpa é um dos pressupostos para a responsabilização civil, contudo pode ela estar presente ou não na configuração da conduta danosa para que o agente seja obrigado à reparação.

3 A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO ABANDONO AFETIVO

O presente artigo, como já exposto, busca analisar se é possível indenizar o filho que foi abandonado por um de seus genitores e em decorrência disso se sentiu lesado, posto que poderia afetar seus direitos de personalidade.

Para tanto, neste item, far-se-á uma abordagem acerca do dano moral, seu conceito e características, inclusive diferenciando-o do dano patrimonial. Na sequencia, será feita uma análise sobre a incidência do dano moral nas relações familiares, mormente no que se refere ao abandono afetivo.

3.1 Do dano moral

A reparabilidade do dano moral no direito brasileiro tornou-se questão de ordem obrigatória diante de sua codificação, primeiramente com a Constituição Federal de 1988, em sede de seu art. 5°[5], V e X, bem como, ainda mediante o Código Civil de 2002, em seu art. 186[6] (GAGLIANO, 2008, pág. 67).

O dano moral, suscetível de indenização, ocorre através de algum ato ilícito que ofenda direitos da personalidade do indivíduo, sendo estes, por exemplo, a honra, a integridade física, a intimidade entre outros, que gerem ao lesado dor, desconforto com o dano. Nesse sentido, Nader traz o significado do dano moral.

O dano moral é quando alguém atenta contra a constituição física da pessoa natural ou a atinge em sua composição incorpórea, como o nome, a honra, a liberdade em diversas manifestações, a psique. O efeito que o dano moral provoca á a dor física ou a psíquica, ambas não mensuráveis por padrões matemáticos ou econômicos. (NADER, 2010, pág. 87).

Da mesma forma, Cavalieri Filho, descreve dano moral:

 

[...]Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. (CAVALIERI, 2008, pág. 83).

Ainda, Gagliano (2008, pág. 55), conceitua dano moral:

O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos de personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.

Com o advento do dano moral, se criou uma indagação acerca da possiblidade de cumulação entre o dano patrimonial e o extrapatrimonial, o que foi solucionada com a Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, qual seja, são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.

Nesse contexto, Cavalieri Filho explana:

[...]quando entrou em vigor a Constituição de 1988, e esta, em pelo menos dois incisos do seu art. 5° (incisos V e X), é expressa em admitir a reparabilidade do dano moral. Da mesma forma o Código de Proteção ao Direito do Consumidor (Lei n. ° 8.078, de 11 de setembro de 1990), em seu art. 6°, VI e VII. Desde, então, tornou-se indiscutível a cumulabilidade do dano moral com o material, o que acabou por ser reconhecido pelo colendo Superior Tribunal de Justiça ao formular a Súmula 37 [...] (CAVALIERI, 2008, pág. 83)

A indenização por dano moral não visa reparar o dano, considerando que não há a possibilidade de deixar a vítima em uma situação como se não houvesse dano ou mesmo prejuízo. Dessa forma, a finalidade da indenização será a de compensação do dano causado pelo agente.

3.2 O dano moral nas relações familiares e a possibilidade de fixação por abandono afetivo

Para analisar se é possível ou não pleitear indenização decorrente do dano moral por abandono afetivo, mister se faz tratar, ainda que brevemente, as peculiaridades relacionadas ao tema, para posteriormente tentar definir se há critérios justos que identifiquem a possibilidade ou não de responsabilizar o genitor que eventualmente abandonou seu filho.

Com o desenvolvimento da sociedade brasileira houve grandes transformações no direito de família. Dando-se início a uma nova forma de visualização da família e da filiação, eis que antes era analisada pelo âmbito somente genético, posto que a lei tratava somente do genitor consanguíneo. Contudo, tornou-se imprescindível que a família possuísse em suas relações o afeto, buscando uma convivência entre pais e filhos mais harmoniosa. Nesse sentido expõe Welter (2009):

A sociedade patriarcal fez com que a família fosse ajustada, desde que há mundo humano, unicamente por parte do mundo genético, uma linguagem normatizada, objetificada, desumanizada, porque os seus membros estão unidos pela totalidade dos laços, genéticos, afetivos e ontológicos. (WELTER, 2009, pág. 51).

Assim, torna-se perceptível que a família não pode ser mais considerada somente pelo seu âmbito biológico e patrimonial, considerando ser de suma importância a existência de vinculo afetivo, baseado no princípio da afetividade. Lôbo (2011, pág. 71), ensina que o princípio da afetividade é aquele mediante o qual a afetividade se torna um dever imposto aos pais para com seus filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles.

Por derradeiro, o abandono afetivo ocorre especialmente nas famílias em que houve a dissolução da sociedade conjugal ou o divórcio dos pais. Onde o pai ou a mãe ficam mais afastados do filho, posto que a guarda permanecerá com um deles, caso esta não seja compartilhada. Ficando em muitos casos os filhos desamparados, eis que o pai ou mãe não mais se mantem presentes no desenvolvimento do filho, deixando de lhes dar o carinho, amor e afeto necessários (ULBANO; ANGELUCI, [s/p]).

Todavia, o abandono afetivo é ocasionado pela indiferença, ausência de assistência afetiva, bem como de amor não despendida pelos pais no decorrer do desenvolvimento da criança ou adolescente, gerando assim um possível dano ao futuro dos filhos, tendo em vista que a responsabilidade dos pais não deve se limitar apenas ao sustento do filho. Há o dever dos pais estar na companhia do seu filho, prestando toda e qualquer assistência necessária, seja ela educacional, social, inclusive a do campo da afetividade, para proteção do melhor interesse da criança e adolescente (ULBANO; ANGELUCI, [s/p]).

Nesse contexto, Lôbo (2011) conceitua o abandono, veja-se:

Portanto, o “abandono afetivo” nada mais é que inadimplemento dos deveres jurídicos de paternidade. Seu campo não é exclusivamente o da moral, pois o direito atraiu para si, conferindo-lhe consequências jurídicas que não podem ser desconsideradas. (LÔBO, 2011, pág. 312).

Ainda, Dias (2008) expõe acerca do dever dos pais:

Não se pode mais ignorar essa realidade, passou-se a falar em paternidade responsável. Assim, a convivência dos filhos com os pais não é mais direito, é dever. Não é direito visitá-lo, é obrigação de visitá-lo. O distanciamento entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e reflexos no seu sadio desenvolvimento. (DIAS, 2008, pág. 415).

O afeto deve ser analisado com base nos princípios da dignidade da pessoa humana e o da proteção ao melhor interesse da criança e do adolescente, posto que são os alicerces do direito de filiação e mediante os quais se busca uma maior efetividade das legislação existente em prol dos filhos (Welter, 2009, pág. 56).

Ainda, como princípio basilar da filiação diante do abandono afetivo se encontra o princípio da proteção ao melhor interesse da criança e adolescente, que surgiu diante da alteração dos vínculos de filiação quando do nascimento do direito das crianças, adolescentes, disciplinado pelo art. 227, § 6°[7] da Constituição Federal, com o intuito de realizar uma proteção as crianças e adolescentes diante de suas fragilidades e vulnerabilidades (DIAS, 2011, pág. 68).

Deve-se utilizar o princípio do melhor interesse buscando a interpretação da legislação destinada às crianças e adolescentes, considerando que devem sempre interpretar a lei de forma mais benéfica para que haja a proteção de seus direitos. Gama (2008, p. 82), afirma que:

O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente é um reflexo do caráter de proteção integral da doutrina dos direitos da criança, bem como decorre também da doutrina dos direitos humanos em geral. Manifesta-se o referido princípio em diversos momentos no que diz respeito a situações jurídicas envolvendo o menor, como nas hipóteses de determinação da guarda, ou do direito de visitação, além de orientações respeitantes à sua educação e formação de sua personalidade em geral.

Conclui-se que com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a criança e o adolescente passaram a serem sujeitos de direitos, sendo prioridade diante dos pais e até mesmo do Estado, considerando a vulnerabilidade e fragilidade a que se encontram nas relações familiares e de filiação. Assim, diante dessa necessidade de proteção dos direitos a eles inerente, analisar-se-á a (im) possibilidade de determinar ao genitor a reparação pelo abandono afetivo, mediante a fixação de danos morais.

Denota-se que a reparação do dano causado mediante o estabelecimento do dano moral é analisado como uma contraprestação, posto que deixar de determinar ao agente causador que repare o dano, pode gerar dentro da sociedade uma continuidade de condutas semelhantes. Dessa forma, o dano moral surge com o intuito de desestimular outras condutas ilícitas que possam a surgir dentro da família. (FERRAZ, 2010).

De outro norte, tem-se que o afeto e amor são sentimentos, e dessa forma não há possibilidade de mensuração para indenização por danos morais. Considerando que não há como obrigar os pais a prestarem o afeto necessário aos filhos. (NASSRALLA, 2010).

Portanto, denota-se que para os entendimentos favoráveis a aplicação do dano moral nas relações familiares surge com o intuito de diminuir ou até mesmo evitar que novos casos se originem. Ainda, essa fixação não possuirá o objetivo de enriquecer o ofendido, mas sim como uma forma de sancionar o ofensor, ante não observação da dignidade da pessoa humana, bem como o melhor interesse da criança.

Contudo, aos que são contrários a aplicação do dano moral apontam que tal atribuição ao causador do dano estaria, obrigando este, a uma prestação de afeto e, ainda estaria se mensurando o amor. Assim, passa-se a analisar as posições em relação ao abandono afetivo.

3.3 Análises doutrinárias e jurisprudenciais acerca da (im) possibilidade de responsabilização por abandono afetivo

O abandono afetivo é tema recente que ainda não se encontra em nenhum ordenamento. Assim, as decisões referentes ao presente tema se dão mediante o entendimento dos julgadores (magistrados, desembargadores, etc.), e diante das observações disciplinadas pelas doutrinas. Dessa forma, se analisara os diversos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais.

Doutrinariamente, alguns defendem a possibilidade de indenização por abandono afetivo e os que são desfavoráveis a tal aplicação. Nesse sentido, observa-se que Maria Berenice Dias é favorável a referida indenização, veja-se:

Comprovado que a falta de convívio pode gerar danos, a ponto de comprometer o desenvolvimento pleno e saudável do filho, a omissão do pai gera dano afetivo susceptível de ser indenizado. [...]A lei obriga e responsabiliza os pais no que toca ao cuidado com os filhos. A ausência desses cuidados, o abandono moral, viola a integridade psicofísica dos filhos, bem como o princípio da solidariedade familiar, valores protegidos constitucionalmente (DIAS, 2008, pág. 416).

No mesmo sentido, Paulo Lôbo, manifesta-se no sentido de que o abandono afetivo ocasiona o descumprimento do dever jurídico da paternidade. Vale conferir:

Portanto, o “abandono afetivo” nada mais é que inadimplemento dos deveres jurídicos de paternidade. Seu campo não é exclusivamente o da moral, pois o direito atraiu para si, conferindo-lhe consequências jurídicas que não podem ser desconsideradas. (LÔBO, 2011, pág. 312). (grifo nosso).

Gagliano, de mesma forma, se posiciona favorável a indenização:

Mas é preciso se compreender que a fixação dessa indenização tem um acentuado e necessário caráter punitivo e pedagógico, na perspectiva da função social da responsabilidade civil, para que não se consagre o paradoxo de se impor ao pai ou mãe responsável por esse grave comportamento danoso (jurídico e espiritual), simplesmente, a “perda do poder familiar”, pois, se assim o for, para o genitor que o realiza, essa suposta sansão repercutiria como um verdadeiro favor. (GAGLIANO, 2011, pág. 736).

No que concerne ao entendimento jurisprudencial, este vem sendo bastante conflitante, considerando que há decisões tanto para a possibilidade de indenização em decorrência do abandono afetivo quanto pela impossibilidade.

O Superior Tribunal de Justiça entende que embora presentes todos os requisitos para que se enseje a responsabilidade civil, não é cabível a indenização, tendo em vista que o STJ entende que a omissão causada pelo genitor, não constitui ato ilícito. Conforme se demonstra pela decisão proferida pelo Ministro Aldir Passarinho Júnior:

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. E CONHECIMENTO. DANOS MORAIS REJEITADOS. ATO ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. Firmou o Superior Tribunal de Justiça que "A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária". Recurso especial não conhecido. (REsp 514.350/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 28/04/2009, DJe 25/05/2009). (grifei).

Contudo, mesmo diante de referido entendimento dentro dos Tribunais de Justiça Santa Catarina e do Rio Grande do Sul e ainda do próprio Superior Tribunal de Justiça, denota-se que as decisões são divergentes, o que será analisado a seguir.

No Tribunal da Justiça de Santa Catarina o entendimento majoritário é de que a indenização em decorrência de danos morais é incabível. Nesse sentido, expõe o Desembargador Jorge Luis da Costa Bebe, se manifestando que não é cabível referida indenização, considerando que se estaria favorecendo o desenvolvimento de uma afetividade compulsória, uma insinceridade amorosa, eis que os pais se viriam em uma posição obrigatória de dar afeto e amor que não possuem aos seus filhos.

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. FILHO QUE IMPUTA AO PAI O COMETIMENTO DE ABANDONO MORAL E AFETIVO, CULPANDO-LHE PELO DISTANCIAMENTO DE AMBOS AO LONGO DA VIDA E PELOS SOFRIMENTOS EXPERIMENTADOS EM VIRTUDE DISTO.   AGRAVO RETIDO. INTEMPESTIVIDADE. NÃO INTERPOSIÇÃO IMEDIATA, NA PRÓPRIA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. ART. 523, § 4º, DO CPC.   MÉRITO. AO PODER JUDICIÁRIO NÃO É DADA A INCUMBÊNCIA DE TUTELAR O AMOR OU O DESAFETO, NUMA ESPÉCIE DE JURISDICIONALIZAÇÃO DOS SENTIMENTOS, QUE SÃO INCONTROLÁVEIS PELA SUA PRÓPRIA ESSÊNCIA. A AFEIÇÃO COMPULSÓRIA, FORJADA PELO RECEIO DA RESPONSABILIZAÇÃO PECUNIÁRIA, É TÃO OU MAIS FUNESTA DO QUE A PRÓPRIA AUSÊNCIA DE AFETO.    RESPONSABILIZAR, MEDIANTE INDENIZAÇÃO PECUNÁRIA A AUSÊNCIA DE SENTIMENTOS, É INCENTIVAR A INSINCERIDADE DO AMOR, CONSPIRANDO PARA O NASCIMENTO DE RELAÇÕES FAMILIARES ASSENTADAS SOB OS PILARES DO FINGIMENTO, O QUE NÃO SE COADUNA COM A MORAL, A ÉTICA E O DIREITO. ATO ILÍCITO NÃO CARACTERIZADO. INEXISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. ARTS. 186 E 927 DO CC E ART. 333, INC. I, DO CPC. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STJ. APELO DESPROVIDO.   Amor existe ou não existe e, em não existindo, pode até vir a ser cultivado com atitudes de aproximação, jamais sob ameaça de punição. A construção de laços afetivos mediante coação pecuniária é de todo temerária, ressumbrando bizarro imaginar pais que não nutrem afeto algum pela prole, fingirem, de um instante para outro, aquilo que são incapazes de sentir genuinamente, apenas pelo temor de virem a ser condenados a indenizar o que desditosamente já está consumado.   Quantos filhos seriam obrigados a compartilhar a presença nociva de alguns pais por força dessa imposição jurisdicional? Guarda alguma razoabilidade imaginar benefícios para o filho quando sua relação com o pai é construída sobre alicerces falsos? Quanto de humanidade realmente restaria de um afeto legalmente conduzido? Em muitos casos, seria ainda de indagar: quantos filhos seriam efetivamente beneficiados pela monetarização do afeto? Para o pai ausente, cujo coração não aflorou para o amor aos filhos, a punição maior está nos dramas da sua própria consciência.   É preciso, todavia, saber distinguir a ausência de afeição com a repugnância acintosa. Por isso, em casos excepcionais, onde a falta de afeto criou espaço para um sentimento de desprezo acintoso, de menoscabamento explícito, público e constrangedor, o filho possa pleitear a reparação pelo dano anímico experimentado, porque nesse caso, ao invés da inexistência de amor, não nascido espontaneamente, há uma vontade deliberada e consciente de repugnar a prole não desejada. (TJSC, Apelação Cível n. 2011.073787-1, de São José, rel. Des. Jorge Luis Costa Beber, j. 02-08-2012).

De mesmo modo, coloca o Desembargador Marcus Tulio Sartorato alegando que não estão presentes os requisitos ensejadores da fixação de indenização, vale conferir:

DIREITO CIVIL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGADO ABANDONO MATERIAL E AFETIVO PELO GENITOR. RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE REALIZADO APENAS MEDIANTE O AJUIZAMENTO DA PRESENTE AÇÃO JUDICIAL. REQUISITOS DO ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL NÃO CONFIGURADOS. DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.   Os sentimentos compreendem a esfera mais íntima do ser humano e, para existirem, dependem de uma série de circunstâncias subjetivas. Portanto, o filho não pode obrigar o pai a nutrir amor e carinho por ele, e por este mesmo motivo, não há fundamento para reparação pecuniária por abandono afetivo. (TJSC, Apelação Cível n. 2012.005438-5, de Joinville, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. 27-03-2012).

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul atualmente também tem sua jurisprudência majoritária desfavorável a indenização por abandono afetivo.

Nesse norte, explana Desembargador Alzir Felippe Schmitz que não cabe a indenização em decorrência do abandono afetivo, considerando que não se pressupõe o abandono como ato ilícito. Veja-se:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA DECORRENTE DE ABANDONO AFETIVO. INOCORRÊNCIA. A responsabilidade civil no Direito de Família é subjetiva, de modo que o dever de indenizar pressupõe o ato ilícito e nexo de causalidade. Nesse passo, não se pode reconhecer como ato ilícito o alegado abandono afetivo que, por sua vez, não guarda nexo de causalidade com os danos alegadamente sofridos pelo autor. APELO NÃO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70052059417, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 07/02/2013)

Ainda, de mesma forma, se manifesta Luiz Felipe Brasil Santos no sentido de que incabível a aplicação da indenização por danos morais gerados pelo abandono  afetivo, tendo em vista que não se pode considerar tal ato com uma conduta ilícita:

APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL AOS FILHOS. ABANDONO AFETIVO. No direito de família, o dano moral é, em tese, cabível. No entanto, imprescindível que haja a configuração do ato ilícito. O distanciamento do varão em relação aos filhos não constitui motivo para fundamentar a indenização por dano moral, sendo tal fato um acontecimento bastante recorrente, um fato da vida, apesar de lamentável. Embora seja plausível que os apelantes tenham sofrido pela ausência do pai, essa situação não pode ser atribuída ao genitor somente, a ponto de levar à obrigação de indenizar. Ademais, em que pese reprovável, a conduta do demandado não se enquadra no conceito jurídico de ato ilícito, que gera o dever de indenizar. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70044172401, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 13/10/2011).

Apesar de prevalecer perante os Tribunais analisados e ser o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que não é cabível a aplicação de indenização por danos morais em decorrência do abandono afetivo, recentemente, perante o Superior Tribunal de Justiça houve entendimento divergente. No qual a desembargadora Nancy Andrighi coloca que deixando de cuidar da família, tal ato implica no reconhecimento da ilicitude, ponderando se tratar de uma omissão, podendo assim se indenizar o ofendido. Vale conferir:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria fática - não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012).

Pelo exposto, apesar de se ponderar que é pacífico o entendimento jurisprudencial de que não é cabível a indenização por danos morais em decorrência do abandono afetivo, conclui-se ser cabível a referida indenização, diante das transformações que a sociedade, bem como as relações familiares vem sofrendo, tornando-se imperioso ao Estado efetuar a aplicação da indenização, com o intuito de dirimir novos casos, fazendo que os filhos dentro da relação familiar possa ter seu desenvolvimento pleno, sem que sofra com o abandono.

4 CONSIDERAÇÕES

Pela busca da análise e possibilidade de indenização em decorrência do abandono afetivo, observou-se que esta situação, em geral causada por um dos genitores, vem ocasionado grandes danos psicológicos aos filhos, possuindo estes, o dever de serem reparados.

Nesse sentido, fora analisado que a família tornou-se de extrema importância para o desenvolvimento psicológico e social dos filhos, gerando consequências que cada vez mais vem se buscando a solução junto ao judiciário, como forma de inibir atitudes que prejudiquem as crianças e adolescentes.

Desta forma, a indenização decorrente do abandono afetivo, embora ainda não existam muitos julgados a respeito, pois em expansão, deverá tornar-se cada vez mais comum, preocupando aqueles que, por inércia afetiva, deixam de dar aos filhos o tratamento por eles desejado, desde a mais tenra idade, até a fase adulta.

5 REFERÊNCIAS

FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. Vol.7. 17°ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil – 6° ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 8° ed. São Paulo: Atlas, 2008.

NADER, Paulo. Curso de Direito Civil Responsabilidade Civil. Vol.7. 3°ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade Civil. 11° ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

VIEIRA, Ricardo de Salles. Dolo e Culpa na Responsabilidade Civil. Portal Zé Moleza, 2003. Disponível em: <http://www.zemoleza.com.br/carreiras/7590-dolo-e-culpa-na-responsabilidade-civil.html>. Acesso em: 20 maio 2013.

OLIVEIRA, Daniele Ulguim. Pressupostos da Responsabilidade Civil no Direito Brasileiro. Administradores, 2008. Disponível em: <http://www.administradores.com.br/artigos/administracao-e-negocios/pressupostos-da-responsabilidade-civil/26381/>. Acesso em: 10 jun. 2013.

SILVA, Gustavo Passarelli da. A responsabilidade objetiva no direito brasileiro como regra geral após o advento do novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, 01 de maio de 2003 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4045>. Acesso em: 03 jun. 2013.

ARAGÃO, Valdenir Cardoso. Aspectos da responsabilidade civil objetiva. Âmbito Jurídico, 2007. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2352>. Acesso 27 em maio 2013.

MACIEL, Daniel Baggio. Caso fortuito e força maior, há diferença entre eles?. Isto é Direito, 2009. Disponível em:< http://istoedireito.blogspot.com.br/2009/06/caso-fortuito-e-forca-maior-ha.html> Acesso em: 13 de jun. de 2013.

DAMIAN, Karine. Responsabilidade Civil - Nexo de Causalidade e Excludentes. Universo Jurídico, 2009.
Disponível em: < http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/6414/responsabilidade_civil__nexo_de_causalidade_e_excludentes >. Acesso em: 03 de jun. de 2013.

SANTOS, Pablo de Paula Saul. Responsabilidade civil: origem e pressupostos gerais. Âmbito Jurídico, 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11875>. Acesso em 23 de abril de 2013.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n°. 514.350 de São

Paulo; Quarta Turma. Rel: Min. Aldir Passarinho Junior, Julg. 28/04/2009; DJE

25/05/2009. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=abandono+afetivo&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO >. Acesso: 12 out. 2013.

SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, AC   2011.073787-1  Apelante: V.J.P.F. Apelado: V.J.P - de Tubarão; Quarta Câmara de Direito Cível; Relator: Jorge Luis da Costa Beber; Julg 02/08/2012. Disponível em: < http://app6.tjsc.jus.br/cposg/pcpoSelecaoProcesso2Grau.jsp?cbPesquisa=NUMPROC&Pesquisar=Pesquisar&dePesquisa=20110737871 >. Acesso em: 12 out. 2013.

SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, AC   2012.005438-5  Apelante: R.C.S. Apelado: O.W.N - de Joinville; Terceira Câmara de Direito Cível; Relator: Marcus Tulio Sartorato; Julg 27/03/2012. Disponível em: < http://app6.tjsc.jus.br/cposg/pcpoSelecaoProcesso2Grau.jsp?cbPesquisa=NUMPROC&Pesquisar=Pesquisar&dePesquisa=20120054385>. Acesso em: 12 out. 2013.


[3]

                        [3] Não possui o numero de páginas, por se tratar de documento eletrônico.
 

[4]
                        [4] Não possui o numero de páginas, por se tratar de documento eletrônico.
 

[5]
                        [5] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

[6]
                        [6] Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

[7]
                [7] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. § 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. § 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins. § 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. § 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204. § 8º A lei estabelecerá: I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens; II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas.

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Sobre as autoras
Fernanda Trentin

Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, professora do Curso de Direito na Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, Campus de São Miguel do Oeste, Pinhalzinho e Maravilha/SC. Especialista em Direito do Consumidor pela UNOPAR - Londrina.

Fernanda Rempel Heinen

Advogada. Graduada em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, Campus de Pinhalzinho/SC .

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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