A ilegitimidade ativa do ECAD na cobrança de direitos autorais de não associados

02/07/2014 às 16:45
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Ao titular de direitos autorais pode não receber porque quem usou não pagou, ou não receber porque o ECAD chegou na frente e surrupiou seu dinheiro, sendo que neste último caso ocorre ilegitimidade ativa, em violação ao mais pessoal de todos os direitos.

INTRODUÇÃO

A cidade de Araraquara, tradicionalmente, é um cemitério de cinemas. Muitas e diversas pessoas já tentaram, em vão, estabelecer cinemas nesta cidade, sempre com amargo insucesso. Recentemente foram fechadas as melhores e mais modernas salas de cinema da cidade.

No entanto, em face da única sala que tem conseguido manter algum movimento, recentemente o ECAD entrou com ação de cobrança exigindo receber Direitos Autorais, em ação que correu perante a 1ª Vara Cível de Araraquara, sob nº 690/06, tendo obtido sentença favorável (CONSULTOR JURÍDICO, Agosto de 2006).

A coisa não seria tão séria se fosse pontual, mas infelizmente, a referida sentença assenta-se com propriedade sob vasta jurisprudência, onde é reconhecida a legitimidade ativa do ECAD para cobrança de direitos autorais nas execuções públicas de obras culturais, não importando se o autor das ditas obras é ou não associado a uma das associações que compõe o quadro societário do ECAD, e tampouco importando contra quem o ECAD proponha a ação de cobrança – existindo casos em que se cobra do próprio autor das referidas obras – onde o único critério é que a execução seja pública. No caso, considera-se pública, e é cobrada, até a execução dentro de um quarto de hotel.

É curioso que esta empresa, uma pessoa jurídica de direito privado, detém em suas mãos um poder efetivo que lhe garante vitórias até em ADINs, sendo que conseguiu sobreviver apesar de existir o relatório de uma CPI no Congresso Nacional recomendando a sua extinção, e conseguiu até que não se instaurasse outra CPI, desta feita com o objetivo de se fazer cumprir o que se determinou na anterior.

Quando se vê o montante de dinheiro envolvido, descobre-se a origem de tanto poder. Nem a lei, nem a nossa Carta Magna prevalecem em face deste quantum. De fato, ao estudar-se o posicionamento das cortes superiores, é possível apreender-se que nada, nem a lei e nem a Constituição, podem de qualquer forma obstar o convencimento de que os direitos do ECAD são absolutos e contra todos. Nenhum órgão, público ou privado, nenhuma associação, tampouco a própria OAB, detém tanto poder efetivo dentro do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

A coisa é tão séria, que o ECAD, que deveria a princípio proteger os direitos dos autores, consegue ir até contra os mesmos, exigindo destes taxas sob pena de não permitir o acontecimento de espetáculos. Esta ousadia fica evidente quando, por ocasião do Show dos Rolling Stones no Rio de Janeiro, onde a famosa banda veio para, por si, interpretar suas próprias obras, ainda assim o ECAD pediu na justiça que o show não acontecesse, pois a banda não teria depositado, antecipadamente, R$ 1.000.000,00 (Um milhão de reais) ao ECAD, onde a empresa que organizou o evento depositou em juízo R$ 198.000,00, ou 10% da tabela do ECAD, apenas para pedir que os integrantes da banda não fossem assediados em público já no aeroporto. Felizmente houve bom senso no deferimento de liminar, que teve o seguinte teor: “a suspensão do evento é medida inimaginável diante da proporção que alcançou para a cidade. A postulação de pagamento adiantado de 10% sobre o valor total do orçamento do evento nos parece açodada. Não se sabe quantas e quais músicas serão tocadas” (CONSULTOR JURÍDICO, Fevereiro de 2006). Anote-se que a banda fez este show gratuitamente.

Nisto já se torna evidente o que todo mundo sabe: O ECAD não se presta a arrecadar os direitos autorais para cumprimento da ordem constitucional de proteger os direitos do próprio autor, mas busca insaciavelmente lotar os próprios cofres, mesmo e comumente em detrimento dos direitos dos autores. Neste caso específico, efetuando cobrança diretamente dos titulares dos direitos autorais, pois a banda Rolling Stones compõe, arranja e executa todas as suas músicas. A banda fez o show de graça, mas o município teve que pagar ao ECAD. Dinheiro público.

A ORIGEM DO ECAD

Historicamente existe um problema, que fica melhor exposto através de um exemplo prático.

Zé da Silva compõe uma música, por exemplo, uma marchinha de carnaval. Esta música cai no gosto das pessoas, e começa a ser executada em rádios, programas de televisão, entra dentro do corpo de um filme de sucesso, e se torna parte da própria cultura nacional.

Zé da Silva, por seu lado, mal consegue ter seu nome reconhecido como compositor daquela música, enquanto morre à míngua, sem jamais ter se beneficiado financeiramente da sua criação, ao passo em que diversas empresas de grande porte continuam utilizando sua obra.

A opção, até bastante óbvia, foi que este Zé da Silva se juntasse com outros tantos desprotegidos, formando uma associação, onde conjuntamente se teria mais força.

Vem da década de 60 do século passado a idéia de se reunir diversas destas associações sob um único escritório, com a finalidade de arrecadar e distribuir os direitos destes autores, e com isto fazer uma coisa muito simples: receber este direitos, e distribuir o dinheiro a quem de direito.

Em período que antecedeu a atual Constituição Federal, o Estado assumia explicitamente para si a tarefa de proteger algumas obras de criação intelectual, onde houve a edição da Lei 5988/73, onde primeiramente previu-se que as associações de autores poderiam se reunir em único órgão, sob a supervisão do CNDA – Conselho Nacional de Direito Autoral, e nos termos daquele diploma legal, tal órgão teria legitimidade para cobrar, em todo o território nacional, os direitos autorais dos membros das tais associações, no caso de execução pública de suas obras.

Criou-se uma empresa privada, particular, com o nome de ECAD, Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais, cujo nome imitou o disposto no artigo 115 da Lei 5988/73, e que foi criado para atuar nos limites dos artigos 113 e 114 da mesma norma, e sob a fiscalização do Conselho Nacional de Direito Autoral.

Em 1988 veio a nova Constituição, onde, segundo consta no site do Ministério da Cultura “As atribuições do CNDA são prejudicadas pelos incisos XVIII, XXVII e XXVIII do art. 5° da Constituição Federal de 1988” (BRASIL, 2007).

Assim, a empresa privada ECAD ficou sem seu órgão de fiscalização, que por sua vez tinha também a responsabilidade de fazer a tabela para a cobrança dos direitos autorais nas execuções públicas (Lei 5988/73, art. 117, alínea IV).

Em 15 de março de 1990 foi editado o Decreto nº 99.180, foi extinto o CNDA e criado o Departamento de Produção Cultural vinculado à Secretaria da Cultura (artigos 26 e seguintes), sendo que no artigo 28 inciso II este órgão foi especificamente incumbido de “proceder à arrecadação, à distribuição e ao pagamento dos direitos autorais e conexos, bem assim informar aos destinatários os critérios adotados para a respectiva apuração” - a função do ECAD foi explicitamente atribuída para um órgão especializado vinculado ao Ministério da Cultura. Ninguém se importou.

Finalmente, em 20 de Fevereiro de 1998 veio a Lei 9610, que revogou explicitamente a norma que regulamentava a existência do ECAD (Lei 5988/73), enquanto o direito de autorizar as execuções públicas das obras passou para as mãos dos autores (antes era necessário pagamento prévio ao ECAD para que se autorizasse execuções públicas).

O CONTROLE DO ECAD

O ECAD, uma pessoa jurídica de direito privado, hoje é controlada por empresas multinacionais do ramo de entretenimento, e simplesmente expulsou algumas das principais associações fundadoras. É que o ECAD agrega associações de autores, entre as quais, a ABRAMUS. A IFPI-Latina (a seção latina da Federação Internacional de Produtores Fonográficos) congrega as maiores gravadoras internacionais, e entrou no mercado associando-se com a ABRAMUS com o objetivo de controlar o ECAD, e assim fomentar os ganhos da indústria fonográfica. Esta é uma manobra que vem de encontro ao interesse de algumas associações que lutam pelo poder dentro do ECAD, e controlar o ECAD significa controlar uma verba de milhões de reais anuais. Assim, a IFPI procurou as associações membro do ECAD, entre elas a AMAR. Quando a IFPI decidiu se juntar à ABRAMUS, a AMAR soltou diversos manifestos, inclusive via internet, onde denuncia a manobra da IFPI para tomar o mercado de direitos autorais brasileiro em benefício das gravadoras, sendo evidente que estas manifestações só aconteceram porque foi preterida na escolha.

A Página principal da IFPI na internet é emblemática: “Representing the record industry worldwide” - Representando a indústria fonográfica internacionalmente. (IFPI, 2007)

IFPI represents the recording industry worldwide, with a membership comprising some 1400 record companies in 75 countries and affiliated industry associations in 49 countries. IFPI's mission is to promote the value of recorded music, safeguard the rights of record producers and expand the commercial uses of recorded music in all markets where its members operate.

 

A IFPI representa a indústria fonográfica em todo o mundo, tendo como membros mais de 1400 empresas fonográficas em 75 países e afiliada a associações do ramo em 49 países. A missão da IFPI é promover a valorização da música gravada, salvaguardar os direitos dos produtores de discos e expandir o uso comercial da música gravada em todos os países onde seus membros operam. (IFPI, 2007)

 

Quem seriam os “membros” da IFPI?

Bom, uma lista de dezenas, mas cabe citar as principais, que aliás, encabeçam a lista: Universal Music, Warner Music Group, Virgin Music, Sony/BMG, EMI, Capitol Records, Atlantic, Decca, etc.

No Brasil: CID, EMI, Microservice (faz os CDs), SIGLA (Sistema Globo), Sony Music, e Warner Music. (IFPI, 2007, links).

Estes são os controladores dos direitos autorais brasileiros. É em prol destas empresas que se arrecada os direitos autorais por execuções públicas de música – qualquer música, de qualquer autor, associado ou não a uma das associações-membro do ECAD. E é por aí que metade do dinheiro arrecadado pelo ECAD vai para fora do Brasil.

AUTORES NÃO AFILIADOS AO ECAD.

É imenso o número de autores nacionais que não tem nenhuma ligação com esta empresa particular, mas as decisões superiores, que se refletem nas novas decisões de primeira instância, tem atribuído poderes que equivalem à capacidade tributária ativa de algumas autarquias, tem admitido que o ECAD cobre dos usuários E ATÉ DOS PRÓPRIOS AUTORES taxas arbitradas pelo próprio ECAD, que dificilmente são repassadas aos autores associados, e que jamais são repassadas aos não associados.

A legitimidade ativa do ECAD é estendida jurisprudencialmente à qualquer execução pública de obras musicais, excetuadas pontualmente as festas públicas realizadas sem objetivo de proveito econômico, único ponto onde existe severa divergência. Basta existir um espetáculo, a projeção de um filme em um cinema, ou ser colocada uma música ambiente em um estabelecimento comercial, e lá está o ECAD com seus onipotentes fiscais, cobrando e multando como se fosse a própria longa manus do Estado exercendo seu munus. Nem festa de casamento fica livre desta fome insaciável.

Mas isto é apenas um golpe do mais deslavado. O ECAD não tem regulamentação legal para existir, o ECAD que existe não é o previsto no artigo 99 da Lei 9.610/98, e mesmo que fosse não teria o direito de cobrar pela execução de obras cujos direitos pertencem a não membros das associações que integram o quadro social desta empresa, que é apenas e tão somente uma pessoa jurídica de direito privado.

O presente trabalho não visa se estender sobre a importante questão pertinente à execução pública de obras sem a remuneração dos autores. Visa apenas demonstrar que a empresa denominada ECAD não tem legitimidade ad causam ilimitada para cobrar direitos autorais, ao contrário do que tão solidamente está assentado em nossa jurisprudência.

A verdade é que os autores não são em nada beneficiados com a existência do ECAD, muito ao contrário, já é uma realidade em nossos tribunais que diversos artistas não conseguem receber seus direitos autorais, porque antes deles o ECAD já os cobrou indevidamente, ao passo em que existe todo um mecanismo dentro do ECAD que impede que os autores que não pertençam às associações que o integram consigam receber seus direitos, aqueles direitos arrecadados pelo ECAD e que jamais são distribuídos.

Isto já foi alvo de uma CPI no Congresso Nacional, que recomendou A EXTINÇÃO DO ECAD, mas nada foi feito.

Tentou-se abrir nova CPI, a fim de se averiguar o porque de nenhuma das medidas recomendadas terem sido adotadas. Esta sequer foi aberta, apesar do grande número de adesões.

Na outra ponta, autores tentam buscar seus direitos judicialmente, sendo obstados pois quem deveria pagar já pagou ao ECAD.

Quem é este órgão, que consegue a quase unanimidade da jurisprudência, destarte estar agindo em detrimento dos direitos personalíssimos, legais e constitucionais dos autores?

A tudo isso sobrepõe-se o fato de que não existe legitimidade ativa do ECAD, nos moldes do Direito Processual, que permita a este órgão efetuar qualquer cobrança em nome genérico, especialmente em benefício de autores não associados.

A necessidade da centralização

Sepúlveda Pertence, defensor acirrado da gestão coletiva dos direitos autorais, transcreve para seu voto na ADIN 2.054 texto de grande relevância histórica, que importa trazer para esta peça neste momento.

A idéia de Gestão Coletiva de direitos autorais data da França do Século XVIII, mas se iniciou no Brasil em XVII com o surgimento da sociedade brasileira, de autores teatrais – SBAT – criada para promover, com exclusividade, a administração dos direitos autorais dos autores teatrais, relativos à apresentação de obras dramáticas e de caráter assemelhado.

Entretanto, com relação aos direitos autorais decorrentes da execução públicas (SIC) de obras musicais, o processo de unificação foi mais complexo em virtude da existência de várias associações de titulares, fato que dificultava um consenso e promovia inúmeros problemas e descontentamentos. Assim, com a arrecadação descentralizada, surgiram graves problemas no controle da concessão de autorizações, para que fossem utilizadas em público, obras musicais, lítero-musicais e de fonogramas, posto que com a pluralidade de associações arrecadadoras, cada uma defendia os interesses de seus associados, dificultando o controle dos valores arrecadados, permitindo que diversos usuários fossem cobrados, duas ou mais vezes, em face de uma única utilização das obras administradas.

Objetivando melhorar e unificar o sistema de arrecadação, a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais – SBAT – a União Brasileira de Compositores -, UBC, a sociedade Administradora de Direitos de Execução Musical do Brasil – SADEMBRA e a Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música – SBACEM se lançaram na formação de uma única instituição arrecadadora, controlada por elas, dessa idéia surgiu o Serviço de Defesa do Direito Autoral – SDDA, dessa associação de fato, não participaram todas as sociedades, fator que contribuiu para a continuação e aumento dos problemas de arrecadação dos valores devidos pois uma obra musical quase sempre era, de autoria ou titularidade de autores filiados à qualquer das entidades existentes e todas elas poderiam cobrar daqueles que utilizassem publicamente essas obras intelectuais (STF, 2003, p. 130 e 131).

Ora, desta multiplicidade de associações e sociedades de fato efetuando paralelamente a mesma cobrança, ocorria ou a cobrança duplicada, ou o que, de fato, acabou se concretizando, o não pagamento pela execução pública das obras dos associados, pois nenhuma das associações poderia dar quitação das verbas que recebia.

Segundo Sepúlveda Pertence:

[...] o problema foi sanado, com a edição da Lei nº 5.988/73, que em seu art. 115, determinou às associações de titulares que criassem o ECAD para promover, com exclusividade, a arrecadação daqueles direitos. O ECAD é até hoje o único escritório com legitimidade para conceder autorização pública de obras musicais, exigindo o respectivo pagamento dos direitos autorais, e dando quitação dos valores efetivamente recebidos (STF, 2003, p. 131).

A cobrança prévia de taxa para execução pública

Na norma revogada, § 2º do artigo 73 da Lei 5.988/73, constava expressamente o seguinte:

§ 2º - Ao requerer a aprovação do espetáculo ou da transmissão, o empresário deverá apresentar à autoridade policial, observando o disposto na legislação em vigor, o programa, acompanhado da autorização do autor, intérprete ou executante e do produtor de fonogramas, bem como do recibo de recolhimento em agência bancária ou postal, ou ainda documento equivalente em forma autorizada pelo Conselho Nacional de Direito Autoral, a favor do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, de que trata o art. 115, do valor, dos direitos autorais das obras programadas.

Isto era completamente coerente com o estado de censura então existente, pois o empresário tinha que apresentar “o programa, acompanhado de autorização do autor [...] (mais comprovante do pagamento) [...] a favor do” ECAD.

O CNDA estabelecia uma tabela de preços e fiscalizava o ECAD, o autor autorizava a execução pública, e o empresário levava toda esta documentação junto com o comprovante de pagamento do ECAD para a autoridade policial. Só a partir daí se poderia realizar o espetáculo.

O CNDA não existe mais, a tabela do CNDA muito menos, agora a execução pública não depende mais de autorização da polícia, apenas do titular de direitos autorais. Mas o ECAD, espertamente, dá um jeito, chega com um boleto de pagamento emitido unilateralmente, com base na tabela de preços que ele mesmo cria e administra, e impõe o pagamento, sob pena de não realização do espetáculo.

Isto, no entanto, ocorre em violação do disposto no artigo 5ª, Inciso II, que determina que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, onde a tal cobrança prévia para permissão de espetáculo, se ocorrer sobre direitos de titulares de direitos não afiliados ao ECAD, incorre em estelionato, e se ocorrer sobre direitos de afiliados, incorre sob constrangimento ilegal.

A ILEGITIMIDADE PROCESSUAL AD CAUSAM

É fato que nossa Constituição Federal prevê a hipótese de associações atuarem judicial e extrajudicialmente em nome de seus filiados, mas desde que expressamente autorizadas por estes.

Nosso Código de Processo Civil, logo em seus primeiros artigos esclarece de forma inequívoca a questão fundamental do interesse e da legitimidade.

O interesse, no sentido da norma, deve ser analisado do ponto de vista de que o autor deve ter um direito material violado ou passível de ser violado, em face de um terceiro. O artigo 6º do Código de Processo Civil é enfático ao determinar que “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”. E a própria lei cuida de prover os institutos da representação legal e convencional (por procuração), e da substituição processual, em rol restritivo.

Um dos casos onde se observa a substituição processual é no caso da Lei 1.134/50, onde em seu artigo 1º consta que “Às associações de classe existentes na data da publicação desta lei, sem nenhum caráter político, fundadas nos termos do Código Civil e enquadradas nos dispositivos constitucionais, que congreguem funcionários ou empregados de empresas industriais da União, administradas ou não por ela, dos Estados, dos Municípios e de entidades autárquicas, de modo geral, é facultada a representação coletiva ou individual de seus associados, perante as autoridades administrativas e a justiça ordinária”.

Em nossa Constituição Federal temos o seguinte

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

[...]

III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

[...]

V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;


 

Ora, a lei ordinária coloca um rol restrito de associações de classe que podem representar coletiva ou individualmente seus associados, e a primeira vez onde se admite, em todo nosso ordenamento jurídico, que alguém represente interesses individuais ou coletivos de uma “categoria”, é justamente dentro do artigo da Constituição Federal que rege as associações e sindicatos. Note-se porém, que a representação se dá apenas pelos sindicatos, e não pelas associações.

O ECAD, por ser uma pessoa jurídica de direito privado, cuja única previsão legal é aquela do artigo 99 da Lei 9.610/98, onde está expressamente consignado que seu poder de representação se limita ao universo de seus associados, não cumpre nenhum dos requisitos previstos na lei para excepcionar o artigo 6º do Código de Processo Civil.

Está claro, já neste momento, que não existe a legitimidade para que o ECAD possa atuar em juízo buscando direitos de quem não pertença aos quadros de uma das associações que o compõe.

A lei 9.610/98 é bem redigida, de forma a não deixar dúvidas quanto a este ponto e traz no bojo do art. 99, § 2° o seguinte: “O escritório central e as associações a que se refere este Título atuarão em juízo e fora dele em seus próprios nomes como substitutos processuais dos titulares a eles vinculados.

Esta é a letra da lei. Mas a interpretação encontrada na jurisprudência é contra legem, senão vejamos:

DIREITO AUTORAL — Legitimidade ativa do ECAD. Possui o ECAD legitimidade para promover a ação de cobrança das contribuições devidas pela execução pública de composições musicais, independentemente da comprovação do ato de filiação feita pelos titulares dos direitos reclamados. Precedentes do STJ. (STJ, 1996).

 

DIREITO AUTORAL — ECAD — Comprovação de filiação e autorização dos compositores de músicas — Desnecessidade, O ECAD é associação civil responsável para promover a cobrança de direitos autorais devidos em razão de retransmissão de músicas, sendo desnecessário provar a filiação dos compositores, bem como sua autorização para o ingresso em Juízo. (STJ, 1997).

 

DIREITOS AUTORAIS — ECAD — Legitimidade ativa. I - Após o advento da Constituição de 1988, o ECAD tem legitimidade para propor ação de cobrança de contribuições devidas em razão de direitos autoral, independentemente da comprovação da filiação e de autorização dos autores das músicas executadas. II - Recurso Especial conhecido e provido. (STJ, 1998).

 

Além da expressa previsão legislativa, o entendimento jurisprudencial que vem prevalecendo assinala tanto a legitimidade do ECAD para a cobrança dos direitos autorais como a desnecessidade de comprovação do ato de filiação dos titulares dos direitos reclamados. (CONSULTOR JURÍDICO, Agosto de 2006).

Com todo o merecido respeito pelas decisões acima trasladadas, o fato é que não se observa a previsão legislativa referida. A lei expressamente prevê que o ECAD e as associações que o formam atuem “em seus próprios nomes como substitutos processuais dos titulares a eles vinculados.

A eles vinculados.

Se determinado autor não é vinculado à nenhuma associação integrante do ECAD, o ECAD não pode agir em seu nome. Inclusive porque no artigo 22 da Lei 9.610/98 consta expressamente que “Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou”, o que regulamenta o texto constitucional do artigo 5º Inc XXVII: - “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”.

Direito exclusivo. Os direitos autorais se dividem em morais e patrimoniais, sendo que os morais são personalíssimos, mas os patrimoniais podem ser dispostos, na forma da lei. O que não se pode é admitir-se que alguém ilegitimamente receba estes direitos, sem a obrigação de repassá-lo a quem de direito, que é o que está acontecendo.

Este é um dos problemas em se aceitar que alguém, não sendo parte legítima, pleiteie direitos de outrem – o direito não atinge seu verdadeiro destinatário.

A tutela judicial caso concedida, estaria legitimando uma apropriação indevida de verbas pertencentes ao titular dos direitos autorais.

A legitimidade para propor ação é a situação subjetiva se quem quer ser autor mostra que pode haver, diante do que expôs na petição inicial, se o Estado atende ao exercício da pretensão à tutela jurídica, decisão favorável. Não seria de admitir-se que se deferisse a petição inicial sem se saber que o autor poderia ser atendido quanto ao que pede. [...] O autor ou é titular da pretensão à tutela jurídica e exerce a ação, para o que contribui o que se conclui quanto à possibilidade jurídica mostrada pelos informes quanto à causa de pedir e o pedido. (PONTES DE MIRANDA, 2001, p. 51)

Segundo o iminente mestre, somente o titular da pretensão pode pedir em juízo. Se outra pessoa pede sobre direito alheio, deve cumprir requisitos específicos, excepcionais, especialmente a outorga.

Para que se possa pleitear quanto a direito alheio, é preciso que tenha havido outorga, negocial ou legal, de poderes de presentação ou de representação. [...] Só lei especial pode atribuir a alguém o poder de exercer a pretensão pré- processual e a processual em nome próprio. (PONTES DE MIRANDA, 2001, p. 91)

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Na outorga pressupõe-se relação jurídica negocial, onde o outorgante tem a oportunidade de preservar contratualmente seus direitos no momento em que transfere direitos.

No caso, trata-se de outorga legal, quando a mera filiação a uma das associações componentes do ECAD vincula o autor, e por força do artigo 99 da Lei 9.610/98, o ECAD adquire o pode de atuar em juízo em seu nome.

Em outra explicação um pouco mais didática pode ver o seguinte:

O autor deve ter título em relação ao interesse que pretende seja tutelado. [...] São legitimados para agir, ativa e passivamente, os titulares dos interesses em conflito: legitimação ativa terá o titular do interesse afirmado na pretensão; passiva terá o titular do interesse que se opõe ao afirmado na pretensão. (SANTOS, 2004, p. 71)

A parte pode estar em juízo representada por outrem. Neste caso, continua sendo parte, apenas que outra pessoa exercerá, em seu nome, os atos no processo. Existe a representação legal, necessária ou obrigatória, aquela em que alguém representa um incapaz e diz respeito diretamente à capacidade de estar em juízo. Existe outra, denominada voluntária ou convencional, onde a parte detém sim capacidade para estar em juízo, mas por ato voluntário confere poderes a outrem para que, em seu nome, pratique atos em juízo. Neste último caso:

[...] a representação é voluntária, pois está na vontade de a pessoa ser representada pelo mandatário na relação processual, sendo também convencional, porque expressa por um mandato, que é convencionado entre o mandante e o mandatário (art. 1.288, CC/1916; art. 653, CC/2002). À representação voluntária se refere o Código de Processo Civil, em mais de uma passagem, no art. 215 e seus parágrafos. (SANTOS, 2003, p. 363)

Existe por certo a representação devida à capacidade postulatória, realizada por pessoa legalmente habilitada a postular em juízo. Esta apenas menciona-se, por não ser o objeto do presente estudo.

No processo também pode existir a substituição processual, termo atribuído a CHIOVENDA, quando a parte pleiteia em nome próprio direito alheio.

O substituto processual é parte, no sentido processual. Quer na posição de autor, quer na de réu, o substituto processual é sujeito da relação processual, da qual participa em nome próprio, não em nome do substituído. Nisso difere a substituição processual da figura da representação, em que o representante não é parte, mas apenas representante da parte, que é o representado. Enquanto na substituição processual o substituto age em nome próprio, na representação o representante age em nome do representado.

O Código de Processo Civil permite a expressamente a substituição processual, mas exige que ela tão-somente possa exercer-se quando autorizada por lei. (SANTOS, 2003, p. 349)

O processo só pode existir por iniciativa de quem tenha interesse e legitimidade. A parte deve estar presente no processo ou devidamente representada, exceto no caso de substituição processual, que é excepcional e só pode acontecer mediante expressa previsão legal.

O ECAD, no caso, tem por força do artigo 99 da Lei 9.610/98 o poder conferido para, em nome de seus associados, atuar em juízo especificamente na busca dos direitos autorais de que estes, os associados, sejam titulares. Trata-se portanto de substituição processual expressa em lei, pois o titular do direito autoral tem a prerrogativa de associar-se ou não à uma das associações membro do ECAD, para a partir de então gozar dos serviços desta empresa. Ao associar-se, que é um ato pelo qual o associado manifesta sua vontade, o ECAD recebe a outorga.

Atualmente tal cobrança de direitos de não associados, ocorrendo dentro do sistema judiciário, é ofensivo pela total e absoluta falta de representação, mas principalmente porque em se julgando procedente ações de tal natureza, está se violando o direito material do autor da obra, em perceber os frutos de seu trabalho, em contrapartida do enriquecimento ilícito de uma empresa particular.

É fácil compreender que João não pode ir a juízo pleitear para si, em face de Maria, um direito que pertence a José. O que estaria acontecendo, na melhor das hipóteses, seria João estar se utilizando do processo para obter algo ilícito.

No caso dos direitos autorais a coisa é bem mais grave, porque se trata de direitos protegidos constitucionalmente, que ultrapassam a tutela comum dada ao patrimônio em geral. Os direitos autorais tem reconhecida prevalência sobre outros direitos comuns. Daí a gravidade de alguém, em nome alheio, se apropriar de tais direitos.

Parafiscalidade judicial

Algo que é reiteradamente trazido à baila, incorporando a fundamentação de diversos julgados, é a comparação do ECAD ao “Sistema S”, que engloba o SENAI, SENAC, etc, pois segundo Sepúlveda Pertence, “é indiscutível que os entes públicos possam criar pessoas jurídicas de direito privado para fins de interesse público [...] O ECAD seria, então, um prestador de serviço público por delegação legislativa”. (STF, 2003, p. 134)

Ora, a questão da parafiscalidade é relativamente simples, ou seja, o Estado exerce seu poder-potestade para impor a alguém a obrigação de pagar determinado tributo, para a seguir delegar a legitimidade para cobrança de uso desta verba para alguma entidade que cumpra uma função essencial para o próprio Estado. É, de fato, uma forma de o Estado transferir verbas sem que estas passem pelo seu caixa. Isto é, de forma muito simplificada, a parafiscalidade.

Um exemplo clássico de parafiscalidade é o caso da OAB. O Estado impôs, por lei, a cobrança das taxas e anuidades pelos advogados e estagiários para a OAB, e é inequívoco que a advocacia é uma função essencial da justiça, conforme disposto na Constituição Federal. Ora, houve grande dissenso, onde esta cobrança por vezes se deslocava para a Justiça Federal, correndo sob os moldes da Lei de Execução Fiscal, Lei nº 6.830, de 22-09-80.

A entidade não se amolda às demais corporações de natureza profissional, e não se caracterizando como autarquia, a cobrança das contribuições ou multas não deverá seguir o procedimento previsto na Lei nº 6.830/80, que rege a execução judicial para a cobrança da dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias. Aliás, para a cobrança de seus créditos, expede apenas certidão passada pela Diretoria do Conselho competente. As anuidades não se constituem em contribuição parafiscal. Tais considerações afastam a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento das execuções de contribuições devidas à OAB, pois tais causas não se amoldam à dicção do art. 109 da CF. (STJ, 2005)

 

A OAB não é uma entidade parafiscal. Isto é absolutamente relevante para o estudo do caso concreto. A OAB, ao contrário do ECAD, não detém apenas previsão legal, detém regulamentação legal, disposta em lei federal. Destarte a relevância desta entidade, destarte a mesma se destinar exclusivamente a prestar um serviço público, ainda assim a cobrança de seus direitos se amolda nos critérios do Código de Processo Civil. E observe-se que se a OAB não existisse nos moldes previstos na lei, deveria existir como órgão estatal, com todos os custos inerentes afluindo diretamente para ou dos cofres públicos. Ainda assim, no STJ não é reconhecido como entidade parafiscal.

As decisões que comparam o ECAD à entidades particulares prestando serviço público o fazem pretendendo atribuir uma legitimidade ativa nas ações de cobrança equivalentes à parafiscalidade, o que inocorre absolutamente. Se nem uma entidade da importância da OAB pode ser considerada como entidade parafiscal, tanto mais o ECAD que não é regulamentado por lei, tratando-se de mera pessoa jurídica de direito privado, criada e mantida por particulares, e atuando no interesse restrito de seus associados.

DIREITO DE FISCALIZAÇÃO DO AUTOR

 

Um ponto não muito discutido em decisões, talvez pouco ventiladas pelas partes, é a que se refere ao direito que o titular de direitos autorais detém, de fiscalizar a execução pública de sua obra.

O direito evoluiu para retirar do Estado este controle, retirar de uma entidade intermediária entre o Estado e o titular do direito este controle, até chegar no momento em que o próprio titular do direito assume este ônus. Isto se depreende da leitura da Lei 9.610/98, artigo 30 e parágrafos:

Art. 30. No exercício do direito de reprodução, o titular dos direitos autorais poderá colocar à disposição do público a obra, na forma, local e pelo tempo que desejar, a título oneroso ou gratuito.

§ 1º O direito de exclusividade de reprodução não será aplicável quando ela for temporária e apenas tiver o propósito de tornar a obra, fonograma ou interpretação perceptível em meio eletrônico ou quando for de natureza transitória e incidental, desde que ocorra no curso do uso devidamente autorizado da obra, pelo titular.

§ 2º Em qualquer modalidade de reprodução, a quantidade de exemplares será informada e controlada, cabendo a quem reproduzir a obra a responsabilidade de manter os registros que permitam, ao autor, a fiscalização do aproveitamento econômico da exploração.

 

 

Porque a lei permite a execução gratuita? Simples. Ao autor pode interessar DIVULGAR a sua obra, e neste caso ele mesmo divulga sua obra de forma gratuita. O compositor contemporâneo Heber Schünemann, recentemente disponibilizou no “Youtube” uma de suas mais importantes obras, que havia sido recentemente apresentada, em multimedia, no Centro Cultural “Oi Futuro”, na cidade do Rio de Janeiro. Este vídeo, com a música em sua íntegra, encontra-se disponível no endereço http://www.youtube.com/watch?v=meHo_2aMxMg , mas não pode ser aqui incorporado por limitações desta media.

O que pretende se demonstrar é que, o ECAD, ao oprimir todos os usuários que utilizam execução pública de música, estão violando não apenas o direito de o titular de direitos autorais receber, mas também estão violando o direito de ter sua obra divulgada, ainda que gratuitamente.

Hodiernamente, talvez este seja o maior de todos os prejuízos.

Segundo costuma se comentar no meio da informática, Bill Gates ficou rico graças à pirataria.

Explica-se. Primeiramente, até por uma questão de coerência, protesta-se contra a pirataria. A seguir, é necessário esclarecer que aqui no Brasil, durante o período em que a tecnologia era restritamente controlada pelo governo, a base de microcomputadores que se instalou foi, em grande parte, a partir de máquinas contrabandeadas, e todas essas continham o sistema operacional “Windows” da Microsoft, descaradamente pirateado.

Isto é fato de conhecimento geral, logo não é necessário aprofundar-se sobre este ponto.

A questão é que estes usuários, que tiveram seu primeiro contato com um computador com o “Windows” instalado, formaram uma larga base de usuários, suplantando em centenas ou milhares de vezes o número de usuários que compraram um “Mac”, que já vinha com sistema operacional licenciado instalado, só para mencionar um exemplo.

Quando a própria IBM conseguiu oferecer seus PCs no mercado brasileiro, ninguém aceitou o “OS2/Warp”, não porque não fosse um bom sistema operacional, mas porque era diferente do “Windows”.

Nem o Linux, que a princípio era um sistema operacional para “Nerds”, e que atualmente é superior a qualquer versão do “Windows”, consegue competir com este, apesar de ser totalmente gratuito.

Esta força da Microsoft no mercado brasileiro de computadores pessoais, absolutamente impressionante, começou graças ao fato de os primeiros usuários terem se utilizados gratuitamente do sistema operacional.

Hoje já é possível, até para a própria Microsoft, organizar medidas de combate à pirataria, e se ela não o faz com efetividade, é apenas em comprovação de que esta teoria é bastante conhecida deles.

Reitera-se a posição contra a pirataria, pois é evidente o prejuízo que é gerado em toda sociedade pela sua prática, quando autores, empresas e até o Estado deixam de arrecadar o que lhes é de direito, no entanto, este exemplo aqui se coloca apenas para evidenciar que, por vezes, é um bom negócio ter a divulgação da obra.

De fato, músicos que estão iniciando a carreira fazer romaria pelas rádios, oferecendo gratuitamente suas músicas, e torcendo para que alguém as divulgue.

A publicidade é uma das coisas mais caras do mundo. Em todos os eventos, a maior verba tem sempre ligação com publicidade. Logo, ter sua obra divulgada e popularizada é algo que traz benefícios para os titulares de direitos autorais.

Voltando à questão da pirataria, sob uma ótica oposta, pode se imaginar que a pessoa que ouviu diversas vezes uma música pelo rádio se interesse em comprar um CD ou DVD. Então a execução pública da obra, a critério do titular do direito, pode ocorrer a título gratuito – ele estará, na verdade, fazendo uma permuta. Se o ECAD, no entanto, cobrar por esta execução gratuita, estará frustrando um direito basilar do titular de direitos autorais sobre esta obra.

QUESTÃO MORAL – inidoneidade reconhecida do ECAD

Em 1995 houve uma CPI, que ficou conhecida como CPI do ECAD, que terminou, como infelizmente é comum, “em pizza”.

Quase dez anos depois, em 30 de Março de 2005 o Deputado Federal Hidekazu Takayama (PMDB/PR) apresentou o projeto de resolução que recebeu o nº 223/2005, e que continha o seguinte texto:

Em novembro de 1995, foram concluídas as investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito que ficou conhecida como a CPI do ECAD. Foram encaminhadas à Polícia Federal e aos Ministérios Públicos federal e estaduais cópias do relatório final onde existem veementes indícios de ilícitos penais como: Falsidade Ideológica, Sonegação Fiscal, Apropriação Indébita, Enriquecimento Ilícito, Formação de Quadrilha, Formação de Cartel e Abuso do Poder Econômico, entre outros, com indigitamento dos seus autores e farta documentação.

Passados quase dez anos, a sociedade brasileira ainda não foi totalmente informada das providências tomadas. A situação dos autores e usuários do Direito Autoral continua praticamente a mesma. Estes, os usuários, pagam preços exorbitantes, sem qualquer critério racional; aqueles, os autores, recebem importâncias ridículas, sem qualquer possibilidade de fiscalização e aferição do valores que lhe são devidos. Na época, aproveitando o descontentamento generalizado, deputados de diversos partidos faturaram alto prestígio político entre os autores e as entidades que utilizam as obras musicais. Em suas palestras pelo interior do país, costumavam afirmar que a CPI do ECAD cumpriu bem seu papel, mas que a Polícia Federal e o Ministério Público pouco fizeram para solucionar os problemas apontados.

Em 1996, uma comissão formada por entidades de autores gaúchos em parceria com o Deputado Federal Luiz Mainardi apresentou o Projeto de Lei n.º 2.571 que pretendia estabelecer normas gerais sobre a arrecadação e distribuição de direitos autorais relativos à execução pública de obras musicais ou lítero-musicais. Tal projeto previa a criação da Curadoria da Propriedade Intelectual, com poderes de fiscalização efetiva, inclusive pela instauração de inquéritos civis e auditorias contábeis para apurar crimes e irregularidades cometidos pelas entidades arrecadadoras e distribuidoras dos direitos autorais.

O projeto em questão enfrentou forte lobby das corporações interessadas na manutenção do status quo, sendo substituído por um outro que dormia havia muitos anos nas gavetas do Congresso Nacional e que resultou na Lei n.º 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que manteve o ECAD com todos os seus vícios.

Muitas das relações que ocorrem sob a égide do direito autoral transcendem a órbita dos interesses individuais para inscreverem-se na órbita dos interesses difusos, reclamando, por isto, a intervenção do Ministério Público. Sejam as relações que se travam entre autores e as grandes gravadoras de obras musicais, sejam as relações que se travam entre autores e as entidades encarregadas da gestão dos direitos autorais de execução, sejam as relações que se travam entre estas entidades e os consumidores em geral, são todas elas perpassadas pelo PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE, em que uma das partes é totalmente submetida ao arbítrio da outra. Nas relações entre autores e gravadoras não são raros os crimes contra a propriedade intelectual. Os mais comuns são a utilização de obras sem autorização do autor e o plágio estimulado e acobertado por algumas gravadoras.

Nas relações entre o ECAD e os consumidores, também são comuns os abusos. Não se cogita aqui das grandes emissoras de rádio e televisão que podem e sabem se defender do ECAD, mas dos pequenos consumidores (barzinhos, bancas de revistas e até mesmo espetáculos beneficentes) aos quais são impostos preços exorbitantes, calculados sem qualquer critério técnico, com possibilidade de acordos "por fora", em detrimento tanto dos autores, que não recebem seus direitos, quanto dos consumidores, que são coagidos por um poder de polícia que ninguém sabe de onde vem.

Nas relações entre o ECAD e a sociedade como um todo, esta tem estado desamparada por falta de quem a defenda ou garanta seu acesso aos bens culturais. (CONGRESSO NACIONAL, 2005, inicial)

Apesar de cumprir o requisito de obter as assinaturas de mais de um terço dos deputados (houve 237 adesões), a nova CPI não se instalou.

Conquanto não tenha se instalado, é digno de nota o protesto veemente levantado pelo iminente deputado federal, Sr. Jefferson Campos, do PMDB/SP:

O que se tem ouvido, no entanto, é que a entidade criada para proteger os artistas brasileiros não tem cumprido seu objetivo primordial. Recebemos, freqüentemente, no Estado de São Paulo, diversas denúncias de que, efetivamente, os recursos cobrados pelo ECAD não são devidamente repassados aos autores. São esses artistas que, ao se sentirem lesados, exigem desta Casa, por meio dos representantes que elegeram, que seja investigada a aplicação dos recursos recolhidos pelo ECAD.

A atuação muitas vezes arbitrária do ECAD tem, ainda, afastado o cidadão brasileiro do exercício pleno dos seus direitos culturais, impedido a livre expressão da atividade artística e interferido no livre exercício dos cultos religiosos, numa ação contrária a algumas das mais importantes garantias constitucionais. A ação do ECAD em cultos evangélicos, católicos e ecumênicos e em shows beneficentes ou gratuitos – eventos sem qualquer intuito de exploração econômica – muitas vezes inviabiliza a sua realização. Os artistas, por sua vez, queixam-se de que os altos valores recolhidos em tais eventos não chegam às suas mãos.

Sabemos que esta Câmara dos Deputados tem sido cautelosa ao analisar os vários projetos de resolução que instituem Comissão Parlamentar de Inquérito. No entanto, acreditamos ser necessária e urgente uma investigação em torno da atuação do ECAD neste País, pelo bem da manutenção dos direitos do autor, do direito à livre expressão da atividade artística, do livre exercício dos cultos religiosos e da garantia ao pleno exercício dos direitos culturais, assegurados pela Constituição Federal, nos termos do art. 5º, XXVII, IX e VI e do art. 215, respectivamente.

Pelas razões expostas, adotamos posição contrária ao parecer e favorável à aprovação da matéria constante do Projeto de Resolução nº 223, de 2005.” (CONGRESSO NACIONAL, 2005, voto na Comissão de Educação e Cultura)

Observa-se o conhecimento de mérito, constante da afirmação das reiteradas denúncias recebidas de quem é extorquido pelo ECAD, e dos artistas que não conseguem receber seus direitos.

Aqui não se pretende colacionar os inúmeros casos em que o Estado se vê obrigado a recolher taxas para o ECAD, a fim de se realizar eventos públicos. Eventos tais como festas juninas, com cantigas de roda tradicionais, e músicas caídas em domínio público desde antes de nascermos.

Apesar de a composição das próprias associações que integram o ECAD estar viralmente contaminada, a partir da entrada dos mega-grupos de gravadoras internacionais que na prática assumiram seu controle, nada se faz a respeito.

Apesar de o órgão de controle superior ao ECAD ter sido extinto, apesar de ter sido criado um órgão público para cumprir exatamente a função do ECAD, nada se faz.

A ADIN 2.054-4

Foi proposta a referida Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo Partido Social Trabalhista, PST, requerendo a declaração da inconstitucionalidade do artigo 99 e parágrafo 1º da Lei 9.610/98, por contrariar o disposto nos incisos XVII e XX do artigo 5º, e § 4º do artigo 173 da Constituição Federal, que consagram a plena liberdade de associação e vedam o monopólio.

Uma leitura atenta do inteiro teor desta ADIN demonstra como em seu bojo foi discutida toda a questão histórica das associações de autores, a evolução legislativa, e até mesmo a questão da legitimidade do ECAD na cobrança dos direitos autorais de não associados.

Consumir-se-á bom espaço no estudo desta ADIN, porque nela o que se discutiu, no fundo, foi a legitimidade do ECAD em arrecadar todas as verbas oriundas da execução pública de obras musicais (seria arrecadar e distribuir, mas a distribuição jamais foi discutida, pois se faz apenas entre as associações-membro do ECAD), bem como a legitimidade do ECAD para atuar em juízo na busca de receber estes direitos, mesmo quando se referindo a autores não associados.

A discussão de face seria a obrigatoriedade dos titulares de direitos autorais se associarem ao ECAD.

Medida cautelar

Inicialmente, na análise da Medida Cautelar, julgou-se pelo indeferimento da mesma, pois, segundo consta do acórdão, o ECAD é “Ente que não se dedica a exploração de atividade econômica, não podendo, por isso, representar ameaça de dominação dos mercados, de eliminação de concorrência e de aumento arbitrário de lucros, práticas vedadas pelo último dispositivo constitucional sob enfoque” (STF, 2003, p. 51). O relator, neste momento, enfatizou que o ECAD “é instrumento imprescindível à proteção dos direitos autorais” (STF, 2003, p. 51), o que sobrepujaria o princípio da livre associação.

No voto (liminar) do Ministro Nelson Jobim, este entendeu que o pano de fundo do pedido não se tratava da liberdade de associação, positiva ou negativa, pois “o objetivo final desta demanda é não pagar direitos autorais. É a liberdade de não pagar” (STF, 2003, p. 63).

Neste momento, portanto, prevaleceu a tese da obrigatoriedade de filiação ao ECAD, pois julgou-se que o Princípio da Proteção dos Direitos Autorais deveria prevalecer sobre o Princípio de Liberdade de Associação.

Análise do mérito

No relatório do relator, consta a existência de memoriais apresentados pela CNDE – Central Nacional de Direitos de Execução, SADEMBRA – Sociedade Administradora de Direitos de Execução Musical do Brasil, e SABEM, Associação de Autores Brasileiros e Escritores de Música.

Destes memoriais se extraem os relatos das manobras da Emi-Odeon e da Warner Chapel, que através da tomada do domínio da UBC – União Brasileira de Compositores e da SOCINPRO- Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Intelectuais, conseguiram a maioria absoluta dos votos no ECAD. Desde então os chamados direitos conexos – os repassados para as gravadoras que controlam o ECAD - “que antes do ECAD correspondia a 2,5% do total, a 33,33% da arrecadação, cifra que atinge 50% nas áreas do rádio e da televisão” (STF, 2003, p. 105).

Um ponto interessantíssimo da argüição da SADEMBRA é a seguinte: que aos titulares dos direitos autorais cabe administrar seus direitos de propriedade intelectual, “já que as criações do pensamento humano não podem sofrer interferências diretas ou disfarçadas no seu aproveitamento econômico; e que são proprietários exclusivos das obras que lhes pertencem, não cabendo o exercício dos direitos relativos a elas, contra a sua vontade, ao não proprietário, mormente a um escritório administrado por 54,04% dos votos atribuídos apenas a uma das sócias, a UBC, que tem como superintendente associação estrangeira de não-autores, valendo dizer, que tem exclusividade de comando sediada no exterior”. (STF, 2003, p. 106).

Já a SABEM alegou que “o ECAD nem sequer pode ser considerado único, já que expulsou de seu quadro social quatro associações de autores, ato que permitiu à UBC – União Brasileira de Compositores contar com 54% dos votos de Assembléia, podendo, por isso, recusar a admissão de outras associações em seu quadro, como aconteceu com a Liga dos Compositores do Brasil, decorrendo, daí, a existência de elevado número de titulares de direitos autorais fora do sistema de arrecadação”.

Este é um ponto fundamental, sem dúvida alguma. Se uma determinada associação não pode ser admitida pelo ECAD, como pode o ECAD arrecadar os direitos autorais referentes aos autores desta associação? Lembrando que o ECAD não é obrigado a repassar nenhuma verba a não associados, apenas divide suas verbas entre seus associados de acordo com seus próprios critérios.

Voto do Relator

Em seu voto no mérito, o Ministro Ilmar Galvão mudou radicalmente sua posição em relação ao voto liminar. De fato, de maneira fundamentada e sopesada, o último voto foi absolutamente contrário ao primeiro. A solução diversa, pela sua explicação, se deveu à uma análise mais aprofundada da matéria.

Segundo o iminente ministro, a criação do ECAD foi autorizada pelo artigo 115 da Lei 5.988/73, no contexto da Carta de 1969, que proclamava

“§ 28 – É assegurada a liberdade de associação para fins lícitos”

O que foi mantido no artigo 5º Inciso XVII da Constituição de 1988, da seguinte forma:

“XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos...”

Mas a seguir vem a ressalva do Inciso XX:

“XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado.”

Por este motivo o artigo 115 da Lei 5.988/73 foi revogado pela nova Constituição Federal. O legislador ordinário, no entanto, “desapercebido da nova realidade constitucional, pretendeu manter as associações dos titulares de direito de autor submetidas ao dever de associar-se” (STF, 2003, p. 110), nos termos do artigo 99 da nova lei.

Isto ocorreu em descompasso não apenas com o mandamento constitucional, mas também com o restante da própria lei 9.610/98, que:

consagra a exclusividade de utilização, fruição e disposição das suas obras (artigos 23 e 28) e a liberdade do exercício pessoal da defesa de seus direitos sobre elas (art. 98, parágrafo único), ressalvada a faculdade de poderem organizar-se em associações, independentemente da autorização de quem quer que seja (inciso XVIII do artigo 5º da CF), que os representarão no exercício desses direitos (art. 97 da lei). (STF, 2003, p. 110)

Consta que no novo contexto legal foi totalmente eliminada a interferência do Poder Público, pois antes incumbia ao Conselho Nacional de Direito Autoral, CNDA, a orientação e fiscalização do sistema, que autoriza o funcionamento de entidades de direito autoral, entre os quais o próprio ECAD, cabendo ao CNDA até mesmo neles intervir. Atualmente a criação e gestão destas empresas cabe totalmente à iniciativa privada, através dos autores que detém a titularidade dos direitos autorais. O próprio agir do ECAD vem no sentido de que não existe compulsoriedade de associação, pois só isto explicaria “o fato de ter-se julgado investido do poder de excluir de seu quadro social associações que ousaram discordar da orientação adotada no cumprimento de seus misteres” (STF, 2003, p. 112).

É também ressaltada a natureza jurídica do ECAD, ponto fundamental. Isto interfere em todo o direito na esfera do ECAD. Esta a análise do Ministro Relator:

A natureza jurídica do ECAD, que se afigurava como um ente regido por estatuto especial, com forte conotação de direito público, diante da forte presença que se exigia do Estado, para sua organização, orientação, coordenação e fiscalização, podendo chegar, mesmo, à intervenção, passou, com a nova Constituição e, sobretudo, com a nova lei, ao regime eminentemente privado, dependente da vontade de seus membros, os quais já não são obrigados a nele permanecer, podendo organizar-se de outro modo, com vista à arrecadação e distribuição de seus direitos, ou fazê-lo por suas próprias forças. (STF, 2003, p. 113)

Ora, esta é uma excelente visão do contexto histórico-legal. De fato, o universo do direito autoral, no que diz respeito à execução pública de obras musicais, migrou do controle estatal para o controle pelo autor.

O Sr. Relator continua demonstrando que a experiência em outros países, tais como nos EUA, onde co-existem várias associações de direito autoral, por expressa previsão legal no Título 17 do United States Code, o “Código Civil” norte americano, cabendo exclusivamente ao titular do direito escolher associar-se a uma destas entidades, e isto ocorre porque “o sistema norte-americano está fundamentado nas premissas das liberdade de filiação dos titulares de direitos autorais e da concorrência entre as diversas sociedades de direitos de execução”.

O Sr. Ministro Relator votou pela procedência da ação, ou seja, declaração da “inconstitucionalidade do artigo 99 e § 1º da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998”.

Voto do Sr. Ministro Moreira Alves

Segundo o sapiente voto, a norma em apreciação revogou norma anterior que criara o ECAD. Assim, a declaração da inconstitucionalidade da norma implicaria na validade da criação do próprio ECAD.

A lógica não poderia ser mais perfeita, exceto pelo fato de que não foi o artigo 99 e § 1º que revogou a lei 5.988/73, mas o artigo 115 que o fez:

115 - Ficam revogados os arts. 649 a 673 e 1.346 do Código Civil e as leis ns. 4.944, de 6 de abril de 1966; 9.988, de 14 de dezembro de 1973, excetuando-se o art. 17 e seus §§ 1º e 2º; 6.800, de 25 de junho de 1980, 7.123, de 12 de setembro de 1983; 9.045, de 18 de maio de 1995, e demais disposições em contrário, mantidas em vigor as leis ns. 6.533, de 24 de maio de 1978, e 6.615, de 16 de dezembro de 1978.

Este é o motivo pelo qual não me apego ao abalizado voto, pois a declaração da inconstitucionalidade sepultaria sim, sem vestígios, qualquer previsão legal de um único escritório central de cobrança.

Voto-vista do Ministro Sepúlveda Pertence

O iminente ministro, após atribuir a paternidade do ECAD ao Ministro Moreira Alves, discorre discordando dos argumentos do Sr. Relator, que chega a denominar “imbróglio”.

Segundo ele, não se trata de liberdade individual de associação, pois “A liberdade de associação ferida seria, pois, não a dos titulares dos direitos autorais, mas, sim, as de suas associações”. As pessoas jurídicas de direito privado estariam então, obrigadas a se filiar ao ECAD.

Estranho que o ECAD possa inadmitir esta ou aquela associação.

Segue com o seguinte:

O memorial desenvolve com felicidade a tese da assimilação do ECAD aos grupos de direito público: seria ele uma associação para desempenhar um serviço público por expressa delegação da lei, similar, por exemplo, ao caso das autarquias coorporativas (SIC), a partir da Ordem dos Advogados.

Invoca-se Diogo Figueiredo Moreira Neto – Mutações do Direito Administrativo -, para quem é indiscutível que os entes públicos possam criar pessoas jurídicas de direito privado para fins de interesse público, recordando, então, o chamado SISTEMA S, nos moldes do SESI e do SENAI.

O ECAD seria, então, um prestador de serviço público por delegação legislativa. (STF, 2003, p. 134)

A crítica à esse posicionamento fica por conta do fato de que a lei 9.610/98 revogou expressamente toda a parte da lei anterior, 5.988/73, no que dizia respeito à previsão legal do ECAD, sua criação, sua gestão, seu funcionamento, e sua fiscalização pelo ente público, o CNDA.

Antes realmente existia esta condição de fato, onde o ECAD exercia um munus público, mas dois fatores coexistiam: previsão legal e fiscalização.

No atual contexto, o direito de gestão dos direitos autorais foi transferido para os autores, ou seja, saiu da mão do Estado.

Mas a questão central do presente estudo, a substituição processual, é abordada neste voto, conforme segue:

A substituição processual foi outorgada às associações sem outra condição que a da filiação do titular, conforme os arts. 98 e 99, § 2º (STF, 2003, p. 136).

E finaliza afirmando que estas associações, que a partir da filiação adquirem a condição de substitutos processuais de seus associados (isto se estendendo ao ECAD?), não podem, contudo, participar da gestão coletiva da arrecadação e distribuição.

Confirmação de voto, Ministro Ilmar Galvão

Após discussão registrada nos autos, seguiu-se a seguinte afirmação do Sr. Ministro Ilmar Galvão:

Sr. Presidente, estaria plenamente de acordo com o Ministro Sepúlveda Pertence se deixasse claro que o ECAD não tem a exclusividade. A cobrança, seja judicial ou pessoal, pode ser feita por qualquer pessoa. O ECAD investiu-se de uma titularidade exclusiva, a ponto de afastar qualquer outra pretensão. É preciso ficar claro que o ECAD não tem essa atribuição, num regime que não é mais tutelado pelo Poder Público como era na Constituição anterior. (STF, 2003, p. 140)

Por certo que em dado momento na história o legislador caminhou na direção de um escritório único onipotente, onde para que alguém pudesse realizar um espetáculo público, só poderia fazê-lo mediante o prévio recolhimento da taxa do ECAD, segundo a tabela do CNDA.

O CNDA não existe mais, a lei transferiu o direito autorizar espetáculos pessoalmente para o detentor dos direitos autorais, mas qualquer pessoa, mesmo detentora de direitos autorais, se vê coagida pelo ECAD a recolher uma taxa por ele arbitrada, por vezes milionária, a fim de poder realizar um espetáculo público.

Voto do Sr. Ministro Gilmar Mendes

O iminente ministro entende que o Estado tem o dever não apenas de proteger os direitos individuais em face das investidas do Poder Público, mas também contra a agressão propiciada por terceiros. Segundo ele, “A forma como esse dever será satisfeito constitui tarefa dos órgãos estatais que dispõem de ampla liberdade de conformação.” (STF, 2003, p. 143)

Termina afirmando que “afigura-se legítima a decisão legislativa que, ao fixar as normas de organização e procedimento, viabiliza a cobrança de direitos autorais por uma entidade central.” (STF, 2003, p. 144)

Por certo que, analisado desta forma simples e direta, a questão estaria bem respondida.

O legislador realmente tem o direito de fazê-lo. Mas não o fez. O ECAD não é um órgão estatal, conquanto inicialmente tenha sido previsto nesse contexto. Atualmente, a regra é do exercício pessoal do direito pelo titular, que pode ou não outorgar o poder de fazê-lo. Em não o fazendo, a cobrança é ilegítima.

Voto da Sra. Ministra Ellen Gracie

Sucintamente acompanhou o voto do Ministro Sepúlveda Pertence.

Voto do Sr. Ministro Nelson Jobim

Segundo o iminente ministro, “O sistema atribui ao ECAD este direito de cobrar execução pública, independentemente de demonstrar que esse cidadão é filiado às associações que compõem o ECAD. Esse foi o sistema adotado.“ (STF, 2003, p. 147)

Se adotarmos a tese sustentada, o devedor teria que pagar pelos direitos autorais, poderia exigir do ECAD: primeiro, que o personagem, João da Silva, autor da música que está sendo tocada, é sócio de uma associação que integra o ECAD; segundo, que essa associação autorizou-o a cobrar.

Pronto! Não vai cobrar nunca mais, porque vai se criar um mecanismo de impedimento pelo juízo da representação, aí não teríamos como resolver o problema. Então, a centralização, que foi opção do legislador brasileiro, é a maneira pela qual se formou a execução desse modelo que funciona; tanto o é que estamos aqui discutindo exatamente a sua destruição. (STF, 2003, p. 149)

Com todo o merecido respeito, resolve-se um problema, que é cobrar. Aí, quem fez a execução pública tem que pagar ao ECAD. Simples.

Mas e o titular do direito autoral?

Bom, se ele não estiver vinculado a uma das associações-membro do ECAD, vai ficar a ver navios.

Então qual o verdadeiro problema: Cobrar de quem executa publicamente a obra, ou remunerar o titular do direito autoral? O que tem prevalência?

Pela interpretação do presente voto, pouco importa o direito do titular, o que vale é o dinheiro entrar para o caixa do ECAD. Importa 50% deste dinheiro ir para as gravadoras multinacionais que o controlam. E o João da Silva que se vire.

Voto do Sr. Ministro Maurício Correa

Apegando-se à tese de que este sistema, de um único escritório central de cobrança, à falta de melhor critério, é o mais eficaz, acompanhou o voto do eminente Ministro Sepúlveda Pertence.

Voto do Sr. Ministro Carlos Velloso

Com base no depoimento de um letrista, que lhe afirmou que, sem o disposto no artigo 99 da Lei 9.610/98, não saberia como receberia seus direitos autorais, acompanhou o voto do Ministro Sepúlveda Pertence.

Voto do Sr. Ministro Sydney Sanches

Mostrou-se convencido pelo memorial oferecido pelo ECAD, e acompanhou o voto do Ministro Sepúlveda Pertence.

Voto do Sr. Ministro Moreira Alves

Partidário de que o ECAD cumpre uma importante função social, “porquanto, antes dele, uma série de compositores de músicas populares não recebiam praticamente nada, ao contrário do que ocorre hoje, com a arrecadação possibilitada por esse órgão” (STF, 2003, p. 149), entendendo que não há violação à liberdade de associação, acompanhou a dissidência.

Cabe observar que o iminente ministro denominou o ECAD de “órgão”, como se fosse uma pessoa jurídica de direito público, ou assemelhado.

Esta empresa, depois de passar por uma CPI, depois de se livrar de outra, e com o respaldo de uma ADIN a seu favor, realmente atua como se fosse uma entidade de direito público. Só não o é porque não existe tal previsão legal.

Voto do Sr. Presidente, Ministro Marco Aurélio

O iminente presidente do excelso pretório, cuidadosamente afastando-se da discussão dos efeitos anexos alcançados pela norma em discussão, centrou sua análise na questão da impossibilidade, face à Constituição Federal de 1988, de uma única associação representar nacionalmente todos os titulares de direitos autorais, pois segundo ele, “A Constituição de 1988 mitigou o princípio da unicidade” (STF, 2003, p. 157). Disse ainda que “a lei ordinária não poderia prever o monopólio representativo”, onde atrelando-se ao voto do relator, conclui que o artigo 99 da Lei 9.610/98 é, sim, contrário à liberdade de associação.

Conclusão da análise da ADIN 2.054-4

Os votos vencedores, soberbamente fundamentados na supremacia dos direitos dos autores, elevam o ECAD à categoria de defensor constitucional dos direitos autorais.

A decisão, afinal, foi política, e não técnica. De fato, observa-se nos votos vencidos uma completa coerência no que diz respeito à técnica processual e interpretação legal.

Analisando o quadro geral da situação de cobrança de direitos autorais de não associados, talvez a questão não fosse, de fato, atacar o artigo 99 e § 1º da Lei 9.610/98 como feito, mas simplesmente vedar ao ECAD cobrar direitos de não associados, e de músicas caídas em domínio público. Bastaria simplesmente se aplicar a legislação existente, e isto seria suficiente.

Assim, tantos quantos quisessem se associar ao ECAD ou às suas associações membro poderiam fazê-lo livremente, ao passo em que aqueles que preferissem associar-se à outros escritórios, como o CNDE, por exemplo, estariam garantidos na forma da constituição.

O PROJETO DE LEI 2.850/2003

Por este projeto de lei, que continua em trâmite após desarquivamento, extingue-se finalmente o ECAD, e se cria o o Centro de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais (CADDA), com outros moldes, e total e absolutamente fiscalizado.

É importante, neste momento, transcrever um excerto da exposição de motivos do Projeto de Lei 2.850/2003:

A Lei 5.988, veio atender somente os espertos da época, que sempre se locupletaram à custa do direito dos compositores. Sempre foram muitos os brasileiros presidentes de associações, diretores de associações, editores. O número de associações sempre foi de 12 entidades, desconsiderando- se aqui a ADAAF, graças à Constituição Federal de 1988 e a falência do CNDA, que também era mancomunado com as associações. Hoje, além do que já existia de ruim, chegaram os grandes editores internacionais que fazem parte do ativo das fonográficas, açambarcando todo o mercado brasileiro com suas sedes no estrangeiro, ditando normas e regras que os favoreçam e até influenciam, através de lobby, os parlamentares para que ajam e façam leis que protejam os interesses deles: os estrangeiros.

A Lei 9.610, não amparou o compositor musical no seu direito pleno, contrariando até mesmo a Constituição de 1988 no seu art. 5º – XX, ferindo o estado de Direito, permitindo que o Ecad obrigue o compositor a se associar em qualquer uma das 12 associações distribuidoras de direito autoral, para só, então, poder receber os seus direitos. Ou o compositor se filia ou não recebe o direito que tem. Numa simples verificação de escrituração, notar-se-á que encontram-se nos cofres do Ecad milhares de reais retidos por não estar o compositor associado a qualquer uma das 12 associações... vampiros que sugam o sangue dos compositores para enricar seus diretores, anulando aquilo que diz o art. 22 da Lei 9.610 e o Parágrafo único do art. 97 da mesma Lei. (CONGRESSO NACIONAL, 2003)

De fato, o projeto de lei preconiza a supremacia dos direitos do autor, em detrimento de qualquer outro que se oponha a ele. Isto está em plena conformidade com o mandamento constitucional.

Ao se decretar a extinção do ECAD, o projeto de lei está apenas enterrando um sistema que, conquanto criado na esteira da lei, jamais cumpriu o seu papel. Importa que a nova entidade, se criada, esteja sob constante vigilância, a fim de se impedir abusos. Num ponto este projeto avança: Ao não permitir, na gestão e composição do C.A.D.D.A. ninguém além de compositores, não se admitindo sequer o voto por carta ou procuração.

Mas em um ponto ocorre um retrocesso: Não se regulamenta O QUE a nova entidade pode arrecadar, e digo isto porque o mandamento proposto é muito aberto, senão vejamos:

Art. 36. Fica criado o C.A.D.D.A. (Centro de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais) em substituição ao ECAD, com a finalidade de arrecadar e distribuir os direitos advindos de execução pública de obras musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade e de exibição de obras audiovisuais: (CONGRESSO NACIONAL, 2003)

Apenas pela letra da lei, o novo ente pode cobrar qualquer direito autoral advindo da execução pública de obras musicais e fonogramas. Isto inclui a cobrança de obras de não associados e as obras caídas em domínio público, as obras sobre as quais o autor já está recebendo, e até mesmo a execução pública de obras pelo próprio autor.

Novamente o círculo se fecha, e os autores menos favorecidos terão que dar um jeito de se associar à nova entidade se quiserem receber seus direitos autorais, enquanto festas públicas vão continuar sendo achacadas por fiscais da nova entidade, que cobrarão até pela execução de músicas tradicionais e caídas em domínio público, como acontece atualmente.

O que se observa, é que a nova lei se presta apenas para retirar as grandes gravadoras do comando do ECAD, mais nada. Talvez já seja um avanço, quem sabe, mas a questão central do presente estudo permanece inatacada: A nova entidade vai se utilizar do método de trabalho do ECAD, ou seja, vai arrecadar quaisquer direitos autorais, seja de associados ou de não associados, atingindo até mesmo a execução pública de obras caídas em domínio público, e vai continuar pleiteando em juízo como se tivesse legitimidade para tanto, nos mesmos exatos moldes como o faz o ECAD.

O AI 10.028/2000, TJ-RJ

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por ser o Rio de Janeiro o local da sede do ECAD, tem sido palco de diversas batalhas memoráveis contra esta empresa, que praticamente sobrevive às custas de seu departamento jurídico.

No caso em apreço, o ECAD cobrou judicialmente de uma empresa “Pica-pau Alimentos e Diversões Ltda.” direitos cujo titular era o cantor e compositor Roberto Carlos.

A empresa “Pica-pau”, para se livrar de pagar ao ECAD tais direitos, alegou que o artista em epígrafe é proprietário exclusivo de tais direitos, e afiliou-se à SADEMBRA, associação filiada ao CNDE, não ao ECAD. Por este motivo, ou seja, por não trazer o ato de filiação do artista que alega representar, e devido à procuração que trouxe para os autos não ser válida, pois além de conter a assinatura de apenas seis associações, não especifica o objeto, a ação a ser proposta, e o réu, terminando por afirmar que a apresentação do ato de filiação do titular de direitos autorais que o ECAD pretende substituir processualmente é imprescindível, sendo exigência sine qua non, nos termos do artigo 98 da Lei 9.610/98.

O ECAD, espertamente estava tentando receber direitos autorais de um artista vinculado ao seu concorrente, o CNDE.

Em primeira instância, obteve decisão favorável, pelo que a “Pica-pau” agravou, requerendo a declaração da ilegitimidade do ECAD para representar em juízo os titulares de direitos autorais a ele não vinculados, e portanto a extinção do feito.

A decisão do agravo, traz em dado momento de sua fundamentação a seguinte explanação, que a seguir se transcreve:

Estabelece imperativamente o inciso XX do art. 5º da Carta Constitucional que:

“ninguém poderá ser compelido a associar-se ou permanecer associado”

e o inciso XXI desse mesmo artigo, de forma não menos imperativa, acrescenta que:

“as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”

Ora, se é assim, não se pode admitir que, sem a anuência expressa do interessado, artista, ou produtor intelectual de obras, em ver fiscalizada a sua produção, qualquer entidade se arvore de ser seu representante.

É justamente para dar cumprimento a essa nova regra da Lei Fundamental, que a Lei n. 9.610 de 19 de fevereiro de 1998, que alterou, atualizou e consolidou a legislação sobre direitos autorais, em seu art. 1º determinou que:

“Esta lei regula os direitos autorais, entendendo-se sob esta denominação os direitos do autor e os que lhe são conexos”.

Em seu art. 98, no título VI, quando trata “Das Associações de Titulares de Direitos do Autor” e dos que lhe são conexos diz a lei:

“Com o ato de filiação, as associações tornam-se mandatárias de seus associados para a prática de todos os atos necessários à defesa judicial e extrajudicial de seus direitos autorais, bem como para sua cobrança”.

Se é assim, e sabendo-se que a “mens” constitucional procura impedir os monopólios, não se pode admitir, com o respeito que merecem as decisões em sentido contrário, que sem prova de filiação possa o agravado representar a agravante. (TJRJ, 2001)

 

Esta decisão, que contemporizou a ADIN 2.054-4, é a que mais se aproxima da técnica processual, plenamente condizente com os mandamentos constitucionais, com a Lei de Direitos Autorais, com o Código de Processo Civil, e com a doutrina que versa sobre legitimidade da parte, representação e substituição processual.

RESULTADOS

Foi possível constatar-se que o que existe de fato é apenas a mantença do pensamento jurídico imperante durante a longa vigência da Lei 5.988/73, pois aparentemente o ECAD, criado sob a égide deste dispositivo, permaneceu com a proteção judicial baseada na jurisprudência erigida, e aproveitou-se desta para continuar sobrevivendo na mesma atividade e no mesmo modus operandi, apesar de agora já não ter o respaldo legal que anteriormente detinha.

A legitimidade ativa do ECAD restringe-se, na letra da lei, apenas na atuação judicial em nome próprio ou no de seus associados, mas em nome da supremacia dos direitos autorais, uma poderosa corrente jurisprudencial mantém o ECAD no papel de guardião constitucional dos tais direitos, fazendo vista grossa para o fato que esta empresa particular, de fato, tem arrecadado dinheiro por todo o território nacional, repassado-o em grande parte para multinacionais com sede no estrangeiro, ao passo que qualquer autor brasileiro não ligado a uma das associações que integram o ECAD fica a ver navios, chegando ao cúmulo de não poder receber seus direitos autorais por que os mesmos já foram recebidos pelo ECAD – que não tem obrigação de repassar tais verbas a não associados.

As questões morais, de idoneidade, etc, passam a ter um papel secundário, porque o que importa, do ponto de vista puramente processual, é que nosso sistema jurídico é baseado no sistema da Civil Law, logo, as decisões devem se amoldar à lei, e não o contrário. Se nos países onde se adota o sistema da Commom Law, considera-se os cases, onde o decisum anterior é fonte fundamental do direito, aqui prevalece o princípio segundo o qual cada nova decisão amolda-se melhor ao caso concreto do que qualquer outra anteriormente existente.

CONCLUSÕES

Diz o brocardo de latino, nemo plus iuri potest ad aliam, quam ipse haberet, ninguém pode dispor de um direito que ele mesmo não detenha (ULPIANO, 2008[1]).

O autor é pleno senhor de sua criação primígena, e quando opta por associar-se com outros autores para assim facilitar a cobrança e o recebimento de seus direitos autorais, está meramente transmitindo um direito disponível que detém, e este direito é e sempre será pessoal, jamais coletivo. Sem ser personalíssimo este direito (como o direito moral sobre a obra o é), a doutrina o reconhece como o mais pessoal dos direitos patrimoniais.

A constituição admite que pessoas se associem para melhor gerir seus direitos, mas coloca a restrição inequívoca, para que a associação só possa agir com a expressa autorização de seu associado, sob pena de ilegitimidade.

Processualmente nunca foi diferente, o processo só pode existir por iniciativa de quem tenha interesse e legitimidade, e é inequívoco que só quem detém o interesse em cobrar direitos autorais é o próprio autor (que pode, por ato voluntário, transmitir seu poder). Ninguém pode pleitear em nome próprio direito alheio, salvo quando autorizado por lei (Artigo 6º do Código de Processo Civil).

O ECAD é apenas uma pessoa jurídica de direito privado, criado apenas e tão somente pela vontade de seus sócios, sem nenhuma regulamentação legal, e sem nenhuma legitimidade atribuída em lei para que possa agir judicial ou extrajudicialmente fora dos estritos limites da autorização das associações que o compõe, e mais especificamente dos associados que individualmente integram cada uma destas associações.

Não existe base legal absolutamente nenhuma para que qualquer empresa privada adentre dentro do estabelecimento de outra e lavre um auto de infração, boleto de pagamento, ou qualquer coisa que o valha, pois isto é, quando menos, exercício arbitrário das próprias razões (nos casos em que exista a legitimidade), ou simples golpe, quando o ECAD esteja atuando sem nenhuma autorização do titular do direito.

Não existe base legal absolutamente nenhuma para que a realização de um espetáculo, festa ou evento fique vinculado ao pagamento prévio de uma “taxa” ao ECAD, sendo que na letra da lei revogada, artigo 73 § 2º da Lei 5.998/73, existia tal previsão, mas na Lei 9.610/98 o que existe é a necessidade da autorização prévia e expressa DO AUTOR, para a utilização dentro do rol não exaustivo do artigo 29, isto devido à prevalência do direito exclusivo previsto no artigo 28.

O que ocorreu foi a transferência do Estado para o particular da gestão dos direitos autorais, onde no panorama legal da década de 70 do século passado admitia-se a criação de uma empresa, fiscalizada pelo Estado, com direitos de arrecadação que muito se aproximavam da parafiscalidade, sendo que atualmente o que sobreexiste é a possibilidade prevista em lei de as associações, nos limites dos direitos outorgados individualmente pelos autores que as integram, se reunirem em um único órgão, para os fins de melhor gerirem a arrecadação e a distribuição dos direitos de seus associados.

Esta liberdade positiva ou negativa não pode ser gerida pelo Estado, ex vi do inciso XX do artigo 5º da Constitucional Federal, e se fosse o caso de se sopesar esta regra pela suplantação de outra regra, a saber, a proteção do direito autoral, por este nobre motivo poder-se-ia admitir, como se fez na ADIN 2.054-4, a obrigatoriedade das pessoas jurídicas (associações de autores) a se ajuntarem sob uma mesma entidade, mas cabe aí se observar que nem mesmo em sede do mais veemente dos votos na referida ADIN jamais se cogitou a obrigatoriedade de pessoas físicas se vincularem a esta ou aquela associação. Como no caso concreto a pessoa jurídica que se criou, e sobrevive até hoje, atua arrecadando para seus próprios cofres as fortunas de autores que via de regra jamais conseguirão receber seus legítimos direitos, o que está ocorrendo é a simples subtração destes direitos autorais, com a apropriação indevida destas verbas pelo ECAD, verbas esta que são transferidas em grande montante para as multinacionais de entretenimento que a comandam. Como muitas vezes estas verbas são arrecadadas dos cofres públicos, a questão é por demais grave, e merece ser combatida com todas as forças.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL, Ministério da Cultura, conforme informações disponíveis no site http://www.cultura.gov.br/legislacao/docs/EX-ORGAO.htm em 05 de Outubro de 2007;

CONGRESSO NACIONAL, PL 2.850/2003, conforme informações disponíveis no site http://www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTeor=192393 em 05 de Outubro de 2007;

CONGRESSO NACIONAL, Projeto de Resolução 223/2005, conforme informações disponíveis no site http://www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTeor=289619 em 05 de Outubro de 2007;

CONSULTOR JURÍDICO, conforme informações disponíveis no site http://conjur.estadao.com.br/static/text/47781,1 em 05 de Outubro de 2007 – publicado em 28 de agosto de 2006;

CONSULTOR JURÍDICO, conforme informações disponíveis no site http://conjur.estadao.com.br/static/text/41968,1 em 05 de Outubro de 2007 – publicado em 15 de Fevereiro de 2006;

IFPI, conforme informações disponíveis no site http://www.ifpi.org/ em 05 de Outubro de 2007;

IFPI - Membros, conforme informações disponíveis no site http://www.ifpi.org/content/section_links/member_sites.html em 05 de Outubro de 2007;

PONTES DE MIRANDA, Francisco C., Comentários ao Código de Processo Civil: TOMO I, São Paulo: Editora Forense, 2001;

SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil: volume 1, 23ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2004;

STJ, REsp. n° 95.803/MG, Rel. Min. Barros Monteiro, J. 20.08.96, DJ 04.11.1996;

STJ, REsp. n° 8.069/PR, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, J. 10.12.96, DJ 24.02.1997;

STJ, REsp. n° 174.819/MG, 3ª T., Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 14.12.1998;

STJ, REsp. Nº 569.062/SC, 1ª T., Rel. Min. Denise Arruda, DJ 29.04.2005;

STF, ADIN 2.054-4, Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 09.04.2003;

TJRJ, AI 10.028/2000, 14ª Câmara Cível, Rel. Des. Walter Felippe D'Agostino, DJ 08.01.2001.

ULPIANO, Digesto de Justiniano, Livro X, Dig.50.17.54, conforme disponível no site http://www.vrbs.org/liber50.html em 13 de Fevereiro de 2008.

[1]Ulpiano, jurista latino que viveu no sec II, escrito compilado no livro digesto, que foi publicado pelo Imperador romano Justiniano I entre 529 e 534 DC, mas cujas melhores referências estão na internet.

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Sobre o autor
Arnaldo Adasz

Advogado, Perito em Balística Forense e Legislação Brasileira de Armas de Fogo, Primeiro Presidente e co-fundador da Associação Brasileira de Atiradores Civis, membro do Conselho Consultivo de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército Brasileiro.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Monografia defendida no Curso de Direito - UNIARA - 2007

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