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Da aposentadoria por Idade ao trabalhador rural enquadrado na categoria contribuinte individual

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09/07/2014 às 15:15
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6.           CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem a pretensão de haver aqui esgotado o tema, a conclusão a que se chega é no sentido de que as lacunas das quais se ressentem as populações rurais, notadamente o trabalhador rural volante, demanda comprometido estudo por parte da doutrina e da jurisprudência, a fim de que o Direito Previdenciário possa acompanhar a evolução social, tornando-se moderno e funcional, verdadeiramente apto a corrigir as desigualdades sociais e instrumentalizar os direitos e garantias fundamentais previstos pela Constituição Federal.

Ao longo do presente estudo observou-se, pois, que diante da comprovação do exercício de atividade rural exsurge o dever de o ente público perscrutar acerca do acertado enquadramento jurídico do segurado, com vistas ao cumprimento do múnus público de conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus (conforme estabelece o artigo 624, da Instrução Normativa nº. 45/2010 do INSS), sob pena de, em não o fazendo, incorrer-se em violação a princípios constitucionais (dentre os quais, cita-se, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, a universalidade da cobertura previdenciária, a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais).

Destarte, observa-se que não apenas a alardeada exclusão previdenciária do trabalhador rural volante, sabidamente vulnerável e hipossuficiente em relação aos demais trabalhadores, como também o seu injusto enquadramento jurídico, em categoria que lhe imponha indiscriminadamente o recolhimento de contribuições previdenciárias vai de encontro ao ideal de igualdade material, deixando-se de estender aos trabalhadores rurais volantes a proteção previdenciária já existente em favor dos trabalhadores urbanos e rurais de diferentes categorias.

De outra parte, verifica-se que o constante clima de reformas legislativas vivenciado hoje em outros ramos do direito impõe o reconhecimento de que o legislador se tem empenhado para qualificar a tutela jurisdicional através de instrumentos processuais que possibilitem a abreviação do processo, em favor da célere e pronta resposta do Judiciário aos litígios que lhe são propostos. Ocorre, porém, que para o infortúnio das populações rurais, tais ares de reforma ainda não alcançaram o Direito Previdenciário.

Assim, enquanto não sobrevêm as necessárias alterações legislativas, deve-se primar pela ponderação de valores na busca do equilíbrio. Partindo-se de tais premissas, é de se ressaltar que por mais limitados que sejam os expedientes legislativos oferecidos à instrumentalização do Direito Previdenciário, no atual estágio de desenvolvimento da ciência jurídica, não se pode permitir que juristas se valham de uma pretensa releitura do princípio da equidade na forma de participação e custeio, para, arbitrária e isoladamente, subtrair a proteção social do trabalhador rural volante.

Destaca-se, uma vez mais, que não é de todo ignorado o exercício exegético e o esforço mental empreendido por alguns magistrados que, a despeito de não utilizarem o regramento específico que tutele a concessão de benefícios previdenciários ao contribuinte individual rural, flexibilizam o reconhecimento da qualidade de segurado especial para igualmente abarcar nesta categoria o trabalhador volante.

Entretanto, apesar de louvável, tal estratagema encontra óbice na ausência de previsão específica para esse acréscimo de poder ao Juiz, sendo ilícito ao magistrado substituir o Poder Legislativo, sob o pretexto da imoral máxima maquiavélica de que os fins justificam os meios, como vem sustentando a corrente vanguardista. 

Cuida-se, aqui, de uma questão que ultrapassa, e muito, a análise hermenêutica e casuística que comumente legitima uma série de concessões em sede de análise pelo Judiciário. Isto porque a indigitada liberalidade no enquadramento jurídico do trabalhador rural volante consiste em um ponto crítico que, levado às últimas consequências, engloba toda a hermenêutica jurídico-processual do Direito Previdenciário e, se procedida nos termos em que vem sendo proposta, abre portas para que se instaure uma celeuma babilônica de instabilidade jurídica e de sucessivas e elásticas concessões judiciais.

Note-se, ainda, que esta pretensa e temerária liberalidade há de permitir aos magistrados que, sob o pretexto de aplicar as modernas técnicas hermenêuticas como melhor lhes aprouver, chancelem a aplicação de outros tantos dispositivos alienígenas que suprimam garantias características do sistema protetivo da Seguridade Social e derrubem as garantias do devido processo legal, entregando-se a atividade jurisdicional, sem freios, às paixões e casuístas interpretações humanas.

Nesse passo, oportuno encerrar a presente reflexão rememorando a célebre teoria sobre a Justiça proposta por Aristóteles no livro Ética a Nicômaco. No clássico, o filósofo grego argumenta que é necessário estudar a ciência da legislação, uma vez que em um mundo onde a maioria dos indivíduos se encontra submetida às paixões, é preciso conceber um Estado dotado de leis justas e certas. No mesmo sentido, em A Política, outra magnífica obra do mesmo autor, o solene filósofo arremata afiançando que é melhor ser governado por leis do que por excelentes governantes, porque as leis não estão sujeitas às paixões, enquanto que os homens, por mais excelentes que sejam, não estão livres delas (Aristóteles, 2001).

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Finalmente, em que pese a superficial abordagem do tema desenvolvida nas linhas antecedentes, e com a devida vênia àqueles que entendem de maneira contrária, é nesse sentido que a análise que se encerra pretendeu se colocar. 


7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2002.

ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martin Claret, 2001.

BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional, 1997, Ed. Malheiros, pág. 339.

BRASIL. Lei n.º 8.213 de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 31 de maio de 2014.

BRASIL. Lei n.º 11.718 de 20 de junho de 2008. Acrescenta artigo à Lei no 5.889, de 8 de junho de 1973, criando o contrato de trabalhador rural por pequeno prazo; estabelece normas transitórias sobre a aposentadoria do trabalhador rural; prorroga o prazo de contratação de financiamentos rurais de que trata o § 6o do art. 1o da Lei no 11.524, de 24 de setembro de 2007; e altera as Leis nos 8.171, de 17 de janeiro de 1991, 7.102, de 20 de junho de 1993, 9.017, de 30 de março de 1995, e 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11718.htm>. Acesso em: 31 de maio de 2014.

BRASIL. Decreto 3.048 de 06 de maio de 1991. Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências.. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3048.htm>. Acesso em: 31 de maio de 2014.

BRASIL. INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES Nº. 45 de 06 de agosto de 2010. Dispõe sobre a administração de informações dos segurados, o reconhecimento, a manutenção e a revisão de direitos dos beneficiários da Previdência Social e disciplina o processo administrativo previdenciário no âmbito do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS Disponível em: < http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/38/inss-pres/2010/45.htm>. Acesso em: 31 de maio de 2014.

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CARDOSO, Oscar Valente. As obrigações do prestador e do tomador do serviço no recolhimento das contribuições previdenciárias do contribuinte individual. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, 2009.

CARDOSO, Oscar Valente. Recolhimento de contribuições previdenciárias dos empregados e contribuintes individuais rurais de janeiro de 2011 a dezembro de 2015. Regras transitórias da Lei nº 11.718/2008. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2882, [23] maio [2011]. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/19151>. Acesso em: 7 maio 2014.

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MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

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SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.


Nota

 {C}[1]{C} Bonavides, Paulo, Curso de Direito Constitucional, 1997, Ed. Malheiros, pág. 339.

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Sobre a autora
Lizarb Cilindro Cardoso

Advogada. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Univiçosa. Bacharel em Direito pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande - FURG.<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Lizarb Cilindro. Da aposentadoria por Idade ao trabalhador rural enquadrado na categoria contribuinte individual . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4025, 9 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29741. Acesso em: 26 abr. 2024.

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Artigo produzido em sede de pós-graduação em direito do trabalho e previdenciário junto a UNIVIÇOSA.

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