Foi publicada, na data de 27.06.2014, a Lei nº 13.010/14 denominada informalmente de “Lei da Palmada”, mas, recentemente, também se passou a ser chamada de Lei “Menino Bernardo”, que trata sobre a garantia das crianças ou adolescentes serem educados sem o emprego de castigos físicos por parte dos pais e dos demais cuidadores.
Como se percebe, as regras trazidas pela nova lei não serão tão somente destinadas para o seio familiar, mas também para qualquer setor que lide com crianças e adolescentes, como escolas, creches, abrigos, unidades de internação, dentre outros.
De fato, a novel lei ora editada, desde o projeto que a originou, tem sido objeto de diversas altercações entre juristas, psicólogos, pais e outros especialistas da área de humanas, alguns se posicionando a favor das novas mudanças, outros contra.
Os defensores da lei em testilha alegam que ela tem o condão de conceder o reconhecimento e a defesa dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes, bem como promover o afastamento da cultura dos pais baterem nos filhos, a qual, há muito, está enraizada na nossa sociedade. Espera-se também, noutro viés, que os pais – com as noviças regras - eduquem seus filhos sublimando a compreensão e o diálogo, não fazendo uso, portanto, de agressões físicas e/ou humilhações para tanto.
Contudo, todos os pais sabem que o papel de educar os filhos não é tão simples assim. Às vezes, somente a conversa não resolve nada, sendo necessária uma postura mais ríspida, incluindo a “palmadinha”, sem exageros, ou até mesmo suspensão da “mesada”, como ocorre em relação, principalmente aos adolescentes. Criar um filho, talvez seja muito mais fácil do que educá-lo.
No meu sentir, não são as cartilhas e as leis que irão resolver o problema da educação dos filhos, haja vista que tudo depende de vários fatores.
Por outro giro, aqueles que aceitam a cultura do castigo físico moderado no contexto da educação dos filhos (crianças e adolescentes), desaprovam a intervenção do Estado no seio familiar, por envolver questões privadas, como, por exemplo, a forma de como educar os mesmos (filhos). Mas, não é só isso, pois, também alfinetam o fato dos pais e responsáveis estarem sujeitos – dependendo da situação - às sançoes administrativas, podendo até perderem o Poder Familiar, tanto por agressões mais severas quanto por leves, incluindo as de cunho psicológicas.
Não é demais salientar que as novas regras, ao inserirem o Poder Familiar no cenário acima, de forma implícita, também acarretam alguns reflexos jurídicos no Código Civil.
Sem querer entrar no mérito da lei em destaque e deixando as discussões de lado, o que interessa mesmo é que ela está em vigor e, portanto, deve ser conhecida e respeitada pelos cidadãos brasileiros, até porque, independentemente de ser contra ou a favor dela, em algum momento da vida, todos nós já fomos criança ou adolescente, e que, por certo, muitos são ou serão pais um dia. Então, não deixa a referida lei de ter sua relevância no âmbito legal, social e principalmente familiar.
Com a sua publicação, efetivou-se, enfim, a alteração da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, (Estatuto da Criança e do Adolescente), que passa a viger acrescida de três novos artigos, quais sejam: 18-A, 18-B e 70-A. Ademais, acresceu outras modificações em alguns artigos do precitado diploma legal, como se vê no excerto adiante, in verbis:
[...]
Art. 1º - A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 18-A, 18-B e 70-A:
Art. 18-A - A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.
Parágrafo único - Para os fins desta Lei, considera-se:
I - castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em:
a) sofrimento físico; ou
b) lesão;
II - tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que:
a) humilhe; ou
b) ameace gravemente; ou
c) ridicularize.
Art. 18-B - Os pais, os integrantes da família ampliada, os responsáveis, os agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar de crianças e de adolescentes, tratá-los, educá-los ou protegê-los que utilizarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto estarão sujeitos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas, que serão aplicadas de acordo com a gravidade do caso:
I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
II - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
III - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
IV - obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado;
V - advertência.
Parágrafo único - As medidas previstas neste artigo serão aplicadas pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo de outras providências legais."
Art. 70-A - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão atuar de forma articulada na elaboração de políticas públicas e na execução de ações destinadas a coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e difundir formas não violentas de educação de crianças e de adolescentes, tendo como principais ações:
I - a promoção de campanhas educativas permanentes para a divulgação do direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos;
II - a integração com os órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, com o Conselho Tutelar, com os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e com as entidades não governamentais que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente;
III - a formação continuada e a capacitação dos profissionais de saúde, educação e assistência social e dos demais agentes que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente para o desenvolvimento das competências necessárias à prevenção, à identificação de evidências, ao diagnóstico e ao enfrentamento de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente;
IV - o apoio e o incentivo às práticas de resolução pacífica de conflitos que envolvam violência contra a criança e o adolescente;
V - a inclusão, nas políticas públicas, de ações que visem a garantir os direitos da criança e do adolescente, desde a atenção pré-natal, e de atividades junto aos pais e responsáveis com o objetivo de promover a informação, a reflexão, o debate e a orientação sobre alternativas ao uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante no processo educativo;
VI - a promoção de espaços intersetoriais locais para a articulação de ações e a elaboração de planos de atuação conjunta focados nas famílias em situação de violência, com participação de profissionais de saúde, de assistência social e de educação e de órgãos de promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente.
Parágrafo único - As famílias com crianças e adolescentes com deficiência terão prioridade de atendimento nas ações e políticas públicas de prevenção e proteção."
Art. 2º - Os arts. 13 e 245 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, passam a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 13 - Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais." (NR)
Art. 245 - (VETADO).
Art. 3º - O art. 26 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), passa a vigorar acrescido do seguinte § 8º:
Art. 26 -......................................................................................................................................................
§ 8º - Conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente serão incluídos, como temas transversais, nos currículos escolares de que trata o caput deste artigo, tendo como diretriz a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), observada a produção e distribuição de material didático adequado." (NR) (negritei)
[...]
Percebe-se da leitura perfunctória dos dispositivos acima dispostos que a novel lei não criou nenhum novo tipo penal, tudo continua da forma anterior, ou seja, os crimes cometidos contra as crianças e adolescentes serão punidos com base na legislação penal já existente (CP e outros diplomas legais).
Como visto, no campo da investigação e do processo criminal, a lei em realce não trouxe nenhuma novidade relevante, continuando nos mesmos moldes, apenas, doravante, os operadores do Direito “terão que dar contornos mais precisos ao que deve ser sofrimento físico”, pois, este será o cerne questão.
Não era necessário, mas já que, enfim, a lei foi editada, se tivesse criado algum novo tipo penal, a meu ver, facilitaria o enquadramento da pessoa infratora, evitando, assim, que Delegados de Polícia, advogados, Juízes de Direito, Promotores, Defensores Públicos precisassem analisar, dentre a legislação penal vigente, a que melhor se encaixa no caso em concreto.
Consoante inteligência que se extrai do art. 18-B, os pais, responsáveis ou cuidadores que utilizarem de castigo físico ou tratamento cruel e degradante contra crianças ou adolescentes ficam expostos à advertência, além de encaminhamento para tratamento psicológico e cursos de orientação, sem o prejuízo de outras sanções, inclusive penais, dependendo do caso, como já dito linhas atrás.
Impende gizar que a Presidenta Dilma Rousseff vetou o dispositivo legal em que seria aplicada multa de 03 (três) a 20 (vinte) salários mínimos, cujos valores poderiam ser dobrados, se houvesse reincidência, aos cuidadores infratores, aos profissionais de saúde, de educação ou assistência social que deixassem de comunicar ao Conselho Tutelar da região onde reside a criança ou adolescente casos suspeitos ou confirmados de castigos físicos. Contudo, não é demais ressaltar que a obrigatoriedade de comunicação – nesses casos – persiste.
Prender um pai, ou mesmo levá-lo até uma Delegacia de Polícia apenas por ter dado um discreto “beslicão” num filho (criança ou adolescente) é um exagero e, por certo, trará muito mais prejuízo para o seio familiar do que o ato por ele praticado.
É obvio que não se podem comparar crimes brutais com uma despretensiosa “palmadinha” com o objetivo de tão somente corrigir o mau comportamento da criança ou do adolescente.
Sabe-se que, nos dias hodiernos, é muito difícil educar os filhos devido a tantos fatores negativos que contaminam a sociedade. Então, indaga-se como é que vai ficar se for tolhido o direito dos pais exercerem sua autoridade em relação aos filhos? Será que os filhos irão entender a verdadeira essência da lei ora publicada? Será que eles não vão crescer acreditando que não há limites para eles e que podem fazer tudo o que imaginarem? Será que, por conta dessa ausência de limites na sua educação, a criança ou adolescente não poderá vir a sofrer na rua – por parte de terceiros – agressões mais severas do que uma simples palmada aplicada – no lar – pelos pais? Só o tempo é que irá responder tais questionamentos.
Na verdade, não há uma fórmula exata para se educar filhos, uma vez que cada criança ou adolescente tem perfil único, a exemplo de cada pai ou mãe que possui seus próprios conceitos em relação à educação dos filhos.
À vista do que foi explanado, perfilho-me no sentido de que todo excesso deve ser sempre apurado e aquele que, por ventura, venha praticá-lo estará passível de punição de conformidade com lei, pois, não comungo com qualquer tipo de violência para com qualquer ser humano, muito menos em relação à criança ou adolescente. Mas, é algo demasiado o Estado intervir – através de lei - na gerência das famílias ao ponto de vedar que pais adotem, quando necessário, ações mais eficazes e enérgicas para educar seus filhos.
A bem da verdade, o Governo ao invés de editar leis como a ora comentada, deveria, antes, implementar políticas públicas (educacionais e outras) para que as já existentes pudessem ser respeitadas, motivo pelo qual entendo que a mesma (novel lei) não irá atender o fim a que se destina, até por que uma lhana lei não é capaz de mudar a realidade, mormente quando se trata de algo cultural.