4- Comentários ao segredo de justiça nas ações de improbidade administrativa e jurisprudência correlata
A partir do momento em que o magistrado determina o sigilo dos autos, os fatos e atos neles contidos só devem ser de conhecimento das partes, de seus procuradores e do Juízo. A restrição à publicidade se refere a todos os atos processuais, quer em audiências, quer em sessões, quer em termos nos autos, quer em documentos entregues a cartório para se inserirem ou juntarem aos autos[11].
Assim, todos aqueles que têm acesso a processos que tramitam sob segredo de justiça, não podem, ao tomarem conhecimento de qualquer informação constante destes, divulgá-las a quem quer que seja. O juiz, o Tribunal, os auxiliares do Juízo, as partes e seus procuradores têm o dever e a obrigação de guardar segredo, caso não o façam, dando notícia do ocorrido, respondem pela violação do dever de sigilo, nas searas administrativa, civil e/ou penal, a depender do caso concreto.
A despeito do entendimento diverso de considerável parcela de magistrados, o princípio da publicidade só deve ser mitigado em situações onde o interesse público à informação deva ser preterido em favor de eventual dano à honra do demandado ou, em uma segunda situação, quando existente relevante interesse público.
O deferimento do segredo judicial do processo não deve atender a mera possibilidade de dano à imagem do legitimado passivo da ação, sob pena de todo e qualquer processo “correr” sob sigilo processual, uma vez que sempre é plausível conjecturar dissabores à reputação dos acionados. Sob essa óptica, alguns feitos teriam como regra a decretação do sigilo processual, v.g., os processos criminais ou de cobrança judicial de dívidas.
No tocante às ações de improbidade administrativa, é patente o interesse social, o qual exige a publicidade, a fim de que se possa dar o direito ao povo de conhecer a fundo as atitudes de seus representantes políticos.
O fato do legitimado passivo ser detentor de cargo político, não é suficiente para fundamentar decisões judiciais concessivas de tal benefício, pelo contrário, só justifica a necessidade do conhecimento público dos autos. O Estado Democrático deve legitimar os eleitores a acompanhar e fiscalizar diuturnamente a trajetória de seus escolhidos na condução da res pública, a fim de exigir punições aos ímprobos e proceder “o julgamento das urnas” nos pleitos eleitorais.
Portanto, a decretação do segredo de justiça nas ações de improbidade administrativa vai de encontro a todo o arcabouço normativo de nosso ordenamento jurídico, maculando princípios de patamar constitucional e regras processuais. A uma, porque se tratam de ações que envolvem interesses públicos primários e, via de regra, agentes políticos estatais, os quais têm no princípio da publicidade verdadeiro princípio-mor. A duas, porque o sigilo processual dificulta a produção da prova além de inviabilizar Ação Popular correlata, na medida em que impede o conhecimento de terceiros acerca das minúcias dos atos de improbidade.
WALLACE PAIVA MARTINS[12] coaduna com o exposto, afirmando que por conjugação dos princípios da moralidade e da publicidade, o agente público está impedido de utilizar a inviolabilidade da intimidade e da privacidade para a prática de atos ilícitos, pois não há sigilo na condução dos negócios públicos, mas transparência.
ALEXANDRE DE MORAES[13] também corrobora com a nossa tese, vaticinando que essa proteção constitucional em relação àqueles que exercem atividade política deve ser interpretada de uma forma mais restrita, havendo necessidade de uma maior tolerância ao se interpretar inviolabilidades à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem, pois estes agentes estão sujeitos a uma forma especial de fiscalização pelo povo e pela mídia.
Em uma análise sob o prisma do Direito Constitucional, estão em colisão dois direitos fundamentais: o direito da coletividade à informação dos atos processuais e o direito à intimidade e preservação da imagem do acionado. Conflito que deve ser resolvido pela aplicação do princípio da proporcionalidade.
PAULO BONAVIDES[14] relembra que o princípio da proporcionalidade foi desenvolvido na Alemanha e defende a tese de que, havendo interesses conflitantes, deverão ser apreciados e analisados a fim de ser verificado qual preponderará em determinado caso concreto. Para este preceito, também chamado “lei da ponderação”, o desatendimento de um princípio não pode ser mais forte e nem ir além do que indica a finalidade da medida a ser tomada contra o preceito a ser sacrificado.
Seguindo essa linha, as ações de improbidade devem ter, por parte dos magistrados, ponderações dos princípios constitucionais em possível rota de colisão, em face do objeto litigioso, o qual sempre envolverá interesses públicos, relacionados destacadamente ao patrimônio estatal.
Nessa toada, o direito da população de ter conhecimento dos atos judiciais deve preponderar sobre o direito do requerido de preservar a sua vida privada, destacadamente em se tratando de agentes políticos.
Apesar de escassa, a jurisprudência sobre o tema tem entendimento consolidado neste sentido:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - REPRESENTAÇÃO Nº 250 - MT (2003/0000260-5) - RELATOR MINISTRO EDSON VIDIGAL. Vejo que os autos vêm capeados com ostensivo alerta blindando o caso com a salvaguarda legal do "segredo de justiça". Ora, isso não tem apoio na Constituição Federal. Ao contrário, todos os atos do Poder Público estão indissociavelmente vinculados aos princípios da igualdade (CF, art. 5º) e da publicidade (CF, art. 37). E mais, quanto ao Poder Judiciário, há a imposição explícita de que todas as decisões hão de ser públicas, sob pena de nulidade (CF, art. 93, IX). As únicas exceções admitidas quanto à restrição da publicidade de atos processuais e procedimentos judiciais, nos termos da Constituição da República, ocorrem apenas "quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem" (CF, art. 5º, LX). Em se tratando, como neste caso, da prática, em tese, de prevaricação (CP, art. 319) apontada ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, é, por conseguinte, do maior interesse que a população tenha conhecimento e possa acompanhar a apuração até a decisão final dos procedimentos e correspondentes legais, para que seja assegurada a confiança em nossos institutos e a credibilidade da Justiça. Assim, afastado o bloqueio do "segredo de justiça", imaginado como possível à fl. 22, tendo em vista a competência prevista na Constituição Federal, art. 105, I, "a", ementam-se os autos ao Ministério Público Federal.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. NULIDADE DA DECISÃO HOSTILIZADA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO NÃO VERIFICADA. DECISÃO SUCINTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SEGREDO DE JUSTIÇA. INTELIGÊNCIA DO ART. 155 DO CPC. AUSÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO A SER PROTEGIDO. PRETENSÃO NÃO AMPARADA LEGALMENTE. AGRAVO PROVIDO”. (Agravo de Instrumento Nº 70003887932, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Teresinha de Oliveira Silva, Julgado em 27/11/2002).
EMENTA: Agravo de Instrumento. Ação de improbidade administrativa proposta pelo Município contra ex-prefeito. Recurso incidental oposto após oportunidade para defesa preliminar. Alegação de incompetência do juízo, inconstitucionalidade da lei de regência, ilegitimidade de parte e outras questões de mérito, bem como a concessão de segredo de justiça. Inadmissibilidade. Recurso não provido. VISTOS, Por fim, não se faculta ao agente público escudar-se no segredo de justiça. Os atos tidos como de improbidade administrativa, quando existentes, devem ser tornados públicos, pois o cidadão que confiou seu voto a determinada autoridade tem o direito de inteirar-se acerca das providências que devem ser tomadas e do resultado de qualquer providência judicial acerca de questões que tais. 3. Em razão do exposto, negam provimento ao recurso. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - 4a Câmara de Direito Público- Agravo de Instrumento n°: 560.898-5/0 – 18/01/2007).
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 471.681.4/2-00 – 31/01/2007 - Comarca de SÃO PAULO Improbidade administrativa -Tramitação do feito em segredo de justiça - Não cabimento - Hipótese dos autos que não se encaixa nas exceções da publicidade dos atos processuais -Inexistênciade risco concreto de dano - Ausência de prova inequívoca – Recurso improvido”.
ACORDAM, em Oitava Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, negar provimento ao recurso Agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu sigilo processual por não existir risco concreto de dano para as partes, ou de violação de sigilo decorrente da simples existência da demanda. A recorrente requer o provimento recursal para que seja deferido o processamento da ação em segredo de justiça A presente cautelar visa apenas assegurar o resultado da ação.
Constata-se com esses arestos jurisprudenciais que a decretação do segredo de justiça nas ações de improbidade administrativa tem sido restringida sobremaneira pelos Tribunais.
Em epílogo a todo o exposto, em abril de 2007, a Suprema Corte editou a Resolução 338, a qual dispõe sobre a classificação, o acesso, o manuseio, a reprodução, o transporte e a guarda de documentos de Processos sigilosos no STF, visando aumentar ainda mais a segurança das informações contidas nesses processos, já sendo amplamente utilizada, por analogia, pelos magistrados de 1º grau de todo o País, como ferramenta interpretativa, em conjunto com o artigo 155 do Código de Processo Civil.
5-Conclusões
Diante dessas breves considerações, pode-se afirmar que o princípio da publicidade tem sua incidência assegurada nas ações de improbidade administrativa, destacadamente em razão de seu status constitucional. O legitimado ativo destes feitos deverá estar atento a arbitrariedades no tocante à decretação do segredo de justiça dos atos processuais, a fim de que os magistrados pautem suas decisões em consonância com os ditames constitucionais e legais.
Em síntese conclusiva, nos filiamos à corrente que limita a raríssimas situações a decretação do segredo de justiça nas ações de improbidade administrativa, frente ao interesse social da irrestrita publicidade acerca de atos que envolvam o patrimônio público e os agentes políticos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, pg. 298.
[2] BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 28 mar 2014.
[3] GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007, pag 302.
[4] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
[5] GARCIA, Emerson. A improbidade administrativa e sua sistematização. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4284>. Acesso em: 16 março. 2014.
[6] OSÓRIO, F. M. Teoria da improbidade administrativa – má gestão pública, corrupção, ineficiência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
[7] DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade administrativa. São Paulo: Dialética, 2007.
[8] MOREIRA, José Carlos Barbosa. A justiça no limiar do novo século. In: Revista Forense. n. 312. Rio de Janeiro: Forense, 1992.
[9] BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 28 mar 2014
[10] BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 28 mar 2014
[11] MIRANDA, Pontes de; CAVALCANTI, Francisco. Comentários ao código de processo civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
[12] MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, pag. 473
[13] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004
[14] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1993