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O incidente de resolução de demandas repetitivas como instrumento de efetividade da tutela jurisdicional e segurança jurídica previsto no anteprojeto do novo Código de Processo Civil

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3. O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

A comissão de juristas designada para elaborar o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil fora criada por meio do ato 379, na data de 30 de setembro de 2009, pelo presidente do Senado Federal.

O presidente desta comissão de juristas, o atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, em correspondência encaminhada ao Presidente do Senado (Disponível em: <http://www.oab.org.br/pdf/Cartilha1aFase.pdf>. Acesso em 23 de dezembro de 2013), manifestou-se no sentido de demonstrar a preocupação da comissão em tornar o processo civil mais célere, efetivo e com o mínimo de incidentes possíveis, possibilitando uma rápida prestação da tutela jurisdicional oferecida pelo Estado:


(...) A ideologia norteadora dos trabalhos da Comissão foi a de conferir maior celeridade à prestação da justiça, por isso que, à luz desse ideário maior, foram criados novéis institutos e abolidos outros que se revelaram ineficientes ao longo do tempo, mercê da inclusão de ônus financeiro aptos a desencorajar as aventuras judiciais que abarrotam as Cortes Judiciais do nosso país.
A Comissão, atenta à sólida lição da doutrina de que sempre há bons materiais a serem aproveitados da legislação anterior, bem como firme na crença de que a tarefa não se realiza através do mimetismo que se compraz em apenas repetir erros de outrora, empenhou-se na criação de um novo código erigindo instrumentos capazes de reduzir o número de demandas e recursos que tramitam pelo Poder Judiciário.
Esse desígnio restou perseguido, resultando do mesmo a instituição de um incidente de coletivização dos denominados litígios de massa, o qual evitará a multiplicação das demandas, na medida em que suscitado o mesmo pelo juiz diante, numa causa representativa de milhares de outras idênticas quanto à pretensão nelas encartada, imporá a suspensão de todas, habilitando o magistrado na ação coletiva, dotada de amplíssima defesa, com todos os recursos previstos nas leis processuais, proferir uma decisão com amplo espectro, definindo o direito controvertido de tantos quantos se encontram na mesma situação jurídica, plasmando uma decisão consagradora do principio da isonomia constitucional. (...)

Para atingir seus objetivos, a comissão de juristas, entre outros instrumentos, criou o instituto do incidente de resolução de demandas repetitivas, a partir do modelo alemão do “Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz”.

O referido instituto, previsto nos artigos 895 a 906 do anteprojeto do novo Código de Processo Civil (projeto de lei do senado nº 166/2010), permitirá ao magistrado de primeiro grau, ao identificar a existência de diversas demandas que discutam a mesma questão de direito capaz de causar uma grave insegurança jurídica, decorrentes do risco de coexistência de decisões conflitantes, determine o sobrestamento dos processos idênticos, selecionando uma causa piloto que será encaminhada ao Tribunal a fim de que o julgamento da tese comum seja efetuado com eficácia para todo o conjunto de demandas iguais. (COSTA, 2012, p.45).


Art. 895. É admissível o incidente de demandas repetitivas sempre que identificada controvérsia com potencial de gerar relevante multiplicação de processos fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica, decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes.
§ 1º O pedido de instauração do incidente será dirigido ao Presidente do Tribunal:
I – pelo juiz ou relator, por ofício;
II – pelas partes, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição.
§ 2º O ofício ou a petição a que se refere o § 1º será instruído com os documentos necessários à demonstração da necessidade de instauração do incidente.
§ 3º Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e poderá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono.
Art. 896. A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça.
Parágrafo único. Os tribunais promoverão a formação e atualização de banco eletrônico de dados específicos sobre questões de direito submetidas ao incidente, comunicando, imediatamente, ao Conselho Nacional de Justiça, para inclusão no cadastro.
Art. 897. Após a distribuição, o relator poderá requisitar informações ao órgão em cujo juízo tem curso o processo originário, que as prestará em quinze dias; findo esse prazo improrrogável, será solicitada data para admissão do incidente, intimando-se o Ministério Público. Art. 898. O juízo de admissibilidade e o julgamento do incidente competirão ao plenário do tribunal ou, onde houver, ao órgão especial.
§ 1º Na admissibilidade, o tribunal considerará a presença dos requisitos do art. 895 e a conveniência de se adotar decisão paradigmática.
§ 2º Rejeitado o incidente, o curso dos processos será retomado; admitido, o tribunal julgará a questão de direito, lavrando-se o acórdão, cujo teor será observado pelos demais juízes e órgãos fracionários situados no âmbito de sua competência, na forma deste Capítulo. Art. 899. Admitido o incidente, o presidente do tribunal determinará, na própria sessão, a suspensão dos processos pendentes, em primeiro e segundo graus de jurisdição.
Parágrafo único. Durante a suspensão poderão ser concedidas medidas de urgência no juízo de origem.
Art. 900. As partes, os interessados, o Ministério Público e a Defensoria Pública, visando à garantia da segurança jurídica, poderão requerer ao tribunal competente para conhecer de eventual recurso extraordinário ou especial a suspensão de todos os processos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente.
Parágrafo único. Aquele que for parte em processo em curso no qual se discuta a mesma questão jurídica que deu causa ao incidente é legitimado, independentemente dos limites da competência territorial, para requerer a providência prevista no caput.
Art. 901. O Relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, que, no prazo comum de quinze dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida; em seguida, no mesmo prazo, manifestar-se-á o Ministério Público.
Art. 902. Concluídas as diligências, o relator pedirá dia para o julgamento do incidente.
§ 1º Feita a exposição do incidente pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao autor e ao réu do processo originário, e ao Ministério Público, pelo prazo de trinta minutos, para sustentar suas razões.
§ 2º Em seguida, os demais interessados poderão se manifestar no prazo de trinta minutos, divididos entre todos, sendo exigida inscrição com quarenta e oito horas de antecedência.
Art. 903. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada a todos os processos que versem idêntica questão de direito.
Art. 904. O incidente será julgado no prazo de seis meses e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.
§ 1º Superado o prazo previsto no caput, cessa a eficácia suspensiva do incidente, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário.
§ 2º O disposto no § 1º aplica-se, no que couber, à hipótese do art. 900.
Art. 905. O recurso especial ou extraordinário interposto por qualquer das partes, pelo Ministério Público ou por terceiro interessado será dotado de efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida.
Parágrafo único. Na hipótese prevista no caput, interpostos os recursos, os autos serão remetidos ao tribunal competente, independentemente da realização de juízo de admissibilidade na origem.
Art. 906. Não observada a tese adotada pela decisão proferida no incidente, caberá reclamação para o tribunal competente.
Parágrafo único. O processamento e julgamento da reclamação serão regulados pelo regimento interno do respectivo tribunal.

Inaceitável e temerária seria a existência de decisões divergentes diante de casos concretos tratando de uma mesma questão de direito. Não há Estado Constitucional e não há mesmo direito, no momento em que casos idênticos recebem diferentes decisões do Poder Judiciário. Insulta o bom senso que decisões judiciais possam tratar de forma desigual pessoas que se encontram na mesma situação. (MARINONI; MITIDIERO, 2010, p.17/18).

Baseado no julgamento por amostragem dos recursos extraordinário e especial, quando o mesmo juiz receber uma multiplicidade de demandas com a mesma questão de direito, selecionará um processo representativo das ações idênticas, determinando o sobrestamento das demais, habilitando-se na ação coletiva, oportunizando ampla defesa, com todos os recursos previstos no ordenamento jurídico, até que os desembargadores dos Tribunais Estaduais ou do Tribunal Regional Federal decidam o mérito da questão, a qual atacará todos os pontos possíveis de controvérsia de tantos quantos se encontrem na mesma situação.

Desta forma, os litígios de massa poderão ser solucionados através da concentração, nas mãos de um único julgador, sendo esta decisão aplicada, por analogia, a todas as ações individuais na primeira instância.

Da mesma maneira ocorrerá na fase recursal. Nos termos do artigo 988 do anteprojeto de Novo Código de Processo Civil10, será possível o julgamento, em conjunto, de recursos fundamentados na mesma questão de direito.

A novidade se encontra no fato de que o incidente de resolução de demandas repetitivas poderá ser instaurado a qualquer momento e grau de jurisdição, a fim de se evitar que sejam proferidas decisões conflitantes em ações com a mesma questão de direito, privilegiando-se assim o princípio da segurança jurídica.

São legitimados para requerer o pedido de instauração do incidente, que será dirigido ao presidente do tribunal, o relator ou órgão colegiado, por ofício; bem como pelas partes, pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela pessoa jurídica de direito público ou por associação civil, por petição.

Os requisitos para a admissão do incidente encontram previsão legal no caput do artigo 988, quais sejam, presente o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica e houver efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito, in verbis:


Art. 988. É admissível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando, estando presente o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, houver efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito.

Para que seja possível a instauração do incidente, é necessário que a pretensão seja resistida, ou seja, que tenha havido qualquer impugnação as alegações contidas na exordial.

No tocante ao risco de ofensa a segurança jurídica, a preocupação da comissão de juristas consiste no risco de coexistência de decisões conflitantes nos casos em que tratem da mesma questão de direito, buscando assim uma padronização de jurisprudência.

O anteprojeto do Novo Código de Processo Civil também prevê como requisito de instauração do incidente a ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça, nos termos do seu artigo 989:


Art. 989. A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça.

Por fim, o incidente deverá ser julgado no prazo de seis meses, tendo preferência sobre os demais feitos, a exceção daqueles que envolvam réu preso e habeas corpus, demonstrando a intenção do legislador em conferir maior celeridade à prestação jurisdicional.


4. PRINCÍPIOS NORTEADORES DA ADOÇÃO DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

Necessário abordar os princípios constitucionais albergados com a criação do incidente de resolução de demandas repetitivas, realizando uma breve análise da efetividade processual e da segurança jurídica previstas no anteprojeto do Novo Código de Processo Civil.

4.1. O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA

A segurança jurídica é um subprincípio do Estado de Direito e que possui papel diferenciado na concretização da justiça material (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p.533), sendo vista na doutrina não só como a garantia do cidadão contra o arbítrio estatal, mas também como a previsibilidade da atuação do Estado em face do particular, exigindo para si, portanto, regras fixas. (AMARAL, 2013).

O princípio, visto como estabilidade e continuidade da ordem jurídica e previsibilidade das consequências de determinada conduta, é indispensável para a conformação de um Estado que pretenda ser “Estado de Direito.” (MARINONI, 2013, p.119).

Isto porque, para que a segurança jurídica possa ser efetivamente alcançada, faz-se necessária a implementação de institutos que sejam aptos a ensejar uma maior uniformização de jurisprudência, garantindo previsibilidade àqueles que ingressam em juízo quanto às sentenças. Tanto porque, é válido mencionar que a discrepância em excesso dos julgamentos gera intranquilidade social e faz com que os jurisdicionados não tenham confiança na solução ofertada pelo Poder Judiciário, além de ocasionar um aumento do número de recursos.

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Para atender a este fim, o incidente de resolução de demandas repetitivas se mostra como um instituto capaz de conferir a segurança jurídica, mediante clareza da lei e a previsibilidade do direito, à estabilidade das relações jurídicas e maior confiança dos cidadãos no Estado quando buscar pelo judiciário para resolver seus conflitos.

4. 2. O PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL

O direito à razoável duração do processo e aos meios que garantam a obtenção da efetiva tutela jurisdicional fora garantido a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, que introduziu o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal, para que o judiciário, de alguma forma, torne útil o direito material violado (CARNEIRO JÚNIOR; WAMBIER, 2010, p. 15).

Desta forma, a efetividade da tutela jurisdicional pode ser considerada um direito fundamental garantido a todos os cidadãos, sendo que o instituto do incidente de resolução de demandas repetitivas fora criado para dar garantia ao princípio, elevando assim o grau de eficiência da prestação processual ao direito material atingido.

Nos termos previstos no anteprojeto do Novo Código de Projeto Civil, ao ser proferida a tese que vinculará toda a conduta do judiciário acerca da questão de direito, evidentemente o jurisdicionado terá a previsibilidade do seu direito conforme a tese exarada, pois diante da vinculação da decisão aos demais juízes competentes, a certeza do seu direito não estará facultada a um juiz que aplicará a tese conforme seu entendimento.

Ainda, o anteprojeto prevê no art. 847, V, §§1º e 213, a alteração do entendimento pacífico da jurisprudência sobre os casos repetitivos visando à segurança jurídica e o interesse social. A modificação do entendimento pode gerar conflitos quanto à retroatividade do julgamento. Como no “common law” os efeitos são retroativos aos casos já julgados, gerando total desconfiança no Poder Judiciário pela instabilidade e insegurança de gerar apenas efeitos prospectivos, ou seja, somente para os próximos processos depois de fixada a alteração.

Posto isto, tem-se que a efetividade processual é direito fundamental de todos os cidadãos, juntamente com a razoável duração do processo. O Novo Código de Projeto Civil, além de prometer dar sequência aos resultados positivos obtidos pelo vigente diploma processual irá abarcar novos institutos (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas) para dar progressão ao princípio, e elevar o grau de eficiência da prestação processual ao direito material atingido.

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Sobre o autor
Bruno Oliveira de Souza Kryminice

Bacharel em Direito e Especialista em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Membro das Comissões de Direito Bancário e de Responsabilidade Social e Política da Ordem dos Advogados do Brasil/Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KRYMINICE, Bruno Oliveira Souza. O incidente de resolução de demandas repetitivas como instrumento de efetividade da tutela jurisdicional e segurança jurídica previsto no anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4221, 21 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30086. Acesso em: 5 nov. 2024.

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