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O controle dos princípios orçamentários

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Os controles institucionais e sociais miram, com particular atenção, a dinâmica do orçamento, em cuja essência se perfilam os princípios de regência.

1-    Apresentação

Princípios são os fundamentos, os alicerces, as pilastras sobre as quais repousam os sistemas de conhecimento; violar um princípio é pior que desrespeitar uma norma legal.

De seu lado, o orçamento público é peça essencial para a concretização das ações de governo; não se gasta centavo público sem a respectiva dotação orçamentária (art. 167, I e II, da CF).

Para examinar o bom uso do dinheiro recolhido compulsoriamente da sociedade, quer a legislação três tipos de controle: o interno, efetivado por servidores dos próprios Poderes estatais (art. 74 da CF); o externo, a cargo do Legislativo e dos Tribunais de Contas (art. 71 da CF) e o social, geralmente realizado por segmentos organizados da população, sobretudo os conselhos determinados em lei, quer o da saúde, Fundeb, assistência social, merenda escolar, criança e adolescente, entre outros.

Considerando que o uso do recurso público requer autorização orçamentária do Parlamento, evidente que os controles institucionais e sociais miram, com particular atenção, a dinâmica do orçamento, em cuja essência se perfilam os princípios de regência.

Vai daí que o intuito deste texto é comentar o efeito de certos princípios orçamentários na estratégia de trabalho dos controles interno, externo e social.


2-    Princípio da Autorização Prévia e o da Anualidade (Periodicidade)

Esses fundamentos remontam ao nascedouro do orçamento público, na Inglaterra do Rei João Sem Terra (1215).

A partir de então, devia anualmente o Poder Público revelar, ao Conselho de Barões, a magnitude e o tipo de gasto público, com isso justificando o volume dos tributos pretendidos. Sendo assim, as receitas e as despesas passaram a ser autorizadas, previamente, por instância diferente do poder central.

Em outras palavras, não mais podia o rei, só ele, determinar o tipo e o tamanho dos tributos e dos dispêndios governamentais.

No Brasil, essa obediência tem raiz constitucional:

Art. 167. São vedados:

I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;

II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;

Realizar despesa estranha à lei orçamentária anual, tal desacerto é crime contra as finanças públicas, passível de reclusão de 1 a 4 anos (art. 359-D, do Código Penal).

Ainda, os controles institucionais e sociais devem considerar que, no tocante às obras e outros projetos que ampliam o raio de atuação governamental, é de todo irregular a geração de despesa sem os requisitos do art. 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal, vale dizer: a estimativa trienal de impacto orçamentário e financeiro, bem como a declaração do gestor sobre a compatibilidade do novo gasto com os três instrumentos orçamentários: o plano plurianual (PPA), a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) e a lei de orçamento anual (LOA).

Desde a remota origem do orçamento, o aval do poder não-executivo dava-se em períodos anuais; é porque que já antes vigorava a anualidade para o imposto, ou seja, autorização em um exercício; cobrança no seguinte.

No Brasil, a permissão orçamentária coincide com o ano civil; vai de 1º de janeiro a 31 de dezembro (art. 34 da Lei 4.320, de 1964).

Na verificação de obediência à anualidade, as instâncias de controle devem observar certas exceções do direito financeiro. É quando o orçamento “avança” sobre o ano seguinte. Eis o chamado período adicional.

Segundo João Angélico, “período adicional é o tempo acrescentado ao ano financeiro com o objetivo de, nesse período, concluir-se a arrecadação de tributos e o pagamento de despesas relativas ao ano financeiro findo. Pode o período adicional abranger um ou mais meses seguintes ao ano financeiro e, como é óbvio, correm nesse período, concomitantemente, as operações relativas ao ano findo....”(in: Contabilidade Pública; Ed. Atlas).

No período adicional se aplicam, por exemplo, os 5% do Fundo da Educação Básica (Fundeb), quer dizer, a fração arrecadada em um exercício financeiro, que, no início do ano seguinte, pode ser empenhada, liquidada e paga.

Realmente, para evitar as indesejáveis sobras do extinto Fundo do Ensino Fundamental (Fundef), a Lei nº 11.494, de 2007, determina seja o Fundeb utilizado no mesmo ano do recebimento, disso excetuando que 5% possam ser empregados logo no 1º trimestre do exercício subsequente (art. 21, “caput” e § 2º).

Não obstante o empenhamento no ano vindouro, tais 5% contam na despesa do exercício anterior: o da competência da apuração. Se assim não fosse, descumpririam o mínimo constitucional (25%) os Estados e municípios que, para o Fundo, contribuem mais do que dele recebem; é assim porque os 5% compõem, fazem parte, estão dentro do piso de 25%.

Nesse quadro, afigura-se possibilidade de desvio; para ela devem atentar os órgãos de controle, considerando que os diferidos 5% são empenhados no ano seguinte e, por isso, podem ser contados, indevidamente, também nesse exercício e, não somente, no anterior: o da competência da apuração dos 25%. Assim, aquele resíduo seria duplamente incluído: a 1ª vez, no ano de exame da conta; a 2ª, no exercício do empenhamento.

Mediante Comunicado, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo requer conta bancária específica para recepção dos 5% Fundeb, os quais, como se viu, ressalvam o princípio orçamentário da anualidade:

Comunicado SDG nº 07/2009

O Tribunal de Contas do Estado comunica às Prefeituras Municipais que, ocorrendo a situação prevista no § 2º, do artigo 21, da Lei nº 11.494, de 2007, os recursos correspondentes deverão ser movimentados em conta bancária específica, com a seguinte denominação: Parcela Diferida do FUNDEB - § 2º, do artigo 21, da Lei nº 11.494, de 2007.

Serão objeto de glosa no cálculo requerido pelo artigo 212 da Constituição Federal os recursos que não forem movimentados, conforme a orientação aqui contida.

SDG, em 20 de março de 2009.

Sérgio Ciquera Rossi

SECRETÁRIO-DIRETOR GERAL

Necessária essa conta bancária, visto que, face à origem da receita (fonte), a nova identificação da despesa carrega algumas imperfeições, nisso considerando que essa tipificação vai ao nível da fonte, e, não, até o código de aplicação (subfonte).

Tome-se, por exemplo, a absolutamente majoritária fonte Tesouro, que agrega dezenas de subfontes (códigos de aplicação), entre as quais a Geral, a da Educação, a da Saúde, a do Trânsito, a das complementações aos fundos especiais. Nessa grande abrangência, poderia haver excesso de dinheiro na subfonte Geral, a ser desviada, sem possibilidade de detecção contábil, para áreas cuja insuficiência financeira gera, talvez, recusa da conta do dirigente governamental; eis o caso da aplicação obrigatória na Saúde, que exige, sempre, cobertura monetária para os Restos a Pagar não liquidados (art. 24, II, da Lei 141, de 2012).

Talvez tenha se equivocado a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) ao incluir, de forma indiferenciada, na fonte Tesouro, recursos constitucionalmente vinculados, os quais, estes sim, deveriam constituir fontes próprias, autônomas, independentes.

Sendo assim, a auditoria meramente contábil, por si só, não basta para controlar os recursos vinculados; há de se observar, de igual forma, o movimento das contas bancárias vinculadas.

Ainda no tocante à anualidade, de se ver que, no cálculo da despesa obrigatória em Educação e Saúde, alguns Tribunais de Conta concedem prazo adicional, no ano seguinte, para pagamento dos empenhos feitos no exercício anterior. Não se há de dizer que tal dilação excetua o pressuposto da anualidade; é assim porque aqui o gasto onerou o orçamento de competência do dispêndio, restando somente o fato financeiro, o pagamento, para o subsequente intervalo temporal.

Tal situação difere da atinente aos 5% do Fundeb, na qual, como se viu, o empenho, a liquidação e o pagamento acontecem no ano seguinte ao da arrecadação da receita, isto é, no sobredito período adicional.


3-    Princípio da Unidade

Tal princípio nega autorizações paralelas, como o foram, nos anos 1980, os orçamentos fiscal, monetário e o das estatais, ainda que, prevalecente desde 1964, já decretava a Lei 4.320 que o orçamento se sujeitasse aos princípios da unidade, universalidade e anualidade (art. 2º).

De toda forma, o alicerce da unidade ganha força constitucional na Carta de 1988; reza o art. 165, § 5º, que a lei de orçamento abranja todos os Poderes, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta.

Nesse passo, os controles interno, externo e social terão em mente que o artigo 107 da Lei 4.320 não foi recepcionado pela Constituição; enuncia tal dispositivo, vale ilustrar, que o orçamento das autarquias e empresas estatais pudesse ser aprovado por mero decreto do Poder Executivo, não se sujeitando ao Legislativo.

Então, há de o controle observar se a lei orçamentária evidencia os planos de trabalho de autarquias, fundações e estatais dependentes, quer sob a forma programática, quer em nível de classificação econômica (até o elemento de despesa).

Dito de outra forma e quanto às mencionadas entidades da Administração indireta, as dotações não podem se limitar a números globais, totais, indiferenciados, o que, se assim for, deixa de apresentar a programação descentralizada para o ano seguinte, afrontando, via de consequência, os princípios da unidade, universalidade e, sobretudo, o da discriminação (especificação).

Ressalve-se, contudo, que as empresas públicas autônomas, não dependentes do erário, só precisam dizer sua política de investimentos, nos termos do art. 165, § 5º, II, da Constituição.

Decorrente do pressuposto orçamentário da unidade afigura-se a unidade de caixa, enunciada na Lei 4.320:

“Art. 56 - O recolhimento de todas as receitas far-se-á em estrita observância ao princípio de unidade de tesouraria, vedada qualquer fragmentação para criação de caixas especiais”.

No entanto, a legislação e a rotina financeira impõem várias e muitas ressalvas à unidade de caixa (conta Tesouro); em boa parte das vezes, são movimentados em contas próprias, diferentes do Tesouro, os recursos da Educação, da Saúde, dos fundos especiais, dos convênios com outros níveis de governo, das multas de trânsito, dos Royalties, entre tantos outros.

Tais exceções contrariam outro princípio clássico de orçamento: o da não afetação de receitas. Disso faz prova a própria Constituição, no art. 167, IV, ao excluir, da não vinculação de impostos, as receitas pertencentes à Educação, Saúde, programas de administração tributária, prestação de garantia para pagamento de débitos junto à União e oferecimento de garantia às operações de crédito por antecipação de receita (ARO).

Então, vinculados, afetados estão importante programas de governo, que consomem grande fatia da mais significativa espécie de receita: a de impostos. Vai daí que não se pode dizer que o orçamento é peça absolutamente discricionária, pouco impositiva. Realmente, deve o Prefeito, todo ano, utilizar 25% na Educação, 15% na Saúde, de 3,5% a 7% na Câmara de Vereadores; isso, sem falar dos gastos incomprimíveis, obrigatórios e inadiáveis, como os da folha de pagamento e dos contratos de duração continuada.

Todavia e em obediência à unidade de caixa, a Nova Contabilidade Pública sugere que todos os dinheiros permaneçam em uma só conta bancária, sendo contábil, documental, o controle de saldo dos programas vinculados; isto tudo, sob a classificação por fonte de receita.

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Em virtude das dificuldades antes vistas, a conta única parece funciona em sistemas eletrônicos que conjugam, de modo bastante eficiente, a movimentação orçamentária e financeira, tal como o Siafi e o Siafem. Em tal sistemática, as autarquias, fundações e estatais dependentes, mesmo elas, não passam de unidades orçamentárias da Administração direta, visto que necessitam permissão central para assumir e pagar despesa.


4-    Princípios da Universalidade e do Orçamento Bruto.

Eis mais um princípio clássico; estabelece que o orçamento alcance todas as receitas e despesas das entidades públicas do mesmo nível de governo (art. 3º e 4º da Lei 4.320).

Aqui, há de se acautelar contra a inserção, no campo orçamentário, de receitas que, efetivamente, não pertencem à Administração Pública; são os ingressos extraorçamentários, os quais, erroneamente classificados, elevam a receita corrente líquida, aumentando, de modo irreal, os limites da despesa de pessoal e endividamento. Entre outras hipóteses extraorçamentárias, eis a situação na qual opera o Município como mero interveniente de numerários vindos da União ou do Estado (ex.: programas estaduais de habitação que repassam dinheiro para o Município construir casas populares).

De todo modo e à vista das transferências voluntariamente entregues por outros níveis de governo, tais repasses discricionários, não obrigatórios, na imensa parte das vezes, são orçamentários, conquanto financiam programas da entidade beneficiada ou lhe aumentam o patrimônio (ex.: merenda escolar, Programa de Saúde da Família, subvenção do transporte escolar, auxílios para construção de creches e hospitais).

Nesse sentido, labora em acerto a Portaria nº 249, de 2010, da Secretaria do Tesouro Nacional - STN: “as receitas vinculadas como, por exemplo, as transferências relativas a convênios, as receitas comprometidas com o Sistema Único de Saúde, os royalties de compensações financeiras, o salário-educação, o Fundo de Combate à Pobreza, não deverão ser deduzidas para efeito da receita corrente líquida - RCL”.

De acrescentar que o princípio da universalidade bem se associa com o fundamento do orçamento bruto, segundo o qual todas as entradas e gastos ingressam no orçamento pelos seus totais, vedadas quaisquer deduções (art. 6º, Lei 4.320).

Se a Administração compra pneus no valor de $ 100, e, como parte do pagamento, vende seus pneus usados ($ 5), sob tal exemplo, a Contabilidade, em respeito ao orçamento bruto, não poderá nunca anotar uma despesa líquida de $ 95, mas, sim, escriturar $ 5 na condição de receita de alienação, e $ 100 como despesa de consumo.

Para atender àquele princípio, contabiliza-se, como receita orçamentária, um ingresso que, efetivamente, não é novo elemento de caixa; não incremente o patrimônio líquido da entidade. Põem-se aqui o Imposto de Renda Retido na Fonte e a contribuição do servidor ao regime próprio de previdência (RPPS), rubricas que, na verdade, provêm da despesa: a com a folha de pagamento, mas precisam virar receita compensatória, escritural, por não representar, de pronto, desembolsos do erário: o IR, por não ser recolhido à União, e permanecer nos Estados e municípios (art. 157, I e 158, I, da CF); a contribuição do segurado por significar dinheiro a ser capitalizado, e, só no futuro, bancar aposentadorias e pensões.

Ainda, sob o princípio em estudo, devem notar os controles que Estados e municípios auferem certas receitas tributárias, delas já descontadas o Pasep e o Fundo da Educação Básica (Fundeb).

Então, para assegurar o fundamento do orçamento bruto, a Contabilidade deve registrar a totalidade do imposto e, como parcela subtrativa, redutora, o valor retido pelo Fundeb; já, quanto ao Pasep, a contribuição será empenhada, ou seja, constituirá despesa orçamentária.

Nas vezes que deixam de atingir o mínimo constitucional da Educação, certos Municípios, nas peças de defesa, solicitam posterior inclusão proporcional do Pasep; assim fazem porque não cumprem aquele princípio bruto, contabilizando, pelo valor líquido, transferências federais de impostos, o que oculta o gasto com aquele programa do servidor público. De todo modo, essa inserção só se dá em jurisdições onde entendem os Tribunais de Contas que o Pasep é encargo patronal, e, portanto, despesa de pessoal do ensino.

Neste ponto, devem atentar os controles que a contabilização pelo líquido, esse desacerto resulta menor despesa obrigatória na Educação e Saúde, visto que artificiosamente menores os impostos sobre os quais se calcula o gasto mínimo naqueles dois setores.


5-    Princípio da Exclusividade

Regulamentado, no Brasil, em emenda constitucional de 1926, tal princípio visa afastar, do orçamento, matéria estranha à previsão de receitas e despesas, impedindo que a rápida aprovação do orçamento, de prazo fatal, ofereça oportunidade para o parlamentar fazer inserções casuístas, de conveniência, tais como a criação de cargos ou verbas de gabinete, isto é, o que Rui Barbosa chamava de “rabilongos”.

Nos dias de hoje, a Carta de 1988, no art. 165, § 8º, prescreve duas exceções ao pressuposto da exclusividade: a) autorização para abertura de créditos suplementares, a chamada margem orçamentária, fixada em percentual relativo à despesa total; b) permissão para operações de crédito, ainda que por antecipação de receita.

Então, são duas e somente duas as exceções ao princípio orçamentário da exclusividade: os créditos suplementares e as operações de crédito. Em assim sendo, os controles interno, externo e social haverão de censurar leis orçamentárias que concedem licença para a Administração transpor, remanejar ou transferir verbas orçamentárias (art. 167, VI, da CF), conquanto estes três mecanismos se diferenciam daqueles créditos adicionais, mesmo que estes sejam financiados pela anulação, parcial ou total, de outras dotações.

Para Heraldo da Costa Reis, J. Teixeira Machado Jr. e José Ribamar Caldas Furtado [1], a transposição, o remanejamento e a transferência são instrumentos para a Administração alterar seu curso operacional; repriorizar as ações de governo; modificar as intenções originais da lei de orçamento, enquanto o crédito adicional, indiferente que é à vontade política, serve apenas para remediar imprevisões, omissões e erros no momento em que se elabora a peça orçamentária.

Nessa trilha, é necessária a transposição, o remanejamento ou a transferência quando, ao longo da execução do orçamento, a prioridade passa a ser a Saúde, não mais as Obras Viárias; de sua parte, aciona-se o crédito adicional quando o orçamentista, por erro de programação, alocou dotação insuficiente nas rubricas de pessoal.

Sob tal conceito, nas contas do Governador do Estado de São Paulo, exercício de 2011, assim recomendou o Tribunal Paulista de Contas:

“Nos termos do art. 176, inciso VI, da Constituição Estadual, a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos orçamentários exige sempre lei específica, e não a genérica margem da lei de orçamento para créditos suplementares” (grifos nossos).


6-    Princípio da Sinceridade

Apesar de não ser pressuposto clássico de orçamento, interessante destacar tal princípio, vez que frequentes as inverdades assentadas na lei orçamentária anual.

Bismarck, o maior estadista alemão do século 19, dizia que “nunca se mente tanto como antes das eleições, durante uma guerra e depois de pescaria”; a essa frase, ousamos acrescentar: e durante a elaboração da peça orçamentária.

A primeira insinceridade refere-se à superestimativa da receita, a permitir dotações folgadas e, daí, geração de despesa sem lastro monetário. Essa artimanha enseja o déficit da execução orçamentária e, dele decorrente, a assunção ou a elevação da dívida pública, o que fulmina os pilares da responsabilidade fiscal.

Outra burla é a subestimativa do orçamento conjugada ao elevado percentual para abrir, na execução, créditos suplementares. Na execução, o Chefe do Executivo, por ato exclusivo, unilateral, distribui o virtual “excesso” de arrecadação em ações e programas de sua própria vontade política, o que subverte, e muito, o processo de formação da lei.

Ainda, na elaboração da lei orçamentária, em boa parte das vezes, não se consulta os vários setores da Administração, tampouco se ouve a população. Daí a peça orçamentária tende a repetir, com certo incremento linear, execuções de anos pretéritos, as quais se deram sob realidade diferente da atual. Em consequência disso, o orçamento não retrata a verdade; ao longo de sua realização, sofre muitas e várias modificações, seja por crédito adicional ou mediante transposições, transferências e remanejamentos, o que acarreta, quase sempre, desperdício de dinheiro público e ineficiência das ações públicas, além de afrontar um dos pressupostos elementares de responsabilidade fiscal.

Outra inverdade acontece na execução do orçamento; é quando se contingencia, “congela”, logo no início do ano, parte das dotações, alegando-se, sem razão, queda na receita prevista. Após isso, o “descongelamento” de certas dotações funciona como moeda de troca, beneficiando parlamentares que aprovam projetos de interesse do Poder Executivo.


7-    Princípio da Especificação ou Discriminação

Citado por José Alves Neto, assim leciona o Professor James Giacomoni[2], “o princípio da discriminação ou especialização é mais uma das regras clássicas dispostas com a finalidade de apoiar o trabalho fiscalizador dos parlamentos sobre as finanças executivas. De acordo com esse princípio, as receitas e as despesas devem aparecer no orçamento de maneira discriminada, de tal forma que se possa saber, pormenorizadamente, a origem dos recursos e sua aplicação”.

O cumprimento desse princípio evita a obscuridade das autorizações genéricas, indeterminadas, que tanto dificultam o controle do Legislativo e da sociedade.

Em homenagem a esse fundamento, a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) deve trazer anexo demonstrando, por programa de governo, as ações que, no próximo orçamento, contarão com verbas apropriadas.

Também, baseados em tal princípio, alguns Tribunais de Contas recomendam que a lei orçamentária identifique os projetos derivados do orçamento participativo; isso, para conferir eficácia ao art. 48, § único, I, da Lei de Responsabilidade Fiscal:

Art. 48. (...)

(...)

I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).

Em virtude do fundamento da especificação, a Lei nº 4.320, de 1964, proíbe dotações globais, voltadas, genericamente, ao pessoal, materiais, serviços de terceiros e transferências (art. 5º), bem como estabelece, no art. 15, que o orçamento seja detalhado até o nível de elemento de despesa.

Por outro lado, a Portaria Interministerial nº 163, de 2001, preceitua que, na lei orçamentária, a desagregação pode se deter na modalidade de aplicação, patamar anterior, bem mais agregado que o do elemento de despesa:

“Art. 6º - Na lei orçamentária, a discriminação da despesa, quanto à sua natureza, far-se-á, no mínimo, por categoria econômica, grupo de natureza de despesa e modalidade de aplicação”.

Na medida em que a modalidade de aplicação possui caráter gerencial, a decomposição do gasto acontece, na prática, até o grupo de natureza da despesa, categoria que reúne muitos elementos de gasto, às vezes bem diferenciados entre si, o que ao Parlamento e ao controle social dificulta verificar o uso mais específico do dinheiro público, não cabendo aqui esquecer que o orçamento também obedece ao princípio da transparência (art. 48 da Lei de Responsabilidade Fiscal).

De fato e à guisa de exemplo, o grupo Outras Despesas Correntes abarca robusto e diversificado elenco de objetos de dispêndio, entre os quais Precatórios, Serviços de Terceiros, Subvenções Sociais, Contribuições, Despesas de Exercícios Anteriores, Auxílio-Alimentação e Material de Consumo. Então, nos moldes daquela Portaria Interministerial, ousamos fazer as seguintes indagações:

·        Como saber, no orçamento, se a dotação de precatórios atendeu, de fato, ao art. 100 da Constituição?

·        De que modo apurar se as subvenções e auxílios estão de acordo com o art. 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal?

·        Como examinar, no grupo Pessoal, quanto gastará a Administração com ativos, inativos e pensionistas?

·        Como identificar, previamente, o gasto com terceirização de serviços públicos?

·        De que modo distinguir o valor que se gastará com serviços de consultoria?

Com efeito, imensa parte dos municípios conta com baixo nível de particularização de seus programas, bem diferente da alta decomposição dos orçamentos da União e dos grandes Estados. Nesse caso, não se pode dizer que a detalhamento por elemento de gasto é providência acessória ante a prevalência operacional da classificação programática.

E, o que é mais importante, a Portaria, ato administrativo que é, não pode se sobrepor à norma legal, no caso, o já mencionado art. 15 da Lei nº 4.320, de 1964.


Notas

[1] In: livro “A Lei 4.320 Comentada” – 30ª. ed. – IBAM, Rio de Janeiro e, quanto ao Conselheiro do TCE Maranhão, José Ribamar Caldas Furtado, artigo “Créditos adicionais versus transposição, remanejamento ou transferência de recursos”, publicado no Jus Navigandi.

[2] James Giacomoni, “Orçamento Público”, Ed. Atlas, 2005 citado por José Alves Neto, em “Curso de Especialização em Orçamento e Contabilidade Pública, do Tribunal de Contas da União – Princípios Orçamentários”.

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Sobre o autor
Flavio Corrêa de Toledo Junior

Professor de orçamento público e responsabilidade fiscal. Autor de livros e artigos técnicos. Ex-Assessor Técnico do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLEDO JUNIOR, Flavio Corrêa. O controle dos princípios orçamentários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4025, 9 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30094. Acesso em: 22 dez. 2024.

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