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A importância da pesquisa no ensino jurídico

21/07/2014 às 16:22
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É legítimo esperarmos que o docente universitário seja um pesquisador, ou no mínimo que seja então cobrada dele uma atualização constante nas disciplinas que lecione.

Muitas discussões se instauram sobre o tema da pesquisa no ensino jurídico, em especial sobre a relação entre ensino e pesquisa. Por isso, neste pequeno ensaio, vamos apenas abordar algumas questões a fim de fomentar ainda mais o debate, para que talvez num futuro próximo alcancemos o resultado almejado por todos.

O conceito de pesquisa não é unívoco, no entanto, neste trabalho a utilizaremos como o procedimento reflexivo sistemático, controlado e crítico, mediante método de pensamento reflexivo, que requer um tratamento científico, constituindo-se no caminho para se conhecer a realidade ou para se descobrir as verdades parciais, ou seja, terá como finalidade a descoberta de resposta para questões, mediante a aplicação de métodos científicos[1]. É nítido que a pesquisa assume real importância para o desenvolvimento, social, econômico, político e científico para um país.

No que se refere ao nosso ensino jurídico, este passa por uma crise que não é de agora, mas vem se desenvolvendo desde a criação dos cursos jurídicos em nosso país. Dentre os fatores que agravam essa crise está exatamente o fato da dissociabilidade entre o ensino e a pesquisa. Eis que ainda hoje predomina no ensino jurídico o método didático da aula conferência, expositiva, num estilo mecanicista onde o professor apenas repassa conteúdos assimilados previamente da leitura de manuais, sem que haja o estímulo a discussão e reflexão sobre os mesmos; onde o aluno ocupa uma posição passiva de mero “captador” e decorador de conceitos, ou seja, é mero objeto de assimilação de conhecimento e não atua como sujeito produtor de conhecimento no processo educativo. E isso não se constata apenas em nível de graduação, mas também em nível de pós-graduação, quer seja em mestrado ou doutorado, sendo ainda poucas as exceções que adotam uma moderna metodologia científica, que institucionalizam a pesquisa, ou seja, adotem um procedimento de indissociabilidade entre ensino e pesquisa.

Vale aqui transcrevermos as idéias de Joaquim Falcão[2], segundo o qual:

Além de inexistir uma mentalidade de pesquisa, ou quando existe é uma mentalidade individualista, que dispensa a moderna metodologia científica, inexistem, na maioria das faculdades, bibliotecas atualizadas, salas apropriadas ou recursos específicos, sobretudo, para a pesquisa empiricamente fundamentada. De tudo resulta que o conhecimento jurídico transmitido pelas faculdades é produzido fora delas. Resta saber aonde.

Segue o ilustre autor referindo de que ainda uma grande parte do conhecimento jurídico é importado, com grande influência da doutrina européia e norte-americana[3]; ou seja, é aquilo que alguns denominam de “tropicalismo jurídico” de doutrina estrangeira, que muitas vezes desconsidera que essas doutrinas são feitas para realidades totalmente diversas da nossa.

A pesquisa no ensino jurídico é de suma importância para se aliar teoria e prática, uma ação refletida na área do Direito. Através dela é que podemos aprofundar o conhecimento, possibilitando a construção, reformulação e acumulação do saber. Por isso é necessário ultrapassarmos e superarmos métodos ultrapassados que dissociam a pesquisa do ensino, para que desta forma possamos alcançar um ensino de alta qualidade, em nível de excelência.

Devemos ter consciência e compreendermos de que o Direito não é uma ordem estagnada e que o mesmo passa por uma crise decorrente de um ensino tecnicista. É através da pesquisa que podemos aprofundar a crítica do discurso jurídico sedimentado, abrindo a visão sobre a crise do Direito, iluminando a reflexão acerca de suas determinações, enquanto formamos o novo tipo de jurista capaz de empreender e superar a distância que separa o ensino do Direito de sua realidade social, política e moral; possibilitando assim a construção de um ensino jurídico não abstrato e desvinculado de suas referências de totalidade[4].

Para alcançarmos este tão almejado ensino de excelência é necessário também inserirmos tanto no docente como no discente essa mentalidade de pesquisa, de curiosidade científica; uma consciência de que sua formação e aperfeiçoamento jamais será completa, devendo ser um aprendiz durante a vida toda, um pesquisador contínuo, interagindo em um contexto histórico-social.

É perfeitamente legítimo esperarmos que o docente universitário seja um pesquisador, ou no mínimo que seja então cobrada dele uma atualização constante nas disciplinas que lecione, bem como, nas subáreas que se insira. De acordo com Newton Cezar Balzan[5] assim teremos um docente se não pesquisador ao menos consumidor de pesquisas, o que ajudará a evitar que tenhamos apenas um “dador de aulas”, um repetidor de informações que se superam cada vez com maior rapidez. Permitir e propagar esse tipo de “pseudo docente” o “dador de aulas” é consolidar mais um pacto de mediocridade no ensino jurídico!

Também é necessário, como afirma Maria Emília Amaral Engers[6], que o aluno tenha consciência de que a sua competência profissional está estritamente ligada com a idéia de estudo contínuo, de constante pesquisa para atualização e desenvolvimento do seu papel, com uma consciência da realidade social, inclusive em termos de cultura geral, o que podemos denominar de interdisciplinariedade.

Necessitamos assim de faculdades onde o ensino jurídico reflita na ação a ação alcançada na realidade, oportunizando ao discente a produção de seu próprio conhecimento amparado pelo professor, que o auxilie na organização sistematizada na busca do saber, um professor que não apenas ensine conhecimento, mas ensine o aluno a conhecer.

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Avanços se observam e muitos em decorrência das novas exigências do MEC, ao regular as novas diretrizes curriculares, exigindo, dentre outras medidas, a monografia jurídica ao final de curso, tornando assim obrigatória a pesquisa, o que sem dúvida possibilita a elevação da qualidade do ensino, com reflexos positivos na organização curricular e na capacitação docente.

Tais medidas tornando obrigatória a pesquisa vão propiciar grandes avanços e representa uma posição avançada na inovação, na revisão e superação dos conceitos, contribuindo abertamente para fomentar questionamentos e fazer brotar inquietudes que estimulem ainda mais o estudo e a pesquisa comprometidos com seu tempo e seus dilemas[7].

Com a pesquisa o aluno aprenderá a estudar, raciocinar e expor suas idéias, deixando assim de apenas assimilar mecanicamente normas técnicas, conceitos padronizados ou seguir roteiros esquematizados. Poderá então explorar e investigar sistematicamente, abrindo as portas para descobrir e interpretar os fatos que estão inseridos em uma determinada realidade[8].

A exigência da pesquisa habilita a apreensão do Direito no campo de suas relações contraditórias, qualificando a formação social do estudante, como sujeito co-participante do processo de re-instituição contínua da sociedade[9].

Assim, a elaboração da monografia foi certamente pensada como um importante instrumento de fomento à pesquisa, constituindo-se num dos produtos visíveis de um novo processo de ensino/aprendizagem[10].

Acreditamos e esperamos que os cursos jurídicos diante dessas exigências abram-se para esse novo horizonte, afastando-se das concepções meramente ilustrativas, da inércia e da repetição para que realmente passe a dar uma maior ênfase à pesquisa, desenvolvendo ensino e pesquisa conjuntamente a fim de tornar-se um procedimento metodológico, para que os cursos jurídicos sejam sim centros de estudos, lugar da pesquisa e produção de conhecimento; assimilando a pesquisa como uma janela pela qual o conhecimento jurídico possa olhar para a sociedade, percebendo também que outros saberes diferentes dele existem, devendo com eles comunicar-se a fim de viabilizar ainda mais o debate, a análise e solução dos problemas da realidade. Assim, a indissociabilidade entre ensino e pesquisa é o ideal a ser buscado. E para finalizar, como bem lembra Délcia Enricone: “Ensino e pesquisa não podem ser separados na Universidade. À semelhança dos vasos comunicantes, o nível de um determina o do outro”[11].


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BALZAN Newton Cezar. Idissociabilidade ensino-pesquisa como princípio metodológico. In. VEIGA, Ilma Passos Alencastro, CASTANHO, Maria Eugênia L. M. Pedagogia Universitária: a aula em foco. Campinas, SP: Papirus, 2000.

ENGERS, Maria Emília Amaral. Entrevista: A pesquisa e a pós-graduação no ensino do Direito. Revista Direito & Justiça, vol. 18, ano XIX, 1997.

ENRICONE, Délcia. Os desafios da pesquisa. Porto Alegre: Edipuc, 1996.

FACHIN, Luiz Edson. Limites e possibilidades do ensino e da pesquisa jurídica: repensando paradigmas. Revista do Direito, nº.13, jan/jun. 2000. Santa Cruz do Sul: Edunisc.

FALCÃO, Joaquim. Os Advogados: ensino jurídico e mercado de trabalho. Recife: Fundação Joaquim Nabuco – Editora Massangana, 1984.

PÔRTO, Inês da Fonseca. Ensino jurídico, diálogos com a imaginação: construção do projeto didático no ensino jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2000.

RUDIO, Franz Victor. Introdução ao projeto de pesquisa científica. 2.ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1979.

SOUZA JUNIOR, José Geraldo de. Ensino Jurídico: Novas Diretrizes Curriculares. Conselho Federal da OAB. Brasília, DF. 1996.


notas

[1] RUDIO, Franz Victor. Introdução ao projeto de pesquisa científica. 2.ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1979.

[2] FALCÃO, Joaquim. Os Advogados: ensino jurídico e mercado de trabalho. Recife: Fundação Joaquim Nabuco – Editora Massangana, 1984. p.119.

[3] Idem. p.119.

[4] SOUZA JUNIOR, José Geraldo de. Ensino Jurídico: Novas Diretrizes Curriculares. Conselho Federal da OAB. Brasília, DF. 1996.

[5] BALZAN Newton Cezar. Idissociabilidade ensino-pesquisa como princípio metodológico. In. VEIGA, Ilma Passos Alencastro, CASTANHO, Maria Eugênia L. M. Pedagogia Universitária: a aula em foco. Campinas, SP: Papirus, 2000.

[6] ENGERS, Maria Emília Amaral. Entrevista: A pesquisa e a pós-graduação no ensino do Direito. Revista Direito & Justiça, vol. 18, ano XIX, 1997.

[7] FACHIN, Luiz Edson. Limites e possibilidades do ensino e da pesquisa jurídica: repensando paradigmas. Revista do Direito, nº.13, jan/jun. 2000. Santa Cruz do Sul: Edunisc.

[8] Idem. p.12.

[9] SOUZA JUNIOR, José Geraldo de. Obra citada. p.99.

[10] PÔRTO, Inês da Fonseca. Ensino jurídico, diálogos com a imaginação: construção do projeto didático no ensino jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2000. p.103.

[11] ENRICONE, Délcia. Os desafios da pesquisa. Porto Alegre: Edipuc, 1996, p.34.

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Sobre o autor
Marcelo Amaral da Silva

Professor Universitário, Advogado e Consultor jurídico, Especialista em Direito Público e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marcelo Amaral. A importância da pesquisa no ensino jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4037, 21 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30365. Acesso em: 19 abr. 2024.

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