Prevê o artigo 348 do Código Penal conduta de ¨auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública, o autor de crime a que é cominada pena de reclusão.¨
Trata-se de crime de menor potencial ofensivo, sendo hipótese, se for o caso, de aplicação do benefício de transação penal.
Aponta-se que, no direito romano, o favorecimento pessoal era previsto como uma espécie do gênero receptação, representando o que se chamava de receptação pessoal, onde se prestava auxílio a ladrões e a bandidos.
O Código do Império considerava cúmplices aos que “dessem asilo ou prestassem sua casa para reunião de assassinos ou roubadores, tendo conhecimento de que cometem ou pretendem cometer tais crimes.¨
Tal dispositivo foi reproduzido pelo Código Penal de 1890.
Por sua vez, o Código de 1940 fez do favorecimento e da receptação crimes autônomos, colocando o primeiro entre os crimes contra a administração.
Por certo há uma semelhança entre os crimes de favorecimento pessoal e de favorecimento real. Ambos supõem a prática de um crime, num momento precedente. O auxílio é sempre posterior, porque está fora do âmbito do concurso de pessoas. Se a cooperação for prestada durante a execução do delito, haverá uma coautoria e não favorecimento.
No favorecimento pessoal, previsto no artigo 348 do Código Penal, a ajuda é direta à pessoa como tal. É um auxílio que se destina à pessoa que praticou o crime, subtraindo-a à ação da autoridade.
É mister que subsista a punibilidade do crime anterior, não se tipificando o artigo 348 se o favorecido é penalmente irresponsável ou está extinta a punibilidade(RT 604/415). De outra sorte, é importante acentuar que se o agente dá abrigo em sua casa a um procurado pela polícia, ainda que não condenado, pode ficar sujeito às penas do favorecimento pessoal desde que se aguarde a condenação. O delito anterior cometido necessita ser juridicamente viável, é preciso ter potencialidade de provocar a condenação de alguém. Há o entendimento de que a punibilidade do crime precedente é outro pressuposto do crime de favorecimento pessoal, sendo indispensável que seja punível à época do favorecimento, embora não seja necessário que já tenha sido reconhecido por sentença criminal e tampouco que o próprio criminoso já esteja sendo perseguido. Isso porque o favorecimento tanto pode ocorrer antes como depois do julgamento do crime precedente.
Para a configuração do crime é necessário o auxílio material, pois a mera mentira para iludir investigações não configura o crime. Na lição de Nelson Hungria[1] para a caracterização de tal delito, não é preciso, sequer, que, no momento, a autoridade esteja procurando o criminoso, pois: “Basta que, mais cedo ou mais tarde, o favorecido tenha de ser alçado pela autoridade como criminoso”.
Ainda para configurar-se o crime de favorecimento pessoal é indispensável que o auxílio seja prestado após o primeiro delito ter-se consumado, depois que alguém praticou o injusto, buscando-se esconder-se, fornecendo-se a ele o abrigo necessário.
O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa com exceção do coautor do delito precedente. Aquele que praticou o crime ou concorreu de qualquer modo para a sua prática, responde pelo crime cometido, não pelo favorecimento. Na lição de Heleno Cláudio Fragoso[2] o coautor somente responderá pelo crime se visou exclusivamente beneficiar outros partícipes. De toda sorte, já se entendeu que não pode o crime ser praticado pelo coautor(RT 512/358).
O elemento subjetivo é o dolo genérico.
Há figura privilegiada, no artigo 348 do Código Penal, parágrafo primeiro, se ao crime do favorecido não é cominada pena de reclusão, quando a pena será de detenção de quinze dias a três meses e multa.
Incide isenção da pena, prevista no artigo 348, parágrafo segundo do Código Penal se quem presta o auxílio é ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso. No mesmo sentido temos o tratamento com relação a companheiro, à vista do que dispõe a Constituição, e ainda ao filho adotivo, como revela Heleno Cláudio Fragoso[3]. Há uma incidência de uma escusa absolutória(imunidade absoluta).
Discute-se se o defensor do réu pode cometer o crime. Paulo José da Costa Jr.[4], à luz das lições de Manzini, acentua que ele poderá incorrer no crime como sujeito ativo. Por sua vez, Heleno Cláudio Fragoso[5] entendeu que o crime de favorecimento pessoal pode ser praticado inclusive pelo advogado do réu, quando, por exemplo, informe o cliente da emissão de um mandato de captura, aconselhando-o a ocultar-se. Lembra, para tanto, a lição de Manzini, no sentido de que a defesa deve iluminar e não fraudar a justiça. Constitui ela defesa do direito e não do crime. O certo é que na jurisprudência encontra-se exemplo no sentido da atipicidade da conduta do advogado que incentiva réu a fugir a fim de subtrair-se à ação de autoridade policial, pois o núcleo auxiliar deixa claro que só interessa à configuração do crime a participação física, material, sendo irrelevante a participação moral(TACrSP, RT 721/432). Porém, já se entendeu que configura crime, em tese, a ação do advogado que proporciona a fuga de seu constituído, condenado definitivamente, levando-o em seu veículo quando este encontrava-se em casa, cercada por policiais, aguardando a chegada de cópia de mandato de prisão(RJDTACr 27/240). Por sua vez, o TRF – 4ª Região, no julgamento do HC 53.391 – RS, Relator Fábio Bittencourt da Rosa, DJ de 3 de dezembro de 1997, entendeu que não comete o crime de favorecimento pessoal a advogada que não auxilia o Oficial de Justiça a citar seu cliente em ação penal, porque o delito em análise pressupõe ajuda ao infrator para evitar sua prisão e não auxílio para dificultar a sua citação.
O sujeito passivo é o Estado.
Não se pune o autofavorecimento, nem na forma de instigação.
Protege-se o interesse da justiça na regular instrução do processo criminal.
Por sua vez, de forma diversa, no favorecimento real, o interesse que se tutela é que não seja prestada aos delinqüentes uma colaboração que venha a tornar definitivas as vantagens conquistadas por meio do crime.
É crime que admite tentativa e se consuma quando o agente prestar o auxílio, levando o criminoso a subtrair-se à ação da autoridade, ainda que de forma provisória.
O crime é comum, comissivo e excepcionalmente comissivo por omissão, material, instantâneo, unissubjetivo, plurissubsistente, admitindo tentativa, como lecionou Guilherme de Souza Nucci.[6]
Na lição de Nelson Hungria[7] a lei penal restringe o conceito de favorecimento ao auxílio para que o autor do crime não seja alcançado fisicamente pela ação da autoridade, isto é, o auxílio consistente no escondimento, na dissimulação do criminoso e de sua fuga.
Não haveria crime para quem fornece alimentos ao criminoso que está em fuga. Ainda não subsiste esse delito se o auxílio prestado pelo paciente ao suposto assaltante não objetivava a sua fuga, mas sim para que recebesse atendimento médico(STJ, HC 46.209/BA, Relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa).
Notas
[1] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, volume IX, Rio de Janeiro, Forense, 1958, pág. 506.
[2] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, volume II, Rio de Janeiro, Forense, 5ª edição, pág. 521.
[3] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, parte especial, Rio de Janeiro, Forense, volume IV, pág. 1.243.
[4] COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao código penal, volume III, Saraiva, 2ª edição, pág. 572.
[5] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, volume II, Rio de Janeiro, Forense, 5ª edição, pág. 521.
[6] Nucci, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, São Paulo, ed. RT, pág. 1.155.
[7] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, volume IX, pág. 500.