Por certo o quadro no Brasil é inseparável do cenário mundial.
Faz tempo que o mundo ocidental abandonou o modelo estatal designado como Estado do Bem-estar (Welfare State) que substituíra o Estado liberal clássico e que alcançara seu apogeu ao final da década de sessenta.
A evolução do direito do trabalho sempre esteve ligada aos estágios percorridos pela economia nos países capitalistas.
A missão econômica do Estado, que se fez intervencionista e árbitro das condutas humanas, era o desenvolvimento.
A partir da década de setenta foi se consolidando o modelo de Estado neoliberal ou neoconservador e que alcança seu apogeu na década de noventa.
O mercado e suas leis de eficiência e competitividade retomam seu perfil e superam o Estado como guardião do bem-estar e são claras suas tendências: redução dos programas sociais, desregulamentação da atividade econômica, flexibilização da legislação trabalhista, sob critérios mercantilistas.
Este modelo de Estado se paralela ao modelo pós Revolução Industrial do século XVIII e a diferença é pouca e a semelhança é muita. E a diferença mais lhe fortalece o reviver, pois o atual modelo neoliberal, especialmente após o fracasso da União Soviética, se assanhou sem obstáculos. O Muro de Berlin caiu e por ele passou a globalização iniciada na Europa e agora, pelo menos no ocidente, mundializada.
O desenvolvimento tecnológico, a revolução informática, os descobrimentos e invenções científicos e outros meios ou processos de substituição de mão-de-obra se acumularam numa rapidez que poucos juristas, mormente os mais positivistas, não viram a banda passar e discursam, escrevem, julgam e professam tão impropriamente quanto as tropas invasoras americanas pretendem ganhar uma guerra contra povos cuja glória é morrer.
Eis uma profecia de , RIFKIN em El Fin Del Trabajo: “...nos próximos trinta anos só 2% da atual força de trabalho será necessária para produzir todos os bens necessários para satisfazer a demanda total”.
Nossas leis, nossos princípios e de lambuja nossa justiça trabalhista estão completamente dissociados do mundo real, impotentes e em nítido processo de superação frente ao cada vez mais crescente fenômeno de substituição do contrato de trabalho pela prestação praticamente anárquica do trabalho informal, do trabalho autônomo, do serviço terceirizado, das cooperativas de mão-de-obra e outras formas de prestação de trabalho fora do alcance da legislação trabalhista em sentido estrito.
O mundo industrializado, as leis do mercado, o Estado liberal prosseguem, apesar dos tantos direitos e dos tantos tribunais, a destruir, além do homem, o planeta.
É entristecedor assistirmos a inércia dos operadores do direito do trabalho (legisladores, juízes, advogados, doutrinadores) ao tempo em que se assiste reações mais concretas dos dedicados a outros ramos do direito. O ambiental, por exemplo, ou mesmo o civil, que vão melhor se adequando à realidade adversa e por mais atentos, ou mais sensíveis, prosseguem na prática de suas razões de existir: proteger o meio-ambiente, os consumidores, os economicamente subordinados sejam inquilinos, menores, idosos ou prestadores de serviços.
Nem de longe foram acompanhados pelo direito do trabalho. Quer na legislação substantiva ou adjetiva, quer em sua aplicação judicial, quer em suas especificas doutrinas.
Se no velho bolero “assim se passaram dez anos” vinte e cinco se passaram de vigência na CF (Art.7º,I) de uma prevista garantia contra a despedida arbitrária dos trabalhadores.
Os sindicatos e os legisladores não cuidaram da lei complementar que a norma constitucional prevê e os tribunais se omitiram pela alegada ausência da lei complementar, como se não fosse um constitucional princípio hierarquicamente mais importante bem jurídico que o seu complemento.
Sem regulamento prevalece o princípio, assim professam sempre os tribunais do primeiro mundo.
E o dogma da função social do trabalho humano?
Mas é na lei civil que norma expressa (Art.421 C.Civil) insere outro princípio aplicável contra a denuncia vazia dos contratos em geral: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. E, paradoxalmente, legisladores e tribunais trabalhistas legitimaram a despedida sem causa no contrato de trabalho e o deixaram a reboque da legislação civil, onde contrato algum se rompe sem causa ou sem reparação.
No campo processual, por exemplo, a inversão do ônus da prova de pleno uso na lei de defesa do consumidor contrasta com as exigências judiciais trabalhistas de obrigar os empregados a provarem o que lhes é impossível fazê-lo. Ou por vitimas de armadilhas patronais que dispensam sem comunicação escrita ou testemunhas ou por extrema carência de recursos, por exemplo, nas demandas de trabalho perigoso ou insalubre nas quais lhes são exigidos custos periciais inadmissíveis.
No primeiro caso a lógica, comum e jurídica, é a continuidade do contrato, o que é suficiente para se inverter a prova, como, aliás, o fez o TST sumulando esta inversão, mas, ninguém sabe porquê, só para quando negada a relação de emprego.
No segundo caso, as profissões com respectivas funções estão elencadas no Catálogo Brasileiro de Ocupações e a inversão do ônus da prova estaria neste catálogo fundada, por estarem nele descritas as funções de fato tidas como insalubres ou perigosas.
Teríamos um rol de exemplos, como a resistência dos tribunais do trabalho em absorverem a reparação moral prevista na CF a todo cidadão ofendido, como se o trabalhador não fosse cidadão pleno ou se o fosse poderia ser ofendido no emprego de modo moral ou, avançando, de modo material se despedido sem causa. E, mais na frente, a reparação por assedio moral no trabalho já um ilícito especifico para o direito penal.
Mas não objetivamos o varejo e o atacado nos mostra quão atrasado está nosso direito do trabalho na comparação com o direito civil, onde sem reparação não se rompem contratos, mandatos, locação de serviços, locação de imóvel, etc.
Esta visão é muito bem explicada por GABRIELA ALEJANDRA VÁZQUEZ em sua obra El Regresso Al Derecho Civil Para La Protección Del Trabajador, na qual conclui: “se observa uma mudança de rumo no caminho do direito do trabalho através do abandono de pontos cardeais fundadores da disciplina....e as modificações havidas no direito do trabalho contrastam, de maneira eloqüente, com as orientações que tomou o direito civil, numa mesma época.”
E a realidade demonstra que o contrato de emprego, que foi mote para a autonomia do direito do trabalho e para a criação de uma justiça especial, socialmente onerosa, cujo custeio anual gasta uma quantidade de dinheiro público superior ao reinvindicado por sua clientela, gerando uma curiosa constatação de que seria menos dispendioso pagar todas as reclamações trabalhistas, tendo ou não razão os reclamantes. E, pior, essa justiça não se constituiu na negação nem na superação dos contratos civis tradicionais.
E a pergunta que não cala: não sendo suas características factuais nada diferentes das do contrato civil de locação de mão de obra, nem mesmo dos contratos dos ditos trabalhadores autônomos; sendo todos estes instrumentos contratuais caracterizados pelas subordinações jurídica e econômica, aprazadas ou sem prazos de duração, o que ainda sustenta a sua regulamentação especial?
Não são poucos os doutrinadores que atribuíram natureza socializante ao direito do trabalho e, por conseqüência, na normatização das relações de trabalho que o contrato de trabalho regula. Creio, na verdade, no contrário: o direito do trabalho sempre legitimou o modo de produção capitalista e a ele é inerente.
Mas são muito poucos os doutrinadores que pregam autonomia plena do direito do trabalho. Nas palavras de KROTOSCHIN em seu Tratado, “não é um direito asilado que se desenvolveu e prossegue se desenvolvendo em estreito contato com outros ramos jurídicos...precisa ser completado pelos conceitos e considerações de outras partes do ordenamento jurídico...Não é um direito de exceção.”
Mas este autor completa com um principal vértice: “É um direito singular, especial, que derroga o direito comum enquanto este não coincide com os fins que aquele persegue, mas que no mais guarda estreito contato com o ordenamento jurídico geral”.
Daí se pode concluir que só se justificam as especialidade e autonomia do direito do trabalho ao confrontar suas normas com as normas de direito comum e, principalmente, ao conferi-las se atendem ao fim que lhe tornou especial e pretendiam torná-lo autônomo.
Mas, como verificamos, não só o direito do trabalho, mas seus legisladores, seus tribunais, seus doutrinadores abandonaram o fim que lhe tornava especial, como também, lamentavelmente, este direito que se pretendia autônomo está sendo superado pelo direito comum que gradativamente aumenta seu caráter protecionista aos economicamente mais débeis nas relações jurídicas.
Está por demais evidente que a ação do Estado liberal, hoje neoliberal, se subordina aos interesses corporativos com suas leis de mercado e seu mercantilismo tecnicista e o direito do trabalho agoniza neste processo, sendo absolutamente incapaz de amenizar a injustiça inerente ao modo de produção capitalista.
Isto dito por GABRIELA VÁZQUEZ clama reflexão:
“Não se despreza a possibilidade de “voltar os olhos” para o direito civil, para extrair de sua frutífera função tuitiva, institutos que, adaptados aos perfis específicos do direito individual ou coletivo do trabalho, rendam idêntico resultado, atender aos reclamos de justiça social e constituam canais de reconhecimento da função social da propriedade privada.”
Entendam os advogados e os sindicatos que, se tal for desprezado, o direito do trabalho passará de hoje agonizante a um amanhã morto. E que entendam os tribunais trabalhistas a responsabilidade que têm com a ampliação de sua competência material, superando a viela estreita do contrato de emprego e que caminhem firmes na esplanada que lhes está sendo aberta de julgar toda controvérsia de qualquer trabalho humano.