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Garantia contratual e revisão de veículos automotores:

um meio eficaz de lesar os consumidores

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21/01/2015 às 15:50
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3. Revisão de veículos automotores

3.1. Concepção mercadológica

A revisão periódica de veículos automotores representa para o mercado um lucrativo serviço posto à disposição dos consumidores, pelo qual estes desembolsam certa quantia em dinheiro, que varia conforme determinados referenciais (marca, modelo, ano de fabricação, quilometragem etc.). No mais das vezes, está também relacionada com a venda de variados produtos, notadamente as chamadas peças de reposição.

Significa dizer que a relação do fornecedor de veículos com o respectivo consumidor não se esgota no negócio jurídico de compra e venda. Ao contrário, este é apenas o começo de um íntimo e constante relacionamento, pelo menos no que depender da vontade do agente econômico, que não disfarça seu desejo de fidelização da clientela. Mas a fidelidade pretendida – e se trata de dado fundamental – é menos direcionada para a aquisição de novos veículos do que para o fornecimento dos produtos e serviços que serão utilizados nos veículos já adquiridos (revisões, trocas de óleos e de pneus, reposição de peças etc.).

O grande interesse na manutenção dos veículos vendidos, como se nota, não decorre da preocupação do alienante em cumprir seu dever de assegurar o uso e a utilidade do produto alienado durante prazo minimamente razoável – o da vida útil do bem –; ao revés, o que o motiva – como não poderia deixar de ser – é exclusivamente o intento de lucro. E essa é a concepção mercadológica da revisão de veículos.

3.2. Concepção ético-social

O mercado engendra e condiciona os comportamentos. Nas palavras do cada vez mais esquecido Karl Marx[25]:

o modo de produção da vida material condiciona o processo em geral da vida social, político e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência”.

Assim é que, muito embora os fornecedores de veículos sejam legalmente responsáveis por garantir sua utilidade durante o respectivo prazo de vida útil, são os milhões de consumidores brasileiros que pagam o preço da manutenção dos seus produtos. Verifica-se, desse modo, inequívoca inversão da responsabilidade pela garantia legal, que passa dos fornecedores para os consumidores, a partir de um condicionamento conscientemente imposto pelo mercado e inocentemente aceito pela sociedade.

A revisão de veículos automotores significa, pois, do ponto de vista ético-social, um dever moral e – falsamente – jurídico de pagar pela manutenção do produto, cuja pena, em caso de descumprimento, é a perda da garantia contratual fixada unilateralmente pelo fornecedor.

3.3. Concepção jurídica

3.3.1. A natureza jurídica

Sob a perspectiva jurídica, a revisão de veículos automotores, nos termos em que posta hoje no mercado, pode ser considerada um serviço, a teor do art. 3º, § 2º, do CDC, segundo o qual “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração”. Sem maior esforço reflexivo, percebe-se que essa concepção jurídica se coaduna com a concepção mercadológica, atribuindo a esta juridicidade e, por consequência, legitimidade.

3.3.2. A gratuidade como decorrência lógica do sistema consumerista

Mas essa interpretação da revisão como serviço não é de todo inquestionável. Veja-se que o direito consumerista, como já assentado, caminha, em matéria de proteção do consumidor contra os vícios ocultos dos produtos e serviços, na direção da suficiência da garantia legal baseada no critério da vida útil do bem. A partir dessa compreensão, a responsabilidade pela manutenção do produto é conferida a quem realmente a detém, ou seja, ao fornecedor, sob pena de responder pelos vícios descobertos durante o prazo de garantia.

Isso porque, nas expressões de Antônio Herman Benjamin[26]:

A durabilidade, apesar de não presente entre as preocupações da teoria dos vícios redibitórios, é um dos princípios que deve orientar o trabalho do aplicador do Código (art. 4º, II, d). É que a teoria da qualidade, funcionando como verdadeira garantia de qualidade, ao lado da adequação e da segurança, também abarca uma garantia de “durée raisonnable”, conforme assevera Nicole L’Heureux, ao analisar a legislação do Québec 23 e 24”.

Com essa abordagem, a revisão de veículos deixaria de ser um serviço (remunerado) para transformar-se em mero procedimento de prevenção, a ser executado gratuitamente pelo fornecedor, a fim de evitar prejuízos futuros. Entenda-se que não se está dizendo com isso que o fornecedor deva arcar com o ônus do desgaste natural do produto, como ocorreria se lhe fosse exigida a reposição de peças e componentes deteriorados pelo uso. Não, o consumidor é que deve responder pelos gastos que fizer. A gratuidade é possível, portanto, tão somente quanto ao procedimento revisional em si, consistente na verificação do estado do veículo (motor, amortecedores, lubrificantes etc.). Havendo a necessidade de substituição de peças ou componentes, desde que em razão do desgaste normal advindo do uso (pneus, óleos, baterias etc.), é evidente que os gastos devem ser suportados pelo consumidor, sob pena do seu enriquecimento ilícito à custa do fornecedor. Nesse caso, não se trata de revisão – que deve ser gratuita –, mas de autêntica prestação de serviço ou fornecimento de peças de reposição – que são onerosos.

Aliás, eis aí outra diferença decorrencial: em sendo a substituição de peças desgastadas pelo uso a prestação de um serviço ou o fornecimento de um produto, não se admite a exclusividade de uma empresa na sua disponibilização no mercado, ou seja, o consumidor não está obrigado a repor as peças e os componentes de seu veículo apenas na concessionária ou noutro autorizado do fornecedor de quem o adquiriu, podendo fazê-lo onde achar maior conveniência, ainda que em estabelecimento pertencente a fornecedor diverso; entender de modo contrário significaria o referendo a infrações à ordem econômica, nos termos determinados no art. 36 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011:

Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:  I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;  II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; e IV - exercer de forma abusiva posição dominante”.

Já a revisão, todavia, por não constituir serviço, mas sim procedimento de prevenção do interesse do fornecedor, só por este pode ser executada ou ainda por alguém autorizado a fazer as suas vezes, não dispondo o consumidor de discricionariedade na escolha do revisor.

O que não se pode negar, todavia, é que o fornecedor é obrigado a garantir o uso e a utilidade do bem fornecido, durante prazo razoável. E é daí que exsurge cristalina a irracionalidade de ele cobrar por algo que é o seu dever. Com efeito, o interesse na revisão é também do fornecedor, para que não venha a ser responsabilizado pelo aparecimento de um vício que poderia ter sido evitado.

A propósito, o fornecedor não só deve realizar gratuitamente a revisão, como também está impedido de cobrar pela reposição de peças e componentes cujo vício ou defeito não provenham do uso regular feito pelo consumidor.

Veja-se o caso do já citado REsp nº 984.106, em que a empresa vendedora de uma máquina agrícola ajuizou ação de cobrança em face do consumidor, para reembolsar-se do valor de R$ 6.811,97 (seis mil, oitocentos e onze reais e noventa e sete centavos), relativo a gastos com o reparo do produto vendido, ocorrido três anos e quatro meses após a aquisição. Nas três instâncias por onde tramitou a ação (Juízo, Tribunal e STJ), o fornecedor teve reconhecida a sua responsabilidade pelos gastos, sob o argumento de que os vícios ou defeitos verificados não provieram da ação do consumidor, mas de problemas de fabricação do produto.

Atente-se para a ementa do didático julgado:

DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO E RECONVENÇÃO. JULGAMENTO REALIZADO POR UMA ÚNICA SENTENÇA. RECURSO DE APELAÇÃO NÃO CONHECIDO EM PARTE. EXIGÊNCIA DE DUPLO PREPARO. LEGISLAÇÃO LOCAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 280/STF. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA PELO FORNECEDOR. VÍCIO DO PRODUTO. MANIFESTAÇÃO FORA DO PRAZO DE GARANTIA. VÍCIO OCULTO RELATIVO À FABRICAÇÃO. CONSTATAÇÃO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. EXEGESE DO ART. 26, § 3º, DO CDC. 1. Muito embora tenha o art. 511 do CPC disciplinado em linhas gerais o preparo de recursos, o próprio dispositivo remete à "legislação pertinente" a forma pela qual será cobrada a mencionada custa dos litigantes que interpuserem seus recursos. Nesse passo, é a legislação local que disciplina as especificidades do preparo dos recursos cujo julgamento se dá nas instâncias ordinárias. 2. Portanto, a adequação do preparo ao recurso de apelação interposto é matéria própria de legislação local, não cabendo ao STJ aferir a regularidade do seu pagamento, ou se é necessário ou não o recolhimento para cada ação no bojo da qual foi manejada a insurgência. Inviável, no ponto, o recurso especial porquanto demandaria apreciação de legislação local, providência vedada, mutatis mutandis, pela Súmula n. 280/STF: "Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário". Ademais, eventual confronto entre a legislação local e a federal é matéria a ser resolvida pela via do recurso extraordinário, nos termos do art. 102, inciso III, alínea "d", da Constituição Federal, com a redação que lhe foi conferida pela E.C. n. 45/04. 3. No mérito da causa, cuida-se de ação de cobrança ajuizada por vendedor de máquina agrícola, pleiteando os custos com o reparo do produto vendido. O Tribunal a quo manteve a sentença de improcedência do pedido deduzido pelo ora recorrente, porquanto reconheceu sua responsabilidade pelo vício que inquinava o produto adquirido pelo recorrido, tendo sido comprovado que se tratava de defeito de fabricação e que era ele oculto. Com efeito, a conclusão a que chegou o acórdão, sobre se tratar de vício oculto de fabricação, não se desfaz sem a reapreciação do conjunto fático-probatório, providência vedada pela Súmula 7/STJ. Não fosse por isso, o ônus da prova quanto à natureza do vício era mesmo do ora recorrente, seja porque é autor da demanda (art. 333, inciso I, do CPC) seja porque se trata de relação de consumo, militando em benefício do consumidor eventual déficit em matéria probatória. 4. O prazo de decadência para a reclamação de defeitos surgidos no produto não se confunde com o prazo de garantia pela qualidade do produto - a qual pode ser convencional ou, em algumas situações, legal. O Código de Defesa do Consumidor não traz, exatamente, no art. 26, um prazo de garantia legal para o fornecedor responder pelos vícios do produto. Há apenas um prazo para que, tornando-se aparente o defeito, possa o consumidor reclamar a reparação, de modo que, se este realizar tal providência dentro do prazo legal de decadência, ainda é preciso saber se o fornecedor é ou não responsável pela reparação do vício. 5. Por óbvio, o fornecedor não está, ad aeternum, responsável pelos produtos colocados em circulação, mas sua responsabilidade não se limita pura e simplesmente ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio. Deve ser considerada para a aferição da responsabilidade do fornecedor a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia. 6. Os prazos de garantia, sejam eles legais ou contratuais, visam a acautelar o adquirente de produtos contra defeitos relacionados ao desgaste natural da coisa, como sendo um intervalo mínimo de tempo no qual não se espera que haja deterioração do objeto. Depois desse prazo, tolera-se que, em virtude do uso ordinário do produto, algum desgaste possa mesmo surgir. Coisa diversa é o vício intrínseco do produto existente desde sempre, mas que somente veio a se manifestar depois de expirada a garantia. Nessa categoria de vício intrínseco certamente se inserem os defeitos de fabricação relativos a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, os quais, em não raras vezes, somente se tornam conhecidos depois de algum tempo de uso, mas que, todavia, não decorrem diretamente da fruição do bem, e sim de uma característica oculta que esteve latente até então. 7. Cuidando-se de vício aparente, é certo que o consumidor deve exigir a reparação no prazo de noventa dias, em se tratando de produtos duráveis, iniciando a contagem a partir da entrega efetiva do bem e não fluindo o citado prazo durante a garantia contratual. Porém, conforme assevera a doutrina consumerista, o Código de Defesa do Consumidor, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual. 8. Com efeito, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, e relativo a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, o prazo para reclamar pela reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, não obstante tenha isso ocorrido depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem. 9. Ademais, independentemente de prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam de consumo, sejam de direito comum. Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo. 10. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, não provido[27].

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Na espécie, resta patente que o Superior Tribunal de Justiça, refutando a tese da responsabilidade do fornecedor tão somente até o fim da garantia contratual, aplicou a garantia legal baseada no critério da vida útil do bem, de modo a responsabilizar o fornecedor pela reparação dos vícios e defeitos surgidos durante o prazo razoável (“durée raisonnable”) referido por Nicole L’Heureux[28].

Tem-se, pois, que é da responsabilidade do fornecedor, sem custos para o consumidor, a realização do procedimento revisional e a reparação de vícios ou defeitos ocultos surgidos no curso do prazo da garantia legal, desde que, nesse caso, não sejam imputáveis ao consumidor em razão do uso regular do bem, hipótese em que o ônus da reposição deve ser suportado por quem lhe deu causa.

3.3.3. O problema da obsolescência programada

Não se pode perder de vista, pela grande pertinência com o tema ora em estudo, um fenômeno ainda pouco debatido no Brasil. Cuida-se da intitulada obsolescência planejada ou programada.

No escólio de Antônio Herman Benjamin[29]:

O consumidor é induzido a adquirir um produto ou serviço que, em pouco tempo, será considerado obsoleto, seja porque sua utilidade decai rapidamente, seja porque o fornecedor, intencionalmente, deixou de lhe dar certas características que já conhecia, apenas para lançar um “novo” produto em seguida. E o consumidor queda-se completamente alheio a todo esse processo, embora pagando, por inteiro, seus custos”.

A obsolescência planejada se afigura, assim, como um instrumento de sobrevivência mercadológica, com o qual o fornecedor programa unilateralmente o prazo de utilidade de um produto ou serviço, obrigando o consumidor a adquirir uma nova versão ao final do espaço de tempo estipulado. Não se trata aqui da obsolescência decorrente da natural evolução tecnológica, mas daquela intencionalmente provocada pelo fornecedor, da qual são exemplos: o emprego de pneus de fácil corrosão pelo asfalto, a fim de que o consumidor realize a troca o quanto antes; o uso de baterias de pequena vida útil, para forçar a troca precoce nas próximas revisões; o uso de óleos de baixa eficiência, para aumentar a rotatividade etc.

Nesse cenário, embora seja do consumidor a responsabilidade pelos gastos advindos do uso regular do produto ou serviço, é preciso perquirir se o desgaste verificado decorreu, de fato, da sua conduta, ou se, ao contrário, não é resultado do fenômeno da obsolescência programada. Se o for, deve ser suportado pelo fornecedor, e não pelo consumidor. Observe-se este exemplo: se a bateria utilizada em determinado veículo tem, por hipótese, vida útil média de dois anos e, no entanto, deixou de funcionar no primeiro ano de aquisição, sem que se possa imputar seu esgotamento ao uso regular do bem, então a responsabilidade pela troca é do fornecedor, que deve garantir a utilidade do produto pelo ano faltante para completar o biênio.

A grande questão, porém, está em determinar o prazo de vida útil do bem. É estreme de dúvida que, se tal tarefa for deixada a cargo do mercado, este fará uso constante do mecanismo da obsolescência programada, a fim de reduzir cada vez mais a durabilidade dos produtos e serviços e, com isso, maximizar os seus lucros. Há quem defenda, assim, que a vida útil do bem seja determinada casuisticamente pelos juízes, conforme o pensamento já referido de BENJAMIN (2005, p. 134/135). Referida posição, todavia, é temerária, porquanto nem todos os consumidores têm acesso ao Poder Judiciário. Ademais, não se descura da possibilidade de o mercado condicionar a convicção dos próprios magistrados, tendo em vista que buscarão subsídios para suas decisões no mesmo ambiente mercadológico responsável pela irregularidade.

Desse modo, melhor alternativa talvez seja a criação de uma entidade autárquica federal, destinada à fixação do prazo de vida útil dos produtos e serviços comercializados no Brasil, em proteção dos consumidores. Tal medida é consentânea com o comando do art. 170, V, da Constituição Federal, que reza:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) V – defesa do consumidor”.

Cuida-se da espécie de intervenção do Estado na economia a que Eros Grau[30] denomina de “intervenção por direção”, pela qual o Estado exerce pressão sobre a economia mediante mecanismos impositivos de comportamentos obrigatórios para os agentes econômicos.

Poder-se-ia arguir a impossibilidade de se catalogar todos os produtos e serviços postos no mercado, estabelecendo-se o respectivo prazo de durabilidade. Entretanto, não se impõe idêntico óbice quando se trata de atender aos fins arrecadatórios do mesmo Estado. Veja-se, a título de singelo exemplo, a recente Lei Complementar nº 116/2003, na qual foram facilmente arrolados todos os serviços sujeitos à incidência do ISSQN – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal.

Diante disso, sob o ponto de vista jurídico, têm-se algumas conclusões acerca da revisão de veículos automotores: i) o mercado, que a quase tudo engendra e condiciona, encontra eco às suas pretensões lucrativas na interpretação que atribui à revisão de veículos automotores a natureza jurídica de serviço (art. 3º, § 2º, CDC); ii) se for adotada, porém, a teoria da garantia legal baseada no critério da vida útil do bem, a revisão deixa de ser serviço e passa a ser mero procedimento de prevenção dos interesses do fornecedor, a fim de poupá-lo de eventual responsabilidade posterior pelo aparecimento de vício ou defeito oculto no curso do “durée raisonnable”; iii) o consumidor não se exime, todavia, da reposição das peças ou componentes consumidos ou deteriorados por força do uso regular do bem, sob pena de enriquecimento ilícito à custa do fornecedor; iv) é possível, ainda, que o desgaste do produto não decorra exclusivamente do uso feito pelo consumidor, sendo atribuível ao fenômeno da obsolescência planejada ou programada, hipótese em que a responsabilidade será do fornecedor; v) para assegurar maior proteção ao consumidor, seria adequado criar, com base na intervenção estatal por direção (art. 170, V, CF), uma autarquia federal destinada a catalogar e agrupar todos os bens e serviços disponíveis no mercado, inclusive com fixação do respectivo prazo de vida útil.

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Sobre o autor
Edvanilson de Araújo Lima

Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia, com início do curso na Universidade Federal de Goiás. Especialista em Direito Público. Foi Professor de Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Eleitoral da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina-PE (Facape). Foi professor de Direito Penal e Filosofia Jurídica e Geral da Faculdade Maurício de Nassau em Petrolina-PE. Ex-servidor do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás e do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Edvanilson Araújo. Garantia contratual e revisão de veículos automotores:: um meio eficaz de lesar os consumidores . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4221, 21 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30526. Acesso em: 22 nov. 2024.

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