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O fenômeno jurídico-constitucional como fenômeno econômico.

O desenvolvimento do país em face da disciplina constitucional dos fatores econômicos.

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05/11/2014 às 14:18
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5.      Outro Capitalismo

Deve-se analisar o desenvolvimento de uma nação usando como parâmetro de evolução uma acepção mais social e humanizada, deixando de utilizar como objeto de análise somente dados econômico-quantitativos. Para isso parte-se do pressuposto de que “o estado moderno nasce sob a vocação de atuar no campo econômico. Passa por alterações, no tempo, apenas o seu modo de atuar, inicialmente voltado à constituição e à preservação do modo de produção social capitalista, posteriormente à substituição e compensação do mercado” (sic) (GRAU, 2010, p. 17).

Verifica-se que o mercado, atuando livremente sob a alcunha de “liberalismo econômico”, não detém as ferramentas para corrigir os próprios vícios, gerando uma série de distorções (surgimento de monopólios, cíclicas crises econômicas, conflitos sociais com capital de um lado e trabalho de outro), e a partir destas, problemas de toda ordem no meio social[14]. É necessário a partir de então, uma atuação positiva por parte do Estado. Este deixa de ser o ente inerte e passivo apregoado pelos ideólogos do liberalismo, e passa a agir, passa a atuar paralelamente (às vezes concorrentemente) ao mercado, onde este falhou[15].

Eros Roberto Grau diz que “as imperfeições do liberalismo, bem evidenciadas na passagem do século XIX para o século XX e nas primeiras décadas deste último, associadas à incapacidade de auto regulação dos mercados, conduziram à atribuição de novas funções ao Estado” (2010, p. 19-20). E mais:

Evidente a inviabilidade do capitalismo liberal, o Estado, cuja penetração na esfera econômica já se manifestava na instituição do monopólio estatal de moeda – poder emissor -, na consagração do poder de polícia e, após, nas codificações, bem assim na ampliação do escopo dos serviços públicos, assume nitidamente o papel de agente regulador da economia (2010, p. 23-24).

O cultuado Deus-Mercado não consegue, então, se manter sem uma atuação estatal positiva. Porém já fizera seus milagres: desenvolvimento de novas tecnologias, diminuindo custos e barateando o produto (sem necessariamente democratizar o acesso aos mesmos); ampliação maciça, porém não justa, de mercados consumidores; construção de ambiente propício à fácil circulação de capitais.

Verificou-se, porém, que “o aumento da eficácia do sistema de produção – comumente apresentado como indicador principal do desenvolvimento – não é condição suficiente para que sejam melhor satisfeitas as necessidades elementares da população” (FURTADO, 1980, p. 17).

A conclusão foi que tinha de fato chegado o tempo de uma mudança de parâmetros[16]. Não se podia mais conviver com o estado de coisas tais como estavam. Eros Grau, citando Karl Polanyi e sua obra “A Grande transformação – As origens da nossa época”, neste ponto, arremata dizendo que “por mais paradoxal que pareça não eram apenas os seres humanos e os recursos naturais que tinham que ser protegidos contra os efeitos devastadores de um mercado auto-regulável, mas também a própria organização da produção capitalista” (2010, p. 28).

Neste contexto histórico em que o próprio modo de ser do capitalismo se encontrava em risco, as Constituições, adquirindo nova carga normativa, deixando de disciplinar apenas a organização do poder e o modo de exercê-lo face ao particular, adquire novos âmbitos de atuação, novas nuances e novos valores. Eis que surge um novo tipo de Estado em substituição ao antigo Estado Liberal. Chama-se Estado Social.

O primeiro firmou a restrição dos fins estatais, consagrando uma declaração de direitos do homem, como estatuto negativo, com a finalidade de proteger o indivíduo contra a usurpação e abusos do poder; o segundo busca suavizar as injustiças e opressões econômicas e sociais que se desenvolveram a sombra do liberalismo (SILVA, 2008, p. 786).

Luiz Roberto Barroso traça com precisão um retrato dessa evolução:

Ao longo do século XIX, o liberalismo e o constitucionalismo se difundem e se consolidam na Europa. Já no século XX, no entanto, sobretudo a partir da Primeira Guerra, o Estado ocidental torna-se progressivamente intervencionista, sendo rebatizado de Estado social. Dele já não se espera apenas que se abstenha de intervir na esfera individual e privada das pessoas. Ao contrário, o Estado, ao menos idealmente, torna-se instrumento da sociedade para combater a injustiça social, conter o poder abusivo do capital e prestar serviços públicos para a população (2010, p. 66).

As Constituições, dotadas de força normativa cada vez maior, se tornando evidentes fatores de desenvolvimento, assumem o papel de estabelecer as bases, premissas e diretrizes para o real e efetivo desenvolvimento de uma nação, sem abandonar os princípios básicos do sistema capitalista.  Ou seja, as diretrizes básicas do liberalismo econômico, esteio do capitalismo de mercado, não são de todo abandonadas até pela impossibilidade fática de fazê-lo sem rupturas políticas traumáticas. Ocorre uma ligeira, e quase que imperceptível (porque muitas vezes ineficaz) mudança de paradigmas, onde o valor “homem” assume posição de destaque.


6.      Brasil

O Brasil, no que concerne ao fenômeno econômico, goza de relativa similitude com o padrão europeu. O que nos diferencia é a velocidade com que se deram as coisas deste lado do atlântico, muitas vezes com séculos de atraso ou a reboque de outros países[17]. Com relação a nossos institutos jurídicos, não podendo ser diferente, também são espelhados no padrão europeu “até porque o nosso pensamento político apenas refletia o que nos vinha de fora, numa espécie de fatalismo intelectual (sic) que subjuga as culturas nascentes” (MENDES, COELHO e BRANCO, 2009, p. 185).

A realidade histórico-constitucional brasileira no que toca à atividade econômica é de relativa abstenção estatal, sempre respaldando os cânones liberais em seus preceitos[18]. Ocorre uma mudança deste paradigma com o advento da “Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil” de 1934 que representou uma “ruptura da concepção liberal de Estado demonstrando grande preocupação e compromisso com a questão social” (BULOS, 2010, p. 481). Nela foi inaugurado:

[...] um discurso intervencionista e inovador em todos os sentidos – tanto na estrutura como na própria essência -, que começava por introduzir os princípios da justiça social e das necessidades da vida nacional, de modo a possibilitar a todos uma existência digna, além de garantir a liberdade econômica dentro de tais limites, como elementos fundamentais para a organização da ordem econômica (MENDES, COELHO e BRANCO, 2009, p. 1405).

Voltando os olhos para a Constituição de 88, apelidada por Ulysses Guimarães de “Constituição Cidadã”, é de se observar que esta, surgindo de um momento de conjugação política ímpar, em que se tentou chegar ao possível consenso em torno de questões as mais diversas, apesar disto, é “a mais democrática das nossas cartas políticas” (MENDES, COELHO E BRANCO, 2009, p. 203). Democrática no sentido de, no limite do possível, ter albergado em seu processo de elaboração os mais diversos extratos sociais, das mais díspares ideologias, dos mais variados interesses [19].

O resultado deste processo é a Carta de 88, gloriosa em sua essência, porém carente em efetividade. Programática, estabelece em seu corpo programas e diretrizes a serem perseguidos e concretizados através de posturas ativas do poder público e pelo papel também atuante da sociedade civil. Em seus atuais 250 artigos, incluindo correspondentes incisos e parágrafos, transparece o espírito eminentemente socializante e inclusivo de tal documento.

O Brasil, sendo clara e diretamente influenciado pelo movimento socializante que se deu no início do século XX, não podia e não ficou passivo diante da virada de valores onde:

Reaparece a idéia de que é preciso um elemento de ética, para conter as forças cegas do mercado que, largadas a si mesmas, seriam incapazes de realizar a felicidade humana. Agora, diferente de antes, não se trata da felicidade individual, mas da felicidade da sociedade, da felicidade socialmente organizada (SOLA, 1993, p. 21).

A Constituição de 88 é a representação máxima deste movimento. Já em seu preâmbulo[20], que, deixando discussões doutrinárias a respeito de sua natureza jurídica de lado, possui evidente “função de ponte no tempo (sic), como documento que, simultaneamente, fala no presente e para o presente, evocando o passado e mirando o futuro, e que atua como vetor hermenêutico, e como enunciado normativo” (MENDES, COELHO e BRANCO, 2009, P. 34), ficam estabelecidos os princípios básicos, norteadores de toda nossa ordem econômica, política e social. É a síntese da nossa “ideologia constitucional” (GRAU, 2010).

Transparece de sua leitura a evidente intenção que teve o constituinte originário de imprimir no texto constitucional a escolha por uma ordem política nacional fundada no ser humano como valor supremo a ser respeitado e valorizado. É possível, então, entender que a nossa “ideologia constitucional” tem como base fundamental e supra-parâmetro o valor “homem”. Não o homem como indivíduo, numa concepção extremamente egoísta e com ideologia eminentemente capitalista. O homem, em tão contexto, tem a conotação de partícipe de uma coletividade. O homem como ser social. Deste entendimento infere-se que o desenvolvimento nacional terá como premissa básica o “desenvolvimento humano”.

Não se quer aqui dizer que seja a Carta de 88 um documento de cunho socialista. Ao contrário, é, de fato, capitalista. Porém, de um capitalismo mitigado e humanizado. Capitalismo no qual o Estado toma a frente no sentido de potencializar o desenvolvimento material, espiritual, ético e cultural da sociedade.


7.      Os princípios

Miguel Reale, quando diz que o Direito, sendo um “fato ou fenômeno social” corresponde “à exigência essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, de direção e solidariedade” (2002, p. 2), estabelece o ponto de partida para o entendimento segundo o qual “a obtenção do progresso social requer a criação de normas positivas, que somadas às clássicas normas proibitivas, ampliam consideravelmente o número de normas do direito objetivo” (GRECO, 2001. p. 67).

De início, fica estabelecido que “o ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins” (BARROSO, 2004, p.151) [21].   Para restringir a amplitude do estudo e se ater ao tema proposto, neste momento somente serão analisados os princípios atinentes à ordem econômico-social.

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Logo no Título I da Constituição de 88, que recebe o nome ”Dos Princípios Fundamentais”, são estabelecidos os fundamentos axiológicos da República Federativa do Brasil. Em seu primeiro artigo fica dito que constitui a “República Federativa do Brasil” um “Estado Democrático de Direito”. Daí surgem dois princípios de suma importância a qualquer análise de cunho constitucional. “Princípio Republicano” e “Princípio Democrático”. Somos, em decorrência da escolha feita pelo constituinte originário, uma “república democrática”, dois axiomas de suma importância no que tange à ordem econômico-social no sentido de que estabelecerem a forma como será exercido o poder, e quem é seu titular [22][23].

Da análise destes dois princípios fica mais que evidente sua importância para o efetivo desenvolvimento de uma nação porquanto representam o rompimento com um Estado de cunho monárquico ou ditatorial, despótico e centralizador em essência, Estado este que por sua natureza não representa um ambiente propício à evolução econômico-social de uma nação, por não assegurar de maneira efetiva o respeito aos direito fundamentais. A “república democrática” se torna, portanto o ambiente ideal em que vicejam os valores intrínsecos ao capitalismo de cunho social.

A “dignidade da pessoa humana”, albergada no art. 1º, inciso III, “enquanto princípio, constitui, ao lado do direito a vida, o núcleo essencial dos direitos humanos” (GRAU, 2010, p. 197). Nesta quadra, em que o “homem” assume posição de supra-parâmetro na ordem jurídica e social, se tornando, de fato, a medida de todas as coisas, este princípio desponta, numa hipotética escala de valores, como o topo na hierarquia principiológica atual, sendo “desde logo considerado de valor pré-constituinte e de hierarquia supraconstitucional” (MENDES, COELHO e BRANCO, 2009, p. 172).

Guilherme Peña de Moraes, em pequena obra chamada “Readequação Constitucional do Estado Moderno” diz que:

(...) a dignidade da pessoa humana equivale ao valor supremo da ordem jurídica, na medida em que atribui unidade teleológica aos princípios e regras que compõem o ordenamento constitucional e infraconstitucional, de maneira que a pessoa deve ser tratada como um fim em si mesma, e não um meio para o fim de outros (2006, p. 53).

A partir da premissa de sua supraconstitucionalidade desponta desde já a idéia de que a ordem jurídica nacional está cogentemente fundada na dignidade humana respaldando e irradiando seus efeitos por todo o ordenamento jurídico, incluindo Constituição e demais normas, se tornando, portanto, “o centro axiológico da concepção de Estado democrático de direito e de uma ordem mundial idealmente pautada pelos direitos fundamentais” (BARROSO, 2004, p. 375).

Uadi Lammêgo Bulos diz que:

Seu conteúdo jurídico interliga-se às liberdades públicas, em sentido amplo, abarcando aspectos individuais, coletivos, políticos e sociais do direito à vida, dos direitos pessoais tradicionais, dos direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), dos direitos econômicos, dos direitos educacionais, dos direitos culturais etc. Abarca uma variedade de bens, sem os quais o homem não subsistiria (2010, p. 499).

O desenvolvimento nacional, extraindo suas premissas e parâmetros do texto constitucional, há de ser pautado, portanto, pelo efetivo respeito à dignidade humana. É este princípio que irradia no ordenamento jurídico como um todo o postulado máximo do respeito ao homem e sua dignidade, principalmente enquanto ser social. “Significa então que a ordem econômica mencionada pelo Art. 170, (...) – isto é, o mundo do ser, relações econômicas ou atividade econômica – deve ser dinamizada tendo em vista a promoção da existência digna de que todos devem gozar” (GRAU, 2010, p. 198).

Contudo, para o homem obter uma existência digna, vivendo em um país capitalista, onde evidentemente há certo grau de liberdade de atuação por parte da iniciativa privada, o Estado, pautado em suas normas constitucionais, assume a função de regulador e fomentador. Atua de forma a regular a atuação do mercado, resguardando um dos postulados capitalistas, a “livre iniciativa”, porém, dando proteção ao homem enquanto fator de produção “trabalho”, ressaltando os respectivos “valores sociais”.

É o que se extrai da leitura do art. 1º, inciso IV, da Constituição, onde se verifica que a República Federativa do Brasil tem como fundamento, dentre outros, “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.

Uadi Lammêgo Bulos diz que:

“(...) ao prescrever os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, a Constituição aduziu que a ordem econômica se funda nesse primado, valorizando o trabalho do homem em relação à economia de mercado, nitidamente capitalista. Priorizou, pois, a intervenção do Estado na economia, para dar significação aos valores sociais do trabalho. Estes, ao lado da iniciativa privada, constituem um dos pilares do Estado brasileiro” (2010, p. 501).

Neste ponto há que se ter em mente o entendimento de Eros Roberto Grau quando este deixa vincado que “a livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho” (2010, p. 207). E arremata, corroborando a tese de Miguel Reale Júnior, dizendo que “a livre iniciativa é um modo de expressão do trabalho e, por isso mesmo, corolária da valorização do trabalho, do trabalho livre, em uma sociedade livre e pluralista” (2010, p. 208).

Posteriormente, já no Art. 3º, são estabelecidos os “objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” [24]. José Afonso da Silva sinaliza que:

É a primeira vez que uma Constituição assinala, especificamente, objetivos do Estado brasileiro, não todos, que seria despropositado, mas os fundamentais, e, entre eles, uns que valem como base das prestações positivas que venham a concretizar a democracia econômica, social e cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade da pessoa humana” (2007, p. 105-106).

Fica o Estado brasileiro, de acordo com tal dispositivo constitucional, obrigado a concretizar, ou buscar a concretização, de tais objetivos fundamentais. Estes, do ponto de vista econômico-social, tendo o desenvolvimento nacional como mote, apresentam o que há de mais representativo no que concerne ao progresso cultural de um povo no sentido de “concretizar a democracia econômica, social e cultural”.

O comando do art. 3º é, portanto, um dos fundamentos de intervenção estatal na seara social e econômica, extraindo seu fundamento de validade, como, aliás, todas as normas constitucionais, do “princípio da dignidade da pessoa humana”.

É interessante observar as diferentes classificações que a doutrina faz a respeito da natureza jurídica de tal dispositivo constitucional. Eros Grau sintetiza bem este tema ao consignar que Dworkin o classifica como “diretriz”; Canotilho como “princípio constitucional impositivo”; e José Afonso da Silva como “princípio político-constitucional”.

Divergências doutrinárias a parte, salta aos olhos a importância de se ter em mente os comandos do art. 3º, porquanto o pleno desenvolvimento de uma nação pressupõe a efetiva concretização de seus preceitos. São pressupostos de uma nação desenvolvida que haja de fato uma “sociedade livre, justa e solidária”, onde seja erradicada a “pobreza e a marginalização”, reduzindo “as desigualdades sociais e regionais”, e, claro, promovendo “o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras forma de discriminação”.

Quanto ao capitulo II da Constituição, cujo título é “Dos Direitos Sociais”, este nos traz, do art. 6º ao 11º, a disciplina constitucional das “liberdades públicas que tutelam os menos favorecidos” (BULOS, 2010, p. 783). É mais do que necessário abordar este tema tendo em vista o que ficou acima consignado quando se diz ser a Constituição de 88 a Constituição de um Estado Social[25].

Quando da leitura deste capítulo da Carta de 88 salta aos olhos o objetivo do constituinte originário de tornar estes direitos politicamente e juridicamente efetivos adquirindo desde já “status de direitos fundamentais, vale dizer, a condição de direitos oponíveis erga omnes – até mesmo contra o Estado, que, ao constitucionalizá-los, dotou as suas normas de injuntividade” (MENDES, COELHO e BRANCO, 2009, p. 757-758).

São estes direitos, verdadeiros vetores do desenvolvimento. Estabelecem qual direção tomará o país em tal sentido, trazendo uma obrigação ao poder público no intuito de efetivá-los. Uadi Lammêgo Bulos estabelece a premissa de que o sujeito passivo dos direitos sociais é o Estado no sentido de ser a ele que se pode cobrar sua efetivação. Porém há de se ter em mente que tais direitos correspondem a “obrigações de fazer, a cargo não apenas do Estado, mas da sociedade em geral” (MENDES, COELHO e BRANCO, 2009, p. 760).

Os direitos sociais são fruto da evolução política perpetrada no seio da sociedade tendo em vista a mais uma vez mencionada mudança de valores e paradigmas, no sentido de humanizar a antiga concepção meramente econômica de desenvolvimento. São “prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais” (SILVA, 2007, p. 286).

Sendo “a Constituição de 1988 basicamente em muitas de suas dimensões essenciais uma Constituição do Estado social” (BONAVIDES, 2010, p. 371) optou-se no presente estudo por falar da “Constituição Econômica” após percorrer grande parte dos institutos constitucionais atinentes à socialização e humanização do Direito não por mera conveniência de se ater à topografia constitucional. Considera-se, na atual quadra, que mais importante que disciplinar a própria atividade econômica, é disciplinar a forma como se dará sua socialização.

“Constituição Econômica” na doutrina de Uadi Lammêgo Bulos (2010, p. 783) “é a parte da constituição total, encarregada de estatuir preceitos reguladores dos direitos e deveres dos agentes econômicos, delimitando, assim, o regime financeiro do Estado”, tratando-se, portanto, “de um microssistema normativo, integrado à própria carta constitucional positiva, em cujo esteio erigem-se normas e diretrizes constitucionais que disciplinam, juridicamente, a macroeconomia”.

No Título VII da Constituição, “Da Ordem Econômica e Financeira”, e seus quatro capítulos, restam concentrados diversos preceitos de ordem econômico-social, sendo para este estudo o mais representativo o Capítulo I. Este se chama “Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica” e estabelece em seu primeiro artigo, o de número 170, que a “ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. Posteriormente estabelece uma série de princípios norteadores da opção política do constituinte originário, que lidos de forma sistemática e em consonância com os demais preceitos constitucionais conota a idéia de que a “ordem econômica na Carta de 88 está impregnada de princípios e soluções contraditórias. Ora abre brechas para a hegemonia de um capitalismo neoliberal, ora enfatiza o intervencionismo sistemático, aliado ao dirigismo planificador, ressaltando até elementos socializantes” (BULOS, 2010, p. 1480).

Eros Roberto Grau, rechaçando desde logo essa suposta contradição constitucional, porém utilizando tom contemporizador, arremata:

É que, de um lado, não se pode visualizar a ordem econômica constitucional como produto de imposições circunstanciais ou meros caprichos dos constituintes, porém como resultado do confronto de posturas e texturas ideológicas e de interesses que, de uma ou de outra forma, foram compostos, para como peculiar estrutura ideológica aninhar-se no texto constitucional. De outro lado, sendo a Constituição um sistema dotado de coerência, não se presume contradição entre suas normas. A admitir-se a ocorrência de contradições entre elas, (...) por força hão de ser eliminadas, seja para afirmar-se que umas são válidas (ou não se aplicam a determinados casos), seja as interpretando de modo adequado e suficiente à superação da contradição ou contradições (2010, p. 194).

Neste sentido, cumpre-nos neste momento verificar a doutrina de Luiz Roberto Barroso, em seu “Interpretação e aplicação da Constituição”, quando, analisando o princípio da unidade da Constituição, aquele diz que:

É precisamente por existir pluralidade de concepções que se torna imprescindível a unidade na interpretação. Afinal, a Constituição não é um conjunto de normas justapostas, mas um sistema normativo fundado em determinadas idéias que configuram um núcleo irredutível, condicionante da inteligência de qualquer de suas partes. O princípio da unidade é uma especificação da interpretação sistemática, e impõe ao intérprete o dever de harmonizar as tensões e contradições entre normas. Deverá fazê-lo guiado pela grande bússola da interpretação constitucional: os princípios fundamentais, gerais e setoriais inscritos ou decorrentes da Lei Maior (2004, p.196).

Neste processo de interpretação constitucional, sob pena de insegurança jurídica, há de se ter em mente, portanto, que os “princípios fundamentais, gerais e setoriais inscritos ou decorrentes” (BARROSO, 2004, p. 196) serão a base orientadora do intérprete constitucional:

[...] a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III) e como fim da ordem econômica (mundo do ser) (art. 170, caput); os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV) e – valorização do trabalho humano e livre iniciativa – como fundamentos da ordem econômica (mundo do ser) (art. 170, caput); a construção de uma sociedade livre, justa e solidária como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art.3º I); o garantir o desenvolvimento nacional como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art.3º II); a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art.3º III) – a redução das desigualdades regionais e sociais também como princípio da ordem econômica (art. 170, VII); a liberdade de associação profissional ou sindical (art. 8º); a garantia do direito de greve (art. 9º); a sujeição da ordem econômica (mundo do ser) aos ditames da justiça social (art. 170, caput); a soberania nacional, a propriedade e a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte, todos princípios enunciados nos incisos do art. 170; a integração do mercado interno ao patrimônio nacional (art. 219) (GRAU, 2010, p. 195).

Portanto, não há como conceber contradições, mesmo que aparentes, no bojo da Constituição de 88. Esta representa a síntese de um sistema político integrado voltado à concretização de um único fim, a construção de uma grande nação, onde o desenvolvimento real e efetivo de todos os seus membros seja o norte a ser buscado, sempre tendo como diretrizes orientadoras os princípios constitucionais, que não obstante seus particulares âmbitos de atuação visam, no fim e ao cabo, concretizar a “dignidade da pessoa humana”.

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Sobre o autor
Tiago Batista Cardoso

Bacharel em direito. Servidor do Supremo Tribunal Federal. Trabalhou no gabinete do Min. Cezar Peluso. Autor do livro "Curso de regimento interno do Supremo Tribunal Federal. Jurisprudência e prática", publicado pela editora Grancursos, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Tiago Batista. O fenômeno jurídico-constitucional como fenômeno econômico.: O desenvolvimento do país em face da disciplina constitucional dos fatores econômicos.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4144, 5 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30635. Acesso em: 21 nov. 2024.

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