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O princípio da cooperação na vertente consulta no projeto de novo CPC

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03/11/2014 às 07:23
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O presente artigo tem o escopo de analisar a adição do princípio da cooperação no texto do Novo CPC. Vale salientar que o foco de estudo será o dever de diálogo que é extraído da máxima da cooperação.

1. Introdução

A reunião dos pilares principiológicos do processo, no início do diploma legislativo, alinha-se com a tendência das recentes reformas processuais, como por exemplo, o recente CPC português, e vai ao encontro da necessidade de compreender o processo a partir de um afinado diálogo entre o Direito Processual, os direitos fundamentais e o Direito Constitucional.

O código projetado afasta-se de um “tratamento puramente privatístico”[1], que se pauta no protagonismo das partes e na figura estática do juiz, bem como do processo social que se embasa nos reclames do Estado Social e no amesquinhamento do papel das partes em prol de um juiz interventivo. Superam-se, então, os modelos tradicionais de processo os quais se mostram incapazes de dar respostas humanísticas e éticas aos novos anseios da população.

Percebe-se que o principal antídoto contra o “vírus do autoritarismo”[2] é o princípio da cooperação intersubjetiva, que surge como uma enzima que irá aperfeiçoar a aplicação do princípio dispositivo e do inquisitório, expurgando os contornos excessivos ou as concepções pálidas de tais princípios. A máxima da cooperação tem, assim, o condão de criar uma atmosfera dialogal e cooperante em esferas que antes eram de monopólio apenas das partes ou do juiz.

Por essa razão, a ideia do presente estudo surge da necessidade de defender um terceiro modelo processual tradutor das necessidades de um Estado Democrático de Direito, que deve ser concretizado e solidificado com o desenvolvimento do princípio da cooperação.

É imperioso coletar nos direitos fundamentais, na garantia do processo justo, no princípio da igualdade, no princípio da boa-fé processual, no contraditório e nos deveres da cooperação o material genético que formará o DNA do modelo processual cooperativo.

A melhor doutrina — a que nos filiamos — aponta para a pertinência desse novo modelo, cujo arrimo qualificativo ideal é o cooperativo ou “comparticipativo”[3] e encampa o princípio da cooperação como uma de suas linhas mestras na tarefa de obter com brevidade e eficácia a justa composição do litígio.

No mesmo sentido, Mariana França Gouveia concebe o modelo cooperativo como uma terceira via que se distancia dos modelos clássicos e que tem como espinha dorsal o princípio da cooperação, que tenta impor uma mudança de postura a ser adotada pelos sujeitos processuais no curso de todo o processo[4].

Fredie Didier trilha esse caminho, ao defender que, no modelo cooperativo, a condução do processo deixa de ser determinada por atuações exclusivas, seja da parte ou do juiz, para se buscar uma condução cooperativa do processo, sem protagonismos[5], onde não há barreiras ou obstáculos para a comunicação entre os sujeitos processuais.

O código projetado, o primeiro após a promulgação da atual Constituição, ampara todo o eixo axiológico presente nesta Carta Magna e introduz as bases desse novo modelo processual, humanizador e garantístico, a ser concretizado pela doutrina e pelos operadores do direito.

O projeto de NCPC apresenta como “marco estrutural”[6], como pedra de toque da estruturação do processo o princípio da cooperação intersubjetiva, que almeja a figura de um juiz colaborante, que personifica os anseios democráticos e participativos de um Estado Democrático de Direito.

O modelo cooperativo encontra seu substrato nodal no princípio processual da cooperação intersubjetiva. Tal princípio destina-se a transformar o processo civil em uma comunidade de trabalho” (arbeitsgemeinschaft, comunione del lavoro) e a responsabilizar as partes e o tribunal pelos seus resultados[7].

É, pois, nesta lógica dialogal que esse novo modelo se espraia, como oportunamente observa Eduardo Grasso, quando afirma que “o juiz, no desenvolvimento do diálogo, move-se para o nível das partes: a tradicional construção triangular é substituída por uma perspectiva de posições paralelas”[8]. A comunidade de trabalho deve, pois, ser compreendida como um feixe de relações colaborativas que se desenvolvem em um plano paralelo, com plena predominância do diálogo.

A correta divisão das funções entre as partes e o tribunal é, indubitavelmente, aquela que impõe que, ao longo de todo o iter processual, seja mantido um diálogo entre todos os sujeitos processuais, devendo o processo ser entendido, essencialmente, nas palavras de Costa e Silva, como uma “comunidade de comunicação”[9], que permita uma discussão a respeito de todos os aspectos fáticos e de direito relevantes para o deslinde da causa.

A atividade dos três sujeitos processuais, portanto, deve se entrecruzar mutuamente por meio do diálogo, resultando em uma “unica forza operosa (unus actus)”[10], força essa que tem uma direção certa: a descoberta da verdade processualmente possível.

E, nessa perspectiva, enfim, estudaremos o princípio em apreço.

2. Princípio da cooperação intersubjetiva

A colocação da ideia de cooperação na categoria de princípios processuais possui vozes contrárias na Alemanha. Filiamo-nos, no entanto, à corrente[11] que identifica a máxima da cooperação como um princípio que tem origem germânica e corresponde, nas lições de Greger, a “ideias fundamentais que determinam globalmente o termo e o caráter de um processo judicial e definem o conjunto de orientações e comportamentos das partes”[12].

Em Portugal, o princípio da cooperação foi consagrado expressamente no art. 266°/1 do CPC com a reforma de 95/96, sendo tal redação repetida no NCPC português no art. 7°/1 do CPC.

Teixeira de Sousa[13] é quem vai desenvolver as linhas mestras do princípio da cooperação no ordenamento português. O eminente doutrinador não confere ao princípio da cooperação eficácia normativa direta capaz de agregar situações não previstas em regras ou subprincípios. Para esse autor, a máxima da cooperação só pode ser aplicada por intermédio de regras que a concretizem.

O professor de Lisboa defende ainda que a sistemática de funcionamento da cooperação estrutura-se pela expressa previsão de regras que estabeleçam um plexo de deveres impostos ao magistrado: de esclarecimento, de prevenção, de auxílio e de diálogo[14]. Assim, tais deveres são consagrados em artigos específicos do ordenamento jurídico português, e não extraídos da cláusula geral da cooperação presente no art. 7° do NCPC (português).

Destaca-se que tal delimitação evidencia os limites do princípio, deixando-os relativamente claros, o que leva o juiz a pautar a sua atuação apenas em consonância com as concretizações normativas legais.

Essa restrição ocasiona um grande empobrecimento de aplicabilidade à máxima da cooperação, pois, de acordo com Costa e Silva, “ao exigir-se uma norma de concretização, amputa-se este princípio do seu espaço natural de actuação: o de impor uma intervenção justificada diretamente por uma justa composição do litígio”[15].

Defendendo uma posição que amplia os horizontes de aplicação da máxima da cooperação, Fredie Didier, corretamente, afirma que “a eficácia normativa do princípio da cooperação independe da existência de regras jurídicas expressas”[16]. Na linha de Humberto Ávila[17], Fredie Didier confere ao princípio da cooperação eficácia normativa direta capaz de impor e tornar devidas condutas necessárias à obtenção de um processo leal e cooperativo, mediante substancial cooperação entre as partes e o juiz.

O estado ideal de coisas que o princípio da cooperação busca promover é a transformação do ambiente processual em uma comunidade de trabalho[18], ou seja, a sua bússola deve ser a transformação do processo em uma comunidade de diálogo, para, dentre outros objetivos, mitigar as desigualdades processuais, valorizar a primeira instância e alcançar a tão almejada justa composição do litígio.

Apesar de o princípio da cooperação já ter reconhecimento jurisprudencial e implícito pela doutrina brasileira, faz-se mister enfatizar o grande salto qualitativo dado pelo projeto de NCPC brasileiro, ao prevê-lo expressamente no rol dos princípios estruturantes do processo[19].

Desse modo, acreditamos que o art. 6° do projeto deve ser dotado de eficácia normativa direta suficiente, para dar suporte a todo leque de situações que devem ser acobertadas pelos reclames da participação, da lealdade e do ideal cooperativo de processo, dando um maior conteúdo ao princípio da cooperação.

Acontece que os princípios, segundo Humberto Ávila[20], possuem ainda uma eficácia indireta, quando atuam por meio da intermediação de outras normas. Nessa faceta da eficácia da cooperação, as regras exercem um papel fundamental, pois possuem uma função definitória em relação ao princípio da cooperação, na medida em que definem e delimitam os comportamentos e condutas a serem adotados no intuito de concretizar as finalidades estabelecidas pelo princípio.

O projeto, nessa seara, poderia ter dado passos mais largos, pois não sistematizou o plexo de regras que definem o princípio da cooperação de forma correta no que concerne aos deveres de esclarecimento, prevenção, auxílio e consulta, pois tratou o tema de forma esparsa[21], como ainda acontece no CPC atual.

De todo modo, impõe-se enfatizar, neste momento, que, a partir da positivação do princípio em comento, deverá haver alteração do modo de atuar do magistrado perante o litígio, imunizando-o do possível autoritarismo judicial. É o que preleciona Mariana França Gouveia[22]:

Quanto mais se defender a postura colaborante do magistrado mais autoritarismo lhe retiraremos. Uma magistratura obrigada pela colaboração é a concretização de uma justiça próxima ao cidadão, de uma justiça ao seu serviço. Uma justiça de igualdade entre todos os homens, independentemente de sua posição concreta.

Nesse contexto, uma vez demonstrada a visão panorâmica do princípio da cooperação que impõe ao juiz um feixe de deveres, visando à democratização do processo, impondo-lhe limites e pautando sua conduta pela diligência e responsabilidade quanto à função de prestar tutela jurisdicional, iremos focar na análise do dever de consulta.

3. Dever de Consulta ou Diálogo

O dever de consulta é delineado por Teixeira de Sousa como um dever de caráter assistencial do tribunal perante as partes, de tal maneira que o tribunal não pode decidir uma questão de fato ou de direito, mesmo que seja de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciarem e de influenciarem a respeito do destino da causa[23].

Para a correta compreensão do dever de consulta, é necessário estabelecer um diálogo com o princípio do contraditório e perceber que a evolução percorrida pelo contraditório se imbrica com a concretização do dever de diálogo.

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A trajetória traçada pelo contraditório é bem atípica e marcada por evoluções e involuções. O cenário social da Idade Média conformou uma acepção dialogal do contraditório, que estruturou um processo de cariz econômico voltado à descoberta de uma verdade provável, com altas doses de diálogo na solução do caso concreto[24].

Ocorre que, com o surgimento da Idade Moderna, a compreensão do contraditório irá sofrer uma grande involução, passando a ser concebido sob uma óptica estritamente mecânica, de contraposições de teses (dizer-contradizer), como uma mera garantia formal de bilateralidade da audiência[25], inserido em um processo assimétrico em que o juiz buscava a solução do litígio, solitariamente, enfraquecendo a concepção comparticipativa do contraditório dos moldes da Idade Média[26].

Essa concepção logo se mostrou ultrapassada, pois o contraditório estático, de cunho lógico formal, não era suficiente, para ser a trave-mestra do moderno processo civil, que prima pela participação, previsibilidade e pela possibilidade de influência efetiva de todos os sujeitos processuais.

É com a consolidação de um Estado Democrático de Direito, portanto, que consubstancia o terreno ideal para a ampliação da noção de contraditoriedade e para refutar a ideia de atos repentinos e inesperados por parte de um órgão público que aplica o direito.

É dessa conjuntura que surge o princípio da cooperação na sua faceta “dever de diálogo”, para atualizar e dinamizar o conceito do contraditório, ressuscitando a essência da concepção medieval, injetando a previsibilidade, participação e influência como elementos essenciais desse novo rosto do contraditório.

Destarte, é por meio da interação entre o princípio da cooperação e o princípio do contraditório que surge a ideia de proibição de decisões surpresas.

Tal princípio consubstancia, formalmente, uma nova face do tradicional princípio do contraditório, transformando a tradicional estrutura vertical do processo em uma “estrutura horizontalizada”, mutação esta que resulta de uma adaptação da ideia do contraditório em um verdadeiro afloramento do princípio da cooperação entre as partes e o juiz[27].

O dever de diálogo deve ser visto, então, como uma verdadeira “atualização do princípio do contraditório[28]”. Há, assim, um real resgate da concepção, que passa a garantir às partes a influência efetiva no juízo e redimensiona uma acepção mais ampla do contraditório.

Consequentemente, o contraditório é devidamente relido, representando uma faceta evoluída e fortificada da dimensão medieval, inserindo também o juiz como sujeito do contraditório e criando uma verdadeira mesa redonda de diálogo entre as partes e o juiz.

O contraditório é alçado à condição de pilar de uma concepção democrática de processo[29], tornando tão trilateral quanto possível o debate das questões de fato e de direito no curso do processo.

Percebe-se, assim, que a interação entre os sujeitos processuais por meio do diálogo sobre todos os atos e fatos componentes do processo tem o condão de ampliar o quadro de análise, reduzindo consideravelmente o risco de opiniões preconcebidas e beneficiando a construção de um juízo ponderado, transparente e aberto.

No contexto desse plexo de inovações, o contraditório passa a ser a plataforma de sustentação de um modelo cooperativo de processo, passando a ter estatura constitucional, sendo fundamental para a concretização do processo justo e equitativo.

O direito comparado apresenta enunciados pretensiosos no que atine à proclamação dessa posição do juiz no Processo, sendo uma tendência dos novos ares do Processo Civil o redimensionamento do contraditório e a consagração do dever de diálogo.

No Código de Processo Civil Francês, por exemplo, o dever de consulta está expresso no art. 16°, que impõe ao juiz, em todas as circunstâncias, a ativação prévia do contraditório, inclusive no que concerne à adoção de questão de direito não contida na petição inicial, inclusive as de ordem pública[30].

O ordenamento alemão é paradigmático nessa seara, pois consagra tal princípio, primeiramente, na alínea 2° do § 139 da ZPO:

Caso exista um ponto de vista que não tenha sido reconhecido pela parte ou que tenha sido considerado como irrelevante, pode o tribunal fundar sua convicção sobre os mesmos desde que advirta às partes e lhe outorgue a possibilidade de se expressarem a respeito salvo se tratar de questão secundária. (tradução livre)

A presente alínea é considerada um corolário do julgamento justo e assevera que a corte deve chamar a atenção das partes para qualquer fator que avalia de forma diferente, protegendo as partes contra as decisões desconcertantes (“bewildering decisions”) ou decisões por emboscada (“ambush decision”)[31].

O direito germânico estende, ainda, a proibição de surpresa às matérias que podem ser conhecidas de ofício (alínea 3° do § 139 da ZPO). De acordo com tal texto legal, o tribunal deve consultar as partes sempre que forem realizados atos de ofício, seja em relação a questões de direito ou de fato, garantindo sempre a manifestação das partes, para que a influência sobre a decisão seja garantida. Vale salientar ainda que, mesmo quando o ponto de vista a ser enveredado pelo juiz é completamente contrário ao das partes, o contraditório deve ser ativado[32].

Em Portugal, o dever de consulta está consagrado no art. 3°, n. 3°, do NCPC, o qual dispõe que o tribunal deve consultar as partes sempre que pretenda conhecer de matéria de fato ou de direito sobre a qual aquelas não tenham tido a possibilidade de se pronunciarem.

Na Itália, tal princípio foi incluído com a recente reforma de 2009, que consagrou, nos arts. 101 e 183 do “Códice di Procedura Civile”, o princípio da proibição da “sentenza di terza via”, “deicisioni solitarie” ou “solipsisticamente adoptada”[33], que veda a tomada de decisões surpresas pelo juiz.

Há muito se defende essa nova faceta do contraditório no direito brasileiro, por meio de uma leitura constitucional do contraditório. Mas, é o projeto de NCPC brasileiro que vem expressamente entrever o contraditório dinâmico, contemplando uma “imbricação entre o dever de consulta e o direito de participação ou colaboração das partes”[34].

No projeto de NCPC, temos dois artigos vetores do dever de diálogo: enquanto o art. 9° assevera que não se proferirá sentença ou decisão contra uma das partes, sem que esta seja previamente ouvida, salvo se tratar de tutela antecipada de urgência e das hipóteses de tutela de evidência previstas no código[35], o art. 10 preconiza que, “em qualquer grau de jurisdição, o órgão jurisdicional não pode decidir com base em fundamento a respeito do qual não se tenha oportunizado manifestação das partes, ainda que se trate de matéria apreciável de ofício”.

A fórmula da redação dada pelo legislador ao art. 10 do projeto do NCPC foi correta, pois fomenta a ativação do contraditório prévio sempre que o juiz decida, com base em algum fundamento, que não tenha havido participação das partes.

Defendemos ainda que, sempre que o juiz dispensar a aplicação do contraditório, por manifesta desnecessidade, para evitar a prática de atos inúteis, deverá motivar a sua decisão, pois o juiz não está submetido a uma mera faculdade jurídica, mas a uma verdadeira obrigação censurável com um vício in procedendo. Há um vínculo no exercício do poder decisório do juiz, cuja inobservância é sancionada pela nulidade da sentença prolatada em violação ao contraditório.

Importa notar que o dever de diálogo deve englobar, no seu raio de incidência, tanto as questões de fato quanto as questões de direito. Nessa quadra, ganha relevância a análise da máxima do jura novit curia, que determina que, contanto que se respeite o “objet du litige”, de acordo com a moldura endoprocessual delineada pelas partes[36], o juiz pode levar em consideração questões de direito que lhe pareçam apropriadas, apesar de não suscitadas pelas partes, e julgar a causa, não estando o julgador confinado à alegação de direito feita pelas partes[37].

Antigamente, havia uma divisão de tarefas estanques entre o juiz e as partes. Estas se preocupavam, exclusivamente, em provar os fatos já alegados, ao passo que aquele se restringia a fazer a subsunção do material fático ao texto normativo considerado por ele o juridicamente mais adequado ao caso.

Tal realidade não se justifica mais em um terreno cooperativo. Montesano assevera que os novos ares do contraditório não eliminam ou atenuam o princípio fundamental do "iura novit curia", pois o juiz continua a ter o poder-dever de identificar a regra aplicável em questão, não estando vinculado às definições legais da causa propostas entre as partes[38].

No entanto, o “iura novit curia” recebe uma nova conformação prática, pois o contraditório afeta o modo e o tempo adequados do exercício desse poder-dever[39]. A concretização do princípio da cooperação acarreta um redimensionamento da máxima “iura novit curia”, fazendo com que o juiz consulte previamente as partes e colha suas manifestações a respeito do assunto, antes de aplicar o direito ao caso concreto[40]. Nesse ponto, a trilateralidade da decisão é fundamental, para torná-la legítima.

Outra importante manifestação do dever de diálogo é no que atine à necessidade de motivação das sentenças, a qual deve conter uma completa análise das razões arguidas e debatidas pelas partes, para encontrar a solução da controvérsia, pois a justificação dá às partes a possibilidade de controle da decisão jurisdicional.

Há, assim, no modelo cooperativo, uma “assimetria condicionada” no momento da decisão judicial, que obriga o juiz a valorizar o diálogo exercido durante todo o procedimento, devendo analisar todos os argumentos enfrentados durante todo o arco processual[41].

A obrigação do juiz em motivar a sua decisão, portanto, é resultante do Estado Constitucional e de uma visão cooperativa do processo, pois uma sentença devidamente motivada funciona como um comprovante de exercício do contraditório, de forma a atestar que o juiz levou em consideração todos os argumentos utilizados pelas partes.

Nessa senda, há uma confluência nítida entre a colaboração e a segurança jurídica, pois um processo pautado na lógica cooperativa é o mais apto e capaz de tornar a decisão judicial cada vez mais cognoscível[42], transparente e democrática.

4. Considerações Finais

Diante de todo o exposto, cumpre asseverar que o modelo processual cooperativo é o que mais se coaduna com os países que estão sob a égide de um Estado Democrático de Direito, a exemplo de Brasil e Portugal, e que tais países ainda precisam dar saltos qualitativos na concretização de um modelo cooperativo de processo.

O presente trabalho procurou, por meio da análise do dever de consulta oriundo da cooperação, contribuir com o projeto de NCPC, estabelecendo críticas e acertos ao projeto aprovado na Câmara dos Deputados e fixando parâmetros interpretativos para as normas legais projetadas no seu âmago, com vistas a concretizar no Brasil um modelo processual mais democrático e próximo ao cidadão.

É certo, portanto, que o projeto plantou um feixe de raízes para a concretização de um processo leal e cooperativo com a inserção do princípio da cooperação no art. 6° e seus respectivos deveres estabelecidos de forma esparsa no corpo do texto.

Portanto, é preciso que a doutrina e a jurisprudência interpretem esse texto de forma a desenvolver uma plataforma cooperativa no ambiente processual e usando, quando necessário, a força integrativa do princípio da cooperação como forma de suprir as ausências normativas.

É preciso salientar, ainda, que a formação de um modelo cooperativo do processo exige a introdução de uma nova cultura judiciária, um verdadeiro giro de mentalidade. É imprescindível, portanto, reconhecer que a concretização desse modelo comparticipativo é um processo longo e dificultoso, pois estamos diante de uma releitura de conceitos vitais que, durante anos, enraizaram-se na mentalidade dos sujeitos processuais. Por isso, o sucesso desse novo paradigma está condicionado ao envolvimento e ao comprometimento de todos os operadores do direito, para que essa nova lógica do processo adentre na cultura jurídica hodierna.

O coração do novo processo civil é a compreensão desta nova realidade cooperativa, que deve transformar paulatinamente a cultura judiciária do nosso país. É preciso, pois, afastar certos padrões tradicionais e dogmas processuais ultrapassados, para impor uma nova mentalidade de uma cultura jurídica mais adequada aos vetores estruturantes da processualística hodierna, para que só assim o modelo cooperativo possa sair do papel e apresentar suas potencialidades práticas.

Por conseguinte, de nada adianta consagrarmos o princípio da cooperação e seus deveres em regras processuais, se a mudança não promover uma verdadeira virada Kantiana na prática judicial e na consciência dos operadores do direito, que ainda se encontram arraigadas em concepções formalistas e presas a ideais liberais.

Nesse contexto, sábias são as palavras de Maxland, que acredita que, para que um ordenamento amadureça e se aperfeiçoe continuamente na direção da cooperação, três palavras chaves são essenciais: “tempo, conhecimento e experiência”[43].

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Sobre o autor
Eduardo Madruga

Advogado e Consultor Jurídico. Especialista em direito processual civil pela Unipê. Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de Coimbra. Professor do IESP Faculdades. Sócio do SMF Advocacia e Consultoria Jurídica.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MADRUGA, Eduardo. O princípio da cooperação na vertente consulta no projeto de novo CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4142, 3 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30676. Acesso em: 22 nov. 2024.

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