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A educação de crianças autistas e o papel do Ministério Público

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29/10/2014 às 09:36

Resumo:


  • O direito à educação é assegurado pela Constituição Federal de 1988 e visa ao desenvolvimento da pessoa, preparação para a cidadania e qualificação para o trabalho.

  • O Estatuto da Criança e do Adolescente reforça a educação como direito de todos e dever do Estado, família e sociedade, com responsabilização dos pais em caso de omissão.

  • A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabelece princípios para o ensino e promove a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3 A legitimidade do Ministério Público para atuar na efetivação do direito à educação da criança autista

O art. 127 da Constituição Federal[32] estabelece que o “Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” e constitui uma das suas funções “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia”.

No mesmo sentido, a Lei 8.069/1990[33] dispõe que ao Ministério Público compete zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis (art. 201, inc. VIII).

A legitimidade do Ministério Público resta bem definida na Carta Magna e no Estatuto da Criança e do Adolescente, com previsão específica para atuar em defesa de interesses individuais indisponíveis, como a educação.

Adão Bonfim Bezerra[34] leciona sobre o tema, ressaltando:

Interesse individual - diz-se daquele que se refere a um só indivíduo e, por isso, sujeito, quase sempre à manifestação do próprio interessado diretamente em juízo. Os interesses individuais relativos à infância e à adolescência são indisponíveis, por isso compreendidos na esfera de atribuição do Ministério Público, à luz do art. 201, V, do ECA, e - veja-se - com exclusividade, porquanto o ECA, em seu art. 210, ao elencar os legitimados para a ação civil concorrentemente com o Ministério Público, limitou-se às ações fundadas em interesses coletivos e difusos, coerentemente com a linha adotada pela Lei 7.347, de 24.7.85. Isto faz concluir que a única legitimação para a ação civil fundada em direito individual relativo à infância e à juventude é estabelecida com exclusividade para o Ministério Público, ao cotejo da regra de legitimação do art. 210 c/c o art. 201, V, do ECA, consonantemente com o art. 127, caput, da CF, mesmo que a indisponibilidade seja por inferência legal, isto é, se algum interesse relativo à criança e à juventude não for indisponível conceitualmente, sê-lo-á por ficção legal.

O renomado Hugo Nigro Mazzilli[35], por sua vez, disserta que

As funções institucionais do Ministério Público devem ser iluminadas pelo zelo de um interesse social ou individual indisponível, ou então, pelo zelo de um interesse difuso ou coletivo. Sua atuação processual dependerá ora da natureza do objeto jurídico da demanda, ora se ligará à qualidade de uma das partes, quer porque de seus interesses não possam elas dispor, senão limitadamente, quer porque seus titulares padecem de alguma forma de acentuada deficiência, que torna exigível a intervenção protetiva ministerial.

Reforçando essa legitimidade do Ministério Público, o art. 5° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional[36] dispõe que o acesso à educação básica obrigatória é direito público subjetivo, “podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o poder público para exigi-lo”.

Diante desse conjunto de normas, evidente a legitimidade do Ministério Público para atuar em defesa do direito da criança autista que tem recomendação para integrar turmas de ensino regular, desde que não apresente severa limitação cognitiva que a impeça de participar do ambiente escolar comum.


Considerações finais

O atual estágio de desenvolvimento do Estado Democrático de Direito não pode admitir que infantes portadores de deficiência sejam alvo de discriminação por parte das próprias políticas públicas voltadas à educação. É inconcebível que lhes seja negado o direito à instrução e à convivência com outras crianças da mesma faixa etária no ambiente de aprendizagem.

Ao Ministério Público compete, inclusive, fiscalizar as instituições de ensino e também exigir que os professores sejam qualificados para trabalhar com alunos com necessidades especiais, utilizando, quando recomendado, as salas de apoio multifuncional.

É importante, ainda, que as instituições de ensino tenham em seu quadro profissionais da psicologia para que auxiliem na orientação dos professores e dos alunos no processo de inclusão de crianças autistas, e o Ministério Público atue de modo efetivo, disseminando a aceitação das diferenças, com respeito às idiossincrasias, para que a escola seja um ambiente de aprendizagem e de desenvolvimento.

A necessidade de atuação do Parquet é reforçada pelo fato de que em um Estado Democrático de Direito recentemente criado e em consolidação é de se admitir que os portadores de deficiência ainda se encontram em fase de integração na sociedade, justificando a implementação e a cuidadosa fiscalização das políticas sociais específicas.

Não é tão histórica em nosso país a condição de enclausuramento daquelas pessoas que eram consideradas “especiais” e que, portanto, em razão destas “anormalidades” deveriam ser retiradas do convívio e marginalizadas por revelarem, aos olhos do senso dito comum, a incapacidade de integrar o meio social.

Foi com a publicação da Constituição Federal de 1988, e posteriormente da Lei n. 7.853/89, que foi disciplinada a integração social das pessoas portadoras de deficiência. Integrar, no sentido de juntar-se tornando parte integrante, é muito mais amplo do que apenas inserir esses indivíduos na sociedade. É preciso reconhecer as suas habilidades e a capacidade de serem, sim, sujeitos de direitos, em razão do primado da igualdade.

Perante a lei, somos todos iguais, e cada um deve ser respeitado de acordo com os seus atributos pessoais, proporcionalmente considerados em relação aos direitos e às garantias fundamentais que nos são assegurados.

E é com esse afinco que este trabalho destaca a necessidade de o Poder Público e a sociedade dispensarem maiores cuidados às crianças portadoras de transtorno do espectro autista e que tenham condições de integrar classes regulares de ensino. Não basta a criação da Lei n° 12.764/2012, sem, contudo, implementar-se mecanismos para efetivação da política correspondente, com a preparação dos profissionais que lidarão com essas pessoas em desenvolvimento.

Como sujeitos de direitos, os autistas merecem igual oportunidade de se prepararem para a vida plena em sociedade, ainda que não seja em condição de independência total. Não é por outra razão que a educação deve ser assegurada em sua condição absoluta.

Portanto a educação especial, disponibilizada em unidades próprias, deve ser resguardada para aqueles que possuem indicação médica expressa e que necessitam de acompanhamento de equipe multidisciplinar para desenvolvimento das suas habilidades. Como consequência, é preciso preservar a individualidade do atendimento e também a seletividade dos casos clínicos que não têm sugestão para ensino regular.

Nesse cenário, em havendo a cultura arraigada da inferiorização da pessoa portadora de deficiência, num momento de evolução da sociedade em que ainda há discriminação e rejeição à integração desses indivíduos, compete ao Ministério Público, como defensor dos interesses sociais e individuais indisponíveis, atuar para que o direito à educação seja garantido em sua plenitude às crianças autistas.


Notas

[1]BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,1998.

[2] BRASIL. Lei n. 8.069/1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em 5 de ago. De 2013.

[3]OLIVEIRA, Elson Gonçalves de. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. Campinas: Servanda Editora, 2011.

[4]BRASIL. Lei n. 9.394/1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em 5 ago. 2013.

[5]BRASIL. Lei n. 12.796/2013. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a formação dos profissionais da educação e dar outras providências.. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12796.htm#art1>. Acesso em 5 ago. 2013.

[6]BRASIL. Lei n. 9.394/1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em 5 ago. 2013.

[7]COSTA, Denise Souza. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-RS, intitulada “O Direito Fundamental à Educação no Estado Constitucional Contemporâneo e o Desafio da Universalização da Educação Básica”.

[8]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 639.337 AgR/SP. Segunda Turma. 23/08/2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=627428>. Acesso em 5 ago. 2013.

[9]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 639.337 AgR/SP. Segunda Turma. 23/08/2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=627428>. Acesso em 5 ago. 2013.

[10]BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,1998.

[11]BRASIL. Lei n. 9.394/1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em 5 ago. 2013.

[12]BRASIL. Lei n. 9.394/1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em 5 ago. 2013.

[13]VASCONSELOS, Hélio Xavier de. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado – comentários jurídicos e sociais. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010.

[14]SANTA CATARINA. Resolução n. 112/2006. Fixa normas para a educação especial no Sistema Estadual de Educação de Santa Catarina.

[15]BRASIL. Lei n. 12.764/2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e altera o § 3o do art. 98 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm>. Acesso em 5 ago. 2013.

[16]ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – CID-10. Disponível em: <www.datasus.gov.br/cid10/v2008/cid10.ht Acesso em: 5 ago. 2013.

[17]BRASIL. Lei n. 12.764/2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e altera o § 3o do art. 98 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm>. Acesso em 5 ago. 2013.

[18]CUNHA, Eugênio da. Autismo e inclusão: psicopedagogia, práticas educativas na escola e na família. 4. ed. Rio de Janeiro: Wak Ed., 2012.

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[19]CUNHA, Eugênio da. Autismo e inclusão: psicopedagogia, práticas educativas na escola e na família. 4. ed. Rio de Janeiro: Wak Ed., 2012.

[20]CUNHA, Eugênio da. Autismo e inclusão: psicopedagogia, práticas educativas na escola e na família. 4. ed. Rio de Janeiro: Wak Ed., 2012.

[21]CUNHA, Eugênio da. Autismo e inclusão: psicopedagogia, práticas educativas na escola e na família. 4 ed. Rio de Janeiro: Wak Ed., 2012.

[22]BRASIL. Lei n. 9.394/1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em 5 ago. 2013.

[23]COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado – comentários jurídicos e sociais. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010.

[24]ONU. Programa de Ação Mundial para as Pessoas Deficientes. Disponível em: <http://www.educacao.salvador.ba.gov.br/site/documentos/espaco-virtual/espaco-educar/educacao-especial/documentos/programa%20de%20acao%20mundial%20para%20pessoas%20deficientes.pdf>. Acesso em 5 ago. 2013.

[25]ONU. Programa de Ação Mundial para as Pessoas Deficientes. Disponível em: <http://www.educacao.salvador.ba.gov.br/site/documentos/espaco-virtual/espaco-educar/educacao-especial/documentos/programa%20de%20acao%20mundial%20para%20pessoas%20deficientes.pdf>. Acesso em 5 ago. 2013.

[26]TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia para Operadores do Direito. 4 ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

[27] PRAÇA, Élida Tamara Prata de Oliveira. Uma reflexão acerca da inclusão de aluno autista no ensino regular. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Educação Matemática, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação Matemática. Universidade Federal de Juiz de Fora.

[28]SECADI/MEC. Cartilha BPC na escola – 2012. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17009&Itemid=913>. Acesso em 5 ago. 2013.

[29]SECADI/MEC. Cartilha BPC na escola – 2012. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17009&Itemid=913>. Acesso em 5 ago. 2013.

[30]BRASIL. Lei n. 9.394/1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em 5 ago. 2013.

[31] PRAÇA, Élida Tamara Prata de Oliveira. Uma reflexão acerca da inclusão de aluno autista no ensino regular. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Educação Matemática, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação Matemática. Universidade Federal de Juiz de Fora.

[32]BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,1998.

[33] BRASIL. Lei n. 8.069/1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em 5 ago. 2013.

[34]BEZERRA, Adão Bonfim. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

[35]MAZZILLI, Hugro Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989.

[36]BRASIL. Lei n. 9.394/1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em 5 ago. 2013.

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Sobre a autora
Naiara Czarnobai Augusto

SECRETARIA DE INTEGRIDADE E GOVERNANÇA no Governo do Estado de Santa Catarina. Peofissional bacharel em Direito, e pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal, em Propriedade Intelectual, em Compliance e Direito Corporativo. Possui Certificação internacional em compliance público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AUGUSTO, Naiara Czarnobai. A educação de crianças autistas e o papel do Ministério Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4137, 29 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30697. Acesso em: 22 dez. 2024.

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