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Penhora de quotas e ações na sociedade limitada

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O presente paper objetiva dissertar acerca do instituto da penhora em face da execução por quantia certa contra devedor solvente. Analisa-se a penhorabilidade, em especial das cotas das sociedades empresárias quando em face de dívida particular de sócio.

Resumo: O presente paper objetiva dissertar acerca do instituto da penhora em face da execução por quantia certa contra devedor solvente. Analisa-se a penhorabilidade, em especial das cotas das sociedades empresárias quando em face de dívida particular de sócio. Apesar da recente lei de 2011 ter previsto a penhorabilidade de tais cotas, visa-se aqui considerar instituto do direito empresarial, que presa por princípios como o affectio societatis, e que com a nova sistemática podem ser desrespeitados, podendo prejudicar substancialmente o corpo social, contribuindo muitas vezes para sua dissolução.

Palavras-chave: Penhora – Quotas Sociais – Desdobramentos – Adjudicação – Sociedade Limitada

Sumário: Introdução; 1. A Penhora no Código de Processo Civil; 2. A discussão sobra a penhorabilidade das cotas sociais; 3. Dos atos de alienação do bem penhorado e do direito de preferência do sócio na adjudicação; Considerações Finais.


Introdução

De início, busca-se esclarecer acerca do instituto da Penhora. Lembrar também que em primeiro lugar e antes de penhorar as quotas do sócio da sociedade limitada, buscam-se outros bens que estejam em nome do devedor. A penhora somente recairá sobre os bens do sócio devedor se não houverem bens suficientes para solver sua dívida. Portanto, a ideia é a de que não haverá afetação da sociedade se o devedor tiver bens suficientes.

Abordar-se-á acerca do entendimento ainda não pacífico de que as cotas sociais podem ser penhoradas, já que não estão enquadradas dentre os bens considerados impenhoráveis. Essa posição é tendência ultimamente, mas ainda não consolidada. Quanto ao artigo 649, I, do CPC que proíbe a alienação dos bens impenhoráveis, surgem aqueles que defendem ser de tal característica as cotas sociais. Aqui, abordaremos a existência de correntes doutrinárias que divergem acerca desse entendimento, que envolve muito mais do que processo e sim direito de empresa.

Embora ainda latente, muitos acreditam que essa discussão está ultrapassada e que a lei dá respaldo suficiente para a realização da penhora. O que buscam a doutrina e a jurisprudência, superada a fase de se cogitar cotas sociais como impenhoráveis, são meios que não afetem o affectio societatis, quando da imposição de um terceiro estranho ao corpo da empresa. Aqui reside o objetivo do trabalho, qual seja, o de apontar soluções como as previstas no artigo 1117 à 1119 do CC, que estabelece o direito de preferência aos sócios quando da aquisição das cotas, dentre outras soluções.


1. A Penhora no Código de Processo Civil

A penhora foi criada para satisfazer o crédito do executado por meio da apreensão de bens. A satisfação pode ser direta, que ocorre quando o próprio executado adquire o bem por meio da adjudicação, e indireta, se o bem for alienado e o pagamento for só assim, repassado ao exequente. Segundo Didier, et. al (2013, p. 552), a penhora serve para individualizar a responsabilidade patrimonial do devedor e enquanto esta sujeita o devedor de forma genérica e potencial, aquela atuaria de forma efetiva e específica de bens passíveis de execução. Luiz Fux (2008, p. 388) afirma que essa responsabilidade patrimonial vincula o Estado à busca e convertimento dos bens do devedor em dinheiro, para que assim seja satisfeita a pretensão do exequente. O rumo aqui percorre o da “execução por expropriação”, justamente pela condução do processo à busca de uma quantia certa. Para Fux (2008, p. 389), “A execução por quantia certa está para o processo de execução como o procedimento ordinário para o processo de conhecimento”, por ser tal execução genérica e substituir as específicas quando frustradas, já que todas poderão se converter em dinheiro. Importante destacar que essa espécie de execução se refere a uma obrigação que a outrem foi garantida por meio de um bem móvel ou imóvel, com característica de penhorável e será realizada em face de título extrajudicial, sendo portanto, auto-executável, e devendo por isso ser obrigação líquida, certa e exigível (p. 390-391).

A penhora é considerada o primeiro ato expropriatório nessa chamada execução por quantia certa contra devedor solvente. Quando o devedor é insolvente, o procedimento da execução se baseia em comprovar o estado de insolvência do executado e logo após se estabelece o concurso de credores, como expressam os artigos 761 e 751, III do CPC. Já quando em face da solvência do devedor, Ernane Fidélis Santos (2011, p. 168) diz tal se realizar no exclusivo interesse do credor.

De início, consiste em apreender bens em juízo que responderão pela execução. Vale ressaltar que será apenas considerada realizada em presença de efetivo depósito da coisa (art. 664), pois tal sem depósito configura ato incompleto. Poderá ela recair, sob disciplina do 671 e 677, sobre créditos ou outros direitos patrimoniais, estabelecimento comercial ou agrícola, semoventes ou edifício em construção (SANTOS, 2011, p. 168-169).

Fora os casos de impenhorabilidade, quaisquer bens do devedor poderão ser objeto de penhora, estejam eles em mãos do devedor ou de terceiros. E serão considerados bens do devedor também os daqueles que hajam sucedido ou por causa mortis ou inter vivos (BARBOSA, 2012, p. 239).

Didier et. al (2013, p. 552) afirmam que a penhora tem sempre três funções, que é de individualizar e apreender o bem, depositá-lo e conservá-lo, e atribuir direito de preferência ao credor. O primeiro ato da penhora é, portanto, sempre a busca por bens penhoráveis. Assim que estes forem individualizados e apreendidos, responderão à satisfação do crédito. Aqui, vale ressaltar mudança importante no que tange à nomeação dos bens. Com as leis 11.382 e 11.232, de 2006 e 2005, respectivamente, a nomeação deixou de ser um direito e passou a ser dever do exequente. Ele mesmo na petição inicial os nomeará, e apenas se pelos meios cabíveis, houver dificuldade em destacá-los, é que o magistrado requererá que o próprio executado os nomeie em 5 dias. Didier (p. 553) afirma que apesar de tais bens estarem destinados à expropriação, isso não significa que se perderá o domínio ou a posse, que se permanecem, mesmo que sobre eles, se tornarem ineficazes atos relativos à disposição dos mesmos.

Após essa fase, os bens são destinados a um depositário, que ficará responsável pela guarda e conservação dos bens, assim como de seus acessórios. Em relação à terceira função, que é a de conferir direito de preferência sobre o bem ao exequente, Didier deixa claro (p. 554) que não se exclui preferências anteriores sobre o mesmo bem, e que apenas quis beneficiar o credor mais “diligente” na busca pelo seu direito de crédito.

A natureza jurídica da penhora também é objeto de divergência doutrinária. É vista como ato cautelar, misto ou executivo. Didier (2013, p. 554) não a vê como cautelar porque apesar de sua função “conservativa”, ela não busca apenas preservar. Isso é apenas o início de todo o processo da penhora. Além do fato de que para ser cautelar, deveria preencher a eventualidade e acessoriedade, não precisa, da mesma forma, realizar-se em face do periculum in mora nem do fumus boni iuris, e é portanto, tese improcedente.

Quanto ao fato de ser misto, por ter natureza cautelar e executiva, Didier (p. 555) também discorda pelos motivos já expostos. É de predominante entendimento, considerar o ato executivo, pela característica de apreender o bem e fazer com que a responsabilidade patrimonial se efetive e recaia sobre bens.


2 A discussão sobre a penhorabilidade das cotas sociais

É necessário, antes de se discutir acerca da penhorabilidade de cotas da sociedade limitada, distinguir sociedade de capital e sociedade de pessoas. A de pessoas seria aquela em que se dá especial valor ao affectio societatis, onde o lucro não é a única persecução dos sócios da empresa, sendo de suma importância a afinidade pessoal entre eles. Consequentemente, o ingresso de terceiros é vedado. Por outro lado, a sociedade de capital negligencia fatores subjetivos, bastando apenas que cada membro desenvolva sua contribuição material com o objeto social da empresa. Com isso, fica simples a conclusão de que permitindo a livre cessão de cotas na sociedade de capital permite a penhora e o exequente apenas passa a figurar no quadro social da empresa. A grande celeuma se encontra quando da penhorabilidade das cotas da sociedade de pessoas, já que a doutrina diverge, com uns afirmando que as cotas fazem parte do patrimônio da sociedade e a dívida a ser executada faz parte do patrimônio do sócio, não devendo haver, portanto, alcance de um no outro (SARAIVA, 2008).

A penhorabilidade das cotas sociais de sociedade limitada é hoje permitida com a Lei n. 11.382 de 2006 e prevista no artigo 655, VI do CPC. Antes disso, no entanto, apesar do CPC de 1939 não ter disposição nesse sentido, grande parte da doutrina convergia para a possibilidade de penhorar essas cotas. A outra vertente não a permitia sob a justificativa de que seria necessária expressa previsão no estatuto social para que as cotas fossem alienadas sem que os outros sócios precisassem anuir (DIDIER JR.; et.al, 2013, p. 592-593).

Quando o Código de 1939 em seu artigo 930, V admitia expressamente a penhora sobre “direitos e ações”, sendo tais considerados as dívidas ativas, vencidas ou vincendas, constantes de documentos; as ações reais, reipersecutórias, ou pessoais para cobrança de dívidas e por fim, as quotas de herança em inventário e partilha e fundos líquidos em sociedade comercial ou civil, Alexandre Freitas Câmara (2008, p. 285) afirmou ser tais fundos líquidos não apenas o saldo presente de direito do sócio, mas também a parte de sua cota apurada quando da liquidação da sociedade. Segundo ele, isso não seria o mesmo que fundo social. A ideia que se pode inferir do dispositivo do Código de 1939 é de que os fundos sociais seriam impenhoráveis, mas não os fundos líquidos.

No entanto, Câmara (2008, p. 286) afirma que o posterior Código de 1973, por ter se omitido acerca de qualquer previsão sobre a penhorabilidade das quotas de sociedade limitada, exigiu do intérprete que discussões sobre a legislação anterior e Direito comparado, exigissem a correlata possibilidade da penhora das quotas.

A penhorabilidade das cotas sociais também vem regulamentada por meio do art. 1.026 do Código Civil, que dispõe acerca da possibilidade de credor do sócio, em face da insuficiência de bens do devedor, executar o que cabe a este nos lucros da sociedade ou na liquidação desta.

O parágrafo único complementa a possibilidade do credor também requerer que a cota seja liquidada, caso a sociedade não esteja dissolvida. Didier (2013, p. 593) desnuda nesse dispositivo uma relativização dessa penhorabilidade, haja vista o fato do credor apenas estar autorizado a requerer liquidação de cota nos casos de insuficiência de lucros, pois tais, se existentes, são os que deverão ser objetos de penhora. Isso tudo devido ao princípio da menor onerosidade, não configurando opção do exequente. Portanto, em busca à garantia do adimplemento da obrigação, as cotas são penhoráveis apenas em caráter eventual, podendo até mesmo o juiz, diante do caso concreto, rejeitar pedido de liquidação, se julgar prejudicial ao cumprimento da função social da empresa. 

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É importante salientar também que nas sociedades constituídas intuitu personae, os sócios também podem se responsabilizar pelas dívidas de seus sócios perante terceiros. Quando a lei permite que bens dos sócios do executado respondam com seus bens na execução, a razão é que a penhorabilidade dos bens de terceiros atendem à responsabilidade executiva do dono do bem. Entre os casos previstos em lei, temos o fiador judicial, o responsável tributário, o cônjuge do devedor, o adquirente do bem alienado em fraude de execução, e o sócio (BARBOSA, 2012, p. 239). Tal hipótese se encontra prevista no artigo 592, n° II do Código de Processo Civil, podendo, no entanto, exigir que primeiro sejam excutados os bens da sociedade. A responsabilidade de terceiros em execução está também prevista no Código Tributário Nacional, artigo 134 e também enquadra os sócios, em caso de liquidação da sociedade de pessoas. Ernanis Fidélis dos Santos (2011, p. 117) entra no mérito de analisar o que gera a responsabilidade desses sócios. Entende ser correto o posicionamento de que a responsabilidade do terceiro depende sempre de averiguação de um fato por meio de um processo de conhecimento. Parece ser mais viável e talvez por isso seja jurisprudência dominante do STF entender que não há necessidade de apurar tal responsabilidade em âmbito administrativo, podendo tal ação ser movida independentemente de procedimento. Tal ação, no entanto, teria de alegar o motivo que gerou tal responsabilidade (SANTOS, 2011, p. 118).

Para Ernane Fidélis dos Santos (2011, p. 170), as ações das sociedades por ações poderão ser penhoradas devido ao fato de constituírem bens de sociedade de caráter impessoal. O autor acha mais lógica a corrente doutrinária que embasada pelo artigo 720, entende que as quotas sociais compõem a sociedade mas que também são propriedade dos sócios, e por isso, devem responder por suas dívidas. Chega ao extremo da opinião de ver a sociedade extinta e liquidada, em caso de alteração no quadro social da empresa.

Câmara (2008, p. 286) também partilha da opinião de que a lei 11.382 de 2006 dirimiu quaisquer dúvidas sobre essa penhora, pois segundo ele, admitir sua não existência era apenas retirar do sócio devedor sua responsabilidade patrimonial por um bem não afastado de seu campo de incidência, já que pelo artigo 591, o executado responde pela obrigação com todos os seus bens. O autor também afirma que o ato de um terceiro ou do próprio exequente de adquirir a quota penhorada do sócio devedor não retira a característica da affectio societatis, pois, quando expropriadas e posteriormente adquiridas, darão face à que o adquirente ou até mesmo os sócios remanescentes promovam a dissolução e liquidação da sociedade. Com a lei, Câmara vê agora impossível que devedores mal intencionados cheguem a constituir empresa de responsabilidade limitada somente com o intuito de transferir seus bens apenas em quotas que nesse caso não seriam atingidas.

Quanto à ordem de pagamento, a lei chega a nomear uma ordem de preferência, que apesar de não obrigatória, e não vincular na prática que assim seja realizada a penhora, a ideia é que, de acordo com o artigo 655 na redação da Lei 11382, virão em primeiro lugar o dinheiro, em espécie, depósito ou aplicação em instituição financeira, veículos, bens móveis, imóveis, navios e aeronaves, ações e quotas de sociedade empresária, percentual no faturamento de empresa devedora, pedras e metais preciosos, títulos da divida pública dos entes federativos, títulos, valores mobiliários e outros direitos (BARBOSA, 2012, p. 240).

Não obstante os argumentos supracitados por grande parte da doutrina brasileira, há ainda correntes que vêem nas quotas sociais das sociedades de pessoas a característica da impenhorabilidade. O motivo é o fato de a quota fazer parte do capital social da empresa e que, portanto, é desligada da pessoa do sócio, além do que a penhora de tais quotas desnaturaria o sentido da sociedade, levando as vezes à extinção da sociedade ou alteração no quadro societário. Essa corrente entende que penhoráveis seriam apenas os fundos líquidos atribuídos ao devedor em sua parte delimitada (SANTOS, 2011, p. 170).

Portanto, mesmo tendo em vista a satisfação do crédito exequendo, a lei no entanto, prevê imunidade a certos bens, os impenhoráveis. Para José Carlos Barbosa Moreira (2012, p. 237), isso deriva da inutilidade da apreensão por óbice legal, por motivo maior que é o de não privar o devedor de bens não só dele, mas que necessários à subsistência da sua família, por exemplo. Além disso, têm-se os bens de valor apreciável por motivos personalíssimos e aqueles que por terem destinação social relevante, busca-se evitar a “pertubação excessiva”.

Ferreira (2007) acredita que o grande problema no que tange a penhorabilidade das quotas reside no momento em que tal cláusula deveria estar inclusa no contrato social da sociedade, prevendo justamente a impenhorabilidade das mesmas. A inclusão dessa cláusula é defendida pelo fato da importância que a interferência de um terceiro em uma sociedade que presa pelos atributos pessoais de cada um influencia na consecução do objeto social da empresa. Portanto, o autor defende que permitir tal penhorabilidade sustenta-se apenas em casos de omissão no contrato social, pois tal cláusula, estando presente, impede a penhora. O autor ainda defende que mesmo havendo omissão, ainda restam aos sócios insatisfeitos com a penhorabilidade a possibilidade de que para solver a dívida do credor, tais sócios realizem o pagamento da quantia, ficando sub-rogados nos direitos do credor satisfeito, como expressa o artigo 347 do Código Civil. A solução vista é que não havendo o pagamento do sócio devedor aos outros que se sub-rogaram nos direitos, é que se poderá liquidar a cota parte do sócio devedor, quando só assim não haverá prejuízo à empresa nem ao capital social.

Observa-se, para tanto, o que já dispõe decisão do próprio TJ-SP:

II A previsão contratual que proíbe à livre alienação das cotas de sociedade de responsabilidade limitada não impede a penhora de tais cotas para garantir o pagamento de divida pessoal de sócio. Tal constrição não encontra vedação legal e nem afronta o princípio da affectio societatis, não ensejando, necessariamente, entrada de novo sócio. (Apelação APL 1421304320058260000 SP 0142130-43.2005.8.26.0000)

Dessa forma, se observa plena e clara a possibilidade da utilização do instituto da penhora sobre os as quotas sociais, haja vista que tal prática não inclui terceiro algum na sociedade existente, mas sim se trata apenas de uma garantia à qual o credor terá para o cumprimento da obrigação instituída.  


3 Dos atos de alienação do bem penhorado e o Direito de Preferência do sócio na adjudicação

Conforme se pontuou anteriormente a controvérsia acerca da penhorabilidade das cotas sociais fora expressamente superada com a edição da Lei 11.382/2006 que, alterando a redação do artigo 655, VI do Código Processual Brasileiro, elencou as quotas empresariais dentre os bens passives de sofrer a constrição judicial para satisfação de determinada obrigação inadimplida. Nesta esteira, “inadmitir tal penhora implicaria retirar da responsabilidade patrimonial um bem que não se encontrava expressamente afastado de seu campo de incidência.” (CÂMARA, 2008, p. 286).

     No contexto do atual processo executivo a avaliação dos bens penhorados ocorre na mesma oportunidade da penhora, e é conceituada como “ato que prepara a expropriação, consistente em perícia pela qual se define o valor dos bens penhorados”. (WAMBIER, 2006, p. 187).

     Assim, passamos nesta fase do presente estudo ao passo exatamente subsequente ao momento da penhora e avaliação dos bens penhorados, os denominados desdobramentos da penhora, quais sejam: a Adjudicação; a Alienação por Iniciativa Particular; e Alienação em Hasta Pública. Estes desdobramentos, também denominados de ‘’atos de expropriação’’, são, inclusive, o ponto nodal no que se refere às quotas de sociedades empresárias, conforme se objetiva demonstrar adiante.

     Para efeito de melhor explanação da ideia que aqui se pretende deduzir, começaremos discorrendo sobre o último ato expropriatório a ser intentado em determinada fase processual executiva, a Alienação em Hasta Pública. Isso porque este tipo de alienação do bem penhorado somente deve ser praticado se tais bens não houverem sido adjudicados ou alienados. (CÂMARA, 2008, p. 293).

     O consagrado processualista Humberto Theodoro Júnior procura sintetizar a conceituação deste ato em verdadeira licitação, “onde os bens penhorados serão retirados do patrimônio de seu proprietário e irão incorporar ao patrimônio de quem os arrematar, sendo o arrematante aquele que der a melhor oferta pelos bens.” (THEODORO JÚNIOR, 1997, p. 227).

     A Hasta Pública poderá ser realizada através de duas espécies: a praça (para expropriação de bens e imóveis) e o leilão (para bens móveis). Deverá ainda ser publicado um edital, contendo todos os elementos dispostos no artigo 686 do Código Adjetivo Brasileiro:

Art. 686.  Não requerida a adjudicação e não realizada a alienação particular do bem penhorado, será expedido o edital de hasta pública, que conterá:

I - a descrição do bem penhorado, com suas características e, tratando-se de imóvel, a situação e divisas, com remissão à matrícula e aos registros;

II - o valor do bem;

III - o lugar onde estiverem os móveis, veículos e semoventes; e, sendo direito e ação, os autos do processo, em que foram penhorados;

IV - o dia e a hora de realização da praça, se bem imóvel, ou o local, dia e hora de realização do leilão, se bem móvel;

V - menção da existência de ônus, recurso ou causa pendente sobre os bens a serem arrematados;

VI - a comunicação de que, se o bem não alcançar lanço superior à importância da avaliação, seguir-se-á, em dia e hora que forem desde logo designados entre os dez e os vinte dias seguintes, a sua alienação pelo maior lanço (art. 692).

Outra possibilidade de expropriação do bem penhorado consiste na Alienação por Iniciativa Particular. Trata-se de expediente conhecido no Direito Italiano, através do qual o exequente poderá requerer que seja os bens penhorados alienados por sua própria iniciativa ou por intermédio de corretor credenciado perante a autoridade judiciária.(CÂMARA, 2008, p. 292).

  Art. 685-C. Não realizada a adjudicação dos bens penhorados, o exequente poderá requerer sejam eles alienados por sua própria iniciativa ou por intermédio de corretor credenciado perante a autoridade judiciária.

        § 1º O juiz fixará o prazo em que a alienação deve ser efetivada, a forma de publicidade, o preço mínimo (art. 680), as condições de pagamento e as garantias, bem como, se for o caso, a comissão de corretagem.

        § 2º A alienação será formalizada por termo nos autos, assinado pelo juiz, pelo exeqüente, pelo adquirente e, se for presente, pelo executado, expedindo-se carta de alienação do imóvel para o devido registro imobiliário, ou, se bem móvel, mandado de entrega ao adquirente.

        § 3º Os Tribunais poderão expedir provimentos detalhando o procedimento da alienação prevista neste artigo, inclusive com o concurso de meios eletrônicos, e dispondo sobre o credenciamento dos corretores, os quais deverão estar em exercício profissional por não menos de 5 (cinco) anos.

Tal instituto surgiu na esteira destas ondas reformistas com o escopo de conferir maior efetividade e celeridade aos meios expropriatórios. O objetivo da Alienação particular, trazida com a edição da Lei nº 11.382/2006, é, portanto, completar um ciclo voltado ao aperfeiçoamento da tutela jurisdicional executiva. (KOZIKOSKI, 2007).

Vale ressaltar que, conforme leciona o mestre Araken de Assis, “a alienação particular possui caráter negocial e público, pois eventual convergência entre as partes quanto ao conteúdo das propostas, nas condições fixadas pelo poder judiciário, conferem pluralidade ao negócio.” (ASSIS, 2009, p. 800).

Outro ponto importante sobre este estatuto que vale ser discorrido é sua preferência em relação a Alienação em Hasta Pública. Isso porque, em hasta pública as pessoas comparecem com o intuito de fechar um grande negócio, pretendendo adquirir bens por preço inferior á avaliação. Enquanto que as pessoas que procuram corretores especializados na alienação de certos tipos de bens já estão propensas a pagar pelos bens que lhes interessam o valor que realmente valem. (CÂMARA, 2008, p. 293).

A última hipótese de desdobramento da penhora que aqui iremos tratar é a Adjudicação. Este, aliás, é o preferencial meio de alienação dos bens penhorados desde a edição da Lei nº. 11.382/2006. É ato executivo através do qual se entrega ao exequente o bem outrora penhorado. Os bens expropriados do patrimônio do executado são diretamente transferidos ao patrimônio do exequente.

Luiz Guilherme Marinoni assim conceitua o instituto da adjudicação:

“Corresponde ao recebimento do bem penhorado pelo exequente, descontando-se o valor da execução do valor da coisa. Trata-se de forma de pagamento de dívida executada, pelo qual há transferência direta de patrimônio do devedor para o credor. A responsabilidade patrimonial, poder-se-ia dizer, é linear, autorizando o credor a tomar parte do patrimônio do devedor por conta da divida não paga.”(MARINONI, 2007, p. 315).

Na Adjudicação, “a entrega do bem penhorado para o credor simplifica a execução, e permitir-lhe ficar com o bem em troca da dívida ou aliena-lo fora do processo. Desta forma o exequente não é obrigado a se contentar com o valor obtido a partir da alienação judicial do bem, podendo incorporá-lo ao seu patrimônio ou vende-lo na forma que lhe aprouver, sem a presença da jurisdição.” (MARINONI, 2007, p. 314).

Art. 685-A. É lícito ao exequente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer lhe sejam adjudicados os bens penhorados.

Não obstante, no que se refere especificamente à penhora de quotas de sociedade empresária limitada, nenhuma das três hipóteses de desdobramentos se apresenta como alternativa adequada.

A sociedade limitada é “aquela em que duas ou mais pessoas se reúnem para a obtenção de lucro comum, limitando sua responsabilidade à soma do capital social.” (REQUIÃO, 1993, p. 263). Tal tipo societário apresenta como principais características o caráter Intuitu Personae e a Affectio societatis.

Isso significa dizer que a sociedade limitada pressupõe um vínculo já existente entre seus sócios, pauta-se, essencialmente, na qualidade pessoal dos sócios e não em fatores econômicos e financeiros necessários à formação do capital. A Affectio societatis é a pretensão dos sócios de se unirem, com semelhantes interesses e que colaboram na consecução do objeto social.

Deste modo, nota-se que qualquer das três formas de alienação do bem penhorado – na hipótese de quotas de sociedades limitadas – significaria a entrada de um terceiro absolutamente estranho à relação de confiança existente entre os sócios e essencial à manutenção da sociedade empresária.

Ademais, Maria Helena Diniz, interpretando o artigo 1.025 do Código Civil, explica que se alguém adquirir a condição de sócio após a sociedade já estar constituída, assumirá ele todas as obrigações passivas existentes à época de sua admissão.

Essa regra é uma decorrência do princípio da responsabilidade ilimitada, segundo o qual os sócios devem suportar os ônus e obrigações perante terceiros independentemente do momento em que se associaram. Já no caso do sócio que se retira da sociedade, sua responsabilidade subsistirá pelo prazo de dois anos após a sua saída (ai. 1.003, parágrafo único), em caráter solidário com o sócio que ingressou.

Isto implicaria dizer que o novo sócio antes credor, ou ainda o terceiro de boa-fé, que arrematou as quotas da sociedade do devedor em hasta pública passa as ser devedor na dívida da empresa em que se tornou sócio, sem ao menos ter tido a oportunidade de saber as condições reais das dívidas da empresa, mesmo porque era “estranho” à sociedade até então.

Desta forma, entendemos que surge como única alternativa ao presente caso é a aplicação do direito de preferência na Adjudicação. Assim, sendo o exequente, pessoa que não ostenta a condição de sócio, será intimada da penhora a própria sociedade, e será garantido o direito de preferência dos demais sócios, que poderão pleitear a adjudicação das mesmas.

Tal Direito possui previsão no parágrafo 4º do artigo 685-A do Código de Processo Civil:

Art. 685-A.  É lícito ao exequente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer lhe sejam adjudicados os bens penhorados.

§ 4º No caso de penhora de quota, procedida por exequente alheio à sociedade, esta será intimada, assegurando preferência aos sócios.

Assim, a efetivação do Direito de Preferência previsto no mencionado dispositivo legal garantiria, de um lado, o exato adimplemento da dívida objeto da execução, uma vez que o sócio interessado pagaria justamente o valor da avaliação pelas quaotas penhoradas, e de outro lado garantiria, outrossim, a preservação do affectio societatis e do caráter intuitu personae, características inerentes ás sociedades empresárias do tipo Limitada.


REFERÊNCIAS

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FUX, Luiz. O Novo Processo de Execução: O cumprimento da Sentença e a Execução Extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

ITAMAR, Gaino. Responsabilidade dos sócios na sociedade limitada. 3 ed. Saraiva: 2012.

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MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil, vol. 3, 2007.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro. 29 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2012.

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REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, vol. I. 21ª. Edição. São Paulo: Saraiva, 1993.

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Sobre os autores
Victor Nogueira de Figueiredo

Aluno do 6° período da UNDB.

Ana Flávia Abreu Bezerra dos Santos

Aluna do 6° período da UNDB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIGUEIREDO, Victor Nogueira ; SANTOS, Ana Flávia Abreu Bezerra. Penhora de quotas e ações na sociedade limitada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4225, 25 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30752. Acesso em: 22 dez. 2024.

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