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A responsabilidade civil objetiva do Estado por suas condutas administrativas omissivas

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O sentido que melhor se adéqua à teleologia do art. 37, § 6º, da Constituição é o de que a Administração responde objetivamente pelos danos que seus agentes causam a terceiros, seja por ação ou omissão.

Resumo: O presente trabalho aborda a temática acerca da responsabilidade civil objetiva do Estado pelos danos decorrentes de suas omissões administrativas. Nessa esteira, analisa-se a responsabilidade do Estado no Brasil à luz do disposto no art. 37, §6º, da Constituição Federal, estabelecendo os seus elementos e características.

Com efeito, o trabalho de que ora se cuida, intitulado “A Responsabilidade Civil Objetiva do Estado por suas condutas administrativas omissivas”, vem trazer à tona que a Carta Magna de 1988, através do seu art. 37, §6º, tem por finalidade proteger o direito da vítima ao efetivo ressarcimento pelos prejuízos suportados, assim é inadmissível extrair interpretação contrária a essa teleologia do dispositivo.

Nesse diapasão, conclui-se que a responsabilidade da Administração por suas condutas omissas é objetiva, haja vista esse ser o sentido que melhor se coaduna à finalidade protetiva do aludido preceito constitucional.

Portanto, a redação constante no art. 37, §6º, engloba a responsabilidade civil objetiva tanto para as ações quanto para as omissões, assim, interpretação em sentido contrário acarretaria em colisão com o brocardo ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus (onde a lei não distingue não pode o intérprete distinguir). Logo, resta claro que o propósito do constituinte de 1988 foi resguardar o direito do lesado à indenização pelos danos sofridos sem distinções para as condutas comissivas e omissivas do Estado.

Palavras-Chave: RESPONSABILIDADE DO CIVIL ESTADO, TEORIA SUBJETIVA, TEORIA OBJETIVA, OMISSÕES ADMINISTRATIVAS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Sumário: 1.Introdução 2.Considerações Gerais Temáticas 3. Fundamento Teórico e Evolução da Responsabilidade Civil. 4.Teoria adotada pelo art. 37, §6º, da Constituição Federal de 1988 5. A posição da Doutrina Tradicional acerca do tema 6.A Responsabilidade Civil Objetiva do Estado por seus comportamentos administrativos omissivos 6.1.O intervencionismo do Estado e o reflexo na consagração da responsabilidade do Poder Público por suas omissões 6.2. O sentido almejado pelo constituinte brasileiro de 1988 com a elaboração do art. 37, §6º, da Constituição 7.Conclusão 8.Referências Bibliográficas.


1. Introdução

A discussão a respeito da responsabilidade civil do Estado por suas omissões administrativas tem despertado o interesse da sociedade como um todo, uma vez que à população é lesada diretamente em decorrência dessa inércia estatal. Um exemplo comumente utilizado pelos doutrinadores para figurar a situação, é o caso dos deslizamentos de terras, presentes em épocas chuvosas e acarretados pela ausência de contenção de encostas desenvolvidas pela Administração, provocando, não raro, além dos evidentes prejuízos materiais, a morte de diversas pessoas.

Situações como a representada no exemplo acima fomentaram, no plano do Direito, o debate acerca da natureza da responsabilidade civil do Estado pelos danos decorrentes de seus comportamentos administrativos omissivos.

Nessa esteira, constata-se hodiernamente uma intensa controvérsia doutrinária e jurisprudencial. Em suma, tal divergência consiste na adoção, ou não, da teoria objetiva da responsabilidade civil estatal no tocante às condutas omissivas da Administração que venham a acarretar danos a terceiros.

Assim, destacam-se dois posicionamentos, a saber: o primeiro, primordialmente sustentado por Celso Antônio Bandeira de Mello, defende que é subjetiva a responsabilidade civil do Estado pelos danos oriundos de suas omissões, ao passo que o segundo sentencia no sentido da responsabilidade objetiva da Administração por seus comportamentos omissivos danosos, assim, dispensando-se a vítima da prova da culpa do serviço ou do agente causador da lesão.

Com efeito, o presente trabalho caminha no sentido de demonstrar que, à luz das disposições constantes na Constituição Federal de 1988, a responsabilidade civil do Estado pelos danos advindos de suas omissões administrativas é de natureza objetiva, tendo como base a teoria do risco.

Nesse contexto, será demonstrada a natureza objetiva da responsabilidade civil da Administração por suas omissões danosas, analisando-se os reflexos sobre esse instituto, da adoção do modelo de Estado Social pelo constituinte de 1988, bem como o sentido e alcance do art. 37, § 6º, da Carta Magna, com base na pesquisa bibliográfica realizada a respeito da problemática.

Por derradeiro, serão apresentadas as conclusões acerca do tema.


2. Considerações Gerais Temáticas

A responsabilidade civil extracontratual do Estado pode decorrer do exercício de quaisquer das funções desempenhadas pelo mesmo, quais sejam: a administrativa, a legislativa e a jurisdicional (DI PIETRO, 2007. p. 595).

Desse modo, resta claro que tanto os comportamentos administrativos positivos e negativos quanto os atos e omissões legislativos e judiciais do Estado podem acarretar danos a terceiros, ensejando, consequentemente, a obrigação do Poder Público de indenizar os lesados.

O presente trabalho traz como enfoque a natureza da responsabilidade civil estatal por suas condutas administrativas omissivas, sejam elas materiais ou jurídicas. Portanto, fica excluída da abordagem em tela, a análise da responsabilização do Estado pelos prejuízos oriundos de suas omissões legislativas ou judiciais.


3. Fundamento Teórico e Evolução da Responsabilidade Civil

Como decorrência da prestação obrigatória dos serviços públicos, é natural que o Estado seja chamado à responsabilidade mais vezes do que o particular. Assim, é notório que a sua responsabilização é mais radical do que para as empresas privadas, muitas vezes objetiva.

O fundamento teórico da responsabilidade civil do Estado divide-se em dois princípios: princípio da legalidade e princípio da igualdade (esse justifica a responsabilização do Estado pela prática de atos lícitos, como a construção de um presídio no entorno de uma vizinhança, a partir de uma compensação ou solidariedade de riscos e danos).

No tocante à evolução da responsabilidade civil nota-se que no começo havia a teoria da irresponsabilidade do Estado, historicamente consagrada na máxima inglesa The King can do not wrong (“o rei não erra”), bem como na fórmula francesa Lê roi ne peut mal faire. Assim, resta claro que, durante o absolutismo, o rei era tido como representante da Divindade e não poderia ser responsabilizado.

No período de transição entre o fim do Império e o Código Civil de 1916, não havia regramento específico sobre responsabilização do Estado, no entanto ele passou a responder em situações mais explícitas.

Posteriormente, surgia a Teoria da Responsabilidade Subjetiva do Estado, inaugurado no Brasil com o Código Bevilácqua. Era atrelado à prática de atos ilícitos. Além dos elementos conduta (comissiva ou omissiva), nexo causal (elo) e dano (para que não haja enriquecimento sem causa), há o elemento culpa, abarcando dolo e culpa em sentido estrito.

No primeiro momento, a responsabilidade subjetiva exigia a indicação de quem foi o agente que praticou o ato. Era chamada de teoria da culpa do agente.

Tempos depois, a concepção sobre o tema baseou-se na ideologia da Teoria da Culpa do Serviço ou Culpa Anônima ou da Falta do Serviço (Faute du Service). De acordo com os ensinamentos de Paul Duez, citado por Hely Lopes Meirelles (2007, p. 651), a culpa do serviço apresenta-se sob três modalidades, a saber: “inexistência do serviço, mau funcionamento do serviço ou retardamento do serviço”.

Com efeito, basta demonstrar a ausência do serviço devido, ou o seu funcionamento defeituoso ou retardado, para que haja configuração da culpa administrativa ou falta do serviço, independentemente da comprovação da culpa pessoal de determinado funcionário, acarretando-se, pois, a correlata obrigação do Poder Público de indenizar o lesado.

Urge lembrar, outrossim, que a teoria da faute du service implica na responsabilidade subjetiva do ente estatal, e não objetiva, tal como adverte Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 967-969).

Nesse contexto, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, citado por Cavalieri Filho (2005, p. 251), assevera que

a responsabilidade por falta de serviço, falha do serviço ou culpa do serviço, seja qual for a tradução que se dê à fórmula francesa faute du service, não é, de modo algum, modalidade de responsabilidade objetiva, mas subjetiva, baseada na culpa do serviço diluído na sua organização, assumindo feição anônima ou impessoal. Responsabilidade com base na culpa, enfatiza o Mestre, e culpa do próprio Estado, do serviço que lhe incumbe prestar, não individualizável em determinado agente público, insuscetível de ser atribuída a certo agente público, porém no funcionamento ou não funcionamento do serviço, por falta na sua organização. Cabe, neste caso, conclui o professor, à vítima comprovar a não prestação do serviço ou a sua prestação retardada ou má prestação, a fim de ficar configurada a culpa do serviço, e, consequentemente, a responsabilidade do Estado, a quem incumbe prestá-lo.

Portanto, para a deflagração da responsabilidade por culpa administrativa, não basta a mera relação de causalidade entre um comportamento positivo ou negativo do Estado e um determinado evento danoso, como se dá em sede de responsabilidade objetiva, revelando-se imperioso demonstrar, além disso, a culpa do serviço, o elemento subjetivo consistente na falha da máquina estatal, isto é, na ausência do serviço, ou na sua prestação defeituosa ou retardada.

Noutro prisma, é notório que o Estado pode se eximir da responsabilidade civil, de acordo com a teoria da faute du service, alegando haver se comportado com diligência, prudência e perícia, o que jamais poderia ocorrer em se tratando de responsabilidade objetiva, na qual se revela inadmissível perquirir a respeito da culpa (MELLO, 2007, p. 968).

Por derradeiro, nota-se que a teoria da culpa administrativa, apesar de romper com a concepção civilista de responsabilidade do Estado, ainda exige muito da vítima - como pondera Hely Lopes Meirelles (2007, p. 651) -, a qual, “além da lesão sofrida injustamente, fica no dever de comprovar a falta do serviço para obter a indenização”, providência essa que, não raro, mostra-se inviável, à vista do caso concreto.

Em 1946 com a promulgação da Constituição Federal surge a Responsabilidade Civil Objetiva do Estado, definida nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p.969-970),

Responsabilidade objetiva é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la basta, pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano.

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A partir de então, esse posicionamento permanece sendo a regra, assim, valendo tanto para atos lícitos como ilícitos e sendo exigíveis como elementos apenas a conduta, nexo causal e dano.

A responsabilidade civil objetiva do Estado tem como base a Teoria do Risco Administrativo. Conforme a mencionada concepção teórica, a atividade exercida pela Administração gera risco para a coletividade, podendo decorrer, desse seu atuar, a causação de danos em desfavor de parte dos administrados, impondo-lhes, assim, um ônus não suportado pelos demais (MEIRELLES, 2007, p. 651).

Destarte, considerando que a atuação administrativa é desempenhada em prol de toda a sociedade, resta claro que a reparação dos prejuízos advindos do exercício dessa atividade deve ser custeada não apenas pelos indivíduos lesados, mas, também, pelos outros integrantes do meio social, através do próprio Estado (MEIRELLES, 2007, p. 651).

Com efeito, fica superada a idéia de culpabilidade do agente pela de causalidade do ato (MONTEIRO apud CAHALI, p. 38).

Nesse sentido, assevera Yussef Said Cahali (2007, p. 35):

A concepção publicística da responsabilidade civil do Estado – em cujo êxito tanto se empenharam os administrativistas -, ao consagrar a responsabilidade objetiva do ente estatal, degenera, desenganadamente e sem paliativos, na adoção da teoria do risco, risco criado pelas atividades normais ou anormais da Administração; mostra-se, assim, incompatível com a concepção da faute du service, com a culpa anônima da Administração, como causa da responsabilidade civil do Estado, no que esta nada mais é que uma transposição e adaptação, no âmbito do Direito Público, de uma concepção privatística por excelência. (grifos do autor)

Convém atentar que a teoria do risco administrativo, a despeito de dispensar a prova da culpa da Administração ou de seus agentes pela vítima, não implica a responsabilização do Estado em toda e qualquer hipótese. Portanto a responsabilidade é baseada numa presunção juris tantum, pois é permitido ao ente público invocar e comprovar a existência de causas excludentes do nexo de causalidade, quais sejam: fato exclusivo da vítima ou de terceiro, caso fortuito e força maior (CAVALIERI FILHO, 2005, p. 253).

Por fim, insta salientar que, excepcionalmente, admite-se a responsabilidade objetiva do Estado com base na teoria do risco integral, que não possui excludente. Há muita polêmica nesse assunto. No entanto, a doutrina assevera que as normas inseridas no ordenamento jurídico pátrio acarretaram em hipóteses que consagram a teoria do risco integral, a saber, em casos de dano ambiental, nuclear, em material bélico e danos em atentados terroristas praticados em aeronaves. (DI PIETRO, 2009. p. 647-648).


4. Teoria adotada pelo art. 37, § 6º da Constituição Federal de 1988

Como sabido, a Carta Maior de 1988 veio a disciplinar o tema da responsabilidade civil do Estado em seu art. 37, § 6º, com a seguinte redação:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Consoante se depreende da leitura do dispositivo constitucional acima, há duas espécies de relações de responsabilidade: a primeira é configurada entre as pessoas jurídicas de direito público ou das de direito privado prestadoras de serviço público em face da vítima do dano, ao passo que a segunda é aquela mantida entre o agente público causador do dano e a Administração ou empregador.

No tocante à segunda relação, é pacífico o entendimento de que a responsabilidade do servidor perante o Estado, em sede de ação regressiva, é de ordem subjetiva, ou seja, depende da verificação da culpa ou dolo do agente responsável, com fulcro no art. 37, § 6º, in fine, do Texto Constitucional. (MEDAUAR, 2007, p. 369).

Lado outro, à primeira relação aludida no referido texto constitucional não é dotada unanimidade no que tange ao sistema de responsabilização: se a teoria do risco administrativo, ou a teoria do risco integral. Todavia, resta clara a consagração por ambas as teorias, em regra, da responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados a terceiros, haja vista o preceito não exigir a averiguação de elementos subjetivos.

Nesse contexto, Hely Lopes Meirelles (2007, p. 652) consagra seu entendimento de distinção entre o risco administrativo e o risco integral, sob o argumento de que, nesse último caso, “A Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima”, circunstância essa que não é agasalhada pela teoria do risco administrativo em face das suas excludentes do nexo de causalidade.

Diante disso, conclui o autor que o constituinte de 1988 acolheu a teoria objetiva pautada na modalidade do risco administrativo, e não do risco integral, uma vez que essa implicaria em demasiados encargos para o Estado.

Na mesma linha, leciona Sergio Cavalieri Filho (2005, p. 258) ao afirmar que a Constituição em seu artigo 37, § 6º, ao estabelecer que o Estado só responde pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem aos administrados, abraçou expressivamente a teoria do risco administrativo, tendo em vista que condicionou a responsabilidade objetiva do Poder Público ao dano decorrente, apenas, de sua atividade administrativa, e não de fato exclusivo da vítima ou de terceiro, de caso fortuito ou de força maior, hipóteses nas quais estaria excluído o nexo causal.

No entanto, boa parte da doutrina não acolhe essa distinção entre as teorias do risco integral e administrativo, ao argumento de que se trata de mera questão terminológica, como assevera Weida Zancaner Brunini (1981, p. 59-60):

Julgamos tratar-se de mera questão semântica, porque o simples exame de obras como a de, por exemplo, Octávio de Barros, faz ver que esse autor, declarando-se reiteradamente em comunhão com os adeptos da teoria do risco integral, em momento nenhum preceitua o ressarcimento nos casos de força maior ou culpa da vítima; ao contrário, deixa bem claro seu posicionamento, do qual, aliás, não se afastam os demais doutrinadores adeptos da modalidade do risco integral [...] Não há como delimitar o contorno das modalidades do risco administrativo, do risco integral e mesmo do acidente administrativo. Nesse terreno, extremamente movediço, há rótulos iguais para designar coisas diferentes, e rótulos diferentes para designar coisas iguais.

Yussef Said Cahali (2007, p. 40-41) também contraria a distinção entre as modalidades de risco realizada por Hely Lopes Meirelles, aduzindo que:

(...) a distinção entre risco administrativo e risco integral não é ali estabelecida em função de uma distinção conceitual ou ontológica entre as duas modalidades pretendidas de risco, mas simplesmente em função das conseqüências irrogadas a uma ou outra modalidade: o risco administrativo é qualificado pelo seu efeito de permitir a contraprova da excludente de responsabilidade, efeito que se pretende seria inadmissível se qualificado como risco integral, sem que nada seja enunciado quanto à base ou natureza da distinção. [...] É que, deslocada a questão para o plano da causalidade, qualquer que seja a qualificação que se pretenda atribuir ao risco como fundamento da responsabilidade objetiva do Estado – risco integral, risco administrativo, risco-proveito -, aos tribunais se permite a exclusão ou atenuação daquela responsabilidade quando fatores outros, voluntários ou não, tiverem prevalecido na causação do dano, provocando o rompimento do nexo de causalidade, ou apenas concorrendo como causa na verificação do dano injusto. (grifos do autor)

De toda sorte, nota-se que a questão reside em verificar se o comportamento do Estado foi, ou não, causa suficiente do dano, haja vista as correntes permitirem a exclusão ou atenuação da responsabilidade objetiva, desde que se verifique atividade fora da seara administrativa que tenha acarretado no evento danoso ou contribuído para a sua produção.

Ademais, é fundamental frisar que a doutrina tradicional brasileira segue o entendimento esposado por Celso Antônio Bandeira de Mello no tocante à teoria adotada pelo art. 37, § 6º, da Carta Maior. Desse modo, é agasalhada tanto a teoria da responsabilidade objetiva do Estado quanto à teoria da responsabilidade subjetiva no que tange à relação entre o Estado e a vítima.

Conforme tal parcela da doutrina, a responsabilidade objetiva do Estado, elencada na Constituição Federal, estaria limitada aos comportamentos positivos de seus agentes, isto é, quanto às suas ações. Sendo assim, se o Estado produz o evento lesivo que acarrete em dano ao administrado seu dever é repará-lo independentemente da culpa do serviço ou de seus agentes (MELLO, 2007, p. 974).

Por outro lado, em se tratado das omissões do Estado, ou seja, comportamentos administrativos negativos, preconiza-se a ideologia trazida pela teoria da responsabilidade subjetiva do Estado, com esteio na “faute du service”.

Nesse diapasão, aduz Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 977), “se o Estado não agiu, não pode ser ele, logicamente, o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano”.

E continua dispondo no sentido de que a responsabilidade do Estado por atos omissivos é sempre responsabilidade por comportamentos ilícitos, logo, subjetiva, já que inexiste “conduta ilícita do Estado [...] que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa), ou, então, do deliberado propósito de violar a norma que o constitua em determinada obrigação (dolo)” (MELLO, 2007, p. 977).

Insta salientar que segundo palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 978) a omissão do Estado é condição do dano, e não a sua causa, de sorte que, se o Estado não causou o evento danoso, também por esta razão não poderá ser considerado seu autor.

Em suma, consagra o autor que no tocante aos atos omissivos é imprescindível que o Estado tenha incorrido em uma ilicitude, consubstanciada no fato de não haver impedido a produção do resultado danoso, ou por haver sido insuficiente no desempenho dessa atividade, em virtude de haver adotado comportamento inferior ao padrão legal exigível, configurando-se, pois, a sua responsabilidade subjetiva (MELLO, 2007, p. 977).

Tal posicionamento teórico é seguido por doutrinadores como José dos Santos Carvalho Filho (2007, p. 448-450), Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007, p. 603), Diógenes Gasparini (2006, p. 983) e Lúcia Valle Figueiredo (2003, p. 264). Todavia, não se encontra pacificado no cenário jurídico nacional, uma vez que há divergências doutrinária e jurisprudencial no sentido de que o Estado responderia objetivamente tanto por suas ações quanto por suas omissões.

Por derradeiro, conclui-se que o art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988 consagra a responsabilidade objetiva, com fulcro na teoria do risco, nas relações entre o Estado e o administrado, bem como a responsabilidade subjetiva nas relações entre o Estado e o respectivo servidor, ressaltando que, no primeiro caso, existe divergência jurisprudencial e doutrinária a respeito da modalidade de responsabilização estatal quanto aos atos comissivos e omissivos de seus agentes.

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Sobre o autor
Caio Marinho Boaventura Santos

Advogado, Graduado pela UCSAL, Pós Graduado em Direito do Estado pelo JusPodivm/LFG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Caio Marinho Boaventura. A responsabilidade civil objetiva do Estado por suas condutas administrativas omissivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4056, 9 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30770. Acesso em: 19 abr. 2024.

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