Sumário: 1. Do Direito Adquirido – Generalidades 2. Do Direito Adquirido no Direito Previdenciário 3. A Evolução Histórica Previdenciária a partir da Emenda Constitucional Nº 20/1998. 3.1 Aposentadoria integral na regra de transição 3.2 Aposentadoria proporcional na regra de transição
1 DO DIREITO ADQUIRIDO - GENERALIDADES
Entende-se como direito adquirido uma espécie de direito subjetivo que somatiza-se ao patrimônio jurídico do sujeito de direito, sendo exigível jurisdicionalmente, se não for cumprido pelo sujeito de dever.
O direito adquirido possui origem histórica na Antiguidade Oriental, enraizado no direito chinês e hindu baseando-se na regra da retroatividade da lei, independente da situação de benefício ou malefício ao agente passivo.
Segundo MARTINS [1], diante da regra da retroatividade aplicava-se a “vontade do monarca, que não tinha limites no tempo.”
Já no direito grego e romano validava-se a regra da irretroatividade, que por sua vez só admitia exceção quando ocorresse interesse estatal em intervir e retroagir diante do seu benefício.
No Brasil, por sua vez o inciso III do art. 179 da Constituição de 1824 demonstrava que era vedada a lei utilizar da regra da retroatividade, aplicada assim a absoluta vedação de retroatividade.
Consecutivamente com a Carta Magna de 1891, o §3º do art.11, nos impõe aos Estados e à União a vedação de prescrever leis retroativas.
Com o advento então da Legislação Constitucional de 1934 vemos disposição do artigo 13, nº 3, que a lei não prejudicaria o direito adquirido e a coisa julgada, disposto esse repetido nas Constituições de 1946, 1967 e Emenda Constitucional nº 1, de 1969, alcançando por fim a atual constituição de 1988, não sendo expressa a irretroatividade da lei, tornando-a admissível em algumas matérias do direito como Direito Penal e Tributário.
A Constituição Federal por sua vez consagra o Direito Adquirido como um direito fundamental, sendo disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal/88 [2], senão vejamos o que nos diz in verbis:
“A lei não prejudicará o direito adquirido, ato perfeito e coisa julgada”.
Vemos a exposição do conceito direito adquirido segundo FIUZA [3], que expõe:
Direito adquirido é aquele que já foi concedido, mas que ainda não foi concretizado, ainda não foi desfrutado pelo adquirente. É o direito conquistado, mas não usufruído.
O ato jurídico perfeito é aquele já consumado, acabado e formalizado.
FIUZA detalha a conceituação das expressões para melhor compreensão do artigo como sendo:
Ato é toda a atuação humana que tenha por objetivo criar, modificar ou extinguir relações ou situações fáticas.
Ato jurídico porque cria direitos e deveres, é fonte do Direito.
Ato jurídico perfeito por já estar consumado.
Por ser um direito fundamental, conforme entendimento de NOVELINO [4], este possui aplicação imediata, mantendo uma vinculação ao valor de liberdade e, sobretudo, à dignidade da pessoa humana, sendo assim inalienável e imprescritível.
Conforme o entendimento de SAMPAIO [5] este é tomado como gênero em sentido amplo do qual o ato perfeito e a coisa julgadas são espécie, onde estes não dependem necessariamente de concretização legislativa.
GABBA, em sua obra “A Teoria della Retroattività delle Leggi” [6], escreveu:
“É direito adquirido todo direito que”:
a) seja conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo no qual o fato se viu realizado, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova a respeito do mesmo;
e que
b) nos termos da lei sob o império da qual se verificou o fato de onde se origina, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu.”
Declara ainda, in verbis, a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 6º, § 2º: [7]
“Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.”
PEREIRA [8] conceitua ainda o direito adquirido como:
“Direito adquirido, in genere, abrange os direitos que o seu titular ou alguém por ele possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício tenha termo pré-fixo ou condição preestabelecida, inalterável ao arbítrio de outrem. São os direitos definitivamente incorporados ao patrimônio do seu titular, sejam os já realizados, sejam os que simplesmente dependem de um prazo para seu exercício, sejam ainda os subordinados a uma condição inalterável ao arbítrio de outrem. A lei nova não pode atingi-los, sem retroatividade.”
MARTINS [9] afirma que é preciso fazer uma distinção entre direito adquirido, faculdade e expectativa de direito, uma vez que a faculdade é um meio de aquisição do direito, sendo anterior ao direito adquirido; já a expectativa de direito ocorre quando o beneficiário ainda não adquiriu todas as condições de adesão ao direito propriamente dito, ou seja, ainda não faz parte do seu patrimônio jurídico, não sendo lhe permitido o exercício imediato do direito, havendo assim na expectativa a expectativa de adquirir o direito no curso do tempo. Por fim o direito adquirido, já é o próprio direito consumado na vigência da lei anterior.
2 DO DIREITO ADQUIRIDO NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO
MARTINS [10] esclarece que o “direito adquirido em previdência social é um direito de aquisição sucessiva, no curso do tempo, sendo complexo;
[...] O segurado adquire o direito à aposentadoria no momento em que reúne todos os requisitos necessários para obtê-la.
O Governo Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1998, através da Emenda Constitucional nº20, com finalidade de promover o saneamento do Regime de Previdência Social, cria então uma alternativa para reunir todos os requisitos necessários para obtenção da aposentadoria, reduzindo o benefício previdenciário concedido pelo INSS, nos casos de aposentadoria precoce, instituindo assim o fator previdenciário que estipula como critério para cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição:
a)Idade;
b)Tempo de contribuição;
c)Expectativa de vida.
Mediante fórmula:
f= Tc x a/ Es x [ 1 + (Id + tc x a)/ 100 ]
Onde:
f = fator previdenciário;
Id = idade do contribuinte no momento da aposentadoria (id);
Es = expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria;
tc = tempo de contribuição;
a = alíquota no valor de 0,31, referente à contribuição de 11% do empregado mais a de 20% do empregador.
A esse conglomerado chamamos de “Fator Previdenciário”, sendo este uma equação utilizada para calcular a aposentadoria do segurado do INSS (Índice Nacional do Seguro Social).
Após a reforma, para se encontrar o salário de benefício, efetivamente aquilo que o aposentado irá receber, deveria se utilizar a seguinte fórmula:
Sb = M x f
Onde:
Sb = salário de benefício;
M = média dos 80% maiores salários de contribuição do segurado, corrigidos monetariamente;
f = fator previdenciário.
A Lei nº9876/99 estabeleceu assim através desse cálculo, a devolução ao segurado das contribuições pagas ao decorrer do tempo, mantendo um equilíbrio nas próprias contas da Previdência Social e a garantia legal do direito a aposentadoria a todos que submeterem ao cumprimento dos requisitos mínimos para a adesão do benefício.
Quanto à variável expectativa de vida, DELGADO [11] explica que a fórmula do fator coloca a expectativa de sobrevida da pessoa no momento de aposentadoria de forma inversamente proporcional ao seu valor; ou seja, quando as condições gerais da população melhoram, e isso se reflete na elevação da expectativa de sobrevida, o valor do fator diminui. É gerada, então, uma insegurança do segurado contribuinte em relação ao momento de requerer sua aposentadoria e em relação ao salário-base do seu benefício
A fim de entender melhor quanto ao critério da variável quanto à expectativa de vida é que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) tornou-se o responsável pela publicação da tábua completa de mortalidade para o total da população brasileira, diferenciando os sexos, pesquisa essa que deve ser publicada anualmente por força do Decreto- Lei 3.266/99.
Para tanto o IBGE através da pesquisa para análise da projeção da população brasileira de 27 de novembro de 2008 [12], acredita que a vida média do brasileiro chegará a média de 81 anos em 2050 devidos fatores como avanços medicinais, além das próprias melhorias das condições de vida, fator esse preocupante no tocante a diminuição da população ativa (cidadãos que estão trabalhando), onde a janela demográfica de pessoas com idades inferiores, a exemplo de 15 a 24 anos, tende a diminuir, aumentando significativamente o participação da população mais idosa.
3 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA PREVIDENCIÁRIA A PARTIR DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/1998
Através da Emenda Constitucional nº20/98 mudou-se o sistema de aposentadoria visando não mais o requerimento do benefício por tempo de serviço, mas sim pelo tempo de contribuição.
Com o advento dessa Emenda aconteceu a Reforma da Previdência, que por sua vez passou a subordinar a aposentadoria ao sistema contributivo e atuarial, ou seja, sistema securitário, com disposição legal no art. 201 da Constituição Federal de 1988 que assim dispõe [13]:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
Diante dessa evolução no sistema previdenciário percebeu-se que era necessária a isonomia no direito ao benefício, uma vez que antes dessa Emenda Constitucional bastavam os critérios idade e tempo de serviço para que ocorresse a aposentadoria por tempo de serviço, porém não se analisava o tempo de contribuição ferindo assim o princípio constitucional da Isonomia quando tratava com desigualdade os beneficiários no tocante ao fator contribuição.
Por se tratar de um direito adquirido aos beneficiários que estavam perto de ter concedido o pedido de aposentadoria é que diante da reforma previdenciária, institui-se a tabela de transição aos beneficiários e futuros beneficiários afetados durante esse período.
3.1 Aposentadoria integral na regra de transição
Conforme a regra de transição, teria direito a aposentadoria integral, o segurado inscrito até 16/12/1998, que atendesse às seguintes exigências cumulativas, de acordo com o artigo 9º, EC 20/98 [14]:
I – Contar com 53 anos de idade, se homem, e 48 anos de idade, se mulher;
II – Contar com o tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:
a)35 anos, se homem, e 30 anos, se mulher;
b)Um período adicional de contribuição (conhecido por pedágio) equivalente a, no mínimo, 20% do tempo que, em 16/12/98, faltava para atingir o limite de 35 anos, se homem, ou de 30 anos, se mulher.
Segundo KERTZMAN [15], como a regra da cumulação (idade e tempo de contribuição) não foi aprovada, apenas o tempo de contribuição de 35 anos para homens e, 30 anos para mulher, já há a garantia da aposentadoria integral, sem a necessidade do pedágio, passando assim a perder a eficácia para aposentadoria integral na regra de transição.
3.2 Aposentadoria proporcional na regra de transição
Aplica-se a aposentadoria proporcional por tempo de contribuição, o segurado inscrito até a data de 16/12/1998, que atendesse cumulativamente as exigências:
I - Contar com 53 anos de idade, se homem, e 48 anos de idade, se mulher;
II - Contar com o tempo de contribuição igual, no mínimo a soma de:
a) 30 anos, se homem, e 25 anos, se mulher;
b) O pedágio equivalente a, no mínimo, 40% do tempo que, em 16/12/1998, faltava para atingir o limite de 30 anos, se homem, ou de 25 anos, se mulher.
Cumpridos assim esses requisitos, o valor da aposentadoria proporcional equivalente a 70% do valor integral, acrescido 5% a cada ano que supere as alíneas “a” e “b”.
Esclarece KERTZMAN [16], que a regra da aposentadoria integral pode ser aplicada em alguns casos, diante do prazo disposto na alínea “a” que é menor que o atual prazo para concessão da aposentadoria. Este acredita ainda que haja um prejuízo financeiro aos beneficiários, não reduzindo o tempo de contribuição, mas apenas o valor percebido do benefício.
- MARTINS, op. cit., 2008. p. 46 .
- VADE MECUM COMPACTO. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos e Lívia Céspedes – 3. ed.– São Paulo: Saraiva, 2010 p. 09.
- FIUZA, op. cit., 2008. p. 87.
- NOVELINO, op. cit., 2008. p. 224; p.225.
- SAMPAIO, op. cit., 2005. p. 173; p. 174.
- GABBA, op. cit., 1891; p. 91.tradução livre
- VADE MECUM COMPACTO. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos e Lívia Céspedes – 3. ed.– São Paulo: Saraiva, 2010 p. 131.
- PEREIRA, op. cit., 1961, p. 125.
- MARTINS, op. cit., 2008. p. 47.
- MARTINS, op. cit., 2008. p. 49
- DELGADO, op. cit., 2008. p. 12.
- IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao. Acessado em: 29 de outubro de 2010.
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- VADE MECUM COMPACTO. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos e Lívia Céspedes – 3. ed.– São Paulo: Saraiva, 2010 p. 100.
- KERTZMAN, op. cit., 2008. p. 336;
- KERTZMAN, op. cit., 2008. p. 336; p. 337.
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DELGADO, Guilherme C.. Avaliação de resultados da lei do fator previdenciário. Brasília. Fevereiro de 2006. Disponível em: ipea.com.br. Acessado em: 27 de outubro de 2010.
FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 11 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
GABBA, Carlos Francesco. A Teoria della Retroattività delle Leggi. 3 ed. Torino: Torino Unione Tipográfico Editrice. 1891. v. 1.
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VADE MECUM COMPACTO. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos e Lívia Céspedes – 3. ed.– São Paulo: Saraiva, 2010 p. 100.