A profissionalização do apenado como forma de reabilitação

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18/08/2014 às 00:12
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Tendo em vista as dificuldades enfrentadas na sociedade brasileira com relação à segurança, qual o papel da profissionalização do apenado como forma de reabilitação?

RESUMO: Pretende-se evidenciar: os aspectos relevantes da preparação para a liberdade; a deficiente assistência oferecida pelo Sistema Penitenciário Brasileiro ao apenado e ao pré egresso, demonstrando que a verdadeira função da pena de prisão está longe de ser ressocializadora; o quanto é importante a execução de um trabalho nessa preparação devido à grande fragilidade desses indivíduos, que desmotivados e desvalorizados se refugiam em um mundo de ociosidade. A profissionalização do apenado é o ponto norteador dessa questão, o trabalho é um dever social que não só trará dignificação e alto estima, mas proporcionará a redução da pena através da remição pelo trabalho. Esta pesquisa trará, além desses questionamentos, também alguns conceitos básicos para um melhor entendimento do tema proposto e outros que visem demonstrar que a pena de prisão hoje no Brasil está longe de alcançar seus objetivos sociais de ressocialização, pois o Estado não pode se furtar de sua obrigação, usando apenas sua atribuição sancionatória, esquecendo-se de cumprir seu principal papel que é de proteger o cidadão, tanto o livre quanto o encarcerado. Há uma necessidade urgente na mobilização da sociedade concernente à crescente criminalidade que deve ser vista com preocupação. Somente proporcionando uma assistência adequada com um trabalho digno, pode-se ver o apenado reabilitado e integrado à sociedade.

Palavras chaves: Profissionalização. Reabilitação. Apenado. Trabalho. Cárcere. Sociedade. Dignidade.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO.1 .HISTÓRIA DA PENA DE PRISÃO.1.1.EVOLUÇÃO DA PENA.1.1.1 Período da Vingança Privada.1.1.2Período da Vingança Limitada.1.1.3.Período da Vingança Divina.1.1.4. Período da Vingança Pública: O Poder do Estado.1.1.5. Período Humanitário.1.1.6. Período Científico.1.2. CONCEITO DE PENA.1.2.1.Pena, Modalidade DE Sanção Jurídica de Um Ato Ilicito.1.3.SURGIMENTO DAS PRISÕES.1.3.1.O Poder Punitivo do Estado.1.4.FUNÇÕES DA PENA DE PRISÃO.1.4.1. As Teorias da Pena.1.4.1.1. Teoria Absoluta ou Retributiva.1.4.1.2. Teoria Relativa.1.4.1.2.1. A Finalidade da Prevenção Geral.1.4.1.2.1.1   Finalidade da Prevenção Geral Negativa. 1.4.1.2.1.2   Finalidade da Prevenção Geral Positiva.1.4.1.2.2.Teoria da Prevenção Especial.1.4.1.2.2.1   Finalidade da Prevenção Especial Negativa.1.4.1.2.2.2   Finalidade da Prevenção Especial Positiva.1.4.1.3. Teoria Mista.1.4.1.4 Teoria Agnóstica.2 .O TRABALHO SEU POTENCIAL EMANCIPADOR FAVORECENDO DIGNIDADE E REABILITAÇÃO.2.1.EVOLUÇÃO HISTÓRICA E A ETIMOLOGIA DA PALAVRA TRABALHO. 2.2.CONCEITO DE TRABALHO.2.3    ETIMOLOGIA E CONCEITO DE PROFISSÃO.2.4. ETIMOLOGIA E CONCEITO DE DIGNIDADE.2.4.1. Dignidade na Constituição Federal de 1988.2.4.2. A Dignificação pelo Trabalho.2.5 .ETIMOLOGIA E CONCEITO DE REABILITAÇÃO.3 A SITUAÇÃO DO APENADO NO BRASIL.3.1. FUNÇÃO SOCIAL DA LEGISLAÇÃO.3.1.1. Legislação Aplicada à Atividade Laboral do Apenado.3.2. A IMPORTÂNCIA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO APENADO COMO ALTERNATIVA DIGNA.3.2.1. A Remição pelo Trabalho.3.2.1.1.Breve Histórico da Remição.3.2.1.2 Definição e Procedimento do Instituto da Remição.3.2.1.3 Estrutura Oferecida nos Presídios com Objetivo da Remição.3.2.2.Remição pelo Estudo por Analogia In Bonam Partem.3.2.3.Remição Ficta.3.3.A ASSISTÊNCIA AO EGRESSO E AO PREEGRESSO.3.3.1.Os Patronatos.3.3.2.As FUNAP's.3.3.3.As APAC's. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

No início as prisões eram usadas somente como custódia. Serviam para guardar o delinqüente até a execução da pena que era de morte, mas com o advento do iluminismo as penas passaram a ser mais humanas e com o desenvolvimento das populações as prisões passaram a servir como local de cumprimento da sanção.

Para a harmonia e controle social o Estado deteve sobre si o poder de ditar as leis, é através dessas leis que vive-se hoje, sob um estado democrático de direito.

O maior desafio que a sociedade brasileira enfrenta nos dias de hoje é a questão da criminalidade, constantemente a mídia relata essa problemática, com divulgação de dados estatísticos, colhendo opiniões dos mais diversos setores da sociedade, buscando soluções que possam nortear essa questão, percebe-se, realmente uma preocupação um tanto exacerbada, que necessita não somente de enxergar o problema, comentar, saber que precisa urgentemente de soluções e depois cruzar os braços.

Não se pode dizer isso de todos os setores da sociedade, é certo que em muitos Estados da Federação já foram criadas políticas de contenção da violência e da criminalidade, com a melhoria física dos presídios, a capacitação de funcionários, procurando dar assistência aos presos, e em muitos outros já existe uma mobilização, com projetos e estudos para esse fim, em contrapartida há Estados que não tem nenhum tipo de assistência ao apenado, transformando o cárcere em depósito humano.

Diante de todo esse quadro desolador vivenciado pela instituição carcerária é que essa pesquisa monográfica tem por finalidade precípua, mostrar que, com um pouco de vontade e iniciativa, não esperando somente pelo poder público, mas com a colaboração de toda a comunidade social, é possível trazer mais segurança ao nosso país.

Temos um país riquíssimo em legislações e precisam ser cumpridas, o homem encarcerado esta sendo tratado como qualquer outra coisa, menos como ser humano detentor de direitos, o que temos visto é que não esta sendo resguardados esses direitos por falta exclusivamente do cumprimento dessas leis.

A Lei de Execução Penal, inserida em nosso ordenamento jurídico através da Lei 7.210 de 11 de julho de 1984, mostra claramente seus objetivos quanto à pena privativa de liberdade e do que deve ser efetivamente feito para alcançar a reabilitação do apenado quando posto em liberdade.

Isso é o que pretende essa pesquisa monográfica, mostrar a urgência do cumprimento da legislação, trazendo em pauta o verdadeiro objetivo da Lei de Execução Penal que é a integração do apenado à sociedade.

A preparação desse homem encarcerado para a liberdade deve ser feita através da valorização como ser humano, da dignificação pelo trabalho, mostrando a sociedade que é possível reabilitá-lo através da profissionalização.

Com esse intuito será feito uma vasta pesquisa doutrinária, buscando opiniões de diversos doutrinadores e juristas doutos na problemática do sistema prisional brasileiro, também, procurando-se mostrar da possibilidade e da urgência de se tirar da ociosidade o habitante do sistema penitenciário, dando-lhe condições para aprender um ofício, preparando-o para o mercado de trabalho e para a liberdade, evitando dessa forma, a reincidência.

Para a elaboração dessa pesquisa monográfica será utilizado o método indutivo inicialmente abordando aspectos históricos da pena, da prisão e de suas funções que foram sendo registradas ao longo do tempo pelas mais diferentes civilizações. No segundo capítulo pretende-se trazer a baila o trabalho como realizador humano, mostrando vários conceitos concernente à matéria e motivo de dignificação, desenvolvimento do intelecto e da alto estima. E no terceiro capítulo será mostrado, a situação carcerária no Brasil, a importância da profissionalização do apenado para uma completa reabilitação e as legislações que envolvem o trabalho do preso.

Resta salientar que não queremos aqui demonstrar uma visão utópica da questão penitenciária, sobretudo direcionar os mais diversos posicionamentos acerca dessa temática, vislumbrando a possibilidade da profissionalização do apenado para a sua completa reabilitação, retirando-o da ociosidade do cárcere, aproveitando esse tempo trabalhado, usado para a sua qualificação com fim da aplicação do instituto da remição, e uma futura reinserção no mercado de trabalho.

É somente através do trabalho que podemos alargar nossos horizontes, mediante esse pensamento podemos permitir que um indivíduo estigmatizado como escória da sociedade, possa provar não só ao meio onde vive, mas a ele mesmo, sua completa reabilitação. E, no encerramento desta pesquisa serão tecidas considerações que se fizerem necessária, acerca do tema aqui proposto.


1 HISTÓRIA DA PENA DE PRISÃO

Desde os primórdios da civilização a pena tem sofrido significativas mudanças que foram necessárias devido o desenvolvimento humano intelectual seguido pelo crescimento das populações. Com isso, a importância do saber científico se juntou para que a pena passasse a ser mais humana, preocupando-se e focando-se no indivíduo como pessoa detentora de direitos individuais, resguardados por diversas legislações criadas para este fim.

Mostrando-se o histórico da pena, percebe-se o quanto é necessária esta modificação, por todo desenvolvimento cientifico que hoje temos e por todos os estudos a cerca dos delinqüentes, não pode ser tolerado que ainda exista penas da idade média.

1.1 EVOLUÇÃO DA PENA

Não há como iniciar este trabalho sem antes definir a origem etimológica das palavras “pena” e “prisão”, isto para melhor compreender o tema aqui proposto, e por serem palavras que se encontram frequentemente germinadas, muito usadas no discurso contemporâneo das ciências Penais[1].

A palavra pena tem procedência do latim poena e do grego penos que em sentido amplo e geral significam qualquer espécie de imposição de vingança, castigo, aflição ou de suplício, a que se submete a pessoa por qualquer espécie de falta cometida, é o vocábulo mais empregado no sentido técnico do Direito com acepção tanto ampla como restrita[2].

Plácido e Silva[3] vai mais além explicando o termo.

Desse modo tanto exprime a correção que se impõe como castigo, à falta cometida pela transgressão a um dever de ordem civil, como a um dever de ordem penal. [...] E, assim, no conceito do Direito penal, a pena é a expiação ou o castigo, estabelecido por lei, no intuito de prevenir e de reprimir a prática de qualquer ato ou omissão de fato que atente contra a ordem social, o qual seja qualificado como crime ou contravenção.

Dentro da evolução histórica da pena, existe uma classificação que foi didaticamente elaborada com incessantes estudos por diversos autores. Esta classificação denominada por fases, etapas ou períodos foi sendo registrada ao longo do tempo por diversas culturas e das mais variadas civilizações. [4]

Claro que esta classificação é arbitrária, a passagem de uma fase para a outra não se deu de maneira uniforme e com precisão cronológica, inúmeros fatores influenciaram para a transformação, visto que uma fase foi convivendo com a outra por longo período, até conviver com a que lhe segue, inclusive em um mesmo momento histórico poderiam estar presentes características de períodos diversos[5].

1.1.1 Período da Vingança Privada

Este é um período registrado nos tempos mais primitivos, a pena era imposta unicamente como vingança e as punições eram efetuadas pelos mais fortes, não guardando qualquer medida com a pessoa do criminoso ou com o crime cometido, o acusado poderia ser morto, escravizado ou banido, quando era cometida violação por membro do grupo, que ultrapassa da pessoa do infrator e atinge sua família, seus bens ou toda sua tribo, dizimando-a totalmente. [6]

Nestes tempos primitivos havia também a vingança individual, que era a vítima que realizava o castigo que julgava ser o melhor para vingar o mal sofrido, “que poderia envolver desde o indivíduo isoladamente até o seu grupo social, com sangrentas batalhas, causando, muitas vezes, a completa eliminação do grupo” [7].

Na vingança coletiva, eram as tribos e os clãs que tomavam para si o direito de exercer a punição, com interesse de proteger a coletividade, imbuídos de solidariedade e interesse comum na proteção da coletividade, era manifestada de forma ilimitada, com excessos, sem sistema nem lógica [8] dando origem a uma reação em cadeia, ultrapassando assim, os limites dos contendores e alcançava toda a coletividade, com extermínio genocida de grandes conseqüências. [9]

A vingança do sangue era quando a violação fosse praticada por quem não participava do grupo, acontecia então uma guerra entre os grupos, a conseqüência era a destruição do grupo mais fraco [10].

Manoel Pedro Pimentel diz que “não raro a vingança do sangue provoca a retaliação contra grupos familiares inteiros, dizimando-os e destruindo tudo aquilo que lhes pertence”. [11].

Entretanto, era uma reação aos atos que tentassem contra os interesses essenciais do grupo ou de membros desse grupo, significando uma reparação, ou seja, a reação por parte do ofendido contra o ofensor constituía, na moral primitiva, além de um direito um dever, uma vez que a moral humana consagra e impõe sempre o que é útil a conservação da espécie. Essa forma de punição tendia inevitavelmente para o excesso, levando a um enfraquecimento do grupo social, sobreveio então, da parte da coletividade, a imposição de normas limitativas da vingança entre os indivíduos do mesmo grupo. Dentre tais limitações cita-se o talião, a composição e as penas pecuniárias. [12]

1.1.2 Período da Vingança Limitada

Até esta fase a vingança era ilimitada, não somente o ofensor era punido, mas também sofria as sanções da pena toda a coletividade onde ele vivia.

Com a evolução social, para evitar a dizimação das tribos, surge a lei de talião, determinando a reação proporcional ao mal praticado; olho por olho, dente por dente. Esse foi o maior exemplo de tratamento igualitário entre infrator e vítima, representando, de certa forma, a primeira tentativa de humanização da sanção criminal[13].

A partir do aparecimento do Código de Hamurabi[14] que continha a lei de talião “a vingança passou a ser restrita apenas à pessoa do delinqüente”.[15]

Etimologicamente talião tem origem no latim e significa talionis, é a designação atribuída à pena que consiste em aplicar ao ofensor um dano igual por ele causado, ou talis que quer dizer semelhante, igual, tal ou talis onis (pena igual à ofensa)[16].

A lei de talião é a mais antiga encontrada, com indícios de sua aplicação não somente no Código de Hamurabi, mais também na Torá, na Lei das XII Tábuas e na Bíblia no Antigo Testamento no livro de Êxodo capítulo 21, versículo 24 e 25: “Olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, golpe por golpe” [17].

No Novo Testamento Jesus enfaticamente condenou esta prática no livro de Mateus capítulo 5 versículo 38 a 41.

Vocês ouviram que foi dito aos antigos: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, digo: não resistam ao perverso, mas a qualquer que o ferir na face direita, volte-lhe também a outra. E ao que quer demandar com você e tirar-lhe a túnica, deixe-lhe também a capa. Se alguém o obrigar a andar uma milha, vá com ele duas.[18]

O talião que atualmente é visto como símbolo de ferocidade bárbara foi na humanidade primitiva um grande progresso moral e jurídico, justamente porque impôs um limite, uma medida à reação pela vingança defensiva do olho por olho, dente por dente. [19]

Mediante este poder de limite, evoluindo o castigo aplicado áquele que cometesse uma falta grave, deixando de ser extensivos à família e aos bens do acusado para ser ele próprio, o ofensor, sujeito da pena que passa a ser individual da pessoa do infrator.

Portanto a vingança limita-se somente a pessoa do delinqüente, assim o mal causado a vítima era executado na mesma proporção como modelo para a aplicação do castigo. Não é classificado como sendo a aplicação de uma pena, todavia era uma tentativa bastante primitiva para conter a criminalidade que resultava em mais revolta. [20]

“Esta prática trazia grandes conseqüências, olho por olho, o resultado era a cegueira parcial de duas pessoas; Braço por braço, a conseqüência era a invalidez de dois homens enfraquecendo-se o grupo frente aos inimigos externos” [21].

Como esta forma de talião material não poderia ser aplicada a todas as espécies de delitos como aos cometidos por omissão ou contra a propriedade, surgiu então uma nova modalidade de pena de bastante expressão, porém de menor rigor: a composição. [22]

O delinqüente poderia comprar a impunidade do ofendido, ou de seus parentes, com dinheiro, armas, ou utensílios e gado, não havendo, então, sofrimento físico, pessoal, mais uma reparação material proporcionalmente correspondente. O sentimento e a vingança impulsionavam a justiça e determinavam que ela fosse realizada.[23]

Vê-se a composição em vários artigos no Código de Hamurabi: “Art. 209 – Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez ciclos pelo feto".“Art. 210 – Se essa mulher morre, então deverá matar o filho dele”.[24]

Também na Lei das XII Tábuas: “Tábua VII – Se alguém fere a outrem, que sofra a pena de talião, salvo se houver acordo”.[25]

A composição foi grandemente aceita e teve grande influencia na sua época, constituindo assim, base para a moderna reparação do Direito Civil, contribuindo no processo moral e jurídico no inicio da civilização, influenciando também, nas penas pecuniárias do Direito Penal, e pode atenuar e regular os excessos e as conseqüências da vingança pessoal e familiar. [26]

Mas a vindita pública ou privada, bem como os institutos limitadores do exercício do direito de vingança, acompanharam as transformações da justiça penal desde os primórdios, até alcançarem-se as práticas da modernidade, sendo incorporadas, muitas delas ao Direito Contemporâneo[27].

Esta fase não sucedeu as outras fases com certa precisão, elas foram convivendo umas com as outras, na medida em que as anteriores deixavam de ser usadas.

1.1.3 Período da Vingança Divina

A religião também influenciou fortemente os povos primitivos que não tendo entendimento e explicações para os fenômenos naturais tais como inundação, seca, chuva, erupção vulcânica etc., atribuíam tais fenômenos à ira dos deuses pelos delitos cometidos, assim, a cólera fazia recair a desgraça sobre todos, todavia, se houvesse uma reação, uma vingança contra o ofensor, equivalente à ofensa, a divindade depunha de sua ira, voltando a proporcionar sua proteção a todos. No contexto desta fase a aplicação do castigo ficou a cargo de juízes ou de sacerdotes. “Surgiu então a figura do juiz que, representando o povo perante a divindade, passou a exercitar a justiça retributiva, como modo de expiação da culpa e conseqüente aplacamento da ira da divindade”. [28]

Este foi um período marcado pelas atrocidades e pela violência, pois o delito cometido era considerado pecado contra a divindade reverenciada naquela determinada sociedade e não contra a pessoa do ofendido. Por ter os reis caráter de divindade, ficava a seu critério a atribuição da aplicação da sentença, detendo o poder de vida ou morte sobre infrator.

“O princípio que domina a repressão é a satisfação da divindade ofendida pelo crime. Pune-se com rigor, antes com notória crueldade, pois o castigo deve estar em relação com a grandeza do deus ofendido”.[29]

Toda a história penal dos povos antigos apresenta uma reação primitiva com caráter religioso, fundindo-se na lei de talião e do sistema da composição. Dentro desses princípios o Direito aparece envolto em bases religiosas, que acabava alicerçada no próprio Direito, assim o delito era uma ofensa à divindade que, por sua vez ultrajada, atingia a sociedade inteira. [30]

Contra a vingança privada, criou o direito de asilo e as tréguas de Deus. Combatendo aquela sem dúvida, fortalecia o poder público. Justo é também apontar-se, além do elemento voluntarístico do crime, já mencionado, a finalidade que empresta a pena, objetivando a regeneração ou emenda do criminoso, pelo arrependimento ou purgação da culpa. Punições rudes ou severas tolerou, mas com o fim superior da salvação da alma do condenado[31].

No mundo romano e grego imperava o politeísmo quando nasceu na Galiléia, Jesus Cristo que passou a pregar o amor e o monoteísmo. O povo romano, tendo domínio sobre outros povos da época, era politeísta e não aceitava a doutrina cristã. Apesar disso, o Imperador Constantino se converteu ao cristianismo e declarou a igreja reconhecida pelo Estado, sendo considerado daí por diante a conduta contra a fé cristã, delito contra o Estado que foi pouco a pouco aceitando a formação de um poder punitivo. Dessa forma, a igreja passou a punir quem não confessasse a fé católica, criando o Santo Ofício da Inquisição no século XIII, estendendo-se até o século XIX[32].

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1.1.4 Período da Vingança Pública: O Poder do Estado

Com o desenvolvimento do poder político, o poder de exercício da pena não estava mais nas mãos da vítima, sua família ou do sacerdote, mas o Estado tomou para si esse poder através do “direito de punir (jus puniendi), instituindo sanções penais contra o infrator. A punição contra o autor da lesão social representa a justa reação do Estado contra o autor da infração, em nome da defesa da ordem e da boa convivência entre os cidadãos:

“Nesta fase, o objetivo da repressão criminal é a segurança do soberano ou monarca pela sanção penal, que mantém as características da crueldade e da severidade, com o mesmo objetivo intimidatório”.[33]

Leis foram sendo criadas e a pena passou a ser regulamentada pelo ente soberano e aplicada de acordo com os seus interesses, do ponto de vista humanitário muito pouco mudou[34] contudo, o poder de executar as leis continuou nas mãos do soberano que era visto como Deus na terra.

As leis foram as condições que agruparam os homens, no inicio independentes e isolados, à superfície da terra. Fatigados de só viver em meio a temores e de encontrar inimigos em toda parte, cansado de uma liberdade cuja incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para usufruir da restante com mais segurança. A soma dessas partes de liberdade, assim sacrificada ao bem geral, constitui a soberania da nação; e aquele que for encarregado pelas leis como depositário dessas liberdades e dos trabalhos da administração foi proclamado o soberano do povo.[35]

Homens sem nenhum escrúpulo, dominavam o povo, submetendo-os aos mais horrendos castigos que acabavam sempre com a morte do supliciado. As punições eram praticadas de forma a trazer o maior sofrimento possível ao condenado, eram das mais cruéis, desde morte na fogueira, esquartejamento, sepultamento vivo, marcados com ferro quente, sempre visando o corpo do condenado[36]. Este foi um período marcado pela violência, e pelas atrocidades cometidas em nome da justiça.

A morte é um suplício na medida em que ela não é simplesmente privação do direito de viver, mas a ocasião e o termo final de uma graduação calculada de sofrimento: desde a decapitação – que reduz todos os sofrimentos a um só gesto e num só instante: o grau zero do suplício - até o esquartejamento que os leva quase ao infinito, através do enforcamento, da fogueira e da roda na qual se agoniza muito tempo; a morte-suplício é a arte de reter a vida no sofrimento, subdividindo-a em mil mortes [...][37]

Inicialmente esse cenário macabro era praticado a vista de todo o povo, que assistia a tudo participando com gritos e gestos. “Condenados com coleira de ferro, em vestes multicolores, grilhetas nos pés, trocando com o povo desafios, injúrias, zombarias, pancadas, sinais de rancor ou de cumplicidade[38]”.

Mais tarde o processo de acusação até a sentença evolui para uma seção secreta, todo o desenrolar do processo acontecia sem que o infrator soubesse do que estava sendo acusado, não lhe era permitido saber de nada referente ao processo, desde as imputações, os depoimentos, as provas, somente a acusação era detentora do privilégio do conhecimento absoluto do conteúdo do processo.[39]

1.1.5 Período Humanitário

Neste momento da história surge um movimento chamado de iluminismo que “atingiu seu apogeu na Revolução Francesa com considerável influência em uma série de pessoas com um sentimento comum: a reforma do sistema punitivo”[40]

Este movimento surge depois da segunda metade do século XVIII, até o século XIX, o suplicio começa a ser visto como odioso e intolerante, começando a surgir por toda parte movimentos de idéias protestando contra a crueldade do sistema, formado por juristas, magistrados, parlamentares, filósofos, legisladores e técnicos do Direito que pregavam a moderação das punições exigindo uma proporcionalidade com o crime. [41] Surge então um novo período chamado de humanitário.

Foi então dentro desse contexto histórico que algumas vozes começaram a se destacar.

Não esquecendo o grande destaque que tiveram os filósofos franceses, como Montesquieu, Voltaire, Rousseau, entre outros, que pugnam pela situação reinante na defesa veemente da liberdade, igualdade e justiça, na seara politico criminal, fizeram coro com esse movimento, particularmente, Beccaria, Howard e Bentham.[42]

Se o povo era obrigado a assistir e a participar das barbáries, induzido e amedrontado, o fazia por ignorância, nem todos estavam dispostos a esse tipo de influência, este foi Cesare Beccaria, que em 1764 publica sua obra com o titulo Dei Delitti e Delle Pene [43] entendia que não poderia ser imposta pena que não estivesse prevista em lei.

Dessa forma, Beccaria foi um dos precursores do princípio da legalidade quando em sua obra no § III escreveu:

Ora o magistrado, que é parte dessa sociedade, não pode com justiça aplicar a outro partícipe dessa sociedade uma pena que não esteja estabelecida em lei, ele se torna injusto, pois aumenta um novo castigo ao que já esta prefixado. Depreende-se que nenhum magistrado pode, mesmo sob o pretexto do bem público, aumentar a pena pronunciada contra o crime de um cidadão.[44]

Desse período em diante os suplícios e a pena de morte foram sendo gradativamente abolidos, as penas corporais e as infamantes aos poucos foram desaparecendo, das penas que eram corporais passam às privativas de liberdade, iniciando a construção de inúmeros presídios, todos voltados a reeducação dos criminosos. [45]

Manifestando-se uma significativa transformação, indo do mero castigo à correção, não se tratando de obra do acaso, nem de uma gratuita e generosa humanização do sistema penal, mas da culminação de um longo processo. [46]

1.1.6 Período Científico

Este período inicia-se em meados do século XIX, sob o a base das idéias científicas da época, surge a Antropologia criminal relacionada com a Criminologia, procura-se explicação científica para a origem do crime. [47] Recebe variadas denominações por diversos estudiosos e doutrinadores, até então preocupados com a humanização da pena, continuando a ser vista como um mal que deveria ser imposta ao criminoso pelo mal praticado [48].

Começam a ser traçado novos rumos, ocupando-se com estudos do homem delinqüente e da explicação causal do delito. Quem primeiro apontou foi o médico italiano César Lombroso, principal formador dessa idéia, que em 1876 publicou seu famoso livro L’uomo delinqüente, foi também o criador da Antropologia criminal e nela a figura do criminoso nato. Apesar dos exageros da teoria lombrosiana, seus estudos abriram nova estrada na luta contra a criminalidade[49].

Ao considerar o crime como manifestação da personalidade humana e produto de várias causas, estudando o delinqüente do ponto de vista biológico, a pena não possui fim exclusivamente retributivo, contudo é meio de defesa social, e a recuperação do criminoso necessita, então, ser individualizada, o que evidentemente supõe o conhecimento da personalidade daquele a quem será aplicada[50].

1.2 CONCEITO DE PENA

Atualmente a pena continua a ser vista como castigo, conforme vê-se no Vocabulário Jurídico De Plácido e Silva o conceito de pena traduz:

E, assim no conceito do Direito Penal, a pena é a expiação ou castigo estabelecido pela lei, com o intuito de prevenir e de reprimir a prática de qualquer ato ou omissão de fato que atente contra a ordem social, o qual seja qualificado como crime ou contravenção. [51]

Para Damásio Evangelista de Jesus “Pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos”. [52]

Pode-se, deste conceito de Damásio de Jesus, vislumbrar algumas características da pena, que seja, a retribuição e a prevenção, que estão também no conceito de Guilherme de Souza Nucci, quando corrobora com a mesma opinião dizendo que a pena “é a sanção imposta pelo Estado por meio de ação penal, ao criminoso como retribuição ao delito perpetrado e prevenção a novos crimes”.[53]

No entendimento de Cezar Roberto Bitencourt, o conceito de pena e Estado estão intimamente ligados, e analisando-se e levando-se em consideração o modelo sócio econômico e a forma de Estado em que se desenvolve o sistema sancionador, pode-se compreender a sanção penal. O Estado utiliza o Direito Penal através da pena para regulamentar a vida dos indivíduos em sociedade protegendo assim, determinados bens jurídicos de eventuais lesões em uma organização socioeconômica específica.[54]

Aníbal Bruno define a pena como sanção: “Pena é a sanção consistente na privação, de determinados bens jurídicos, que o Estado impõe contra a prática de um fato definido na lei como crime”.[55]

Luiz Regis Prado conceitua pena como “conseqüências jurídicas do delito são reações jurídicas aplicáveis à prática de um injusto punível. [...] A pena é a mais importante das conseqüência jurídicas do delito [...] consiste na privação ou restrição de bens jurídicos”.[56]

Todos os doutrinadores estudados são unânimes na concepção da pena como modalidade de sanção e para um melhor atendimento a cerca da sanção penal, julga-se importante direcionar o estudo para algumas características da pena como sanção.

1.2.1 Pena, Modalidade de Sanção Jurídica de um Ato Ilícito

A pena é uma forma de sanção jurídica de um ato ilícito que, nesse estudo, equivale à pena privativa de liberdade, porém, existem outras modalidades de sanção que são as restritivas de direito e a multa.

No Vocabulário Jurídico De Plácido e Silva[57] define sanção como:

Sanção significa o meio coercitivo disposto pela lei, para que se imponha o seu mando, ou a sua ordenança. Assim sanção e coercibilidade têm significados idênticos, tendentes ambos em assinalar as vantagens ou as penalidades decorrentes do cumprimento ou da falta de cumprimento do mando legal. Em princípio toda a norma legal traz a própria sanção em virtude do que há sempre uma vantagem, ou uma pena ligada ao seu fiel cumprimento ou a sua transgressão. Por ela é que se torna efetiva a coação, asseguradora do direito pela qual se convoca a proteção do poder público.

De plácido e Silva[58] define sanção e coerção com o mesmo significado, ambas assinalam as penalidades imposta pelo poder estatal para a falta do cumprimento da norma jurídica.

Em significado mais próprio e técnico, no sentido de ação de reprimir, de refrear é usado para indicar a punição imposta aos delinqüentes como um atributo da justiça. Pois é tido como o ato de castigar, extensivo, assim a toda sorte de penas aflitivas. [59]

A norma jurídica é composta de duas características preceito e sanção, como bem define Paulo José da Costa Jr. classificando a norma jurídica como preceito primário e preceito secundário. O primário é a norma jurídica que direciona a conduta, isto é, todo ato antijurídico corresponde a uma ação punitiva, o secundário é a sanção equivalente à ilação desse ato, sendo que esta medida coativa é conseqüente somente no âmbito do campo penal[60].

Por vezes, o preceito não chega a ser determinado, mas lançado com vistas a um comando futuro, a ser explicitado por leis complementares.

A sanção penal, voltada a todos os cidadãos (erga omnes), pressupõe uma relação de soberania, que se exercita sob a forma de jurisdição.[61]

Zaffaroni na obra que escreveu com Nilo Batista diz que, existem duas coerções uma do modelo restitutivo e a outra do modelo preventivo e uma diferença entre elas, aquela que vem do modelo restitutivo é de solução de conflitos, ao passo que o outro, o punitivo, é de decisão de conflitos. “A extensão do primeiro amplia o número de conflitos resolvidos e melhora a coexistência; a do segundo estende a margem de puros atos unilaterais do poder, resolve menos conflitos e deteriora a coexistência” [62]

O Estado retribui, através do Direito Penal, a sanção pela falta do cumprimento da legislação institucionalizada, criada para a proteção, regulação e direção dos indivíduos em sociedade, entretanto a inobservância desta norma legal acarreta num ato ilícito, que por sua vez desencadeia todo o sistema penal, para a obrigatoriedade da execução da sanção, servindo não somente de meio retributivo mas usada como exemplo para a prevenção.

1.3 SURGIMENTO DAS PRISÕES

Oportuno agora se vê a explicação do termo prisão, de origem latina prehensio, de prehendere, que dá entendimento do ato de prender, ou o ato de agarrar uma coisa ou pessoa, portanto prender ou agarrar no sentido etimológico da palavra prisão tem equivalência e significa estar encerrado, preso, encarcerado. O termo prisão juridicamente exprime pena privativa de liberdade, privando a pessoa da liberdade de locomoção de ir e vir, recolhendo-a em um lugar seguro e fechado de onde não possa sair. [63]

A prisão como sanção teve origem no Direito Canônico, mas precisamente nos mosteiros da Idade Média, como punição para os monges ou clérigos que fosse imputado o crime de heresia e para os transgressores das regras eclesiásticas, estes eram recolhidos às suas celas para que, em silêncio, se dedicassem a meditação, arrependendo-se assim, da falta cometida portanto sendo administrado o sacramento da penitência, surgindo portanto, o termo penitenciária[64].

Após a Conversão do Imperador Constantino ao cristianismo e o reconhecimento da Igreja pelo Estado, todos que não aderissem à fé católica e que praticassem atos contrários à moral religiosa eram considerados pecadores e criminosos. O delito e o pecado eram nivelados. Pela necessidade de conservar o faltoso encarcerado até o julgamento e posterior execução da pena que era sempre de suplício acompanhada de morte na fogueira, a Igreja passou a construir prisões apropriadas que tiveram o nome de penitenciárias. [65]

Somente no fim do século XVI, inspirada nos penitenciários a Holanda em 1595 constrói a primeira penitenciária masculina, depois de dois anos constrói a segunda penitenciária, esta feminina, ambas em Amsterdã, para comprimento de pena privativa de liberdade. [66] “Estes estabelecimentos não são apenas um antecedente importante dos primeiros sistemas penitenciários, como também marcam o nascimento da pena privativas de liberdade, superando a utilização da prisão como simples meio de custódia”[67].

Com a deflagração da Revolução Francesa em 1789 e as conseqüentes reformas institucionais que concorreram para abolir definitivamente as atrocidades e os suplícios, culminando com o estabelecimento do Código Penal Francês em 1791, a pena de prisão se disseminou e se generalizou por todo o mundo, nos legando a mais nefasta das penas, a pena de prisão. [68]

1.3.1 O Poder Punitivo do Estado

Nasce um novo estágio da prisão, servindo antes para manter o agente encarcerado até a execução da sentença, que era sempre de morte, agora de destina a instrumento de pena.

Hodiernamente se vê o mesmo motivo do encarceramento, o de manter o indivíduo sob a custódia do Estado, cerceado de sua liberdade individual, até que se resolva sua situação pelas autoridades competentes dentro da sistemática jurídica penal, sendo que a sentença, que antes era de morte, passou a ser privativa de liberdade. A manutenção deste indivíduo à disposição da justiça poderá ter diversas causas, indo desde periculosidade do agente, proteção da sociedade contra o prosseguimento da ação delituosa, garantir a produção regular de provas evitando manobras que possam ser prejudiciais a sua obtenção[69].

Toda essa sistemática jurídica penal só passou a ser delimitada depois que o Estado imbuído no direito de punir instituiu normas penais, sendo que essa legislação penal é o material básico de interpretação do Direito Penal[70].

Toda conduta contrária a esses preceitos normativos dá ao Estado o jus puniend, isto é, legitimidade de proteger o resto do corpo social, o Estado continua a usar o castigo, vingando-se daquele que descumpriu a norma, como nos tempos passados, como afirma Foucault. [71]

Efetivamente a infração lança o indivíduo contra todo o corpo social; a sociedade tem o direito de se levantar em peso contra ele, para puni-lo. Luta desigual: de um só lado todas as forças, todo o poder, todos os direitos. E tem mesmo que ser assim, pois aí esta representada a defesa de cada um. Constituindo-se assim um formidável direito de punir, pois o infrator torna-se o inimigo comum. Até mesmo pior que um inimigo, é um traidor, pois ele desfere seus golpes dentro da sociedade. Um ‘monstro’. Sobre ele, como não teria a sociedade um direito absoluto? Como deixaria ele de pedir sua supressão pura e simples? E se é verdade que o principio dos castigos devem estar subscrito no pacto, não é necessário, logicamente, que cada cidadão aceite a pena extrema para aqueles dentre eles que os atacam como organização?

Quando um indivíduo descumpre norma penal, não esta com isso atingindo só a sociedade, mas também Estado, que ofendido reage com uma outra ofensa chamada sanção punitiva com a conseqüente prisão, foi estabelecido ai o talião dos tempos idos.[72]

Necessário se fez, então, dar ao direito penal dispositivos constitucionais de limite a este poder punitivo estatal, esses limitadores são os princípios fundamentais, próprios do Estado Democrática de Direito, porém, o que mais atrai a atenção dos doutrinadores é o princípio da legalidade por exercer uma função de garantia ao indivíduo, controlando e excluindo todo o excesso arbitrário ao poder punitivo do Estado[73].

Ensina Damásio Evangelista de Jesus[74] o aspecto político desse princípio:

O princípio da legalidade (ou reserva legal) tem significado político, no sentido de ser uma garantia constitucional dos direitos do homem. Constitui a garantia fundamental da liberdade civil, que não consiste em fazer tudo o que se quer, mas somente aquilo que a lei permite. À lei e somente a ela compete fixar as limitações que destacam a atividade criminal da atividade legitima. Esta é a segurança e liberdade individual. Não haveria, com efeito, segurança ou liberdade se alei atingisse, para os punir, condutas licitas quando praticadas, e se os juízes pudessem punir os fatos ainda não incriminados pelo legislador.

Significando que toda a norma incriminadora é função exclusiva da lei, isto é, nenhuma pena poderá ser aplicada sem existir antes uma lei determinando como crime, tendo como resultado uma sanção, devendo definir com precisão e de forma cristalina a conduta proibida[75], portanto, ninguém poderá ser punido pelo ente estatal, nem ter seus direito de liberdade violado, sem que haja lei prévia que determine sua ação como um delito tipificado.

A Constituição no seu art. 5°, inc. XXXIX[76] e no Código Penal no seu art. 1° têm quase a mesma redação, disciplina o princípio da legalidade: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” [77].

Neste dispositivo legal contém dois princípios, tanto o da reserva legal, quando direciona para o texto legal a existência de um crime e sua conseqüente sanção, quanto o da anterioridade da lei, exigindo que a lei esteja em vigor no momento da prática da infração penal, bem como ensina Fernando Capez [78]: “Assim, a regra do art. 1°, denominada princípio da legalidade, compreende os princípios da reserva legal e da anterioridade”.

O princípio da legalidade está vinculado também a diversos dispositivos constitucionais, como o inc. XLVII do art. 5°, prescrevendo que não haverá penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, de caráter perpétuo, de banimento, trabalhos forçados e cruéis[79].

1.4 FUNÇÕES DA PENA DE PRISÃO

As funções da pena de prisão são estudadas por diversos doutrinadores através de um grupo de três teorias que mais se destacam, determinando suas funções. Uns dizem que o réu deve receber punição por descumprir norma jurídica, esta é a teoria dos defensores retribucionistas, a pena é um mal necessário e deve ser imposta ao delinqüente para que expie sua culpa[80]. Outros que a pena deve ter uma função social direcionada a todos os destinatários da norma penal, visando impedir que os membros da sociedade pratiquem crimes, esta é a prevenção geral[81]. Há ainda doutrinadores que defendem a prevenção especial, implica em tirar o delinqüente do convívio social para que não cometa mais crimes, tentando sua reabilitação, protegendo assim a sociedade, estas são da teoria relativa e unindo todas essas funções têm a teoria mista, o delinqüente deve ser punido, porém, além de punido, deve também ser tratado e preparado para a convivência na sociedade.

1.4.1 As Teorias da Pena

1.4.1.1 Teoria Absoluta ou Retributiva

Os defensores mais expressivos e tradicionalmente aceitos desta teoria foram Kant e Hegel. Kant tem uma fundamentação mais voltada para a ordem ética, sinalizando que, quem não cumpre as disposições legais não tem direito de viver numa sociedade desfrutando de sua cidadania, o soberano tem obrigação de castigar impiedosamente aquele que transgrediu a lei[82]

“Kant entendia a lei como um imperativo categórico, isto é, como aquele mandamento que ‘representasse uma ação em si mesma, sem referencia a nenhum outro fim, como objetivamente necessária’”. [83]

Para Hegel a fundamentação é de ordem jurídica, na medida em que a pena se justifica na observância da vontade geral, simbolizada na ordem jurídica e que foi negada pela vontade do delinqüente. A justiça não se faz através da pena, ela apenas restabelece a ordem jurídica violada pelo delinqüente [84].

“Se a vontade geral é negada pela vontade do delinquente, ter-se-á de negar esta negação através do castigo penal para que surja de novo a afirmação da vontade geral”. [85]

A pena vem retribuir ao delinquente pelo ato ilícito praticado de acordo com a intensidade da infração, que será a mesma intensidade do castigo através da pena[86].

Para Paulo José da Costa JR. a pena como retribuição deve somente atingir o autor do crime, devendo ser proporcional ao mal praticado e ter prévia determinação, ser necessariamente cumprida pelo réu, mas não deixa de ter um sentimento de vingança[87].

Flávio Augusto Monteiro de Barros diz que de acordo com a teoria da retribuição[88]: “A pena não tem qualquer finalidade prática. Não visa a recuperação social do criminoso, que é punido simplesmente porque cometeu um crime”.

Na opinião de E. Magalhães Noronha são distintos o conceito de pena, e a finalidade da pena, afirmando que:

Pena é retribuição, é privação de bens jurídicos, imposta ao criminoso em fase do ato praticado. É expiação. Antes de escrito nos códigos, esta profundamente radicado na consciência de cada um que aquele que praticou um mal deve também um mal sofrer. Não se trata da lex talionis, e para isso a humanidade já viveu e sofreu muito; porem é imanente em todos nos o sentimento de ser retribuição do mal feito pelo delinqüente. Não como afirmação de vindita, mas como demonstração de que o direito postergado protesta e reage, não apenas em função do individuo, mas também da sociedade. [89]

Raul Eugênio Zaffaroni e Nilo Batista[90] afirmam que a idéia retributiva é usada, frequentemente com sentido obscuro e que não é uma teoria da pena, mas um limite de classificação que costumam moderar as conseqüências ilimitadas de qualquer uma das teorias da pena, na prevenção geral pode ser um critério quantificador, e para aqueles que são adeptos a prevenção especial como limite máximo. Muito além de toda essa confusão argumentativa e contemplativa à retribuição, procura-se constantemente, algo semelhante a um princípio regulador.

O produto resgatável da suposta retribuição, entendida como principio regulador, pode ser perfeitamente chamado de principio da mínima proporcionalidade da intervenção punitiva, considerando-o um dos limites aos quais deve subordinar-se o exercício do poder punitivo, não por derivação de alguma natureza nem função retributiva da pena, e sim pela necessidade de conter a irracionalidade do poder. [91]

Luigi Ferrajole entende haver três idéias retribucionista caráter religioso, são elas; “vingança” (ex parte agentis), da “expiação” (ex parte patientis) e do “equilíbrio” entre pena e delito. Essas idéias, contudo dominaram o pensamento político reacionário, e jamais deixaram de ser observadas pela cultura penalística[92].

1.4.1.2 Teoria Relativa

A teoria relativa se manifesta no sentido de dar um objetivo mais específico a pena, que é a de prevenir o delito na sociedade e ao mesmo tempo tratando o delinquente para não voltar a delinqüir. Não como uma contraprestação do fato delituoso, como na teoria absoluta. Não repousa na idéia de justiça, mas de necessidade social[93]. A prevenção tem como característica a segurança social[94], são elas a prevenção geral e especial, portanto com uma visão mais moderna e consoante o modelo e as subdivisões de Raul Zaffaroni e Nilo Batista, a pena tem a função de prevenção geral positiva e negativa e prevenção especial positiva e negativa, no que veremos adiante.

1.4.1.2.1 A Finalidade da Prevenção Geral

Na prevenção geral a pena funciona como um fator de intimidação, dirigindo-se a todos os membros da sociedade, a qual se destina a norma penal, para impedir que venham a praticar crimes[95].

Os Membros do meio social deixam de praticar atos delituosos, não pelo conhecimento da legislação penal, mas pelo medo que se supõe alcançar pela ameaça da pena, atemorizando os possíveis infratores[96].

Na opinião de Cezar Bitencourt[97]:           

A teoria hora em exame não demonstrou os efeitos preventivos gerais proclamados. É possível aceitar que homem médio em situações normais seja influenciado pela ameaça da pena. Mesmo assim, a experiência, confirma isso não acontece em todos os casos, estando ai, como exemplo, os delinqüentes profissionais, os habituais ou os impulsivos ocasionais. Resumindo ‘cada delito já é, pelo só fato de existir uma prova contra a eficácia da prevenção geral’.

Zaffaroni e Pierangeli sustentam que a prevenção geral não deve ter somente uma função simbólica, e quando isso acontece:

Significa que quando se comprova que uma pena não cumpre essa função preventiva particular, e apenas se limita a uma função simbólica, este dado ou informação de fato (no mundo do ‘ser’) deve ser valorado pelo direito, e, em tal situação, deve-se entender que essa pena é inconstitucional violadora dos direitos humanos, e, consequentemente, não se justifica a sua imposição.[98]

Esta teoria ora estudada nota-se diretamente ligada a idéia da existência do direito penal por sua finalidade, ou seja a imposição psicológica exercida sobre toda a sociedade, não estando, necessariamente declarada, mas introduzida na forma de leis.

1.4.1.2.1.1 Finalidade da Prevenção Geral Negativa           

Para Flávio A. M. de Barros a prevenção geral negativa também pode ser chamada de prevenção geral de intimidação, é vista como um contra-motivo psicológico para o criminoso que é usado para servir de exemplo aos demais delinqüentes, dessa forma violando o princípio da dignidade da pessoa humana[99].

Na prevenção geral negativa o crime acaba tendo uma função utilitária, que não se importa com a ética, o Estado aproveitando da vulnerabilidade do delinqüente, o usa, não somente como exemplo, mais de maneira desumana, como objeto. Como leciona Zaffaroni e Batista[100] que a pena recai com mais rigor sobre os menos favorecidos, não sendo isso uma regra, mesmo agindo contra os desfavorecidos da sociedade, estimula o aperfeiçoamento criminal.

A partir da realidade social, pode-se observar que a criminalização pretensamente exemplarizante que esse discurso persegue, pelo menos quanto ao grosso da delinqüência criminalizada, isto é, quanto aos delitos com finalidade lucrativa, seguiria a regra seletiva da estrutura punitiva: recairia sempre sobre os vulneráveis. Portanto, o argumento dissuasório estaria destinado a cumprir-se sempre sobre algumas pessoas vulneráveis e estar sempre referido aos delitos que elas costumam cometer. Não obstante, nem mesmo isso seria verdadeiro, porque, inclusive entre pessoas vulneráveis e relativamente a seus próprios delitos, a criminalização secundária é igualmente seletiva, brincando de modo inverso com a habilidade. Uma criminalização que seleciona as obras toscas não exemplariza dissuadindo o delito, mas sim da inabilidade em sua execução: estimula o aperfeiçoamento criminal do delinqüente ao estabelecer o maior nível de elaboração delituosa como regra de sobrevivência para quem delinqüe. Não tem efeito dissuasivo, mas propulsor de maior elaboração delituosa. [101]

Contudo, Luigi Ferrajoli[102], tem uma opinião contrária:

Precisamente, podemos dizer, a pena nada mais é do que o efeito (desincentivador) estabelecido pela lei penal para dissuadir a sua própria infração, ou ainda, garantir-lhe a eficácia, não diverso, entretanto, de qualquer outro tipo de efeito jurídico, cuja previsão por parte de uma norma primária possui sempre o objetivo de assegurar a eficácia da norma secundária que disciplina o ato ao qual aquele é imputado.

Esse efeito desincentivador mencionado por Luigi Ferrajoli, traz a concepção de intimidação, com funções manifestadamente declaradas, promovendo a segurança, com a característica de evitar que o delinqüente esteja livre para cometer novos delitos e garantindo assim, que a norma seja eficaz.

1.4.1.2.1.2 Finalidade da Prevenção Geral Positiva

A prevenção geral positiva está fundada nos valores ético sociais de atuar de acordo com o direto, protegendo também os bens jurídicos, como ensina o modelo de Welzel[103].

  1. reforçam simbolicamente internalizações valorativas do sujeito não delinqüente para
  2. conservar e fortalecer os valores ético-sociais elementares em fase de
  3. ações que lesionam bens e se encaminham contra esses valores (alguns atenuam o primeiro requisito até quase anulá-lo), as quais
  4. devem ser respondidas na medida necessária para obter esse esforço (que pode limitar-se como retribuição à culpabilidade eticizada).

Em sua versão sistêmica (cujo modelo é Jakobs) elas:

  1. pretendem reforçar simbolicamente a confiança do público no sistema social (criar consenso), a fim de que
  2. este possa superar a
  3. desnormatização provocada pelo conflito
  4. ao qual deve responder a pena, na medida necessária para obter o reequilíbrio do sistema.

Para Flávio A. M. de Barros[104] pode ser denominada também de prevenção geral positiva ou de integração:

Consiste no reforço da confiança da comunidade da proteção dos bens jurídicos, propiciando ao criminoso oportunidade de ressocialização no processo de metanóia, preservando-se, destarte, a dignidade da pessoa humana medida em que o delinqüente deixa de ser utilizado como meio ou objeto de exemplo para os demais. Assim urge se fixe a quantidade da pena pela necessidade da ressocialização, atendendo-se o grau de culpabilidade.

Observações de Zaffaroni e Batista[105], a respeito da realidade social

A partir da realidade social, essa teoria se sustenta em dados reais que a anterior. Segundo ela, uma pessoa seria criminalizada porque com isso a opinião pública é normatizada ou renormatizada, dado ser importante o consenso que sustenta o sistema social. Como os crimes de ‘colarinho branco’ não alteram o consenso enquanto não forem percebidos como conflitos delituosos, sua criminalização não teria sentido. Na prática, tratar-se-ia de uma ilusão que se mantém porque a opinião pública a sustenta, e convém continuar sustentando-a e reforçando-a porque com ela o sistema penal se mantém: ou seja, o poder a alimenta para ser por ela alimentado.

Ferrajoli[106] critica as doutrinas atuais que confundem direito com moral.

As recentes doutrinas da prevenção geral denominada positiva seguramente confundem direito com moral, e inscrevem-se no inexaurível filão do legalismo e do estatalismo ético, conferindo às penal funções de integração social por meio do reforço geral da fidelidade ao Estado, bem como promovem o conformismo das condutas, fato que se verifica desde as doutrinas que genericamente concebem o direito penal como instrumento insubstituível de ‘orientação moral”e de “educação coletiva.’

Pode-se então vivenciar que as funções dadas a prevenção geral positiva, pretende que a o poder punitivo promova o fortalecimento dos valores éticos sociais e a proteção dos bens jurídicos, como função básica, firmando a consciência jurídica das populações no entendimento de que esta é a função do direito penal.[107]

1.4.1.2.2 Teoria da Prevenção Especial

A prevenção especial, ao contrário da prevenção geral, tem a função de atuar diretamente sobre o delinqüente, não somente aquele que delinqüiu para que não volte a delinqüir, mas aos prováveis delinqüentes como advertência para que não cometam crime[108], tem função de evitar a reincidência, contribuindo, dessa forma, para a reabilitação.

Conclui a pensamento as palavras de Flávio Augusto Monteiro de Barros[109]

A legitimidade da pena reside na prevenção que através dela se visa alcançar, de modo que se depois do primeiro crime houvesse certeza moral de que o agente não viria a cometer nenhum outro, a sociedade não teria o direito de puni-lo.

A prevenção especial não pode estar pautada em ver o delinqüente como um ser inferior ele é uma pessoa com plena capacidade jurídica, como falam Zaffaroni e Pierangeli[110]:

Posto que cada delito tem um significado social diferente e que a criminalização é produto de um processo seletivo, a prevenção especial penal não pode ser rígida, mas deve traduzir-se em uma pluralidade de objetivos concretos, que devem adequar-se a cada situação real. Socialmente cada criminalização é uma forma de manifestar um conflito e cada conflito tem particularidades próprias.

Visando o cuidado daquele delinqüente, esta teoria ignora a lesividade do fato, não necessitando de intimidação, reeducação e inocuização, assim não haveria possibilidade de reincidência, conseqüentemente levaria à impunidade do infrator[111].

1.4.1.2.2.1 Finalidade da Prevenção Especial Negativa

Esta teoria não tem a finalidade de reabilitar ou de tratar o delinqüente, mas visa tirar o delinqüente do convívio com a sociedade tendendo sua proteção.

Isso significa que quando a legislação penal não cumpre mais o seu papel, escolhe-se pela anulação do delinqüente, é o que fundamenta Zaffaroni e Pierangeli[112]:

Por isso a mera neutralização física esta fora do conceito de direito, pelo menos em nosso atual horizonte cultural. [...] o importante é o corpo social, ou seja, o correspondente a uma visão corporativa e organicista da sociedade, que é o verdadeiro objeto de atenção, pois as pessoas não passam de meras células que quando defeituosas e incorrigíveis, devem ser eliminadas. A característica do poder punitivo dentro desta corrente é sua redução à coerção direta administrativa: não há diferença entre esta e a pena, pois as duas procuram neutralizar um perigo atual.

Salo de Carvalho vê a criminalidade como patologia devendo o delinqüente ser tratado como um ser enfermo dentro de uma política criminal correcionalista

Do postulado determinista, com a conseqüente negação do livre arbítrio pelo atavismo antropológico, a pena será considerada medida de higienização social. Se o delinquente representa um organismo disfuncional no interior de uma sociedade sã, unívoca e consensual, a resposta do Estado à transgressão da norma deve ter uma fundamentação terapêutica. [113]

A eliminação da pessoa criminalizada do corpo social não visa ajudá-la para que se reabilite, mas para a neutralizar os efeitos de sua inferioridade, no entanto favorecendo o corpo social, não havendo, portanto uma função manifesta exclusiva, quando são descartadas todas as possibilidade de tratamento, então apela-se para a neutralização e eliminação.[114]           

1.4.1.2.2.2 Finalidade da Prevenção Especial Positiva

Ao contrário da prevenção especial negativa, esta teoria tem a finalidade de reeducar o delinquente. Zaffaroni e Batista estabelecem critérios sérios a respeito da ressocialização:

Não se ignora seu efeito repressivo, ao condicionar o adulto a controles próprios da etapa infantil ou adolescente, eximindo-o das responsabilidades inerentes à sua idade cronológica. É insustentável melhorar mediante um poder que impõe a assunção de papeis conflitivos e que os fixa através de uma instituição deteriorante, na qual durante prolongado tempo toda a respectiva população é treinada reciprocamente em meio ao contínuo reclamo desses papéis. Eis uma impossibilidade estrutural não solucionada pelo leque de ideologias ‘re’: ressocialização, reeducação, reinserção, repersonalização, reindividualização, reincorporação. Estas ideologias encontram-se tão deslegitimadas, frente aos dados da ciência social, que utilizam como argumento em seu favor a necessidade de serem sustentadas apenas para que não se caia num retribucionismo irracional, que legitime a conversão dos cárceres em campos de concentração. [115]

Teoricamente a pena é um bem, que imposta ao infrator tem a finalidade de trazê-lo curado de sua inferioridade ao convívio com a sociedade, mas na prática, Zaffaroni e Batista[116] nos mostra que não é bem assim:

Os riscos de homicídio e suicídio em prisões são dez vezes superiores aos da vida em liberdade, em meio a uma violenta realidade de motins, abusos sexuais, corrupção, carências médicas, alimentares e higiênicas, além de contaminação devido a infecções, algumas mortais, em quase 80% dos presos provisórios. Assim, a prisionização é feita para além da sentença, na forma de pena corporal e eventualmente de morte, o que leva ao paradoxo a impossibilidade estrutural da teoria.

Giambattista Vico por sua interessante doutrina orgânica da diferenciação penal que parte de uma concepção ético-intelectualista do crime como fruto da ignorância. “Desenvolve uma doutrina da pena concebida enquanto sanção diferenciada em base à capacitação dos réus de sentir “vergonha”e de adquirir “consciência”das suas culpas”.[117]

1.4.1.3 Teoria Mista

Esta teoria é uma conciliação entre todas as teorias, ela tem caráter retributivista de punir o delinquente na medida da infração, trazendo uma proporcionalidade da pena, porém com objetivo de reeducar o criminoso, tornando-o exemplo para a sociedade, com uma função utilitária afastando o grupo social da delinqüência por medo da pena, atuando também sobre aqueles que já delinqüiram para que não volte a antiga prática[118].

Paulo José da Costa Junior[119] tem sua posição:

Modernamente adotou-se um posicionamento eclético quanto as funções e natureza da pena. É o que se convencionou chamar de pluridimensionalismo, ou mixtum compositum. Assim, as funções retributiva e intimidativa da pena procuram conciliar-se com a função ressocializante da sanção.

Ela tenta unificar todas as funções da pena em um único conceito, tentando recolher os aspectos mais destacados, portanto mostrando-se formalista e incapaz, contudo não consegue abranger a complexidade dos fenômenos sociais do direito penal, com conseqüências graves para a segurança e os direitos fundamentais do homem[120].

Flávio A. M. de Barros escreve que a pena tem caráter retributivo-preventivo. Retributivo porque importa em uma expiação do crime devendo ser imposta ao infrator que não precisa de reabilitação. Preventivo porque acompanha finalidade de recuperar o criminoso, funcionando como intimidação da sociedade em geral. É a teoria adotada em nosso sistema penal[121].

1.4.1.4 Teoria Agnóstica

Todas as teorias positivas da pena apresentadas até então foram estudadas e reestudadas pela maioria dos doutrinadores nos manuais de direito penal, são as chamadas teorias tradicionais da pena, que se preocupam em dar uma função manifesta declarada à pena de prisão, que:

Atribuem ao direito penal a interpretação das leis que predispõem uma coerção ajustada a essa função (excluem as demais coerções predispostas em outras leis ou em nenhuma) a partir do relacionamento interpretativo das coerções com a função atribuída.[122]

A teoria agnóstica ao contrário de todas as outras não tem a pretensão de demonstrar uma finalidade positiva à pena, esta é uma teoria materialista defendida por Zaffaroni e Nilo Batista, encontrando-se distante dos fundamentos tradicionais da pena de prisão, que não cumpre nenhuma função manifesta declarada, é uma negativa das teorias tradicionais, para a teoria agnóstica a pena de prisão não possui nenhum fundamento jurídico ela é apenas um ato político, um ato de poder que não encontra amparo no direito, compreendendo a pena como uma violação dos direitos para que o Estado possa demonstrar o seu poder[123].

Portanto, essa teoria possui uma função latente ou oculta por não ser conhecida.

[...] deve-se ensaiar uma construção que surja do fracasso de todas as teorias positivas(por serem falsas ou não-generalizáveis) em torno de funções manifestas. Adotando-se uma teoria negativa, é possível delimitar o horizonte do direito penal sem que seu recorte provoque a legitimação dos elementos do estado de polícia que lhe toca limitar. A questão é como se obter um conceito de pena sem apelar para suas funções manifestas. A este respeito não é tampouco viável a tentativa de fazê-lo através de suas funções latentes, porque estas são múltiplas e nós não a conhecemos em sua totalidade[...][124]

A função manifesta declarada da pena demonstra o jus puniendi Estatal caracterizando o exercício de poder:

O maior poder do sistema penal não reside na pena, mais sim no poder de vigiar, observar movimentos e idéias, obter dados da vida privada e pública, processa-los, arquiva-los, impor penas e privar de liberdades sem controle jurídicos, controlar e suprimir dissidências, neutralizar as coalizões entre desfavorecidos etc.[125]

Zaffaroni é incisivo na idéia de que a pena não possui nenhuma função manifestadamente ressocializadora, que continua a ter um papel repressivo e de castigo.

Ao incorporarmos as referências ônticas, podemos construir o conceito levando em consideração que a pena é um a coerção, que impõe uma privação de direitos e uma dor, mas não repara nem restitui, nem tão pouco detém as lesões em curso ou neutraliza perigos eminentes. O conceito assim enunciado é obtido por exclusão: a pena é um exercício de poder que não tem função reparadora ou restitutiva nem é coerção administrativa direta. Trata-se, sim, de uma coerção que impõe privação de direito e dor, mas que não corresponde aos outros modelos de solução ou prevenção de conflitos (não faz parte da coerção estatal reparadora ou restitutiva nem da coerção direta ou policial). Trata-se de um conceito de pena que é negativo por duas razões:

  1. não concede qualquer função positiva à pena;
  2. é obtido por exclusão (trata-se de coerção estatal que não entra no modelo reparador nem no administrativo direto) É agnóstico quanto à sua função, pois confessa não conhecê-la. Essa teoria negativa e agnóstica da pena permite incorporar as leis penais latentes e eventuais do direito penal e, por conseguinte, fazer dela sua matéria, assim como desautoriza os elementos discursivos negativos do direito penal dominante[126].

Diante dessa afirmação o que percebe-se que a intenção precípua de Zaffaroni é a desqualificação e a desconstituição de todas as teorias tradicionais e finalidades da pena.

Como resposta a este ato político e não jurídico que seria a pena de prisão, a teoria agnóstica abandona a discussão das funções ocultas nas teorias tradicionais da pena (daí porque agnóstica) para trabalhar com a idéia de uma contra-força jurídica visando a limitação do poder punitivo estatal.[127]

Portanto, para a teoria agnóstica prevalece a segurança do cidadão, a luta do Estado Direito pelo Estado de Poder, o direito penal não tem como princípio a repressão do indivíduo, mas constitui um conjunto de regras que tem o escopo de oferecer uma segurança jurídica contra o poder punitivo do Estado.[128]

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Sobre a autora
Sandra Mafra

Especialista em Direito Constitucional.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade do Vale de Itajaí. Orientador Prof. MSc: Sandro Cesar Sell.

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