A profissionalização do apenado como forma de reabilitação

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18/08/2014 às 00:12
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2 O TRABALHO: SEU POTENCIAL EMANCIPADOR FAVORECENDO DIGNIDADE E REABILITAÇÃO

A proposta deste capítulo é fazer um estudo a cerca do trabalho, e da profissão, como valorização moral, realizado de maneira estável, visando a dignidade, a reabilitação e o desenvolvimento humano, em conformidade com a vocação e capacidade de cada indivíduo, com uma função social, que pode ser direcionada para realização, afirmação, emancipação e crescimento no aspecto individual, ou pela contribuição ao desenvolvimento social, no aspecto coletivo.

Na sociedade capitalista em que vivemos o trabalho tem um significativo valor para o homem moderno que o repele e o deixa a sua margem se este estiver fora do mercado produtivo, em contrapartida, o homem se sente socialmente aceito quando consegue dar a si e a sua família condições favoráveis de sobrevivência.

Não é somente ele que percebe sua aceitação pelo meio social, é a própria sociedade que o absorve, na intenção de buscar o sustento, qualidade de vida, proteção, inclusive bens materiais, para si e sua família a sociedade o concede, como uma espécie de retribuição, o status de dignidade, de valorização.

O reconhecimento social lhe é atribuído não como um consumista de alimentos ou de bens materiais, mas porque se torna um ser emancipado, liberto, realizado e mediante isso a sociedade vê esse indivíduo como igual, trazendo-o para seu meio.

O Papa João Paulo II, em sua encíclica Laborem Exercens, relaciona o trabalho como fonte de vida, de valorização e de união.

É mediante o trabalho que o homem deve procurar-se o pão quotidiano e contribuir para o progresso contínuo das ciências e da técnica, e sobretudo para a incessante elevação cultural e moral da sociedade, na qual vive em comunidade com os próprios irmãos.[...]

O trabalho é uma das características que distinguem o homem do resto das criaturas, cuja actividade, relacionada com a manutenção da própria vida, [...]; somente o homem tem capacidade para o trabalho e somente o homem o realiza preenchendo ao mesmo tempo com ele a sua existência sobre a terra. Assim, o trabalho comporta em si uma marca particular do homem e da humanidade, a marca de uma pessoa que opera numa comunidade de pessoas; e uma tal marca determina a qualificação interior do mesmo trabalho e, em certo sentido, constitui a sua própria natureza. [129]

Já como autonomia, o trabalho é uma grata satisfação para o homem, porque traduz liberdade de planejar sua vida, executando seu trabalho e sentindo-se responsável por seus resultados. Sua percepção de autonomia se reflete em relação às suas tarefas, que diz respeito às informações da qualidade ou quantidade do seu desempenho, proporcionando-lhes satisfação[130].

A construção de uma vida familiar e os meios para sua subsistência, a transformação da natureza adaptando-se às suas necessidades[131], a realização de si mesmo e dos que estão a sua volta, a autonomia, a formação do caráter e crescimento intelectual, tudo isso só é possível ao homem mediante o trabalho, “por isso é que se a afirma que o trabalho dignifica o homem, a virtude do trabalho como aptidão moral, é algo que faculta ao homem tornar-se bom como homem. O trabalho confere dignidade ao homem”. [132]

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E A ETIMOLOGIA DA PALAVRA TRABALHO

Na Antiguidade os grupos humanos consideravam o trabalho como um castigo sendo, portanto executado somente pelos escravos, “havia, na época, uma grande desestima pelo trabalho, considerado aviltante pelos gregos, um verdadeiro castigo dos deuses” [133]. Na Grécia a diferença entre contemplação e trabalho, criava um conceito pejorativo de trabalho, enquanto a contemplação era vista como conseqüência da virtude e da sabedoria do homem, o trabalho era sempre colocado em segundo plano, como coisa de seres humanos inferiores, a virtude só poderia ser adquirida através da contemplação e não do trabalho[134].

Aristóteles dá o mesmo sentido pejorativo ao trabalho que envolvia apenas a força física. [135]

A dignidade do homem consistia em participar dos negócios da cidade por meio da palavra. Os escravos faziam o trabalho duro, enquanto os outros poderiam ser livres. O trabalho não tinha o significado de realização pessoal. Necessidades da vida tinham características servis, sendo que os escravos é que deveriam desempenhá-las, ficando as atividades mais nobres destinadas às outras pessoas, como a política. Hesíodo, Protágoras e os sofistas mostram o valor social e religioso do trabalho, que agradaria os deuses, criando riquezas e tornando os homens independentes.[136]

É de Platão a seguinte frase em concordância com a concepção de trabalho da época[137] “os trabalhos da terra e os outros operários – dizia - conhecem só as coisas do corpo. Se, pois, a sabedoria implica de si mesmo, nenhum destes é sábio em função de sua arte [...]. Como se vê, o ócio era o valor e o trabalho o desvalor”[138].

Em Roma os escravos eram responsáveis pela execução do trabalho. “A Lex Áquila[139] (284 a. C) considerava o escravo como coisa. Era visto o trabalho como desonroso” [140].

“O Cristianismo põe o trabalho como um dever individual”. Na Bíblia no livro de Gênesis capítulo 3 versículo19 esta dito que “no suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela fostes formado; porque tu és pó e ao pó tornarás”[141]. O Apóstolo Paulo faz uma exortação para o trabalho dizendo a seguinte frase: “Se alguém não quer trabalhar que não coma” [142].

O desenvolvimento do conceito de trabalho teve contribuição no Renascimento, concebendo o homem como atividade [143].

São nossas, diz Gianozzo em De Dignitate Excellentia Hominis, as coisas humanas, porque feitas pelo homem, todas as coisas que vemos, e as casas, e os castelos, e as cidades e todos os edifícios em conta disseminados sobre a superfície da terra. Vemos no Renascimento o ponto de partida para uma nova colocação do problema. A consciência do valor do trabalho, agora não mais algo aviltante, nem mero dever individual, mas a própria causa eficiente da produção de coisas[144].

O Calvinismo também dá a sua contribuição, colocando o trabalho como substância ética da vida, dando ao homem uma liberdade subjetiva com a capacidade de aumentar sua dignidade, o dever de trabalhar realizando boas obras na terra é uma necessária obrigação, seria equiparado a fazer o trabalho de Deus na terra. [145]

É a partir do Renascimento que o trabalho do homem começa a ser valorizado como atividade essencial para a existência do ser humano. A valorização pelos pensadores identificando-o como forma de atividade, produtiva e útil à sociedade, com conhecimento como ciência, entretanto passando o trabalho a ser uma das formas do conhecimento[146]. “O individuo é visto como uma criatura construtiva. O trabalho como desvalor, tal como na Antiguidade, passa a ser compreendido como valor[147]”.

Entretanto, desde a Antiguidade o trabalho tem recebido uma conotação depreciativa, este conceito de desvalor esta caracterizado na etimologia da palavra trabalho, sendo quase unânimes os vários doutrinadores pesquisados a respeito de sua origem latina tripalium, formada por dois temos, três + palium, “uma espécie de instrumento de tortura de três paus ou canga que pesava sobre os animais[148]”.

Este instrumento era usado para punir os cavalos que não se deixava ferrar quais dificultavam o trabalho do ferreiro, o termo sofreu uma modificação passando a ser tripaliare (ou trabalhar), que significava torturar com tripalium[149].

Há ainda algumas poucas publicações apontando a origem de trabalho como sendo do latim trabaculum, o qual é derivado de trabs, o que significa trave, viga, usada, também, para ferrar animais. Não podendo se olvidar das palavras européias para o termo labor, que tem procedência do latim e do inglês e no grego ponos, o alemão arbet, que significando igualmente dor e esforço, também usadas para designar as dores do parto.[150]

Toda essa constituição histórica do trabalho começa a desaparecer a partir da Revolução Francesa, que tem como conseqüência a Revolução Industrial no Século XVII:

Essa reação humanista que se propôs a garantir ou preservar a dignidade do ser humano ocupado no trabalho das indústrias, que, com o desenvolvimento da ciência, deram nova fisionomia ao processo de produção de bens na Europa e em outros continentes[151].

Tendo em vista que esta foi um marco que desenvolveu e acelerou o sistema capitalista de produção, com resultado na expansão global da economia - a base material da globalização. Observação pertinente se faz para o fato de que a palavra ‘trabalho’ nem sempre foi concebido como algo terrível - como relata e nos comprova a história -, quando nos referimos à definição do presente termo em japonês, qual seja, hataraku, que significa ‘trabalhar e dar conforto ao próximo’. ‘Assim, o termo ‘trabalho’ não pode necessariamente ser definido como algo horripilante, uma vez que, dependendo da cultura do país, pode a mesma palavra - e conseqüente atividade - ter um sentido totalmente diverso e muito mais suave em comparação às demais culturas e estilos de vida[152].

Hodiernamente em nossos Dicionários temos uma significação para a palavra trabalho equivalente à obra, ocupação, tarefa, função, ofício, serviço, faina, labor, atividade, emprego, missão, cargo, lida, encargo. [153]

2.2 CONCEITO DE TRABALHO

O sentido genérico de trabalho que atribuimos nos dias de hoje, somente começou a ser usado a partir do século XIX, como a “aplicação das forças e faculdades (talentos, habilidades) humanas para alcançado um determinado fim”. Esta construção conceitual que foi sendo desenvolvida lentamente com a especialização e evolução cultural das atividades humanas, a palavra trabalho passou a ter uma série de diferentes significados e conceitos[154].

O conceito do Minidicionário Aurélio nos dá uma significação um pouco mais ampla[155]

Aplicação de forças e faculdades humanas para alcançar determinado fim; atividade coordenada, de caráter físico e/ou intelectual, necessária à realização de qualquer tarefa, serviço ou empreendimento; trabalho remunerado ou assalariado, emprego, serviço; local onde se exerce essa atividade; qualquer obra realizada; esforço incomum luta, lida[156].

Mikel Aizpuru e Rivera Antônio colaborando com nossa pesquisa, dão sua definição do que seja trabalho:

A definição de trabalho varia no tempo e no espaço, mas, de um modo geral, pode-se afirmar que o trabalho é uma ação realizada por seres humanos que supõe um determinado gasto de energia, destinado a algum fim material ou imaterial, conscientemente desejado e que tem a sua origem e motivação na satisfação ou existência de uma privação ou necessidade por parte de quem o realiza. O trabalho é o método mediante o qual o homem transforma a natureza criando, ao mesmo tempo, riqueza e construindo a sua realidade. De certo modo, o história e o processo de criação, satisfação e a nova criação de necessidades humanas a partir da trabalho[157].

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De Plácido e Silva leciona com maestria o sentido do trabalho dizendo que é todo esforço físico, ou mesmo intelectual com intenção de realizar ou fazer alguma coisa, explicando também o sentido econômico e jurídico[158].

No sentido econômico e jurídico, porém, trabalho não é simplesmente nessa acepção física: é toda ação, ou todo esforço ou todo desenvolvimento ordenado de energias do homem, sejam psíquicas, ou sejam corporais, dirigidas com fim econômico, isto é, para produzir uma riqueza, ou uma utilidade, suscetível de uma avaliação, ou apreciação monetária.

Assim, qualquer que seja a sua natureza, e qualquer que seja o esforço que o produz, o trabalho se reputa sempre um bem de ordem econômica, juridicamente protegido[159].

Segundo Manuel Afonso Olea o conceito de trabalho pode ser entendido de maneira mais genérica: “trabalho humano é aquele realizado pelo homem, seja no manejo da matéria – trabalho manual – seja através de uso de símbolos – trabalho intelectual”[160].

Lacombe e Heilborn destacam:

  1. o trabalho é parte essencial da vida do homem: é ele, muitas vezes, quem define o papel de um indivíduo na sociedade;
  2. as pessoas tendem a gostar do seu trabalho ou a procurar trabalhos que lhes tragam satisfação;
  3. o trabalho é uma atividade social;
  4. o moral do trabalhador não tem relação com as condições materiais do trabalho. Itens como temperatura, iluminação, ruído e umidade afetam a saúde física e o conforto e não a motivação;
  5. sob condições normais, o dinheiro é um dos incentivos menos importantes;

f)

E continua dando sua contribuição nesta pesquisa: “Apesar de todos os conceitos de trabalho fornecidos pela literatura existente, é certo de que cada indivíduo dá a ele o seu próprio conceito e significado de acordo com sua história de vida[162]”.

Francisco Rossal de Araújo, entende o trabalho como um fator de produção, na concepção econômica tradicional, relacionando cinco desses fatores, denominado por ele como recursos que são; reservas naturais (fator terra), recursos humanos (fator trabalho), bens de produção (fator capital), capacidade tecnológica e e capacidade empresarial, também analisa o trabalho como meio oneroso, em sentido sociológico, caracterizado como esforço humano voltado para a obtenção de um fim, certamente distinguindo-se do trabalho feito por máquinas, animais e do trabalho gratuito. Todos esses fatores “podem ter sua exploração expandida de acordo com o desenvolvimento da ciência da técnica”. Asseverando, também que mesmo nas atividades mais simples “é preciso que o ser humano desenvolva algum tipo de esforço físico e/ ou intelectual”[163].

Ainda buscando a maestria de Francisco Rossal de Araújo, o trabalho constitui uma atividade essencial da espécie humana, é através dessa atividade que há a possibilidade da reprodução e da sobrevivência da espécie, onde é determinado o nível de satisfação e de necessidade, por ser comum a todas as sociedades e sendo diversamente adotado a cada uma delas com o passar do tempo[164].

2.3 ETIMOLOGIA E CONCEITO DE PROFISSÃO

A profissão surgiu com o desenvolvimento intelectual do homem, que estando pouco satisfeito com seu trabalho, procurou um aprimoramento, uma especialização naquilo que mais lhe agradava fazer, isto é, respeitando sua vocação e aptidões, pode, entretanto não somente estruturar sua vida social e financeira, mas também toda a vida em sociedade.

Não obstante, cada vez mais, apenas o trabalho em si não é suficiente para estruturar um indivíduo. Ninguém mais quer ser um trabalhador, todos buscam ser, ao em vez disso, profissionais. Assim ao longo da história o trabalho foi perdendo espaço para a profissão.[165]

No Vocabulário Jurídico De Plácido e Silva o termo profissão tem sua origem “do latim professio, de profiteri (declarar), literalmente quer exprimir a declaração ou a manifestação do modo de vida ou o gênero de trabalho exercido pela pessoa[166]”.

Exprime, pois, a soma de atividades exercitadas pela pessoa para prover a própria subsistência [...] É tomado no sentido equivalente de ocupação. E se aplica, igualmente, como oficio ou cargo, que se exerce, os quais, por sua vez, mostram a natureza da profissão. [...] traz consigo a ideia do exercício de um oficio, arte ou cargo, com habitualidade. [...] a repetição do atos, que constitui o gênero de trabalho, do qual a pessoa se diz ou se mostra perito ou mestre é que caracteriza a qualidade do profissional. [...] a profissão é um estado ou uma carreira. [...] É por isso que se faz mister sua indicação, quando se quer identificar alguém. É que como condição da pessoa é um dos elementos característicos de sua individualidade[167].

André Luiz Picolli em sua monografia dá a definição do significado de profissão segundo o dicionário Aurélio, “atividade ou ocupação especializada, e que supõe determinado preparo; um ofício que encerra certo prestígio pelo caráter social ou intelectual, ou meio de subsistência remunerado, resultante do exercício de um trabalho, de um ofício[168]”.

Mediante essas definições, fica evidenciado ser a profissão mais que um agrupamento de técnicas utilizadas com a finalidade de garantir a subsistência. A profissão vem acompanhada de um status social, servindo em nossa sociedade como um diferenciador, um identificador de papéis sociais, até de uma opção de vida, quer tenha sido escolhida conscientemente quer não. Como em um dado momento de nossas vidas, todos têm de ‘optar’ por uma profissão, nada melhor do que participarmos nesse período de uma orientação profissional, que nos auxilie nessa escolha[169].

A Constituição Federal no art. 5° resguarda o direito ao exercício da profissão, estabelecendo no seu inciso “XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer[170]”.

Há, portanto dentro deste livre exercício uma preocupação, que é o direito ao trabalho, fundamentado no direito à vida de transformar esse direito ao trabalho em direito a ter uma atividade para o sustento seu e de sua família, esta relacionado com o direito à vida e à subsistência[171].

No sentido subjetivo, o direito ao trabalho significa, portanto, a faculdade de cada um exercer livremente uma atividade profissional honesta, que lhe permita a obtenção dos meios econômicos necessários para que possa manter-se e também prover a manutenção dos seus dependentes econômicos, [...], leva também a verificação de que o homem, sozinho, não conseguiria produzir tudo de que necessita para viver. A sociedade como um todo, sim, é capaz desta produção. [172]

Significando que cada membro da sociedade é necessário e importante para o bom funcionamento de todo o corpo social, não pode existir nenhum tipo de discriminação ou exclusão, sob pena de mau funcionamento desse corpo.

Com esse desejo de ser um profissional e executar uma única atividade, o trabalho poder ser dividido entre os indivíduos, favorecendo, tanto os meios de produção, como toda a sociedade capitalista.

Uma das mistificações da sociedade capitalista é o conceito de ‘profissão’. Este conceito surgiu com a necessidade da divisão do trabalho na sociedade capitalista, no início da história das fábricas, visando o aumento de lucro. E teve sua justificação teológica no conceito de ‘vocação’, desenvolvida por Lutero, que hoje já rompeu as fronteiras do protestantismo[173].

Este conceito de profissão descrito no artigo de Daniel Cunha é direcionado a uma sociedade específica e de uma era específica que, interiorizado nos homens capitalistas de tal forma que muitos realmente crêem que, aquela profissão esta gravada em seus genes e que nasceram para passar toda a sua vida desempenhando somente um tipo atividade. Essa atitude tem reflexo em seu desenvolvimento intelectual, acabando por entender tudo de sua profissão e quase nada a respeito de outras áreas do conhecimento humano, especialmente se não lhe servir de modo utilitarista e afirma que “o capitalismo reduz o homem a uma mera máquina de transformar dinheiro em mais dinheiro” e conclui sua observação afirmando que “o objetivo de toda atividade profissional, direta ou indiretamente, reduz-se a isso”[174].

2.4 ETIMOLOGIA E CONCEITO DE DIGNIDADE

Antes de mais nada precisaremos tecer um breve conceito de dignidade, a definição vem do Vocabulário Jurídico De Plácido e Silva[175]:

Derivado do latim dignitas (virtude, honra, consideração), em regra se entende a qualidade moral, que, possuída por uma pessoa, serve de base ao próprio respeito em que é tida. Compreende-se como o próprio procedimento da pessoa, pelo qual se faz merecedor do conceito público [...] também se entende como a distinção ou honraria conferida a uma pessoa, consistente em cargo ou título de alta graduação.

Os relatos encontrados tanto no Antigo como no Novo Testamento[176], que o homem foi criado a imagem e semelhança de Deus, idéia que foi renegada por muito tempo, por parte de instituições cristãs e seus integrantes, quando das crueldades praticadas pela “Santa Inquisição”, de que, não somente os cristãos, mas todos os homens são dotados de “um valor próprio que lhe é intrínseco, no podendo ser transformado em mero objeto de instrumento”[177].

A dignidade da pessoa[178] humana ocupa e sempre ocupou um lugar central no pensamento filosófico, político e jurídico o que demostra sua qualificação como valor fundamental na ordem jurídica, nutrindo uma pretensão de um Estado Democrático de Direito, consagrando que de uma forma direta ou indireta, a idéia da dignidade da pessoa humana, “parte do pressuposto de que o homem, em virtude de tão somente de sua condição humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado”[179]

Ingo Sarlet[180] considera a dignidade uma qualidade intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser humano e certo de que a destruição de um implicaria a destruição de outro, é que o respeito e a proteção da dignidade da pessoa, constituem-se em meta permanente da humanidade, e continua o festejado autor:

[...] temos por dignidade a qualidade intrínseca e distinta de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos[181].

Maria Celina Bodin de Moraes[182] elabora seu conceito com fundamento no pensamento de Kant:

Considera-se, com efeito, que, se a humanidade das pessoas reside no fato de serem elas racionais, dotadas de livre arbítrio e de capacidade de interagir com os outros e com a natureza - sujeitos, por isso, do discurso e da ação -, será ‘desumano’, isto é, contrário a dignidade humana, tudo aquilo que puder reduzir a pessoa (o sujeito de direito) à condição de objeto. O substrato material da dignidade desse modo entendida pode ser desdobrado em quatro postulados: I) o sujeito moral (ético) reconhece a existência dos outros como sujeitos iguais a ele, II) merecedores do mesmo respeito à integridade psicofísica de que é titular, III) é dotado de vontade livre de alto determinação, IV) é parte do grupo social, em relação a qual tem garantia de não vir a ser marginalizado[183].

Segundo a analise feita por Tereza Cristina Gosdal, “qualquer prática jurídica ou social que gere exclusão social estará violando a dignidade”. [184] Ressalta ainda em seu conceito, “o direito à igualdade que todos têm de não ser discriminados como princípio fundante da dignidade da pessoa humana”[185].

     Ingo Sarlet com maestria continua a afirmar que, até mesmo no pensamento clássico a dignidade como qualidade intrínseca da pessoa humana é irrenunciável e inalienável, como um elemento que o qualifica como ser humano, sendo inerente á pessoa humana desde o nascimento, e dela jamais poderá ser retirado, portanto não poderá existir a possibilidade de uma determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida, sendo compreendida como qualidade integrante á própria condição humana[186].

2.4.1 Dignidade na Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal de 1988, estabelece no artigo 1° o Estado Democrático de Direito: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana”. [187]

Nesse mesmo sentido o artigo 3° determina que: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil”:

Inciso I – construir uma sociedade justa, livre e solidária; Inciso II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sócias e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outra forma de discriminação. [188]

O princípio da dignidade da pessoa humana, é um fundamento constitutivo de nosso Estado Democrático de Direito que adquire uma extrema relevância quando se fala nas garantias, nos direitos e na dignidade do homem, uma vez que esse é um princípio norteador de compreensão e interpretação da Constituição Federal de 1988. Com isso, pode-se notar que a dignidade do homem se irradia e se projeta sobre um número vasto de regras ou preceitos constitucionais, visando que a proteção e as garantias destes direitos sejam cada vez mais concretos e eficazes[189].

Sob esse alicerce, o de um Estado Democrático de Direito, são assegurando a aplicação de direitos individuais sociais que são; valores éticos de igualdade, justiça e reciprocidade, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, tendo por fundamento a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, mediante uma sociedade pluralista, fraterna e sem preconceito. São estes os princípios básicos de um Estado Democrático de Direito e dos Direitos Fundamentais[190].

O constituinte quis expressar no art. 1° da Constituição Federal de 1988, que não se tratava de uma simples declaração ou enunciado de direito, posto que no art. 5°, § 1° e 2° estabeleceu-se às condições materiais para uma efetiva implementação do princípio da dignidade da pessoa humana. “Houve, portanto a intenção do legislador em tentar impedir que os direitos enunciados na Constituição não permaneçam como letra morta, mas ganhem efetividade” [191], pois como é lição da doutrina clássica, nem toda norma constitucional tem aplicação imediata, uma norma constitucional, mesmo definidora de direitos ou garantias fundamentais, somente pode ser aplicada se for completa, como o que ocorre com a dignidade da pessoa, que mesmo que sendo constitucionalmente garantida, não tem aplicação prática em nossa sociedade[192].

Como assevera Sarlet, não havendo a preocupação do ordenamento jurídico, a dignidade da pessoa humana reclama sua proteção:

O que se percebe, em ultima analise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para a existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças. Tudo, portanto, converge no sentido de que também para a ordem jurídico-constitucional a concepção do homem-objeto (ou homem-instrumento), com todas as conseqüências que daí podem e devem ser extraídas, constitui justamente a antítese da noção de dignidade da pessoa, embora esta, à evidência, não possa ser, por sua vez, exclusivamente formulada no sentido negativo (de exclusão de atos degradantes e desumanos), já que assim se estaria a restringir demasiadamente o âmbito da proteção da dignidade.[193]

Assim, observa-se a preocupação da Constituição em assegurar os direitos fundamentais, a dignidade e o bem estar da pessoa humana, impondo-se um marco delimitador imperativo de justiça social. “Neste sentido a dignidade da pessoa humana se posiciona como um núcleo básico e informador” de todo o ordenamento jurídico, criteriosamente para valorar e “orientar a interpretação e compreensão do sistema Constitucional”. [194]

2.4.2 A Dignificação pelo Trabalho

A dignificação do homem mediante o trabalho é próprio da modernidade, relaciona-se ao seu bem estar, não somente garantir sua sobrevivência e de sua família, mais permitir a acumulação de riqueza, à formação de patrimônio, assim como também usufruir de sua liberdade e autonomia, “assim a dignidade pelo trabalho na sociedade atual tem uma conotação relacionada ao reconhecimento que o indivíduo tem e transparece de seu próprio ser e do grupo a que esta vinculado e que constitui sua identidade”.[195]

O trabalho não é a condição para um individuo alcançar dignidade, mas a dignidade deve estar presente no trabalho. Se o trabalho for a maneira de adquirir dignidade, equivale dizer que os nascituros, as crianças, os inválidos, os incapazes, os aposentados, seriam excluídos da dignidade, por não estar inseridos no mundo do trabalho e não têm uma ocupação produtiva e remunerada, temporária ou definitiva.[196]

Entretanto, diversos são os artigos da Carta Magna[197] que reconhecem os direitos e garantias sociais aos trabalhadores, exaltando a dignidade e o valor do trabalho, proclamando em seus direitos fundamentais “a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (art. 1°, III e IV). Prescreve ainda que “a ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem estar social” (art. 193), que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5°). Com essa valorização do trabalho como um valioso bem individual e social, incorporado à ordem jurídica e integrado à sociedade, conferindo ao trabalhador uma dignificação. [198]

Dinaura Godinho Pimentel Gomes[199] cita: “O direito deve atuar de forma mais dinâmica, inovando e transformando, porque o trabalho torna o homem mais homem, ao possibilitar-lhe o pleno desenvolvimento de sua personalidade, de onde resulta a sua valorização como pessoa humana”. [200]

Realmente o trabalho é elemento central na vida dos indivíduos na atualidade, fonte de recursos que garante seu sustento e de formação de sua identidade e reconhecimento social. Não obstante, não é demais lembrar que está sendo considerado aqui como um direito, não um dever. Assim, o trabalho caracteriza a sociedade humana atual, mas não se impõe como condição de humanidade a cada homem[201].

A sociedade não exclui aquele que vive de rendas ou investimentos e com bom patrimônio, não se recusa a ele o reconhecimento de dignidade, por não estar trabalhando, mas costuma excluir o trabalhador desempregado que não consegue vender sua força de trabalho, a este é recusado um tratamento digno[202].

Mas não basta que a lei garanta o direito de livre acesso ao trabalho e a igualdade de oportunidades. É indispensável que, paralelamente, ao lado desses pomposos enunciados, sejam assegurados meios práticos e materiais para sua efetivação. Se o direito ao trabalho e a dignificação deste são reconhecidos apenas no plano teórico, programático, o próprio direito do trabalho torna-se igualmente enganoso, ilusório, fictício. Sem efetiva garantia de emprego e real direito ao trabalho, não existe um autêntico direito do trabalho.[203]

Na já mencionada Encíclica do Papa João Paulo II, estão descritos vários tópicos que reconhecem a dignidade do homem através do trabalho, que “exprime a firme a profunda convicção de que o trabalho humano não diz respeito somente à economia, mas implica também e sobretudo valores pessoais e morais”, ressaltando que o trabalho é um bem inerente ao homem, não somente de utilidade, entretanto tornando-o digno, aumentando e exprimindo essa sua dignidade e alta-estima, é um bem que o torna mais humano.[204]

2.5 ETIMOLOGIA E CONCEITO DE REABILITAÇÃO

Consoante o Novo Aurélio Dicionário da Língua Portuguesa, o terno reabilitar formado do prefixo “re” e de “habilitar” significa restituir ao estado anterior, restituir a estima pública ou a particular; regenerar. “Restituir à normalidade do convívio social, ou de atividades profissionais, recuperar”. [205]

No Dicionário Jurídico De Plácido e Silva, reabilitar dá a idéia retroativa ou retorno ao anterior, exprime, geralmente, o fato, “que vem restituir a capacidade de uma pessoa ou que vem restabelecer uma situação anteriormente perdida”[206]

Já no sentido jurídico reabilitação é a restituição, é devolver a habilidade, a qualidade ou a capacidade, estando, a pessoa novamente habilitada a agir segundo os direitos que lhe são assegurados por lei ou é recolocada na situação jurídica de que, por qualquer motivo foi afastada, traduzindo a idéia de uma interdição, anteriormente decretada, sendo cumprido certos requisitos para que o interditado retome o estado anterior. [207]

O termo reabilitação é sinônimo de recapacitação, e significa ação ou efeito de reabilitar (-se) [física, intelectual, moral, social profissional, psicológica e materialmente]. Mas é também a recuperação da estima (própria ou de outrem) por meio de regeneração, ou o recobro do reconhecimento público por meio da qualidade ou do sucesso [...], assim como o retorno de uma pessoa à condição de que desfrutava anteriormente. [208]

Acrescentando-se então o prefixo “re” que, expressando uma ação retroativa ou de repetição, usado na formação do vocábulo reabilitar que primitivamente é habilitar.

Buscando novamente ajuda do Novo Aurélio, vimos na significação de habilidade, a qualidade daquele que é hábil ou habilitado, isto é preparado para algum fim, daquele que possui “notável desempenho e elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: capacidade intelectual geral, aptidão específica, pensamento criativo produtivo, capacidade de liderança, talento especial”.[209]

Habilidade nos remete ao hábito. Em latim, habitus significa tanto aquele que é robusto, ou seja, o aspecto exterior, a postura, a posição, como o modo de ser. Assim o habitus é a maneira, a condição, o estado, a qualidade individual ou a disposição. Reabilitar seria então devolver ao habitual? E o que seria esse habitual? Habitual é aquilo que se transformou em hábito, é o usual, costumeiro, rotineiro, o comum. O habitual é do âmbito do nós e não do eu. Reabilitar alguém significaria, assim, reintroduzir ao nós, devolvê-lo ao seio da comunidade, reincorpora-lo, retorná-lo, incluí-lo. A reabilitação seria definida, a partir disso, como ciência da reintegração ou da inclusão social.[210]

O termo latino para habilidade é habilitatis que significa a faculdade de fazer algo comodamente com bastante facilidade, neste entendimento, reabilitação compreende a devolução dessa faculdade que por qualquer motivo deixou de ser, e precisa ser novamente capacitado, apto ou regenerado. [211]

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Sobre a autora
Sandra Mafra

Especialista em Direito Constitucional.

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Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade do Vale de Itajaí. Orientador Prof. MSc: Sandro Cesar Sell.

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