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Trabalho infantil no meio artístico

27/08/2014 às 13:40

Resumo:


  • O trabalho infantil no meio artístico é permitido, muitas vezes, devido a questões econômicas e culturais.

  • A legislação brasileira permite o trabalho infantil artístico com restrições e autorização judicial, considerando a liberdade de expressão e a proteção integral da criança.

  • Existem debates sobre a competência para autorizar o trabalho infantil artístico, envolvendo a Justiça do Trabalho e a Vara da Infância e Juventude, além de normas internacionais que regulamentam essa prática.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O artigo esclarece o fenômeno do trabalho infantil artístico, por meio de um estudo conjunto de suas causas e consequências e da legislação aplicável ao tema.

A exploração do trabalho infantil tem sido alvo de constantes debates e discussões na imprensa. A maioria de suas formas é amplamente condenada e combatida pela sociedade brasileira, especialmente aquelas realizadas em lixões, no cultivo de algodão e cana, nas pedreiras, olarias e carvoarias, na indústria de calçados e confecções e nas atividades ilícitas (exploração sexual e tráfico de drogas). Esta é a imagem apresentada nas inúmeras campanhas nacionais e internacionais que visam erradicar o trabalho infantil.

Entretanto, outras formas se realizam abertamente, sob os holofotes, como ocorre no caso do trabalho infantil no meio artístico. Em telenovelas e programas de auditório, há crianças que trabalham de verdade, da mesma maneira que os adultos o fazem. Surge, então, a seguinte questão: se há proibição do trabalho infantil, por quais razões ele é permitido no meio artístico?

Podemos afirmar que o aspecto econômico em geral é preponderante sobre os demais: o trabalho infantil artístico frequentemente é visto como uma saída para uma situação financeira familiar melhor e mais estável. Os pais muitas vezes forçam seus  filhos a seguir a carreira artística e não percebem os prejuízos físicos e psicológicos que podem decorrer dessa atividade. É claro que a criança e o adolescente podem trabalhar na televisão, por exemplo, caso demonstrem aptidão para a carreira artística, mas não somente por insistência dos pais. Atuar, cantar e dançar não deixam, pois, de ser formas de expressão da atividade artística, o que é assegurado pela Constituição Federal.

Ademais, a sociedade vê o trabalho infantil artístico como algo absolutamente normal, associado ao sucesso e à fama. No entanto, o glamour impede que sejam percebidos os danos sociais e psicológicos que tais atividades podem causar na vida dessas crianças.

Acerca dos aspectos jurídicos, cabe esclarecer o debate acerca da proibição ou regulamentação do trabalho infantil artístico.

Inicialmente, é imprescindível dizer que a Constituição Federal de 1988 consagrou a ampla liberdade de expressão, inclusive a artística. Portanto, não se pode negar que esse incentivo também se estende à educação artística das crianças e adolescentes.

Com base na leitura conjunta dos incisos IV e IX do art. 5° da Constituição Federal, certos doutrinadores acreditam que a proibição de trabalho por menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, não deve ser absoluta, especialmente quanto se tratar de trabalho infantil artístico.

A justificativa dessa parte da doutrina se encontra na garantia do direito à livre manifestação artística e cultural.1

Conforme Rafael Dias Marques:2

"Desse modo, o trabalho artístico realizado por menores de dezesseis anos é, em princípio, proibido, mas pode ser aceito, com a devida autorização judicial e cautela correspectivas à proteção integral, desde que seja essencial, como por exemplo, na representação de um personagem infantil."

Amauri Mascaro3 também admite flexibilização da vedação constitucional em certos casos, por acreditar nos benefícios trazidos ao artista mirim:

"Há situações eventuais em que a permissão para o trabalho do menor em nada o prejudica, como em alguns casos de tipos de trabalho artístico, contanto que acompanhado dos devidos cuidados."

Já em nível infraconstitucional, deve-se transcrever o disposto no ECA:

"Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará:

I - a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável, em:

a) estádio, ginásio e campo desportivo;

b) bailes ou promoções dançantes;

c) boate ou congêneres;

d) casa que explore comercialmente diversões eletrônicas;

e) estúdios cinematográficos, de teatro, rádio e televisão.

II - a participação de criança e adolescente em:

a) espetáculos públicos e seus ensaios;

b) certames de beleza.

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, a autoridade judiciária levará em conta, dentre outros fatores:

a) os princípios desta Lei;

b) as peculiaridades locais;

c) a existência de instalações adequadas;

d) o tipo de freqüência habitual ao local;

e) a adequação do ambiente a eventual participação ou freqüência de crianças e adolescentes;

f) a natureza do espetáculo.

§ 2º As medidas adotadas na conformidade deste artigo deverão ser fundamentadas, caso a caso, vedadas as determinações de caráter geral."

Assim, fica claro que o ECA permitiu que a autoridade judiciária autorize a participação de crianças e adolescentes em espetáculos públicos e seus ensaios e em certames de beleza. Porém, deve haver análise de cada caso, sendo vedadas as licenças generalizadas.

A CLT (Decreto Lei 5452/43) tratou do trabalho em locais perigosos para a saúde física e moral do adolescente:

"Art. 405 - Ao menor não será permitido o trabalho:

I - nos locais e serviços perigosos ou insalubres, constantes de quadro para esse fim aprovado pelo Diretor Geral do Departamento de Segirança e Higiene do Trabalho

II - em locais ou serviços prejudiciais à sua moralidade.

...

§ 3º Considera-se prejudicial à moralidade do menor o trabalho:

a) prestado de qualquer modo, em teatros de revista, cinemas, buates, cassinos, cabarés, dancings e estabelecimentos análogos;

b) em empresas circenses, em funções de acróbata, saltimbanco, ginasta e outras semelhantes;

c) de produção, composição, entrega ou venda de escritos, impressos, cartazes, desenhos, gravuras, pinturas, emblemas, imagens e quaisquer outros objetos que possam, a juízo da autoridade competente, prejudicar sua formação moral;

d) consistente na venda, a varejo, de bebidas alcoólicas."

Apesar de tal rol ser meramente exemplificativo, o trabalho infantil artístico pode vir a se encaixar na alínea “a” do dispositivo acima, dependendo do local onde for prestado.

No entanto, no mesmo decreto lei, há claramente a previsão desse tipo de labor. Prova disso é o art. 406 da CLT, que dispõe:

 "O Juiz de Menores poderá autorizar ao menor o trabalho a que se referem as letras "a" e "b" do § 3º do art. 405:

I - desde que a representação tenha fim educativo ou a peça de que participe não possa ser prejudicial à sua formação moral;

II - desde que se certifique ser a ocupação do menor indispensável à própria subsistência ou à de seus pais, avós ou irmãos e não advir nenhum prejuízo à sua formação moral."

Importante salientar que há controvérsias acerca da competência para emissão desse alvará. Depois do advento da Emenda Constitucional n° 45/2004, a redação do art. 114 passou a ser a seguinte:

"Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II – as ações que envolvam exercício do direito de greve;

III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei."

Com essa ampliação da competência da Justiça do Trabalho, houve questionamentos acerca da transferência da competência para autorizar o trabalho infantil artístico para o juiz trabalhista.

Eduardo Gabriel Saad4 acredita que a Constituição Federal e o ECA recepcionaram o art. 406 da CLT e que foi mantida a competência do Juiz da Infânica e Juventude para conceder a autorização do trabalho do menor. Porém, deve haver comprovado fim educativo e não prejudicar sua formação moral.

Por outro lado, entende José Roberto Dantas Oliva:5

"Entretanto, o art.114, I, da Constituição Federal, agora é de clareza solar: tratando-se de relações de trabalho (lato e não mais stricto sensu), compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações que delas se originarem.

...

Nada excepcionando a Carta, com ela colidem as regras infraconstitucionais que outorgam ao Juiz da Infância e da Juventude competência para permissões de trabalho infanto-juvenil, inclusive o artístico. E na linha do que sustentamos, sempre com a ressalva de que melhor juízo pode haver e respeitadas opiniões divergentes que ainda não nos convenceram, a participação de que cuida o art. 149, II, do ECA, configura também trabalho no sentido lato, podendo ou não haver vínculo empregatício."

Existe até mesmo o projeto de lei (PL) n° 3974/12, do deputado federal Manoel Junior (PMDB/PB), que torna a Justiça do Trabalho responsável pela emissão dos alvarás, e não mais a Vara da Infância e Juventude. O projeto atualmente está aguardando parecer do Relator na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF).

No entanto, é preciso dizer que a alteração decorrente da referida Emenda Constitucional não tem sido observada e ainda é a Justiça Comum estadual que tem autorizado a participação de crianças e adolescentes em atividades artísticas.

Já em âmbito internacional, versam os itens 1 e 2 do art. 8° da Convenção n° 138 da OIT:7

"A autoridade competente, após consulta com as organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas, se as houver, podem, mediante licenças concedidas em casos individuais, permitir exceções à proibição de emprego ou trabalho disposto no artigo 2º desta Convenção, para fins tais como participação em representações artísticas.

Permissões dessa natureza limitarão o número de horas de duração do emprego ou trabalho e estabelecerão as condições em que é permitido. "

Portanto, pode-se dizer que foram permitidas as representações artísticas em casos individuais em nosso país, signatário dessa Convenção, mas deve haver limitações das horas de trabalho e fixação condições específicas.

Ademais, cabe citar o disposto na Cartilha “Trabalho Infantil – 50 perguntas e respostas”, elaborada pelo Tribunal Superior do Trabalho juntamente com o Conselho Superior da Justiça do Trabalho:8

"[...] tem se entendido que, por se tratar de norma que versa sobre direito fundamental do ser humano, a Convenção Nº 138 da OIT teria sido recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro com status constitucional, ou seja, equivaleria a uma emenda constitucional."

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Já a Convenção n° 182 da OIT dispõe, em seu art. 4°, que a legislação nacional ou a autoridade competente, após consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas e levando em consideração as normas internacionais na matéria, devem determinar quais tipos de trabalhos se encaixam na alínea “d” de seu art. 3°.9

Ressalte-se que o Brasil, na edição do Decreto n° 6481, de 12 de junho de 2008, regulamentou a citada alínea e também o art. 4° da referida Convenção, aprovando a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP). Nela, não há menção ao trabalho infantil artístico.10

Por fim, é preciso ressaltar que o TST e o CSJT admitiram que a participação de crianças e adolescentes em representações artísticas, abaixo da idade mínima constitucional, é de fato possível, já que o Brasil ratificou a Convenção n° 138 da OIT. Como já visto, esse diploma concedeu à autoridade competente dos países signatários a faculdade de autorizar o trabalho de crianças e adolescentes em representações artísticas.

Essa permissão de acordo com o caso concreto é o que de fato ocorre em nosso país, tanto que o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, estabelece que compete ao Juiz da Infância e da Juventude emitir os alvarás, autorizando assim a participação infantil em espetáculos públicos, certames de beleza e ensaios.

No entanto, essa autorização não deveria mais ser concedida pela Justiça Comum, já que houve ampliação da competência da Justiça do Trabalho com o advento da Emenda Constitucional n° 45 de 2004.

Conclui-se, pois, que nossa Constituição visa a proteção infantil contra as piores formas de trabalho, as formas mais degradantes, presentes na chamada “Lista TIP” e desenvolvidas principalmente em carvoarias, lavouras, lixões, confecções e atividades ilícitas.

Caso contrário, estaríamos desrespeitando o princípio de Direito Internacional que veda que o país signatário invoce disposições de seu direito interno como justificativa para descumprir o tratado. O Estado brasileiro consentiu, por meio de instrumento de ratificação depositado no Secretariado da OIT, devendo, pois, obedecer às disposições da Convenção n° 138, inclusive a permissão excepcional do trabalho infantil artístico.


Notas

1 MARQUES, Rafael Dias. Trabalho infantil artístico: proibições, possibilidades e limites. In: Revista do Ministério Público do Trabalho / Procuradoria Geral do Trabalho, Ano XIX, n. 38. Brasilia: LTr Editora, 2009.

2 Ibid.

3 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 846.

4 SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidação das Leis do Trabalho comentada. 40 ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 395.

5  OLIVA, José Roberto Dantas. O Trabalho infanto-juvenil artístico e a idade mínima: sobre a necessidade de regulamentação e a competência para sua autorização. Revista AMATRA XV – n. 3/2010. São Paulo; LTr, 2010. p. 135.

6 CORTES, Lourdes. Kátia Arruda diz que trabalho artístico infantil pode gerar danos irreparáveis. Notícias do TST. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/materias-especiais/-/asset_publisher/89Dk/content/id/2604357> Acesso em: 16 de março de 2014.

7  ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção 138 sobre Idade Mínima para Admissão a Emprego. Disponível em: <http://www.oit.org.br/sites/all/ipec/normas/conv138.php> Acesso em: 30 de março de 2014.

8  BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Cartilha 50 Perguntas e respostas sobre trabalho infantil, proteção ao trabalho decente do adolescente e aprendizagem. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/documents/3284284/0/Perguntas+e+respostas+sobre+trabalho+infantil> Acesso em: 16 de março de 2014.

9   ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção 182 sobre Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação. Disponível em: <http://www.oit.org.br/sites/all/ipec/normas/conv182.php> Acesso em: 30 de março de 2014.

10 BRASIL. Decreto 6481, de 12 de junho de 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/d6481.htm> Acesso em: 30 de março de 2014.

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Sobre a autora
Priscila Silva Freitas

Priscila Silva Freitas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Priscila Silva. Trabalho infantil no meio artístico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4074, 27 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31312. Acesso em: 23 dez. 2024.

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