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Crimes tributários e fraudes à relação de emprego

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10/03/2015 às 11:11
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4 PREVENÇÃO E REPRESSÃO AOS CRIMES TRIBUTÁRIOS DECORRENTES DE FRAUDES À RELAÇÃO DE EMPREGO 

4.1 Atuação em nível político

Considerando o que já foi analisado, é possível afirmar que a legislação brasileira possui meios para a repressão das condutas objeto deste estudo, tratando-as inclusive em termos penais. O mesmo não se pode dizer em relação à prevenção dos ilícitos.

Nota-se, que essas condutas ilícitas têm sua origem nas distorções existentes na legislação tributária, que por meio de função extra fiscal, cria condições mais desfavoráveis àqueles que formalizam vínculos empregatícios do que para aqueles que fazem uso de formas atípicas de trabalho.

Conclui-se, assim, que a prevenção de crimes tributários decorrentes de fraudes trabalhistas depende da eliminação dessas distorções. A ação legislativa do Estado deveria inverter a lógica extra fiscal dos tributos incidentes nas relações de trabalho, tornando menos onerosa a formalização de vínculos empregatícios.

Por outro lado, o interesse estatal de fomentar as formas de trabalho não subordinado, também merecedoras de proteção quando fundadas na realidade, seria mais eficientemente expressado por outros meios. Seriam preferíveis ações de facilitação de crédito, subsídios técnicos e financeiros, favorecimento em concorrências públicas, e outras que conduzissem esses trabalhadores a adquirir a condição de empresários, e não de empregados precarizados.

No entanto, a alteração legislativa para alcançar tais objetivos necessitaria ser ampla e bem coordenada, o que não se espera acontecer. Desse modo, a prevenção, e também a repressão às condutas objeto deste estudo são dependentes da atuação de órgãos administrativos e ações judiciais. 

4.2 Atuação em nível administrativo

O principal meio para prevenir, investigar e reprimir as condutas caracterizadoras de crimes tributários decorrentes de fraudes à relação de emprego é através da atuação das instituições responsáveis pela fiscalização em matéria trabalhista e tributária. A lei 10.593 de 2002, alterada pela lei 11.457, de 2007, define as competência para tais atividades.

É atribuída aos auditores fiscais da Receita Federal do Brasil a competência para fiscalização tributária, com constituição, mediante lançamento, do crédito tributário federal, incluindo as contribuições previdenciárias.

A competência para a fiscalização das relações de trabalho, contribuições destinadas ao FGTS e contribuição sindical é atribuída aos auditores fiscais do trabalho, integrantes do Ministério do Trabalho e Emprego.

Essa divisão funcional permite ganhos de eficiência na prevenção e repressão de infrações relacionada a cada ramo especializado. Por outro lado, cria barreiras burocráticas ao combate a infrações mistas, como nos casos deste estudo. Assim, considerando a autonomia no planejamento e execução de atividades desses órgãos, é necessária a existência de coordenação, buscando realizar ações conjuntas ou, ao menos escalonadas.

As ações da fiscalização do trabalho devem direcionar-se à repressão de dissimulações de vínculos empregatícios, fazendo valer o princípio da primazia da realidade (MARTINS, 2007, p.65), buscando a garantia de direitos a trabalhadores, e evidenciando os fatos geradores tributários.

Da mesma forma, fraudes desconstituídas pela fiscalização do trabalho devem ser objeto de ação pela fiscalização tributária, constituindo os créditos devidos nas relações dissimuladas, tornando desvantajosa a prática de tais condutas.

A atuação dos dois órgãos possui importantes instrumentos legais para autorizar a desconsideração de atos fraudulentos, tanto no art. 9 da CLT, quanto no art. 4º, e parágrafo único do art. 116 do CTN. E também no código civil, no art. 167, que trata dos negócios jurídicos simulados.

Diante da eventual configuração de crime, a atuação coordenada dos órgãos administrativos tem a função de subsidiar a ação dos responsáveis pela ação penal (MACHADO, 2007, p. 391). Desse modo, a fim de evitar nulidades impeditivas da ação penal, a atuação dos órgãos administrativos deve, desde o início das ações fiscais, observar os requisitos deste ramo legal.

Nesse sentido, as representações fiscais para fins penais, em matéria tributária, deverá ser encaminhada ao ministério público somente após a decisão final na esfera administrativa. (ANDREUCCI, 2013, p. 537).


4.3 Atuação no âmbito judiciário

A complexidade das situações objeto do estudo, envolvendo dissimulações de relações jurídicas, com mesclas de variados ramos do direito, fatalmente ensejará a provocação do poder judiciário para conhecimento da matéria, penal ou não. As ações judiciais podem ser iniciadas pelo ministério público, e pelos indivíduos que tiveram seus atos desconstituídos administrativamente.

Dessa forma, é importante que todos os agentes atuantes nas esferas judiciais estejam cientes de todos os aspectos relacionados ao assunto, compreendendo as formas como se materializam tais infrações, a importância para a o erário e, sobretudo, para a sociedade.

Como reflexo das matérias envolvidas, relações de trabalho e tributos da União, a competência para ação e julgamento de causas dessa natureza será sempre federal, mesmo em termos criminais.

A lei complementar 75, de 1993 estabelece a competência do Ministério Público do Trabalho (MPT) para atuar, por meio dos procuradores do trabalho, perante os órgãos da Justiça do Trabalho. Embora não possua competência para agir em matéria tributária nem penal, o MPT representa importante papel na desconstituição de relações de trabalho dissimuladas (COLNAGO, 2009, p. 54). Dessa forma o resultado do trabalho dessa instituição deve ser aproveitado para a constituição de créditos tributários e ações penais.

Na mesma lei complementar, é definida a competência do Ministério Público Federal (MPF), que por meio dos procuradores da república, deve promover na Justiça Federal, a ação penal. No caso dos crimes tributários, a ação penal é pública incondicionada (ANDREUCCI, 2013, p. 537), de modo que é pertinente mesmo sem a representação das autoridades fiscais.

Assim como os procuradores do trabalho, os membros do MPF possuem prerrogativa de requisitar a instauração de procedimentos administrativos por parte de outras autoridades. Dessa forma, os procuradores da república concentram funções que os colocam em posição central no combate a ilícitos tributários, mesmo quando originados em relações de trabalho.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por tudo o que foi analisado, ficou evidenciado que a complexidade da legislação trabalhista e tributária gera interpretações equivocadas, causando prejuízos não intencionais a trabalhadores, empresários e para a sociedade como um todo.

Tais situações podem ser consideravelmente amenizadas pela redução e simplificação dessas normas. Em complemento, a atuação do Estado deve ser educativa, orientando a sociedade a respeito da correta interpretação das leis, e punindo administrativamente as infrações que se concretizarem em cada um desses dois ramos legais.

No entanto, em caso de prejuízos ao erário, mediante condutas fraudulentas, dolosas, caracterizadoras de crimes contra a ordem tributária decorrente de fraude às relações de emprego, a ação estatal deve ser no sentido de punir os responsáveis, aplicando a legislação penal.

Por serem tais crimes de competência da Justiça Federal, a atribuição para mover a devida ação penal cabe ao Ministério Público Federal, que para tanto, dependerá de elementos fáticos apurados pelos órgãos de fiscalização tributária e trabalhista, e pelo MPT. Dessa forma, embora não atuantes na esfera criminal, esses órgãos devem pautar suas ações com obediência a princípios do direito penal, também complexo, e legitimamente tendente a proteger o acusado, garantindo-lhe a ampla defesa e o contraditório.

Somente dessa forma será possível a efetiva e correta punição de infratores tributários e trabalhistas que tenham causado danos sociais relevantes, com garantia de direitos individuais.


REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Ricardo Adriano Fujita

Bacharel em direito (UFT).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FUJITA, Ricardo Adriano. Crimes tributários e fraudes à relação de emprego. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4269, 10 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31333. Acesso em: 25 dez. 2024.

Mais informações

Trabalho elaborado sob a orientação do Prof. Paulo Benincá - Bacharel em direito (URCAMP), especialista em direito (UFSM), mestre em direito (UFSC).

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