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Aspectos da propriedade intelectual:

normas gerais, leis brasileiras, jurisprudências e acesso à cultura e informação

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5. JURISPRUDÊNCIAS BRASILEIRAS SOBRE VIOLAÇÕES DE PI

As instâncias superiores da Justiça têm firmado jurisprudência sobre casos de grande relevância.

Por exemplo, em relação ao direito autoral na internet, diante das constantes violações a direitos autorais ocorridas nesse meio – e em inúmeros outros meios espalhados por todo o Brasil –, ressaltamos a importância de uma sentença que dá ao autor o direito de escolha do fórum (Agravo nº 476931.4/8 – Osasco), uma decisão que também deixa implícito o reconhecimento de que a internet é uma mídia como outra qualquer quando utiliza conteúdo produzido por autor.

Outra sentença firma jurisprudência e consolida o entendimento de que pessoa jurídica não é autora, ou seja, não pode ser titular de direito autoral em hipótese nenhuma.

O Tribunal Regional do Trabalho 2ª. Região manteve decisão de primeira instância que condenou uma empresa do ABC a indenizar autor por reutilização de fotografia sem sua autorização, reafirmando que “é necessário contrato para transferência de Direito Autoral e que sempre será interpretado de forma restritiva”. A sentença também assegurou o direito do autor de reaver seus negativos (Processo nº 0122320044332009).

Juízes da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reformaram sentença de primeiro grau para reconhecer que a fotografia, mesmo quando utilizada para publicidade, tem, obrigatoriamente, que vincular o nome do autor à foto. A ação determinou indenização ao autor por dano moral (Apelação Cível, nº 470578-4/5).

5.1 BRIGA DOS REMÉDIOS

Pelo menos por enquanto, o laboratório EMS – Sigma Pharma está liberado para comercializar o genérico da Aspirina. A 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de São Paulo cassou decisão de primeira instância que mandava o laboratório recolher todas as cartelas do medicamento sob pena de multa diária de R$ 10 mil.

Quem tenta impedir o comércio do genérico é a Bayer, fabricante de Aspirina, que afirma que a embalagem do genérico copia a da Aspirina original. O caso da briga judicial da Aspirina envolve debate sobre a propriedade industrial, que no Brasil é regulada pela Lei nº 9.279/96.

A Bayer acusa o Sigma Pharma de concorrência desleal, por violação do conjunto da embalagem do genérico ácido acetilsalicílico, princípio ativo da Aspirina, que, na opinião da Bayer, imita seu produto. O nome Aspirina está registrado e patenteado pela Bayer desde 1899, em Berlim.

O laboratório EMS é acusado pela concorrência de infringir os direitos de propriedade intelectual, por meio da imitação do conjunto da embalagem do genérico (palavras, cores, signos). A legislação brasileira não trata dessa proteção ao conjunto da embalagem. A norma prevê que cores, signos e outros elementos visuais isoladamente não são registráveis como marcas.

A Bayer alega que o laboratório copia as embalagens do seu produto. Segundo a empresa, a forma de atuação do concorrente pode induzir o consumidor ao erro.

Já o laboratório afirma que o produto está de acordo com a legislação (Lei nº 9.787/99) e foi aceita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O laboratório brasileiro afirma também que a embalagem questionada é uma forma de orientar o consumidor, que não tem conhecimento técnico da produção farmacêutica.

Ainda de acordo com o laboratório, a letra G e a tarja amarela, que identificam medicamentos genéricos, diferenciam seu produto do original da Bayer. O laboratório afirma que a Anvisa concedeu o registro de fabricação e comércio do medicamento, que tem como base a Aspirina. Diz também que a legislação criou o genérico para reduzir o valor dos medicamentos e permitir o acesso da população à saúde.

Entre os diversos setores de atividade econômica, destaca-se o papel da indústria farmacêutica no processo geral de patenteamento. Segundo as empresas do setor, em relação aos custos e tempo de desenvolvimento de novos produtos, observa-se que, na prática, o período de exclusividade no mercado outorgado pela proteção de patentes é muito menor que o prazo de vigência da mesma, uma vez que o produto farmacêutico não pode ser vendido no mercado até que se completem todos os testes clínicos de segurança e eficácia.

Assim, afirmam as empresas farmacêuticas que se torna fundamental para as empresas não somente a existência de direitos autorais sobre as inovações, mas também que tais direitos possuam um prazo de duração suficientemente elevado, em todos os países em que são comercializados, para garantir o pleno retorno econômico dos esforços tecnológicos.

5.2 PROGRAMAS PIRATEADOS: “STJ MANDA EMPRESAS INDENIZAREM MICROSOFT POR DANOS”

O programa de computador é considerado obra intelectual protegida pelas regras de direitos autorais, conforme Lei do Software nº 9.609/98 e a Lei dos Direitos Autorais nº 9.610/98.

Com esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça manteve a condenação das empresas Ediba – Edificações e Incorporações Barbieri – e Planab – Planejamento e Assessoria Imobiliária Barbieri, obrigadas a pagar R$ 12 mil de indenização para a Microsoft Corporation por danos materiais. Os ministros mantiveram decisão da Justiça gaúcha, que determinou o pagamento à empresa americana pelo uso ilegal de programas de computador.

Antes do pedido de indenização, a Microsoft entrou com medida cautelar para a produção antecipada de provas. O objetivo era constatar o uso e a quantidade de cópias ilegais dos programas de computador.

A primeira instância aceitou parcialmente o pedido. Condenou as empresas brasileiras a pagarem indenização de R$ 12 mil – correspondentes a cinco vezes o valor da nota fiscal – e também proibiu as empresas de utilizarem, sem licença, cópias dos softwares de autoria da Microsoft, sob pena de multa diária no valor equivalente a cinco salários mínimos. O juiz determinou, também, a realização de vistorias quinzenais, durante 90 dias, às custas das empresas brasileiras.

As partes recorreram. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve o dever de indenizar e o valor a ser pago. Os desembargadores afastaram apenas o pedido da Microsoft para que as empresas brasileiras pagassem três mil exemplares, afastando, assim, a pena imposta na Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98).

As empresas brasileiras recorreram ao STJ, mas os ministros da 3ª Turma rejeitaram o recurso e mantiveram a indenização.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos últimos 150 anos, a Propriedade Intelectual sofreu mudanças constantes e profundas, sempre na direção de confirmar e ampliar os direitos dos titulares, reduzindo-se quase ao desaparecimento a preocupação com os deveres.

Com o advento da tecnologia digital e da internet, pela primeira vez na história, os detentores de conteúdo, ou seja, as empresas, ampliaram seu espaço no que se refere ao mercado do direito autoral. Sob o argumento de combater a “pirataria digital”, a indústria de conteúdo[9] intensificou sua atuação nos direitos de propriedade intelectual.

As mudanças legais levaram a uma ampliação sem precedentes históricos dos direitos da propriedade intelectual. Tais problemas interferem diretamente na própria razão de existir do direito autoral, qual seja: incentivar a criação de novas obras por meio da remuneração aos autores e maximizar a circulação das obras na sociedade.

Com as mudanças ocorridas nos últimos 30 anos, ambos os objetivos (incentivar e maximizar) se encontram prejudicados, uma vez que as mudanças legais beneficiam muito mais os agentes intermediários do que os autores.

A exploração local das invenções, contempladas com a lei de propriedade industrial, era exigida como condição básica para a manutenção das patentes, aspecto aproveitado para o desenvolvimento de países como a Inglaterra, Suíça, França, Estados Unidos e outros. Hoje, porém, tal exigência é acusada de ilegal, como ocorreu quando os Estados Unidos reclamaram junto à OMC (Organização Mundial do Comércio) contra a inclusão, pelo Brasil, de tal entendimento em sua lei de patentes.

Há trinta anos, atrás a caducidade era instrumento normal e eficiente para assegurar a exploração local; hoje, passamos a uma fase em que a licença compulsória expulsou de cena a caducidade, tornando-a letra morta, em benefício dos titulares de patentes, como discutido – TRIPs[10].

A licença compulsória era apresentada como imposição capaz de impedir os abusos dos titulares; hoje, tal licença é inaplicável, em razão de mudanças em sua natureza, as quais a tornaram  não-exclusiva e obrigatoriamente remunerada.

No passado, cada país tinha o direito de legislar sobre propriedade industrial como instrumento de política econômica, definindo os setores a que atribuir direitos de monopólio, sua duração e suas condições; hoje, compartilhamos um acordo internacional em que todos os setores econômicos devem ser protegidos por patentes, com direitos padronizados em nível internacional.

Como discutido no artigo, os direitos da propriedade intelectual são instrumentos para o desenvolvimento, quando efetivos em cinco planos: Legislativo, Executivo, Judiciário, aplicadores do Direito (operadores) e agentes econômicos.  Da mesma forma, é muito difícil pensar em desenvolvimento nacional sem estruturar a máquina legislativa, administrativa – por exemplo, o Instituto Nacional Propriedade Industrial (INPI) e o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) – e jurídica responsável pela propriedade intelectual.

Outra barreira ao uso da propriedade intelectual como colaboradora no desenvolvimento nacional relaciona-se à atuação do Judiciário e dos demais aplicadores do Direito que não conhecem suficientemente a legislação e o mercado onde ocorrem as relações tecnológicas, científicas, artísticas e literárias.

O sistema jurídico de modo geral e os núcleos de prestação da atividade jurisdicional são lentos e carecem de uma revisão e reestruturação urgentes. Não é possível um país chegar ao desenvolvimento social, econômico e da propriedade intelectual sem que a sociedade resolva prontamente, ou pelo menos num espaço razoável de tempo, os seus conflitos.

O desenvolvimento requer uma jurisdição especializada em temas como a propriedade intelectual. 

A uma jurisdição especializada cabe tratar e julgar as questões materiais e administrativas como: atribuir a titularidade, interpretar contratos, definir os montantes de indenização, resolver situação trabalhista do criador empregado e da empresa, tributos, processo administrativo, concorrência desleal, abuso de posição dominante nos negócios, falta de transparência na tecnologia, exaustão de direitos, licença compulsória, caducidade e os crimes.

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O aspecto da exploração local é o que fortemente liga a propriedade intelectual ao desenvolvimento de uma nação, na medida em que esta exploração é potencialmente geradora de riqueza, seja para indivíduos ou para comunidades, além da capacidade para geração de empregos, informações e conhecimento.

Finalmente, os pontos apresentados da propriedade intelectual, com enfoque em sua importância para o desenvolvimento sustentável de uma sociedade, não foram suficientemente explorados e poderiam servir para o surgimento de novos artigos.


REFERÊNCIAS

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______. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Diário Oficial da União, 15 de maio de 1996.

______. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Diário Oficial da União, 20 de fevereiro de 1998.

______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Diário Oficial da União, 11 de janeiro de 2002.

______. Lei nº 10.973, de 02 de dezembro de 2004. Dispõe sobre os incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências. Diário Oficial da União, 03 de dezembro de 2004.

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COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2002.

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VIDAL, J. W Bautista. O esfacelamento da nação. Petrópolis: Vozes, 1994..


Notas

[1] Convenção assinada em Estocolmo, em 14 de julho de 1967. Emenda de 28 de outubro de 1979. Signatários: 180 países (última atualização em 02 de março de 2004).

[2]  Common law é o nome que se dá a experiência jurídica da Inglaterra, dos EUA e de outros países de igual tradição. O que caracteriza common law é não ser um Direito baseado na lei, mas nos usos e costumes.

[3] Para este item, tomou-se como referência a obra Curso de Direito Comercial (REQUIÃO, 1995).

[4] Para este item, tomou-se como referência a obra Manual de Direito Comercial (COELHO, 2002).

[5] Site do INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI, 2008).

[6] Para este item, tomou-se como referência a obra Curso de Direito Comercial (REQUIÃO, 1995).

[7]  Regulamento Comunidade Econômica Europeia (CEE) nº 2.081, de 14/07/1992, e o Regulamento CE nº 510/2006, sobre denominação de origem.

[8] Lei nº 9.279, de 14/04/1996 (LPI).

[9] Gravadoras, editoras, indústria de jornais, rádios e difusoras, empresas de televisão.

[10] Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade intelectual relacionadas ao Comércio.

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Sobre os autores
Rose Menchise

• Economista. Especialista: Perita Trabalhista e Economista Desenvolvimento Local. • Advogada. Especialista: Trabalhista e Propriedade Intelectual – Direitos Autorais, Marcas e Patentes. Mestranda - Universidade Federal Fluminense – UFF – Sociologia e Direito

Diogo Menchise Ferreira

Técnico de Apoio Especializado – concursado da Procuradoria Especialista: Direito do Trabalho e Propriedade Intelectual mestrando de Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENCHISE, Rose ; FERREIRA, Diogo Menchise. Aspectos da propriedade intelectual:: normas gerais, leis brasileiras, jurisprudências e acesso à cultura e informação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4080, 2 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31473. Acesso em: 24 abr. 2024.

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