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A contagem do prazo decadencial da ação rescisória no processo do trabalho

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24/12/2014 às 10:45
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Analisam-se as peculiaridades da contagem do prazo decadencial no âmbito do processo trabalhista, a partir do regramento legal e da Súmula n. 100 do TST.

Sumário: Introdução.  1) Aspectos gerais; 2) As disposições do Processo Civil; 3) As regras consolidadas na Súmula 100; 4) Conclusão; Referências.


Introdução

O presente trabalho tem como objetivo analisar as peculiaridades da contagem do prazo decadencial, no âmbito do processo trabalhista, a partir do regramento legal aplicável, das manifestações doutrinárias, e, principalmente, do entendimento consolidado através da edição da Súmula n. 100 do Tribunal Superior do Trabalho.


1. Aspectos gerais

Em termos gerais, pode-se afirmar que a ação rescisória é o instrumento processual voltado para a desconstituição da coisa julgada material, com previsão legal no art. 485 do Código de Processo Civil.  No plano doutrinário Sérgio Pinto Martins conceitua ação rescisória como ação “especial, que tem por objeto desconstituir ou anular uma decisão judicial de mérito transitada em julgado, por motivo da existência de vícios em seu bojo.”[1]

Manoel Antonio Teixeira Filho não destoa da ideia, destacando que ação rescisória é aquela “por meio da qual se pede a desconstituição da coisa julgada, nos casos previstos em lei, podendo haver novo julgamento da causa.”[2]

Contudo, antes de prosseguir na análise do tema, é de se destacar, ainda que de modo sucinto, a importância da coisa julgada e os seus efeitos mais relevantes no ordenamento jurídico.

A coisa julgada é uma qualidade especial que a sentença adquire pelo transcurso do prazo recursal ou pelo esgotamento dos recursos cabíveis, produzindo a imutabilidade do que foi decidido no feito. É o mecanismo que visa evitar a perpetuação das lides e está plenamente inserida dentro do papel primordial do Judiciário de promover a pacificação dos conflitos. Sobre o tema, Carlos Henrique Bezerra Leite comenta:

O fundamento da coisa julgada reside não na preocupação de valorar a sentença diante dos fatos (verdade) ou dos direitos (justiça), mas no imperativo de ordem prática, qual seja, o de não mais permitir que retornem à discussão questões já soberanamente decididas pelo Poder Judiciário. [3]

Como decorrência lógica da marcha processual, é imprescindível que em um dado momento ocorra o exaurimento dos meios recursais, e que a decisão torne-se imutável para que possa finalmente ser cumprida. A impossibilidade de interposição de recursos, ordinários ou extraordinários, é o fenômeno que provoca o nascimento da coisa julgada, conforme consta do art. 467 do CPC:

Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.

A regra processual do art. 467 se refere expressamente à coisa julgada material, denotando a existência de uma distinção relevante.  De fato, a coisa julgada pode ser classificada em formal e material, conforme os efeitos que produz dentro ou fora do processo em que se opera. Isto porque certas sentenças ou acórdãos, em face de seu conteúdo, permitem ou não a propositura de nova demanda para a discussão da matéria.

Na coisa julgada formal não há julgamento de mérito. O processo é encerrado por razões indicadas no art. 267 do Código de Processo Civil, relacionadas a vícios que impedem a sua apreciação, como o indeferimento da petição inicial, a paralisação por mais de um ano por desinteresse das partes, ausência de pressupostos processuais, de condições da ação e desistência ou abandono do autor, etc. Em tal caso, indeferida a inicial, por exemplo, por inadequação do procedimento escolhido (CPC, art. 267, inc. I c/c 295, inc. V), é plenamente viável o ajuizamento de nova ação com a adoção do rito adequado.

Por sua vez, a coisa julgada material é própria das sentenças que decidem o mérito, assumindo maior relevo no ordenamento jurídico justamente por força dos efeitos que produz para as partes. É esta que torna imutável a sentença, seus efeitos se projetam para fora da relação processual, tendo força de lei na solução da lide entre o autor e o réu.

Assim, exauridos todos os recursos cabíveis, ou escoado o prazo recursal aplicável, ocorre o fenômeno da coisa julgada, surgindo a imutabilidade da sentença para as partes, dentro dos limites subjetivos da lide, conforme a regra contida no art. 472 do Código de Processo Civil[4].

Conforme já aludido, a coisa julgada possui proteção constitucional, sendo verdadeira garantia fundamental. Trata-se de uma das manifestações do princípio da segurança jurídica, conforme consta do art. 5º, inc. XXXVI da Constituição Federal: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

A coisa julgada a que se refere o texto constitucional é, sem dúvidas, a coisa julgada material, pois somente esta torna a decisão imutável, somente atacável pelo ajuizamento da ação rescisória.

Por fim, é preciso destacar que a coisa julgada não se opera sobre a íntegra da sentença, pois tanto o relatório quanto a fundamentação não estão sujeitos aos efeitos da coisa julgada. Ambos não fazem coisa julgada, por disposição expressa do art. 469, o que leva à conclusão de que somente a parte dispositiva da sentença é passível de trânsito em julgado.


2. As disposições do Processo Civil

O regramento legal da ação rescisória consta dos artigos 485 e seguintes do Código de Processo Civil, podendo ser intentada nas diversas hipóteses descritas em seus incisos.

O citado artigo elenca hipóteses taxativas, fundadas em situações fáticas ou jurídicas que comprometem a lisura do processo, tais como sentença proferida por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; com ofensa a coisa julgada ou a literal disposição de lei; fundada em prova cuja falsidade seja provada posteriormente; quando houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença, dentre outras hipóteses.

Constatada uma das situações previstas tem início a contagem do prazo decadencial de dois anos, previsto no art. 495 do Código de Processo Civil, cuja contagem é objeto do presente estudo.

A análise da letra da lei demonstra que a regulação legal da matéria não é compatível com a sua complexidade; não prevê situações que podem influenciar no início da contagem deste prazo. Na omissão legal, o desempenho da tarefa ficou a cargo da jurisprudência, o que certamente não ocorreu com unanimidade de orientações.

O primeiro ponto a se destacar, portanto,  é que a forma de contagem do prazo para o ingresso da ação rescisória não é interpretada de modo uniforme.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal consta a Súmula 514: “Admite-se ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenha esgotado todos os recursos”. A redação da súmula[5] propicia ao leitor desavisado certo estranhamento, pois esta menciona ação rescisória contra sentença transitada em julgado em que não tenham sido esgotados todos os recursos. A regra sumular somente faz sentido se considerado que frequentemente a sentença possui capítulos autônomos, cada qual com um prazo de trânsito em julgado diferente. Este é o entendimento adotado pela Corte Suprema, em acórdão paradigmático veiculado no Informativo n. 740:

 “Conta-se o prazo decadencial de ação rescisória, nos casos de existência de capítulos autônomos, do trânsito em julgado de cada decisão. Essa a conclusão da 1ª Turma, que proveu recurso extraordinário para assentar a decadência do direito e, por conseguinte, negar seguimento ao pedido rescisório. [...] Asseverou que as partes do julgado que resolvem questões autônomas formariam sentenças independentes entre si, passíveis de serem mantidas ou reformadas sem dano para as demais. Ponderou que unidades autônomas de pedidos implicariam capítulos diferentes que condicionariam as vias de impugnação disponibilizadas pelo sistema normativo processual, consistentes em recursos parciais ou interpostos por ambos os litigantes em face do mesmo ato judicial formalmente considerado. Lembrou que, em recente julgamento, o STF concluíra pela executoriedade imediata de capítulos autônomos de acórdão condenatório e declarara o respectivo trânsito em julgado, excluídos aqueles capítulos que seriam objeto de embargos infringentes (AP 470 Décima Primeira-QO/MG, DJe de 19-2-2014). Destacou que esse entendimento estaria contido nos Enunciados 354 (...) e 514 (...) da Súmula do STF. Frisou que o STF admitiria a coisa julgada progressiva, ante a recorribilidade parcial também no processo civil. Sublinhou que a coisa julgada, reconhecida no art. 5º, XXXVI, da CF como cláusula pétrea, constituiria aquela que pudesse ocorrer de forma progressiva quando fragmentada a sentença em partes autônomas. Assinalou que, ao ocorrer, em datas diversas, o trânsito em julgado de capítulos autônomos da sentença ou do acórdão, ter-se-ia a viabilidade de rescisórias distintas, com fundamentos próprios. Enfatizou que a extensão da ação rescisória não seria dada pelo pedido, mas pela sentença, que comporia o pressuposto da rescindibilidade. (RE 666.589, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 25-3-2014, Primeira Turma, Informativo 740). (Destacou-se.)

Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça adota entendimento divergente cristalizado na Súmula 401: “O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”.

Para a Corte Superior, considera-se inviável o trânsito em julgado de partes diferentes do acórdão, ou seja, de sentença com capítulos autônomos, havendo unidade na contagem do prazo decadencial, que se inicia após o término do prazo de interposição do último recurso, a propósito:

AÇÃO RESCISÓRIA. PROCESSO CIVIL. PRAZO DECADENCIAL. TERMO INICIAL.

TRÂNSITO EM JULGADO DA ÚLTIMA DECISÃO PROFERIDA. DECISÃO DO STF QUE DECLAROU O RECURSO EXTRAORDINÁRIO PREJUDICADO EM FACE DO PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. IRRELEVÂNCIA.

1. O prazo para o ajuizamento da ação rescisória é de 2 anos, a contar do dia seguinte ao término do prazo para a interposição do recurso em tese cabível contra o último pronunciamento judicial de mérito.

 (STJ. AR 4.353/SC, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, DJe 11/06/2014).[6]

Tais julgados servem para demonstrar a diversidade de entendimentos, inclusive com posicionamento francamente divergente entre os tribunais superiores, resta agora, analisar o tema à luz da Súmula 100 do Tribunal Superior do Trabalho, que é quem, em nosso entender, oferece a melhor e mais detalhada interpretação sobre o tema.


3. As regras consolidadas na Súmula 100

Preliminarmente, vale citar que a Súmula 100 do Tribunal Superior do Trabalho foi editada através da Resolução n. 137/2005, que compilou inúmeras orientações jurisprudenciais da SBDI-2. É, portanto, proveniente de orientações consolidadas naquela Corte e que servem de guia para análise da contagem do prazo decadencial, especialmente ante a quase total omissão do texto celetista sobre o tema. Passa-se agora à análise dos seus itens.

I - O prazo de decadência, na ação rescisória, conta-se do dia imediatamente subseqüente ao trânsito em julgado da última decisão proferida na causa, seja de mérito ou não.

O inciso trata claramente da hipótese em que o trânsito em julgado ocorre de forma uniforme, partindo do pressuposto de que todas as matérias foram atingidas ao mesmo tempo pela força da coisa julgada. Mas há uma importante peculiaridade a ser identificada: não se exige que a decisão seja de mérito, exige-se apenas uma decisão, não sendo, portanto, incabível de despachos.

O critério é abrangente, de modo que qualquer decisão proferida com fulcro no art. 267 ou 269 do Código de Processo Civil seria, em tese, apta a permitir a propositura da ação rescisória. Todavia, esta não é a melhor interpretação a ser dada ao dispositivo, pois há casos que a sentença não decide o mérito  e é plenamente cabível a propositura de nova ação, por exemplo, nos caso dos incisos I, II, III, IV, VII e VIII do art. 267, não havendo interesse processual para propor a ação rescisória.

O acerto do inciso acima é esclarecer situações em que há interposição de recurso sujeito ao duplo exame de admissibilidade, e que não obtém êxito no conhecimento perante o tribunal a quo.

Henrique Correia e Élisson Miessa explicam que este inciso teve como objetivo colocar fim a uma celeuma doutrinária e jurisprudencial quanto à natureza jurídica do juízo de admissibilidade negativo em recurso:

Dúvida subsistia quando o recurso interposto não era admitido. Isso porque para a doutrina majoritária, o juízo de admissibilidade tem natureza declaratória, seja positivo, seja negativo, produzindo, portanto, efeitos ex nunc. Diante de tal natureza declaratória, quando o recurso não é admitido, ele não tem o condão de afastar o trânsito em julgado da decisão recorrida, pois apenas certifica algo que já existia. Desse modo, para parcela da doutrina, o dies a quo seria o trânsito em julgado da decisão de mérito.

O C. TST não adotou referido posicionamento acompanhando a doutrina que indica ser o juízo de admissibilidade negativo de natureza constitutiva, produzindo, dessa forma, efeitos ex nunc. Isso quer dizer que o trânsito em julgado corresponde à data da última decisão, seja de mérito ou não.[7]

Um exemplo singelo pode ajudar na compreensão da aplicação do inc. I: em certo processo foi proferido acórdão no âmbito do tribunal regional que julgou procedentes os pedidos formulados pelo autor da reclamatória. A reclamada, por sua vez, entende que a decisão violou literalmente um texto de lei federal e interpôs o recurso de revista, com base no art. 896, “c” da Consolidação das Leis do Trabalho.

Ocorre que o mesmo artigo da CLT, em seu §1º, determina que o juízo de admissibilidade do recurso de revista é realizado pelo presidente do Tribunal Regional, a quem se interpõe a revista:

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§ 1º O recurso de revista, dotado de efeito apenas devolutivo, será interposto perante o Presidente do Tribunal Regional do Trabalho, que, por decisão fundamentada, poderá recebê-lo ou denegá-lo. (redação dada pela Lei n. 13.015/2014)

Se o presidente do regional denega seguimento ao recurso e o recorrente permanece inerte, deixando escoar o prazo de oito dias para a interposição do recurso de agravo[8], haverá o trânsito em julgado de uma decisão que não é de mérito, mas de mero juízo de admissibilidade. Em tal caso, surgiria a dúvida quanto ao momento do trânsito em julgado: se este teria início oito dias após a prolação do acórdão pela turma do regional, ou se o início se dá após os oitos dias seguintes à decisão que denegou seguimento. A redação do inc. I acima não deixa margem para dúvidas: o prazo decadencial se inicia a partir da última decisão, desnecessário que seja de mérito.

A definição é importante, pois a discussão quanto a admissibilidade do recurso de revista pode se prolongar por prazo relevante, diante da possibilidade de se interpor recursos de agravo de instrumento e de agravo regimental. É o que se verifica prosseguindo no exemplo acima: imagine-se que ao invés de deixar escoar o prazo a recorrente interpõe o recurso de agravo no prazo legal, visando impugnar a decisão do presidente do regional e destrancar o recurso de revista. O ministro relator do TST, ao receber o agravo e o recurso de revista, pode manter o entendimento pela inadmissibilidade do recurso, o que exige da reclamada, por sua vez, a interposição de agravo regimental, para somente então se chegar ao termo final quanto ao cabimento ou não do recurso de revista. Mantida a decisão do presidente do tribunal regional, o prazo decadencial somente inicia após o trânsito em julgado da decisão em sede de agravo regimental.

Outra questão importante a observar é que em se tratando de decisão contra a Fazenda Pública, a prerrogativa a ela assegurada quanto ao prazo em dobro para recorrer influi na contagem, passando o prazo recursal para 16 dias, na combinação do art. 6º da Lei n. 5.584/1970 e art. 1º, inc. III do Decreto-Lei n. 779/1969[9], aplicado pelo Tribunal Superior do Trabalho:

RECURSO DE AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. INTEMPESTIVIDADE. MUNICÍPIO. INTIMAÇÃO. PUBLICAÇÃO NA IMPRENSA OFICIAL. Considera-se intimado o Município mediante a publicação na imprensa oficial, nos termos do art. 236 do CPC, uma vez que não há dispositivo de lei que lhe assegure a prerrogativa da intimação pessoal. Desse modo, patente a intempestividade do recurso de revista interposto após o prazo processual previsto nos arts. 6º da Lei nº 5.584/70 e 897, caput, da CLT, contado, em dobro, por força do disposto no art. 1º, III, do Decreto-Lei nº 779/69. Agravo conhecido e desprovido.

(Ag-AIRR - 1709-17.2010.5.01.0471, Relator Ministro: Douglas Alencar Rodrigues, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/08/2014) (Destacou-se.)

II - Havendo recurso parcial no processo principal, o trânsito em julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes, contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada decisão, salvo se o recurso tratar de preliminar ou prejudicial que possa tornar insubsistente a decisão recorrida, hipótese em que flui a decadência a partir do trânsito em julgado da decisão que julgar o recurso parcial.         

Nesta hipótese, o Tribunal Superior do Trabalho reafirma o trânsito em julgado parcial ou por capítulos, conforme aludido no tópico anterior, alinhando-se à súmula 514 do Supremo Tribunal Federal.

Note-se que o presente inciso fala que o trânsito em julgado dá-se em “momentos e tribunais diferentes”, o que endossa a situação descrita no inciso I acima: recursos parciais propiciam o trânsito em julgado para as matérias não recorridas e o seguimento do processo quanto aos temas recorridos, até que haja uma decisão da qual não caiba mais recurso.

Mas este inciso ainda traz uma ressalva que impede o trânsito em julgado parcial: se o recurso contiver uma preliminar ou questão prejudicial que possa afetar o julgamento do recurso.  Tal se deve a razões lógicas, pois não haveria como se considerar definitiva as matérias não impugnadas se pendente a questão prejudicial. Em outras palavras, se a preliminar é apta a modificar o resultado do recurso como um todo, não haverá trânsito em julgado.

Doutrinariamente, Cândido Rangel Dinamarco destaca a prejudicialidade entre matérias como um fato que desaconselha o trânsito em julgado da sentença por capítulos:

Em casos assim, onde é muito intensa a relação de prejudicialidade entre os diversos capítulos, é imperioso estender ao capítulo portador do julgamento de uma pretensão prejudicada, quando irrecorrido, a devolução operada por força do recurso que impugna o capítulo que julgou a matéria prejudicial.[10]

Como exemplo, poder-se-ia cogitar a situação em que o reclamante ajuíza uma ação, contestada pela reclamada com uma preliminar arguindo a existência de coisa julgada, além da defesa integral quanto aos pedidos formulados pelo reclamante. Proferida a sentença em favor do autor, a reclamada recorre de alguns itens e também da preliminar de coisa julgada que não foi acolhida. Neste caso, a pendência de julgamento do recurso ordinário quanto a preliminar de coisa julgada, que pode gerar a improcedência de todos os pedidos do autor, é fato que obsta o trânsito em julgado das matérias não impugnadas.

III - Salvo se houver dúvida razoável, a interposição de recurso intempestivo ou a interposição de recurso incabível não protrai o termo inicial do prazo decadencial.

A disposição acima tem aplicação quando o recorrente interpõe o recurso errado ou fora do prazo. De fato, diante do intrincado sistema recursal não é rara a existência de dúvida quanto ao recurso a ser manejado. Por tal razão, a doutrina pátria enuncia o princípio da fungibilidade recursal, fundado na noção de instrumentalidade das formas[11] e de celeridade processual, albergando a possibilidade de que um recurso interposto de forma errônea seja conhecido, desde que presentes alguns pressupostos, tais como indica o precedente do TST, abaixo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA POR TURMA DE TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO EM GRAU DE RECURSO ORDINÁRIO. ERRO GROSSEIRO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. 1. É incabível, na sistemática processual em vigor, a interposição de agravo de instrumento contra decisão proferida por turma de Tribunal Regional do Trabalho. Na hipótese dos autos, dúvida não há acerca do cabimento do recurso de revista, com espeque no artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho. 2. A incidência do princípio da fungibilidade somente se justifica quando a parte não houver incorrido em erro grosseiro e existir dúvida objetiva sobre qual o recurso cabível na hipótese, ou, ainda, quando caracterizada acentuada divergência - doutrinária ou jurisprudencial - a respeito do recurso adequado, escusando-se, assim, o erro da parte. Não há dúvida, porém, acerca do recurso cabível na hipótese em exame. 3. Agravo de instrumento não conhecido.

(AIRO - 412-77.2011.5.19.0005 , Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 30/05/2014) (Destacou-se.)

Havendo dúvida razoável quanto ao recurso a ser interposto, o marco inicial do prazo decadencial pode ser prolongado. Em verdade, tal conclusão não apresenta qualquer inovação, visto que se houver dúvida razoável e preenchidos os requisitos indicados acima, o recurso seria, de fato, admitido e julgado, iniciando a partir daí o prazo decadencial para a propositura da ação rescisória.

Ao que parece, a parte relevante do inciso é justamente a final, quando reafirma que o recurso intempestivo ou incabível não protrai o início do prazo recursal. O inciso III sequer menciona a existência de erro grosseiro, limitando-se a indicar critérios objetivos para vedar o prolongamento do prazo recursal: intempestividade ou não cabimento.

Assim, interposto o recurso ordinário perante o juiz de primeiro grau, que ao analisar os pressupostos recursais intrínsecos e extrínsecos, constata a intempestividade do apelo, negando seguimento ao mesmo, ainda que haja interposição de agravo posteriormente julgado e improvido, o prazo decadencial para ação rescisória excepciona a regra do inciso I da Súmula 100, e terá como termo final não a última decisão, mas o dia seguinte após o trânsito em julgado da sentença, retroagindo à época da interposição do apelo. O fundamento aqui é a total ineficácia do recurso intempestivo.

IV - O juízo rescindente não está adstrito à certidão de trânsito em julgado juntada com a ação rescisória, podendo formar sua convicção através de outros elementos dos autos quanto à antecipação ou postergação do "dies a quo" do prazo decadencial.

O tema do inciso em tela é o meio para se aferir o trânsito em julgado de uma decisão. O requisito adequado para tal finalidade é, sem dúvida, a certidão exarada pela secretaria da vara ou do tribunal.

A propósito, a Orientação Jurisprudencial nº 84 da SBDI-2, corrobora nesta conclusão ao afirmar que a decisão rescindenda e/ou a certidão do seu trânsito em julgado, devidamente autenticadas são peças essenciais para o julgamento da ação rescisória.

O primeiro elemento a ser analisado para esta finalidade é, portanto, a certidão do trânsito em julgado, mas não o único. O inciso IV abre a possibilidade de que o juízo rescindente, ou seja, aquele que julga a ação rescisória, considerar outros elementos dos autos, tanto para prorrogar quanto para antecipar o início do prazo decadencial, dependendo da situação enfrentada.

O TST tem entendimento de que a contagem do prazo decadencial é um ônus da parte e que esta não pode se valer de um erro do serventuário para protrair o termo final do prazo:

PRAZO. AÇÃO RESCISÓRIA. CERTIDÃO. COORDENADORIA.

A certidão de trânsito em julgado emitida pelas Coordenadorias do STJ atesta tão somente a ocorrência do trânsito em julgado, e não a data em que teria se consumado. Constitui ônus exclusivo da parte a contagem do prazo de decadência, não sendo possível transferir ou atribuir esse ônus a funcionário do Poder Judiciário, a quem compete não mais do que certificar o fato que ocorre na sua secretaria ou na sua presença, e não as conclusões jurídicas daí decorrentes. Ademais, a parte vencedora da demanda, após a fluência do prazo de decadência para o oferecimento da ação rescisória, possui a legítima expectativa de que a coisa julgada não poderá ser desconstituída, mesmo diante da existência dos graves vícios descritos no art. 485 do CPC. Precedentes citados: AR 3.277-DF, DJe 15/3/2010, e AR 3.738-SP, DJe 3/8/2009. AR 4.374-MA, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgada em 9/5/2012. (Destacou-se.)

V - O acordo homologado judicialmente tem força de decisão irrecorrível, na forma do art. 831 da CLT. Assim sendo, o termo conciliatório transita em julgado na data da sua homologação judicial.

VI - Na hipótese de colusão das partes, o prazo decadencial da ação rescisória somente começa a fluir para o Ministério Público, que não interveio no processo principal, a partir do momento em que tem ciência da fraude.

A obtenção de um acordo entre os litigantes é um dos cânones do processo trabalhista, ao lado da oralidade e da informalidade, não é por acaso que os arts. 846[12] e 852-E[13] da CLT determinam que a primeira providência do magistrado após a abertura da audiência é propor a conciliação. Obrigatória também é a tentativa de conciliar as partes, no rito ordinário, antes do encerramento da audiência de instrução.

Obtida a conciliação, que se materializa através da assinatura de um termo, não há que se falar em prazo para recurso, pois a lei atribui a este documento a força de decisão irrecorrível para as partes, conforme consta do §único do art. 831[14].

Ocorre que o fato de as partes celebrarem acordo não elimina, por si só, a ocorrência de uma das causas para a propositura da ação rescisória, sendo possível, por exemplo, a demonstração por terceiro juridicamente interessado, ou pelo Ministério Público, de que a transação foi celebrada pelas partes em conluio, com o objetivo de fraudar a lei.

Em tal caso, o prazo decadencial para propor a ação rescisória será contado da data da homologação judicial, se a ação for proposta por terceiro interessado, ou da data em que o órgão ministerial teve ciência da colusão, desde que não tenha sido chamado a intervir no processo quando obrigatório, como nas hipóteses descritas no art. 746 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Ainda que a súmula mencione de modo expresso apenas a colusão das partes, fica implícito que o prazo decadencial para o Ministério Público ajuizar a rescisória das sentenças dadas processos em que sua intervenção era obrigatória, tenha início na data do conhecimento do fato.

VII - Não ofende o princípio do duplo grau de jurisdição a decisão do TST que, após afastar a decadência em sede de recurso ordinário, aprecia desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.

O inciso acima aplica no processo do trabalho a chamada teoria da causa madura, para permitir o julgamento direito da ação rescisória pelo Tribunal Superior do Trabalho, em sede de recurso ordinário. Tal teoria foi adotada pela legislação processual civil, com a inclusão no art. 515, do parágrafo terceiro:

§ 3º Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.

A hipótese do inc. VII tem aplicação nos casos em que o tribunal regional, em sua competência originária, recebe a rescisória para julgamento e reconhece, por exemplo, o decurso do prazo decadencial que fulmina a pleito do autor. A parte sucumbente interpõe o recurso ordinário perante o Tribunal Superior do Trabalho que afasta o reconhecimento da decadência operada pelo regional. Se o tema discutido na rescisória permitir o julgamento imediato do feito não haverá necessidade de sua devolução ao tribunal regional para novo julgamento. A propósito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. REVOGAÇÃO DE DOAÇÃO POR INEXECUÇÃO DE ENCARGO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. CAUSA MADURA. JULGAMENTO DA LIDE. POSSIBILIDADE. PRAZO PRESCRICIONAL VINTENÁRIO. ACÓRDÃO FUNDAMENTADO EM CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS. SÚMULA 7/STJ.

[...]

2. Quanto à alegada violação do art. 515, § 3º, do CPC, consigne-se que, mesmo nos casos de extinção do processo com resolução de mérito, em que o juízo primevo acolheu a alegação de prescrição, é possível ao tribunal, se entender ser o caso de afastá-la, julgar desde logo a lide, se esta já se encontra madura, nos termos do referido dispositivo legal, porquanto o mérito não foi apreciado em toda a sua extensão. [...]

Agravo regimental improvido.

(AgRg nos EDcl no AREsp 46.650/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 13/08/2014)

Conforme explicita a norma, a teoria da causa madura tem aplicabilidade quando a questão versar apenas sobre matéria de direito e estiver em condições de pronto julgamento, atendendo a critérios de celeridade e economia processual. A discussão quanto ao fato de tal teoria resultar na supressão de instância, pois, ao invés de se devolver a causa para o regional proferir nova decisão, o órgão recursal desde logo profere o julgamento.

De fato, a discussão sobre a violação ao princípio do duplo grau de jurisdição já foi superada pela jurisprudência pátria, inclusive acolhida pelo E. Tribunal Superior do Trabalho, em prestígio da celeridade e da economia processual:

[...] C) RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. [...]  3 - A postulação da inicial encontra-se em condições de imediato julgamento (causa madura), circunstância em que tem aplicação o § 3° do artigo 515 do CPC, que busca dar efetividade ao processo, em observância aos princípios da celeridade e economia processuais. Recurso de revista conhecido e provido, no particular.

(RR - 67900-16.2005.5.04.0122 , Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, , 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/05/2010) (Destacou-se.)

Vê-se, portanto, que não há óbice para que o Tribunal Superior do Trabalho julgue a ação rescisória quando o regional reconhecer a ocorrência do biênio decadencial e o Tribunal Superior, afastando tal decisão, entender que se trata de matéria que verse exclusivamente sobre direito e está em condições de imediato julgamento.

VIII - A exceção de incompetência, ainda que oposta no prazo recursal, sem ter sido aviado o recurso próprio, não tem o condão de afastar a consumação da coisa julgada e, assim, postergar o termo inicial do prazo decadencial para a ação rescisória.

  O inciso trata dos efeitos da apresentação de exceção de incompetência pela parte no transcurso do prazo recursal. Aqui há que se perquirir qual exceção se refere o inciso: incompetência absoluta ou relativa.

No processo trabalhista vige a regra de que a incompetência relativa deve ser arguida pela parte prejudicada na primeira oportunidade para falar nos autos, sob pena de preclusão. Silenciando o interessado ocorrerá a prorrogação da competência. Por tal regramento fica evidenciado que a alegação de incompetência relativa não teria cabimento em fase recursal, pois a competência já havia sido prorrogada desde o silêncio sobre o tema na apresentação de sua defesa.

A incompetência que não se prorroga e que pode ser alegada em qualquer fase do processo é a absoluta, pois se trata de matéria de ordem pública. Todavia, não se pode afirmar que, por ser absoluta a incompetência, não se submete aos meios adequados para ser alegada. O inciso VIII reitera este fato, deixando transparecer que o meio para se alegar a incompetência na fase recursal é, por óbvio, o recurso, e que apresentada de outra forma não terá a finalidade de impedir o trânsito em julgado do acórdão, e, consequentemente, o início do prazo decadencial para se propor a ação rescisória.

Cita-se, por fim, a advertência de Valentin Carrion, no sentido de que a sentença proferida por juiz absolutamente incompetente prevalecerá se o a ação rescisória não for intentada no biênio decadencial[15].

IX - Prorroga-se até o primeiro dia útil, imediatamente subseqüente, o prazo decadencial para ajuizamento de ação rescisória quando expira em férias forenses, feriados, finais de semana ou em dia em que não houver expediente forense. Aplicação do art. 775 da CLT.

O inciso fixa o entendimento quanto a possibilidade de prorrogação do prazo decadencial para propor a ação rescisória, quando o biênio se encerra em dias que não há expediente forense.

A possibilidade de prorrogação do prazo estabelecido pelo Tribunal Superior do Trabalho vai de encontro à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como se pode ver abaixo:

AÇÃO RESCISÓRIA. PRAZO DECADENCIAL DE 02 (DOIS) ANOS. DIREITO MATERIAL. NÃO INCIDÊNCIA DA NORMA QUE PRORROGA O TERMO FINAL DO PRAZO AO PRIMEIRO DIA ÚTIL POSTERIOR. 1. Por se tratar de decadência, o prazo de propositura da ação rescisória estabelecido no art. 495 do CPC não se suspende, não se interrrompe, nem se dilata (RE 114.920, rel. Min. Carlos Madeira, DJ 02.09.1988), mesmo quando o termo final recaia em sábado ou domingo. 2. Prazo de direito material. Não incidência da norma que prorroga o termo final do prazo ao primeiro dia útil posterior, pois referente apenas a prazos de direito processual. 3. Recurso improvido.

(AR 2001 AgR, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 04/03/2009, DJe-059 DIVULG 26-03-2009).[16] (Destacou-se.)

Como visto, o entendimento da Suprema Corte é no sentido de que, por se tratar de prazo decadencial, não se aplicam as hipóteses do art. 207 do Código Civil: “Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição”. No mesmo sentido leciona Luiz Guilherme Marinoni, na obra coletiva Código de Processo Civil: Anotado, editada pela Subseção Paranaense da OAB, conforme abaixo:

IX. Prazo Decadencial

O direito a rescindir a coisa julgada maculada por uma das hipóteses previstas no art. 485, do CPC, é potestativo, de modo que o prazo de dois anos previsto no presente artigo é decadencial. Possui, assim, natureza material, de modo que não se suspende, não se interrompe (CC, art. 207), muito menos se prorroga (CPC, art. 175). [17]

Seguindo este entendimento, Maurício Godinho Delgado ressalta que “o prazo decadencial corre continuamente, sem interrupção ou suspensão, enquanto que a prescrição pode ser interrompida ou suspensa nos casos legalmente especificados.”[18]

Flávio Tartuce, citando a lição de Agnelo Amorim Filho, aponta a valiosa lição de que a decadência está associada não somente a direitos potestativos, mas também às chamadas ações constitutivas (positivas ou negativas), ao mesmo tempo em que a prescrição está ligada às ações condenatórias e as ações meramente declaratórias são imprescritíveis[19]. Tal lição reforça a natureza decadencial da ação rescisória, pois esta se adequa perfeitamente às duas caraterísticas: trata-se de direito potestativo e seu objetivo é uma obter sentença desconstitutiva, ou seja, constitutiva negativa.

No âmbito trabalhista adota-se o entendimento de que se trata de prazo decadencial, enquanto direito potestativo da parte vencida que encontrou fundamento nas hipóteses legais de cabimento da ação rescisória. Porém, há uma clara mitigação manifestada pela possibilidade de prorrogação, com fundamento o art. 775 da CLT, que em seu parágrafo único autoriza a prorrogação para o próximo dia útil dos prazos que se vencerem em sábado, domingo ou dia feriado.

Manoel Antonio Teixeira Filho identifica com precisão a relevância prática do tema, com a seguinte explanação:

Para nós, o prazo é de decadência, pois esta atinge de forma direta o direito e só por efeito reflexo extingue a ação, exatamente como ocorre com o prazo da rescisória; já a prescrição extintiva afeta diretamente a ação e só por via transversa, o direito. Além disso, na decadência o direito é concedido para que seja exercido dentro de certo prazo, sob pena de extinção; na prescrição, inversamente, pressupõe a inércia do titular, que não exerce o direito de ação no prazo legalmente estabelecido.

A discussão sobre ser decadencial ou prescricional o prazo para o ajuizamento da ação rescisória não é meramente acadêmico, pois apresenta relevante interesse de ordem prática. Por princípio, os prazos decadenciais, ao contrário dos prescricionais, não se interrompem e nem se suspendem (CC, art. 207). É verdade que essa afirmação não é absoluta, pois a citação do réu, para responder à ação rescisória, impede que a decadência se consume; por outro lado, embora o prazo decadencial não se prorrogue, há julgados considerando tempestiva a inicial da rescisória protocolada em juízo no primeiro dia útil posterior ao término do prazo, se nessa ocasião não havia expediente forense (CPC, art. 184, 1º, II)[20] (Destacou-se.)

Conclui o doutrinador pela dificuldade de diferenciação entre os efeitos:

Diante da atual tendência jurisprudencial, portanto, já não nos parece possível proclamar-se, em tom professoral, que os prazos decadenciais em nenhuma hipótese se suspendem ou se interrompem, embora não estejamos, com isso, procurando negar seu caráter de fatalidade e de peremptoriedade.[21]

Francisco Pereira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcanti criticam a indicação do art. 775 como referência para se considerar a prorrogação do prazo, destacando que tal artigo, assim como o art. 184 do CPC, se referem a prazos processuais e não prazos de direito material, como no caso da decadência:

Não se tem admitido a prorrogação do prazo prescricional e mesmo decadencial, porque esses prazos não possuem natureza jurídica de prazo processual, mas sim de fato jurídico de direito material, de modo que o previsto nos artigos 775, parágrafo único, da CLT e 184 do CPC, são inaplicáveis, por se destinarem especificamente aos prazos processuais. [22]

         O entendimento trazido pelos autores é o mesmo já manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS N. 282 E 356 DO STF, POR ANALOGIA. AÇÃO RESCISÓRIA. PRAZO DECADENCIAL. TÉRMINO DO PRAZO EM DIA NÃO-ÚTIL. PRORROGAÇÃO PARA O DIA ÚTIL SEGUINTE. PRECEDENTES DO STJ. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM PARA CONTINUIDADE DO JULGAMENTO.

2. A Corte Especial desta Corte Superior firmou entendimento segundo no sentido de que o prazo decadencial da ação rescisória, de natureza processual, se inicia no dia seguinte ao trânsito em julgado do acórdão rescindendo e, findando-se em feriado ou final de semana, é prorrogado para o dia útil subsequente. [...]

(REsp 1210186/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,  DJe 31/03/2011) (Destacou-se.)

Inobstante a celeuma doutrinária sobre a suspensão ou interrupção do prazo decadencial, fica clara a posição do TST no sentido de que aplicar o art. 775 da CLT, que se trata de prazo decadencial e que seu término em férias forenses, feriados, finais de semana ou em dia em que não houver expediente forense prorroga o término do prazo para o dia subsequente. Com ou sem acerto no plano doutrinário, é inegável que a regra ficou esclarecida para os jurisdicionados.

Quanto ao mais, é defensável a aplicação a contagem do prazo para se promover a ação rescisória as demais regras relativas aos prazos decadenciais, tais como a vedação ao curso da decadência em prejuízo dos indicados no art. 3º do CC, dentre estes os menores de 16 anos, conforme a combinação dos artigos 208 e 198, inc. I, do mesmo Código[23]. Precedente do Superior Tribunal de Justiça:

AÇÃO RESCISÓRIA. PRAZO DECADENCIAL.

[...] O relator, monocraticamente, julgou extinta a ação rescisória ao fundamento de ter ocorrido decadência. Alegam os recorrentes que, à época, por serem menores absolutamente incapazes, não fluia contra eles prazo, nem de decadência nem de prescrição. Admitido o REsp, o Min. Relator entendeu que o prazo para o ajuizamento da ação rescisória é de decadência (art. 495, CPC), por isso se aplica a exceção prevista no art. 208 do CC/ 2002, segundo a qual os prazos decadenciais não fluem contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento foi acompanhado pelos demais Ministros, que deram provimento ao REsp e determinaram o prosseguimento da ação rescisória. REsp 1.165.735-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 6/9/2011. (Destacou-se.)

X - Conta-se o prazo decadencial da ação rescisória, após o decurso do prazo legal previsto para a interposição do recurso extraordinário, apenas quando esgotadas todas as vias recursais ordinárias.

A hipótese em comento afasta outro ponto de discussões sobre o início do prazo, adotando uma solução de ordem lógica.

É fato que das decisões proferidas pelo Tribunal Superior do Trabalho há previsão legal para a interposição do recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal[24], quando o tema envolver discussão de matéria constitucional, a matéria estiver prequestionada e o tema do recurso oferecer repercussão geral, nos termos do art. 543-A do CPC.

Contudo, é certo que o recurso extraordinário somente tem cabimento das decisões proferidas em única ou última instância, conforme determina o art. 102, inc. III da Constituição Federal[25], o que necessariamente exige a manifestação do Tribunal Superior do Trabalho.

Proposta uma ação rescisória, que, como já dito, é de competência originária dos tribunais regionais, não há que se falar na interposição de recurso extraordinário antes do recurso de revista para que a matéria seja julgada pelo Tribunal Superior do Trabalho. Se neste caso a parte não recorrer do acórdão, o trânsito em julgado ocorre a partir do 8º dia, quando se encerra o prazo para interposição do recurso de revista, e o prazo decadencial inicia no dia seguinte ao trânsito em julgado.

Porém, se a parte interpõe o recurso de revista, que por sua vez não é provido pelo TST, o prazo bienal da ação rescisória somente começa após transcorridos os 15 dias para interpor o extraordinário, quando ocorre o trânsito em julgado. Lembre-se, por fim, que se a Fazenda Pública for sucumbente neste caso, o prazo para interpor o extraordinário será de 30 dias, somente então tendo início o cômputo biênio decadencial.

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Sobre o autor
Vitor Trigo Monteiro

Advogado em Curitiba (PR). Consultor jurídico em Direito Administrativo. Especialista em Direito Processual Civil. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela PUC-PR. Editor Assistente e Consultor Jurídico da Governet Editora, responsável pela publicação de Boletins Especializados em Direito Administrativo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Vitor Trigo. A contagem do prazo decadencial da ação rescisória no processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4193, 24 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31487. Acesso em: 19 abr. 2024.

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