Os efeitos práticos da desaposentação no ordenamento jurídico brasileiro

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30/08/2014 às 14:38
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1 INTRODUÇÃO

Depois de reiterados anos de reivindicações da classe trabalhadora ao Poder Público, os direitos trabalhistas foram sendo estabilizados e ganharam respaldo dentro dos limites legais da sociedade mundial, incluindo, por consequência, a sociedade brasileira. A Constituição Federal do Brasil de 1988 implementou, de maneira plena, o sistema de Seguridade Social, estabelecendo como objetivo primordial o título Ordem Social. Essa ponderação acarretou a valorização do trabalho, buscando a interação simultânea de três esferas importantes: Saúde, Assistência Social e Previdência Social. Uma das maiores conquistas, se não a maior, deu-se pelo deferimento aos trabalhadores de uma contribuição na inatividade, posteriormente chamada de aposentadoria, que materializou-se através de ato administrativo, advinda da aprovação estatal, reconhecendo este direito ao contribuinte, desde que respeitados todos os requisitos exigidos pela lei.

Diante disso, foram surgindo cada vez mais ondas legislativas de alterações no tocante à previdência social, dificultando o acesso aos benefícios previdenciários, diminuindo os valores pagos a título desses mesmos benefícios. Acredita-se que a razão da imposição dessas dificuldades se dê pela ocorrência veemente de diversos episódios sobre a aposentadoria de forma precoce, com uma frequência cada vez maior. Um dos exemplos mais comuns é a migração de um regime de previdência para outro, o que tem se tornado um fardo nos âmbitos judicial e administrativo.

Em geral, os valores pagos e os gastos do aposentado são de extrema incompatibilidade, pois, na medida em que a idade do segurado aumenta a saúde deste torna-se mais frágil devido às condições senis em que se encontra. Logo, os proventos que foram adquiridos de forma tão árdua e sacrificada acaba, quase que unicamente, para cuidar da saúde. Em decorrência disso, o aposentado se vê disposto a retornar ao mercado de trabalho ou continuar suas atividades laborais em função de complementar a renda originária de sua aposentadoria, que se mostra insuficiente à sua própria manutenção e de sua família.

O art. 12, § 4º, da Lei nº 8.212/1991 determina que o aposentado que retorna a ativa é segurado obrigatório da previdência social em relação à nova atividade, inclusive sujeito às contribuições previstas em lei que são descontadas na fonte. Já a Lei nº 8.213/1991, no artigo 18, § 2º, determina que o aposentado que retornar ou permanecer na ativa não fará jus a nenhuma prestação da previdência social, exceto salário-família e a reabilitação profissional quando empregado.

Assim, o segundo tempo de contribuição é inútil ao trabalhador aposentado e a cobrança de contribuições previdenciárias mostra-se injusta, já que inexiste contraprestação adequada. Dar-se-á dessa realidade social o instituto da desaposentação na seara da doutrina previdenciária, com o escopo de corrigir a injusta cobrança do trabalhador aposentado, de modo a permitir a desconstituição do ato administrativo concessivo da aposentadoria, para somar o segundo tempo de contribuição e pleitear nova aposentadoria mais vantajosa e justa.

A discussão proposta é saber quanto à questão da viabilidade da aplicação deste instituto perante o ordenamento jurídico brasileiro vigente e, sendo, quais seus principais requisitos e limite de alcance, levando em conta as questões atuariais e financeiras. Essas questões são de extrema importância, pois nelas se estruturam o sistema previdenciário, e do seu correto manejo decorre a permanência existencial dos institutos de previdência social, sendo uma medida de justiça para quem trabalhou mais e deve, por conseguinte, receber mais quando de sua nova aposentadoria.

Vale ressaltar ainda que, os indeferimentos provenientes das vias administrativas são embasados na inexistência de previsão legal quanto à essa problemática, bem como na busca pela proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito presentes no texto constitucional. Saliente-se também que não se pode confundir a desaposentação com a renúncia à aposentadoria, sendo a desaposentação nada mais do que a interrupção do exercício da aposentadoria até que materialize uma nova situação jurídica.

O instituto da desaposentação é, de fato, um caminho da construção doutrinária, abraçado visceralmente pela jurisprudência pátria, que visa, então, desconstituir o ato concessivo da aposentadoria com a finalidade, em regra, de se obter nova aposentadoria mais justa e financeiramente mais satisfatória.

Em virtude de alcançar os objetivos supracitados, será feita a utilização do método dedutivo como método de abordagem, tendo em vista que, iniciando-se de uma realidade larga buscar-se-á encontrar deduções estreitas no tema abordado. Como método de procedimento utilizar-se-á o método histórico, pois será traçada uma linha horizontal em torno da evolução do instituto da previdência social no Brasil, qual seu alcance anterior e qual sua dimensão atualmente; e método estruturalista, tendo em vista que esse estudo partirá desde o momento em que se dá o direito de renúncia da primeira aposentadoria do segurado até o seu término nas vias judiciais, abordando com afinco suas principais consequências.

O primeiro capítulo tratará do Sistema de Seguridade Social no Brasil, como suas implementações foram feitas, citará suas três esferas, quais sejam: Saúde, Assistência Social e Previdência Social, especificando cada uma delas, com enfoque na Previdência Social e seus regimes preexistentes. Ainda nesse capítulo serão expostos os princípios constitucionais que norteiam o sistema previdenciário brasileiro e também como esse sistema é custeado e qual benefício trazido por ele. O segundo capítulo fará alusão ao instituto da aposentadoria, por ser o benefício que dá ensejo ao tema principal, qual seja a desaposentação. Se faz necessária a explanação da aposentadoria e todas as suas vértices que envolvam o procedimento de concessão da mesma, seus tipos e peculiaridades. O terceiro capítulo do presente trabalho busca tornar a desaposentação compreensível, em todos os níveis de especulação e afirmação acerca do assunto. Esse capítulo levará à tona todas as especificidades do tema abordado, sua origem, os meios legais de obtenção, controvérsias, além de exemplificar doutrinariamente e jurisprudencialmente todas as formas valoráveis desse instituto atualmente.

A técnica de pesquisa usada para elaboração da pesquisa foi a documentação indireta, já que a investigação do tema e o desenvolvimento do estudo foram feitos através de ajuda bibliográfica, com o uso de livros e periódicos, e através de documentação direta, visto o uso de leis, projetos e também pesquisas feitas na internet.


2 O SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL

Dispersas ao longo do texto das constituições anteriores, as disposições referentes à Saúde, Assistência e Previdência Social, foram todas agrupadas sob o rótulo de Seguridade Social, cuja conceituação encontra-se definida nos artigos 194 e seguintes da Constituição Federal do Brasil de 1988[1].

O direito a Seguridade Social assume o caráter de dever fundamental máximo, em um Estado que auto se intitula Democrático de Direito, assim como previsto constitucionalmente. Desta forma, problematizar o sistema securitário brasileiro não caracteriza-se por ser uma tarefa fácil, haja vista a sua definição evoluir de acordo com as necessidades sociais e a capacidade financeira do Estado em cumprir anseio decorrente da seguridade, bem como em relação á evolução cultural, de maneira que se possa encontrar em cada época um conceito próprio e peculiar.

De certo, em verdade, no Estado Democrático de Direito houve o trânsito de grupos marginais ao processo de produção dos que viviam em condições de vida miseráveis, enfatizando-se, assim, uma compreensão da previdência social como dependente direta das variáveis relacionadas à garantia do mínimo existencial que a dignidade humana exige. A inserção, de forma ordenada, desses conceitos em sede constitucional é considerada o marco inicial do modelo do estado de bem-estar social adotado no Brasil. Fábio Zambitte Ibrahim conceitua da seguinte forma:

A seguridade social pode ser conceituada como a rede protetiva formada pelo Estado e por particulares, com contribuições de todos, incluindo parte dos beneficiários dos direitos, no sentido de estabelecer ações positivas no sustento de pessoas carentes, trabalhadores em geral e seus dependentes, providenciando a manutenção de um padrão mínimo de vida.[2]

Deveras, o direito á desaposentação interfere diretamente na estrutura da previdência social, uma vez que a seguridade social é uma rede protetiva formada pelo Estado em favor dos trabalhadores em geral e seus dependentes, garantindo o mínimo existencial, assim concebido pelo atual estágio de desenvolvimento sócio-cultural, trazendo consigo a exigência da equidade, de modo a tentar concretizar o princípio da isonomia, do qual pressupõe tratamento igualitário a todos que dele necessitem, sem distinções arbitrárias.

O direito á Seguridade Social alcançará seus objetivos em razão da participação da população, de maneira a pressionar o Estado a promover políticas públicas de efetivação de direitos, como o que se busca nessa pesquisa com a abordagem transversal do instituto denominado desaposentação. A Ordem Social tem como base o trabalho devidamente valorizado. Seus objetivos primordiais são o bem-estar social e a justiça social, devidamente elencada no artigo 193 da Carta Magna. O fundamento basilar de todo sistema previdenciário é a efetividade da justiça social, pois, é nela que os trabalhadores encontram amparo ante as contingências diárias.

A Seguridade Social, por sua vez, encontra respaldo no título constitucional direcionado à própria Ordem Social, que trata dos direitos sociais relacionados à educação, cultura e desporto, ciência e tecnologia, comunicação social, meio ambiente, amparo à criança, ao adolescente, ao idoso e aos índios. Os direitos sociais são os instrumentos que viabilizam o alcance da plena justiça social, que, via de consequência, irá assegurar o pleno bem-estar social. No entanto, a efetividade desses direitos sociais depende da ação completa e específica do Estado, através de incentivos às políticas públicas de justiça distributiva. Logo, é de extrema importância delimitar a responsabilidade do Estado quanto à centralização de todo esse sistema do qual depende a Seguridade Social, organizando, normatizando e participando diretamente do seu plano de custeio, sem olvidar o fato de que também é do Estado a responsabilidade pelo seu gerenciamento e fiscalização.

O Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) é a instituição pública diretamente ligada ao gerenciamento do Sistema de Seguridade do Brasil. Trata-se de uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Providência Social (MPS), onde se controla todo o custeio, a manutenção das prestações e dos benefícios, concessão e cessação dos mesmos.

Merece especial menção aqui o princípio da solidariedade que informa o sistema previdenciário brasileiro. Esse princípio é o principio basilar de sustentação desse sistema, pois, é ele que assegura o direito da coletividade em geral, sem que haja diferenças entre prestações e contribuições. O artigo 3º, inciso I da CF/88 [3] estatui que esse princípio privilegia especificamente o direito da coletividade sobre o direito individual de cada cidadão.

Para que tenha plena eficácia, o sistema de Seguridade Social necessita da participação integral de seus dois principais agentes, de um lado o Estado, e do outro, a sociedade como um todo. Essa dicotomia encontra-se devidamente estabelecida constitucionalmente, e como dito anteriormente, visa conferir eficácia e eficiência ao sistema previdenciário brasileiro.

A Seguridade Social está diretamente ligada aos direitos sociais e à funcionalidade destes dentro do Estado Democrático de direito. Sob o foco da Constituição Federal, a Seguridade Social está definida no art. 194 como o “conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. Nesse sentido, é identificado o caráter tripartite conferido pelo legislador para a Seguridade Social. Isso quer dizer que a saúde, a assistência social e a previdência social de cada indivíduo, garantias constitucionais explícitas, serão protegidas contra qualquer tipo de risco. Para Miguel Horvarth Junior:

Qualquer que seja a posição que adota-se em relação ao conceito de Seguridade Social deve-se sempre atendê-lo como fenômeno social fundamental, como fundamental é a própria evolução das sociedades.[4]

Assim, todos os indivíduos, independente de contribuição, têm direito aos serviços ligados à saúde, levando em conta que seu alcance é universal, como bem descreve o caput do art. 196 da CF/88:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

No que diz respeito à Previdência Social, apenas os contribuintes tem direito aos benefícios por ela proporcionados. Dentre esses benefícios estão assinalados, além dos variados gêneros e tipos de prestações, as modalidades de pensão, auxílio e aposentadoria. Já no que se refere à Assistência Social, assim como na Saúde, a contribuição também não é exigida, mas a atuação dessa modalidade é focada na hipossuficiência. Desse modo, os mais necessitados, ainda que não tenham contribuído para o sistema, terão direito aos benefícios, serviços e auxílios oferecidos pelo Estado.

2.1 SAÚDE

No artigo 196 da Carta Magna, a saúde é direito de todos e dever do Estado. Significa dizer que, qualquer pessoa, sem nenhum tipo de restrição, tem direito ao atendimento na rede pública de saúde, independente se presta ou não algum tipo de contribuição. Ivan Kertzman propõe:

O acesso à saúde independe de pagamento e é irrestrito, inclusive para os estrangeiros que não residem no país. Até as pessoas ricas podem utilizar o serviço público de saúde, não sendo necessário efetuar quaisquer contribuições para ter direito a este atendimento.[5]

A OMS – Organização Mundial de Saúde – define saúde não apenas como a ausência de enfermidade, mas principalmente como o estado de puro bem-estar social do ser humano. Existe toda uma conceituação envolvendo as circunstâncias para o alcance do bem-estar social, físico e mental de cada indivíduo. Sobre essas condicionantes pode-se citar o ambiente sócio-econômico-cultural de cada um; seu meio físico de convivência; suas condições biológicas, como raça, gênero, sexo, genética; dentre outras. A Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90) traz os fatores determinantes para um indivíduo ter uma vida plena e saudável em seu artigo 3º:

A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País.[6]

Nessa lei também são identificados os princípios basilares no que diz respeito à saúde no Brasil. Dentre eles a universalidade de acesso aos serviços, integralidade e igualdade de assistência, preservação da autonomia das pessoas, direito à informação, como também a divulgação de informações referentes aos serviços disponibilizados e prestados, o estabelecimento de prioridades, participação da comunidade, descentralização político-administrativa, integração das ações de saúde com ações em pró do meio ambiente e saneamento básico, conjugação de todos os tipos de recursos disponíveis na prestação de serviços de assistência à saúde da população, capacidade de resolução de serviços, e pôr fim, organização na demanda de serviços a fim de que se evite duplicidade de meios para idênticos fins.

Quanto à organização dos serviços ligados a saúde, há que se observar as várias diretrizes seguidas pela intervenção estatal do Sistema Nacional de Saúde para cumprimento dos seus objetivos, elencados no art. 5º da Lei 8.080/90, quais sejam:

I – a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;

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II – a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no §1º do art. 2º desta lei;

III – a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.

O atendimento público a todo e qualquer cidadão para prestação de serviço de saúde tornou-se obrigatório, sendo terminantemente proibida a remuneração de qualquer natureza, sob quaisquer pretextos. Para vigilância desse direito foi criado e regulamentado, sob a égide da CF/88, em conjunto com as Leis 8.080/90 e 8.142/90, o Sistema Único de Saúde (SUS), que tem por finalidade a diminuição das desigualdades no que se refere à assistência da população, tendo como objetivo o restabelecimento e devida manutenção da saúde do povo.

A composição do SUS está devidamente exposta no art. 4º da Lei Orgânica de Saúde, classificando-o como o conjunto de ações e serviços de saúde prestados por instituições e órgãos públicos de ordem federal, estadual e municipal, como também da Administração direta e indireta, incluindo as fundações mantidas pelo Poder Público. O parágrafo 2º do artigo em questão ainda menciona que, o setor privado pode ter participação por meio de convênios e contratos de prestações de serviços ao Estado, no caso, por exemplo, da insuficiência de unidades públicas para garantia de atendimento da população em determinada localidade. Lembrando sempre do caráter complementar da iniciativa privada em conjunto com o SUS. O §1º do artigo 198 da Constituição Federal trata do custeio do sistema de saúde do Brasil, como vê-se abaixo:

O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

As entidades filantrópicas e as entidades sem fins lucrativos são essencialmente favorecidas no que diz respeito á essas outras fontes referidas no dispositivo constitucional mencionado. A assistência à saúde é completamente livre à iniciativa do setor privado, como já fora mencionado, sem embargo de seu caráter eminentemente complementar.

Pôr fim, a tutela à saúde é um direito consagrado não apenas pelos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais do Brasil. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão traz, em seu texto, a importância da saúde como direito básico, destacando que, para que os cidadãos tenham uma vida digna é essencial que a saúde seja preservada e assistida como direito primordial dentro da sociedade.

2.2 ASSISTÊNCIA SOCIAL

Segundo Fábio Zambitte Ibrahim (2008, p. 12), a assistência social, assim como a saúde, independe da contribuição direta do beneficiário. A Constituição Federal, em seu artigo 203 nos ensina que, a assistência social será prestada a quem dela necessitar. Esse mesmo artigo ainda traz os objetivos específicos da assistência social, que são:

I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Assim como existe a Lei Orgânica de Saúde, também existe a Lei 8.742/93 tida como a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS). A fiel observância do que dispõe essa lei é que assegura a prestação de serviços pelo Estado, bem como pela sociedade, que reflete-se em ações sociais integradas, independentes de contribuição securitária. Sobre os objetivos colimados pela assistência social, sobressai o atendimento aos hipossuficientes, cujas condições deverão ser individualmente avaliadas. O artigo 2º da LOAS especifica algumas delas, como por exemplo, a defesa de direitos, a vigilância socioassistencial, a proteção social, etc. Ibrahim (2008, p. 12) simplifica:

O segmento assistencial da seguridade tem como propósito nuclear preencher as lacunas deixadas pela previdência social, já que esta, como se verá, não é extensível a todo e qualquer indivíduo, mas somente aos que contribuem para o sistema, além de seus dependentes.

O art. 4º da Lei 8.742/93 trata dos princípios da assistência social, das quais se pode identificar: a supremacia do atendimento às necessidades sociais; universalização dos direitos sociais; respeito à autonomia, dignidade e direito a benefícios e serviços de qualidade prestados ao cidadão; igualdade de direitos ao acesso ao atendimento; e divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais.

O artigo 5º desta mesma lei trata da diretriz organizacional que deve ser usada quando a assistência social se fizer necessária, das quais pode-se destacar: a descentralização político-administrativa para Estados, Distrito Federal e Municípios, com comando único das ações em cada esfera de governo; a participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis; e a primazia da responsabilidade estatal na condução desta política.

A ação estatal que abrange a assistência social, de acordo com a Constituição Federal em seu artigo 204, é gerida com recursos do orçamento da previdência social preferencialmente, e organizada com base na descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução do referido programa às esferas estadual e municipal, bem como às entidades beneficentes, sem olvidar a participação da população, devidamente prevista em lei. Logo, é proeminente o caráter complementar que a assistência social representa dentro do sistema, suprindo assim as necessidades das pessoas desamparadas, as mesmas que, por não terem meios suficientes, não contribuem para a previdência social.

É importante mencionar que, segundo a LOAS, existem dois tipos primordiais de políticas de assistencialismo. No tocante a questão profissional, existe a reabilitação, o INSS é fornecedor desse serviço, que visa reabilitar incapacitados total ou parcialmente, como também ampara os portadores de deficiência, dentro de suas profissões ou para trabalhos específicos.

A segunda modalidade de política assistencial é o serviço social, que tem por objetivo principal manter seus beneficiários devidamente informados sobre seus direitos, sobre as formas de exercê-los, além de prestar esclarecimento sobre como acessar os serviços e benefícios do sistema. A assistência social é voltada para o indivíduo que não tenha condição de contribuir para a previdência social e que está situado à margem da sociedade, com o propósito de prestar o auxílio mínimo necessário de preservação da dignidade deste indivíduo como ser humano.

2.3 PREVIDÊNCIA SOCIAL

Em um conceito geral, a Previdência Social está diretamente associada com a proteção a todos os tipos de eventualidades que ponham em risco o bem-estar social de cada indivíduo. A ideia central é prever ou antever tais acontecimentos, para que no futuro o individuo adquira as condições necessárias para continuar provendo suas necessidades e as de sua família.

Procurando um sentido mais amplo para o sistema previdenciário, pode-se dizer que seria um conjunto de princípios associado às normas, que materializam-se através de órgãos públicos devidamente legalizados, formados como uma espécie de sistema de proteção do trabalhador e do segurado contra contingências previstas em lei. De acordo com o artigo 1º da Lei 8.213 de 1991, temos que:

A Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente. [7]

Poder-se-ia acrescentar ainda que, a previdência social teria o evidente propósito de reunir antecipadamente recursos dos interessados e organizar mecanismos que pudessem e possam atender as contingências sociais prováveis e futuras, como apregoa Nair Lemos Gonçalves, apud Sérgio Pinto Martins. Essas contingências, conhecidas também por riscos sociais, podem ser caracterizadas por, como bem descreve Ivan Kertzman (2009, p. 29), infortúnios que causam perda da capacidade para o trabalho, e assim, para manutenção do sustento. Exemplos claros de riscos sociais são: a idade avançada, a doença temporária ou permanente, a invalidez, o parto, dentre outros.

Os instrumentos legais de proteção ao risco social, de forma específica, são caracterizados como regimes jurídicos de proteção previdenciária, que no Brasil são de três tipos: (a) RGPS – Regime Geral de Previdência Social; (b) Regime de Previdência Complementar; e (c) RPPS – Regimes Próprios de Previdência Social.

2.3.1 Regime Geral da Previdência Social – RGPS

O artigo 201 da Constituição Federal, complementado pela EC 20, de 15/12/1998, reza que “a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, valendo ressaltar que possui esse perfil obrigatório os segurados de iniciativa privada, que não estejam submetidos à disciplina legal dos servidores públicos e militares”.

O RGPS é o mais amplo dentre todos os regimes. A maioria dos trabalhadores brasileiros está amparada por esse tipo de regime e é o INSS o responsável por sua organização, em conjunto com o Ministério da Previdência Social. Ivan Kertzman (2009, p. 29) leciona que o sistema da previdência social é regido por dois princípios de ordem básica: a compulsoriedade e a contributividade. Àquele faz referência ao fato de ser obrigatória aos trabalhadores que exercem atividades remuneradas lícitas a filiação ao regime da previdência social, pois, se aos mesmos essa escolha fosse facultativa, certamente que os que optassem por não aderir ao sistema, posteriormente se veriam excluídos do sistema protetivo, o que geraria completo caos social.

A contributividade, por sua vez, denota que, para se ter direito é preciso enquadrar-se na condição de segurado, ou seja, ser obrigado a contribuir para o sistema e para a manutenção do mesmo. Kertzman ainda ressalta que, até mesmo o aposentado que volta a exercer atividade profissional remunerada é obrigado a continuar contribuindo com a previdência.

O RGPS é o único dos sistemas compulsórios que aceita a adesão de segurados facultativos, aceitando também a admissão dos maiores de 16 anos, desempregados, presidiários, estudantes, bolsistas e síndicos não remunerados. Este regime considera como segurado obrigatório o trabalhador com vínculo empregatício regido pela CLT – Consolidações das Leis do Trabalho, bem como o trabalhador avulso, o trabalhador doméstico, o trabalhador e o produtor rural, pescadores, autônomos, empresários, etc.

         Para cada contingência elencada no artigo 1º da Lei 8.213/91, que venha a ocorrer com o segurado, existe uma prestação previdenciária correspondente. São exemplos de contingências pelas quais o RGPS é responsável, segundo a lei: a incapacidade, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.

Vale deixar claro que, quanto ao desemprego involuntário, apesar de também está citado no artigo em questão, esse tipo de contingência não é de alçada do RGPS, mas sim do Ministério do Trabalho e Emprego, regulamentado pela Lei 7.998/90 (Programa de Seguro-Desemprego), apesar de sua natureza previdenciária.

2.3.2 Regimes Próprios da Previdência Social – RPPS

De acordo com o artigo 40 da CF/88, com redação dada pela EC 41/2003, o responsável pela previdência dos servidores titulares de cargos efetivos que estejam em atividade, sem olvidar dos inativos e pensionistas, é o Regime Próprio de Previdência Social - RPPS, desde que exista um regime específico instituído e disciplinado em lei.

Quando da não existência de um regime específico que gerencie essas previdências, os servidores estarão vinculados obrigatoriamente ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS. Estão incluídos nesse rol do RPPS, servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, além de suas autarquias e fundações. A Lei 9.717/1998 dispõe sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos dos entes acima citados.

No âmbito da União, o regime próprio da previdência está estruturado com aplicação subsidiária da Lei 8.112/90, que dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Públicos Federais, que mesmo sendo regulamentado e especificado legalmente, segue a linha dos regimentos do RGPS.

2.3.3 Regime de Previdência Complementar

Este tipo de regime previdenciário é regulamentado pelas Leis Complementares 108 e 109 e está previsto constitucionalmente pelo artigo 202 da CF/88, onde se identificam as quatro características principais desse regime, quais sejam: (a) contratualidade (adesão feita através de contratos); (b) facultatividade (diferente dos demais regimes, não há obrigatoriedade de adesão); (c) complementaridade (são oferecidos benefícios de maior seguridade quando comparados com os benefícios dos regimes obrigatórios); e (d) autonomia (o contrato da previdência privada independe do contrato de trabalho).

Outra característica não citada, porém de igual importância, é a capitalização dentro do Regime Complementar, pois, são as próprias contribuições dos segurados a fonte do custeio do benefício. Para Wagner Balera (2011, p. 236):

(...) essas contribuições são administradas peças entidades da previdência complementar que investem os valores arrecadados e com os capitais acumulados, acrescidos da rentabilidade obtida com os investimentos financeiros, pagam os benefícios contratados.

O sistema de organização para os Regimes Complementares são de duas espécies: planos de entidades abertas (que são acessíveis ao público em geral) e planos de entidades fechadas (acesso exclusivo de associados e empregados de determinada empresa ou grupo de empresas).

Existe ainda outra espécie de regime complementar, de caráter facultativo, instituído por entidades públicas, é o Regime de Previdência Complementar Pública. Servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal podem adotá-lo, inexistindo a possibilidade de outros segurados contratarem este tipo de regime.

2.4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Em geral, nem todos os princípios constitucionais são aplicáveis aos três ramos da seguridade social (saúde, assistência e previdência sociais), alguns desses princípios se adéquam melhor a determinado ramo da seguridade social. Além disso, a Constituição prevê de forma cautelosa que esses princípios devem ser tratados como objetivos da seguridade social, devendo o Poder Público incluí-los no rol de organização do sistema.

Não há como falar em princípios da seguridade social e não começar explanando sobre o princípio da solidariedade (art.3º, I, CF/88). Sendo este o princípio basilar de todo o sistema de seguridade social, não é possível a compreensão desse sistema sem que não esteja consolidado o conceito desse princípio. Nas palavras de Fábio Zambitte (2008, p. 54):

Sem dúvida, é o princípio securitário de maior importância, pois traduz o verdadeiro espírito da previdência social: a proteção coletiva, no qual as pequenas contribuições geram recursos suficientes para a criação de um manto protetor sobre todos, viabilizando a concessão de prestações previdenciárias em decorrência de eventos prestabelecidos.

É através da solidariedade, erigida em princípio constitucional, que são assegurados os direitos de toda a sociedade e não apenas que participam diretamente do sistema. Nessa esteira, Kertzman (2009, p. 46) preceitua:

A solidariedade do sistema previdenciário obriga contribuintes a verterem parte de seu patrimônio para o sustento do regime protetivo, mesmo que nunca tenham a oportunidade de usufruir dos benefícios e serviços oferecidos. É o que ocorre com o aposentado do RGPS que retorna ao trabalho, contribuindo da mesma forma que qualquer segurado, sem ter, entretanto, direito aos mesmos benefícios.

Esse princípio também se encontra diretamente ligado ao custeio da seguridade social, como verificado no artigo 195 da CF/88, que diz que a seguridade social será financiada por toda a sociedade. Nesse aspecto, envolve-se novamente o pacto entre gerações, onde uma geração trabalhará para pagar os benefícios das gerações passadas. Para Kertzman, esse pacto é chamado de pacto inter-geracional, onde o princípio da solidariedade é visto de forma vertical.

O único ramo que é essencialmente contributivo dentro da seguridade social é o ramo da previdência social, logo, é ai onde o princípio da solidariedade tem maior aplicabilidade. Além do princípio da solidariedade, pode-se citar também como princípio geral da previdência social a igualdade, que prega que os cidadãos serão tratados de forma igualitária independente de gênero, classe ou raça, de acordo com que expressa o art.5º, I, da Carta Magna.

Tomando como exemplo Zambitte (2008, p. 45):

Também aplica-se a esta regra o princípio geral da isonomia. A igualdade material determina alguma parcela de diferenciação entre estes segurados, sendo que a própria Constituição assim procede, ao prever contribuições diferenciadas para o pequeno produtor rural (art.195, §8°).

 O parágrafo único do artigo 194 do dispositivo constitucional apresenta os objetivos em que deve se organizar a seguridade social. Porém, além de objetivos os incisos que se seguem são considerados como os princípios específicos do Direito Previdenciário e da Seguridade Social em si. Esses princípios-objetivos são orientadores da aplicação das normas previdenciárias, como também são responsáveis pela interpretação das mesmas, onde integram e interagem como fontes do direito previdenciário.

2.4.1 Universalidade da cobertura e do atendimento

De acordo com esse princípio todos devem estar sob a proteção social, de modo que, todos os indivíduos estarão amparados dos riscos sociais de forma completa e progressiva. A dimensão objetiva desse princípio visa o alcance de todos os riscos sociais que possam vir a gerar algum tipo de necessidade, como se para cobrir todas as maneiras de que se possa precisar de proteção social, visando aumentar o número de contingências que serão protegidas, por isso o nome de universalidade de cobertura.

A dimensão subjetiva, por sua vez, busca proteger o indivíduo inserido dentro do sistema, tentando mantê-lo seguro e atendido, por assim dizer. Daí ser chamada de universalidade de atendimento, pois faz menção ao sujeito da relação jurídica no âmbito previdenciário. Para Fábio Zambitte (2008, p. 56):

A universalidade de cobertura e atendimento é inerente a um sistema de seguridade social, já que este visa ao atendimento de todas as demandas sociais na área securitária. Além disso, toda a sociedade deve ser protegida, sem nenhuma parcela excluída. Obviamente, este princípio é realizável, na medida em que recursos financeiros suficientes são obtidos. Não há como se criarem diversas prestações sem custeio respectivo. A universalidade será atingida dentro das possibilidades do sistema.

Logo, a universalidade de cobertura e atendimento atuam como estímulo para que o legislador em conjunto com o Poder Público não cesse a busca pelo equilíbrio da sociedade e do bem-estar social e justiça social em suas esferas mais necessitadas.

2.4.2 Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais

Esse princípio corresponde à ilicitude da criação de benefícios diferenciados para classes distintas, como, por exemplo, trabalhadores urbanos e trabalhadores rurais, sendo prescrição constitucional as prestações securitárias idênticas para ambos. A explicação para relevância desse princípio é histórica, como bem lembra Kertzman (2009, p. 47):

No passado, a população rural podia obter benefícios de valor inferior ao salário mínimo, pois contribuíam sobre bases ínfimas. A partir da nova Carta, os benefícios recebidos pelos rurais foram elevados ao patamar do salário mínimo, quando inferiores a este valor, fazendo com que a previdência social passasse a custear benefícios de segurados que não contribuíram, suficientemente, para dele fazer jus.

Deste modo, fica claro que, num passado não tão distante, as classes trabalhadoras sofriam alguma espécie de discriminação em função de exercerem suas atividades laborais em locais diferentes, na contramão do que apregoa o princípio da igualdade. Numa sociedade democrática, que assegura tratamento igual para os iguais, e desigual para os desiguais, tornam-se imprescindíveis a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais como premissas inafastáveis do princípio da igualdade e da isonomia.

Logo, diante da desigualdade entre os trabalhos em zona urbana e zona rural, essa equivalência é garantida pelo tratamento diferenciado entre essas classes, como medida de compensação de contingências adversas. Essa clara distinção aparece no art. 48, §1° da Lei 8.213/1991, na qual para o trabalhador rural:

A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.

§1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres (...)

Como também trazer à colação a letra do art. 5º, §8º da Constituição Federal, onde o pequeno produtor rural também é beneficiado:

O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.

Esse princípio de equivalência estabeleceu um rol de proteção aos empregados rurais e urbanos idênticos, em termos de benefícios e seus valores. Sendo assim, os benefícios precisam corresponder entre si, e apesar das diferentes formas de aquisição do direito, os valores oferecidos serão equivalentes para as populações rurais e urbanas.

2.4.3 Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços

O princípio da seletividade e distributividade na prestação de benefícios e serviços faz alusão á forma como o legislador trata preferencialmente as contingências mais urgentes, bem como dispensa tratamento prioritário às pessoas mais necessitadas. Essa preferência é mostrada justamente no momento da elaboração da lei, ocorrendo a escolha do rol das prestações sociais imediatas, onde o risco social priorizado virá a ser definido em conjunto com a prestação que o protegerá.

A distributividade está intimamente ligada com o fator de redução das desigualdades sociais, usufruindo dos princípios básicos da igualdade e da solidariedade, busca alcançar a justiça social, visando o bem-estar social de maneira contundente e objetiva. Sob análise de Ivan Kertzman (2009, p. 48):

(...) a seletividade serve de contrapeso ao princípio da universalidade da cobertura, pois, se, de um lado, a previdência precisa cobrir todos os riscos sociais existentes, por outro, os recursos não são ilimitados, impondo à administração pública a seleção dos benefícios e serviços a serem prestados. É o chamado princípio da reserva do possível.

Isso significa que, a capacidade do Estado de financiar prestações e serviços é limitada, pois os recursos usados para esses fins também são finitos, o que faz com que o Poder Público seja obrigado a usar uma política de redirecionamento de atendimento e cobertura para os mais carentes e necessitados.

É de se considerar, além dos princípios já citados, que a Seguridade Social tem por finalidade a concretização da justiça social. Intuindo a diminuição das desigualdades sociais e a garantia do bem-estar social, que estarão no topo das prioridades securitárias.

2.4.4 Irredutibilidade do valor dos benefícios

Para Ibrahim [8], esse princípio diz respeito à correção do benefício, do qual deve ter seu valor atualizado de acordo com a inflação do período. Existe semelhança entre esse princípio e o princípio constitucional que trata da irredutibilidade salarial, onde nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não tenham como resultado, direto ou indireto, prejuízos aos empregados, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia, como mostrado no art. 468 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Seguindo o raciocínio de Ibrahim, “a irredutibilidade do benefício é derivada do direito adquirido, pois este impede a retroatividade mínima (efeitos futuros) de norma que venha a limitar pagamentos (...)” (2008, p. 58). Logo do ponto de vista previdenciário, existe a previsão de reajuste do benefício apenas com a intenção de manter o valor real de compra, levando em conta a balança comercial do país.

O reajuste do benefício não pode estar sempre atrelado com o reajuste salarial, posto que, os benefícios existem para atender a uma demanda de necessidades básicas de cada cidadão. Nesse aspecto é importante lembrar o fato de que, por lei, é proibido que o valor do benefício seja menor do que o valor do salário mínimo. O artigo 201, §4º da Constituição faz menção ao reajuste dos benefícios:

É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei.

Nos últimos tempos, o reajuste salarial tem proporcionado maior poder de compra para os empregados. O mesmo não vem acontecendo com o reajuste dos benefícios previdenciários, graças aos altos índices da inflação, que solapam os valores dos benefícios, ao passo que o salário mínimo é reajustado acima desses índices inflacionários. Essa diferença interferiu de maneira drástica no poder de compra familiar, visto que esses valores não supriam as necessidades encontradas pelas mesmas. Tanto que, buscou-se garantir a manutenção do real valor das prestações recebidas, com fins de, sobretudo, manter a sobrevivência digna dos segurados.

2.4.5 Equidade na forma de participação no custeio

Esse princípio prega que, as quotas voltadas para custeio do sistema previdenciário não devem ser divididas igualmente entre os indivíduos, visto que a participação de cada um deles é diferente dentro do sistema. Assim, apenas os que se encontram em igual condição contributiva é que poderão contribuir da mesma forma. Como exemplo simples, a participação de um empregado não pode equiparar-se com a participação de toda uma empresa. Destarte, é legítima a forma diferenciada de cobrança das quotas para esses dois tipos de contribuintes.

Para Marisa Ferreira dos Santos (2012, p. 43), “a equidade na forma de participação no custeio deve considerar, em primeiro lugar, a atividade exercida pelo sujeito passivo e, em segundo lugar, sua capacidade econômico-financeira. Quanto maior a probabilidade de a atividade exercida gerar contingências com cobertura, maior deverá ser a contribuição”. Daí entende-se que se faz necessária a criação de uma estrutura pertinente que enfoque o equilíbrio das prestações pecuniárias dos contribuintes sociais diretamente com a redução das desigualdades sociais.

2.4.6 Diversidade da base de financiamento

Esse princípio preconiza que os legisladores devem buscar diversas bases de financiamento ao instituir as contribuições para a seguridade social, segundo Kertzman (2009, p. 52). Esse princípio leva em conta o fato gerador das contribuições sociais, onde se pondera a diminuição do risco financeiro do sistema protetivo, de tal sorte que, quanto maior o número de fontes de recursos, menor será o risco da seguridade sofrer com ocasionais turbulências atuariais.

Isso significa que, sendo a comunidade, como um todo, responsável pelo financiamento da Seguridade Social, afirmado pelo art. 195 da Constituição Federal, é de se admitir que, o cidadão que passe por qualquer infortúnio e que venha a não participar desse sistema, estará causando dano a toda uma coletividade.

2.4.7 Caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa

Esse princípio estabelece, de forma clara e concisa, que se separe a organização institucional da seguridade social do corpo distinto do Estado e da sua administração. A descentralização atua na constituição de conselhos regionais (sejam estaduais ou municipais), com disposição suficiente, além de competência, para presidir discussões, propondo planos voltados para ações sociais, a partir da situação encontrada em cada comunidade.

O caráter democrático, por sua vez, abrange as pessoas dos trabalhadores, empregadores, aposentados e do poder público de seus órgãos colegiados, permitindo que atuem de forma conjunta entre si, com a participação de todos os grupos que relacionam-se diretamente com a seguridade social.

O maior exemplo de atuação desse princípio dentro do regime previdenciário brasileiro foi a criação do Instituto Nacional de Seguridade Social, mais conhecido por INSS, a autarquia de competência federal, responsável pelo Regime Geral da Previdência Social (RGPS).

2.4.8 Regra de contrapartida ou Preexistência do Custeio em Relação ao Benefício ou Serviço

Segunda esse princípio o que verdadeiramente importa para o sistema previdenciário é que o mesmo esteja sempre em equilíbrio. Como forma de manter esse equilíbrio, Fábio Zambitte (2008, p. 67) leciona que:

A criação do benefício, ou a mera existência de prestação já existente, somente será feita com a previsão da receita necessária.

Sendo assim, os benefícios serão contabilizados juntamente com a arrecadação, como prega o princípio, este considerado como inerente ao direito previdenciário. Caso isso não ocorra, a receita da seguridade social fica impossibilitada de cumprir com suas obrigações atuariais, como já aconteceu algumas vezes no decorrer da implementação da seguridade social no Brasil. A transferência do salário-maternidade do empregador para a seguridade social, constante na Lei 6.136 de 1974, representa um desses acontecimentos arbitrários existentes no histórico brasileiro.

Zambitte encerra dizendo que, esse princípio caracterizado como uma norma-regra, visa a manutenção de um estado ideal de coisas, quando trata-se do equilíbrio, encontrando também uma forma ponderada aos outros princípios quando o que está em pauta são possíveis extensões judiciais dos benefícios assistenciais.

2.5 CUSTEIO E BENEFÍCIO

A relação desses dois fatores está no caput do artigo 195 da Constituição Federal. Prevê que o financiamento direto da previdência dar-se-á junto às receitas orçamentárias da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, além do financiamento direto contado a partir das contribuições, como se vê abaixo:

Art. 195 A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei (...);

II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o artigo 201;

III – sobre a receita de concursos de prognósticos;

IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (...)

No que se refere ao custeio (apesar do equívoco quanto à palavra “financiamento” usada pelo legislador), não há necessidade de devolução do valor com juros e correção monetária, como é feito, por exemplo, num empréstimo bancário. Nesse diapasão, é exigida a existência da fonte de custeio anteriormente a criação do benefício, assim disposto pelo princípio da preexistência do custeio em relação ao benefício, inserido no §5º do art. 195, como se vê:

Nenhum benefício ou serviço de seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

Os regimes previdenciários são financiados através de duas formas de sistemas: e de capitalização e o de repartição. O primeiro funciona como uma poupança, onde cada segurado realiza contribuições num determinado período, cujo valor é automaticamente transferido para uma conta individual e esse mesmo valor é cumulativo com o decorrer do tempo. Dessa forma, o segurado terá direito a receber o benefício proporcional às suas reservas quando cumpridos os requisitos de elegibilidade para tanto.

No segundo tipo de sistema, o de repartição, existe um pacto tácito entre gerações, onde uma geração posterior financiará a anterior, com base no princípio constitucional da solidariedade. Funcionando a partir de um grupo de indivíduos mais jovens que arcará com os custos da aposentadoria dos mais velhos, acreditando que o mesmo será feito ao se tornarem idosos, conforme explica Marisa Ferreira dos Santos (2011, p. 116).

Percebe-se a necessidade de entender a Seguridade Social como direito que alcançará seus objetivos em razão do poder do povo via participação da população, que através do Estado e de suas políticas públicas incentivadoras no tocante a real valorização dos direitos a essa população colimados.

A busca feita através desse trabalho quanto á possibilidade da existência da desaposentação dentro do ordenamento jurídico brasileiro, que visa primeiramente o bem-estar social dos trabalhadores em geral e seus dependentes legais é um exemplo. Concluídas as considerações acerca da Seguridade Social e todas as suas vertentes, o próximo capítulo estudará de maneira aprofundada um dos benefícios oferecidos pelo sistema da previdência social no Brasil, a aposentadoria, para que mais a frente torne-se claro o real sentido desse trabalho.

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Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Curso de Direito da UFCG – Campus de Sousa/PB, em cumprimento às exigências para obtenção do grau de Bacharel em Direito sob a orientação do Professor Dr. Francivaldo Gomes Moura.

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