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Da propriedade industrial e intelectual

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01/08/2002 às 00:00
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3. Da competividade industrial

            3.1. Introdução

            Apesar de ser um ser gregário, o homem de seus primórdios manifestou uma vocação para a competição entre si mesmo.

            A luta por estabelecer o líder dos clãs primitivos, foi fato presente mesmo nestas simples organizações sociais de antanho.

            Nietzsche, por exemplo, descreveu a tendência humana pela busca de força e dominação ao dizer:

            "O que é bom? – Tudo que aumenta a sensação de poder, a vontade de poder, o próprio poder, no homem.

            O que é mau? – Tudo que brota da fraqueza.

            O que é felicidade? – A sensação de que o poder aumenta – que a resistência está vencida" (46).

            Erich Fromm, igualmente descreve sobre o que chama de sede sádica de poder de Hitler, descrita na obra "Mein Kampf":

            "É característica da relação de Hitler com as massas alemães, a quem ele despreza e ‘ama’ de maneira tipicamente sádica, bem como seus adversários políticos face aos quais demonstra os elementos destrutivos que são um componente importante de seu sadismo. Ele fala da satisfação que as massas sentem por serem dominadas" (47).

            O homem, portanto, por um instinto de sobrevivência e adequação ao meio social, compete, diuturnamente, com seus semelhantes. É a forma que encontrou de mostrar seu poder, de buscar se estabelecer sobre os outros.

            E esta tendência não foge ao meio empresarial, ainda mais, se levarmos em conta que a própria natureza da relações comerciais e industriais pressupõe um luta por melhores e maiores mercados consumidores.

            Com o fenômeno da globalização, esta tendência tornou-se mais forte e mais necessária para a sobrevivência do empresário e de sua atividade econômica.

            Neste sentido, a transcrição abaixo elucida:

            "O fim da Guerra Fria revela que a economia internacional se tornaria o novo campo de batalha, de conflitos e de competição internacional. O desequilíbrio do poder mundial no campo estratégico-militar estimula novos realinhamentos na área da estratégia econômica.

            (...)

            O aumento da competição e dos conflitos por acesso a mercados e a oportunidades na economia internacional indica como os diversos atores – jogadores dos tabuleiros das finanças e da produção e comércio de bens – estão inseridos num mercado globalizado, onde o tempo pode ser contado em frações de segundo e os ganhos ou perdas são computados em bilhões de dólares" (48).

            Em suma, não há como negar que o mundo vive uma batalha nas relações econômicas. E, neste campo, questões pertinentes à propriedade industrial vêem corroborar para que empresas se firmem no mercado produtor e consumidor, através da criação de novas técnicas, de novas formas de produção, de novos produtos, ou, ainda, pelos sinais distintivos, que fazem com que a grande massa consumidora conheça de seus produtos ou serviços.

            A globalização, portanto, é fator determinante para a competitividade do mundo hodierno. Em relação aos trabalhadores, por exemplo, pode se sentir uma maior competitividade por postos no mercado de trabalho, que tiveram uma escassez com o advento da informatização. Octavio Ianni escreveu:

            "O padrão flexível de organização da produção modifica as condições sociais e técnicas de organização do trabalho, torna o trabalhador polivante, abre perspectivas de mobilidade social vertical e horizontal, acima e abaixo, mas também intensifica a tecnificação da força produtiva do trabalho, potenciando-a. O trabalhador é levado a ajustar-se às novas exigências da produção de mercadoria e excedente, lucro ou mais-valia. Em última instância, o que comanda a flexibilização do trabalho e do trabalhador é um novo padrão de racionalidade do processo de reprodução ampliada do capital, lançado em escala global" (49).

            Ou seja, o trabalhador se vê, em face das exigências do mercado econômico, a competir com seu igual, na busca de uma posição, não só benéfica em aspectos financeiros, mas sim, uma posição estável e que lhe garanta o que ele possui. Neste sentido, Leonardo Boff escreveu que "Os níveis de solidariedade entre os homens decaíram aos tempos de uma barbárie mais cruel" (50). E isto, graças a competitividade nos meios empresariais, fruto da era da globalização em que vivemos.

            3.2. A tecnologia como fator de produção

            A tecnologia está intimamente associada à produção. Temos que a economia trata dos fenômenos de produção, da circulação e do consumo das riquezas. Deste modo, a economia faz parte do espaço social humano, haja vista, como já mencionado, o homem desenvolver atividades que tem o desiderato de satisfazer suas necessidades dentro de uma sociedade.

            Em outras palavras, interessa as relações sociais desenvolvidas no campo das atividades econômicas dos homens agrupados, dentro do chamado sistema econômico.

            E onde entra a atividade econômica? Ela é oriunda do nível de necessidades e desejos que impulsionam os homens na busca de bens e serviços aptos a satisfazer tais necessidades (51).

            A tecnologia, então, surge como o conjunto de conhecimentos que o homem utiliza para atingir suas metas de natureza econômica Ou seja, a tecnologia advém para propiciar ao homem uma rápida satisfação de suas necessidades.

            Logo, as inovações de ordem tecnológica tem o condão de, quase sempre, determinarem a elevação dos índices de produção industrial, além de um aumento da produtividade do trabalho. O texto abaixo esclarece:

            "Está em curso a ‘revolução microeletrônica, envolvendo novas formas de automação e robótica. Multiplicam-se e intensificam-se as possibilidades de racionalização do processo produtivo. Criam-se novas especializações e alteram-se as condições de articulação entre as forças produtivas, bem como do trabalho intelectual e manual" (52).

            Ou seja, o uso de conhecimento tecnológico pressupõe uma adequação da mão-de-obra nela empregada como o treinamento ou escolaridade técnica e a experiência, variando, porém, o emprego da tecnologia conforme a sociedade bem como dos interesses dos controladores do sistema econômico.

            Mas, o que podemos dizer é que a tecnologia a serviço da produção veio a se tornar na própria estrutura produtiva, com reflexos na estrutura social e nos mecanismos de controle do poder econômico e político no âmbito internacional, podendo mencionar, o domínio de diversas formas de tecnologia pelos países ditos industrializados, em detrimento dos demais.

            Isto porque, as demandas, necessidades e desejos da sociedade é que serão o fanal que apontará para os objetivos do desenvolvimento tecnológico, de disponibilidade de recursos materiais, científicos e tecnológicos prévios.

            "Nas sociedades industriais de base científica, a avaliação externa, segundo critério econômicos, influi tanto na determinação prévia dos objetivos do desenho tecnológico como na decisão última de implementar, aplicar ou comercializar a nova tecnologia" (53).

            E o fator determinante para se adotar tal postura reside justamente na Globalização. Rubens Ricupero, em análise brilhante, descreve, em poucas palavras esta questão:

            "Ao contrário dessas simplificações, a globalização é sobretudo um processo de natureza cultural e histórica, abarcando muito mais do que os componentes econômicos. Em todas suas etapas, ela tem sido sempre o produto de revolução no domínio cultural, que se exprime em geral pela superação de novas fronteiras científicas e tecnológicas, tornando possíveis formas inéditas de dominação política ou produção econômica" (54).

            Se a sociedade tem necessidades e produzir é, em outras palavras, criar utilidades permutáveis e serviços que possibilitem a satisfação dessas necessidades, a tecnologia é aliada importante da produção, na medida em que, através da capacidade tecnológica, tem-se um fator de produção de natureza qualitativa, sendo um "elo de ligação entre a população economicamente mobilizável e o capital" (55), ou seja, a população ativa.

            O que se conclui, por fim, é que o processo de criação, aperfeiçoamento e acumulação da capitais, fator importante no mundo capitalista hodierno, estão caminhando lado-a-lado com a formação de capacidade tecnológica, sendo que o movimento de uma delas está necessariamente vinculado ao da outra.

            Logo, a tecnologia tem como conseqüência natural e necessária, o conhecimento de métodos de produção, os quais possibilitam a utilização mais racional dos recursos naturais, bem como a descoberta de novos usos para eles, entre outros fatores, o que se dá mediante atividades inventivas e criadores, as quais devem ser protegidas mediante uma lei eficiente de patentes e marcas.

            3.3. Capitalismo e patente

            Partindo-se de uma visão econômica, haja vista o capitalismo possuir uma pluralidade de concepções, tem-se que o mesmo pode ser entendido pela sua dinâmica social como um modo de produção, baseado no predomínio do capital, como seu elemento, fator e meio.

            Mas de que modo o capitalismo influenciou na questão da propriedade intelecutal. Neste sentido, a lição de Luiz Otávio Pimentel (56):

            "Pode-se observar o prestígio do liberalismo, especialmente no que se refere à justificação da propriedade intelectual, quando houve o rompimento do sistema de privilégios reais por força da Revolução Francesa".

            Justifica-se tal acepção pelo fato de que havia a liberdade pela propriedade. Ou seja o homem era livre e dispunha, portanto, do seu trabalho e dos frutos do seu trabalho. Logo, as obras do espírito, tais como as invenções, criações artísticas, obras literárias têm no autor seu proprietário natural.

            Assim, a lei francesa em 1791 estabeleceu os princípios da propriedade intelectual, pois, segundo a Assembléia Nacional, era um ataque direto aos direitos do homem em sua essência, não considerar um descobrimento industrial como propriedade do autor.

            Atualmente, com o capitalismo neoliberal, onde há a participação direta do estado na economia e no mercado, tendo como princípios as privatizações de empresas e da previdência social, o fim das políticas de criação de empregos e a supressão do salário mínimo, plena liberdade contratual, entre outros fatores, eleva a propriedade intelectual a um patamar de grande importância, pois, segundo Luiz Otávio Pimentel, "É na vigência desta concepção que avança o processo de harmonização mundial da legislação de patentes" (57).

            "Os princípios fundamentais do capitalismo são a livre concorrência e o livre comércio, a propriedade privada dos bens de produção e sua livre herança, seguidos de princípios que lhe são derivados, como os princípios de liberdade de mercado, de capitais e de pessoas. As função do capitalismo são, portanto, a maximização de benefícios e o seu próprio crescimento e desenvolvimento. Havendo um correto funcionamento do sistema, beneficiam-se e lucram os capitalistas. Para garantir o seu funcionamento nada melhor do que a garantia da propriedade privada, em especial a intelectual e a tecnológica". (grifo nosso)

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            Assim, em um sistema que preza pelo capital, a propriedade intelectual e industrial, como fator preponderante para o aumento da produção, é de suma importância, sobretudo, no aspecto de patentes, visando defender aquele que é o "gerador" de capitais: as novas tecnologias, produtos e processos produtivos.

            3.4. O sistema de patentes e tratamento constitucional: Defesa da concorrência.

            Fazendo-se uma leitura perfunctória do artigo 5.º e incisos da Constituição Federal, facilmente chegamos à conclusão que a propriedade é um dos direitos fundamentais do homem.

            O artigo 5.º, caput, preconiza, in verbis:

            "Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes". (grifo nosso)

            E o inciso XII do mesmo artigo prescreve, in verbis:

            "Art. 5.º

            (...)

            XXII – é garantido o direito de propriedade"

            O legislador constitucional considerou assim, a propriedade um dos direitos mais importantes do homem, mostrando suas tendência neoliberal capitalista, que vê na propriedade um dos institutos mais importantes da sociedade.

            Transportando para o campo das invenções industriais, o legislador constitucional também preconizou sua proteção, dentro do capítulo dos direitos fundamentais. Todavia, essa espécie de propriedade também não pode ser considerado um direito fundamental. Assim, o artigo 5.º, inciso XXIX prescreve, in verbis:

            "Art. 5.º

            (...)

            XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como a proteção às criações industriais, à propriedade das marcas aos nomes de empresas e outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País".

            Comentando esse dispositivo, temos o magistério de Lucas Rocha Furtado:

            "O direito de propriedade a que se refere o caput do art. 5.º é, indiscutivelmente, um dos direitos fundamentais do homem. Mas a disposição contida no inciso XXIX tem antes o aspecto de comando constitucional dirigido ao legislador ordinário – reprise-se: ‘a lei assegurará...’ – e não propriamente um reconhecimento automático de um direito fundamental do autor intelectual" (58).

            Ou seja, a norma pertenceria mais ao campo da ordem econômica do que, propriamente, do campo dos Direitos e Garantias Fundamentais do Homem.

            Ora, o Brasil, em sua constituição pugna pela concorrência, sendo que a noção tradicional dela pressupõe um grande número de competidores, os quais atuam de forma livre no mercado de um mesmo produto, tendo como conseqüência, uma oferta e procura proveniente de compradores e vendedores "cuja igualdade de condições os impeça de influir, de modo permanente ou duradouro, no preço dos bens ou serviços" (59).

            Por esta razão que a concorrência desleal é repudiada pelo Direito Econômico e Comercial, merecendo, conforme ensinamento de Irineu Strenger (60), um tratamento especial no plano criminal.

            Não podemos nos esquecer que a Ordem Econômica e Financeira no Brasil, tem entre seus princípios a livre concorrência (artigo 170, inciso IV).

            Mas o que é a concorrência desleal? Recorreremos para tanto, ao ensino de Irineu Strenger:

            "Este é precisamente o caso do comerciante ou industrial que, no exercício normal de sua atividade profissional, causa danos aos seus concorrentes e encontra justificação de sua conduta no direito da livre concorrência" (61).

            A concorrência desleal, a Constituição Federal de 1988, prevê no artigo 173, § 4.º, que a lei irá reprimir a atividades econômicas que se dêem com abuso de poder, visando a dominação dos mercados e a eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

            A Lei n.º 8078/90, também traz como princípio da política nacional de relações de consumo, o preconizado no artigo 4.º, inciso VI, in verbis:

            "Art. 4.º

            (...)

            VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízo aos consumidores". (grifo nosso).

            Comentando esse artigo José Geraldo Brito Filomeno (62) escreve:

            "Ora, nesses dois aspectos, em síntese, o Código do Consumidor nada mais fez do que colocar em prática, no relacionamento fornecedor/consumidor, os preceitos da Constituição Federal, mais especificamente do seu Titula VII (Da Ordem Econômica), dentre os princípios que balizam a atividade econômica, com especial ênfase na proteção do consumidor".

            Em suma, podemos concluir que a Constituição elegeu o mercado interno como patrimônio nacional, exigindo do Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica o exercício da forma da lei de sua fiscalização.

            E neste bojo, as patentes e marcas têm proteção do Estado, haja vista a legislação brasileira fomentar a livre concorrência, garantindo o desenvolvimento, surgimento e preservação de novas tecno1ogias, reprimindo, porém, toda e qualquer forma de concorrência desleal.

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Sobre o autor
Marcos César Botelho

Advogado da União, Coordenador-Geral de Atos Normativos na CONJUR do Ministério da Defesa. Doutorando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino - Bauru/SP. Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direitio Público - Brasília/DF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOTELHO, Marcos César. Da propriedade industrial e intelectual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3151. Acesso em: 16 abr. 2024.

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