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Jogador de futebol: mercadoria ou empregado?

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5.         CONCLUSÃO        

O desporto no Brasil, atualmente ainda na espera por maiores pesquisas acadêmicas e, consequentemente, uma ampla literatura, sofre com a difusão de conceitos incertos. Isso porque, presente em todos os extratos sociais, o esporte está diretamente relacionado à cultura da massa populacional, o que faz com que a compreensão quanto ao fenômeno seja, muitas vezes, uma simples reprodução de conclusões equivocadas transmitidas pela mídia.

Como se tentou demonstrar, especialmente no que diz respeito ao futebol, alguns conceitos como “passe”, “multa rescisória”, “compra e venda” e “transferência” de jogadores são costumeiramente mal aplicados a situações concretas que exigem maiores considerações.

O grande problema dessa proliferação de conceitos imprecisos está exatamente no alcance cultural que o esporte possui, sempre acompanhado pelos holofotes de qualquer âmbito social. Por meio do desconhecimento dos institutos que regem as mais diversas relações desportivas, espalham-se concepções equivocadas, considerações falsas e interpretações insubsistentes, criando-se opiniões e sentimentos calcados em bases imperfeitas, os quais são observados diariamente como cruciais no estabelecimento de relações entre os indivíduos.

Por tais motivos, objetivou-se elucidar, através das considerações aqui postas, ainda que de forma introdutória diante da amplitude com que se pode abordar cada ponto discutido, aspectos das relações entre jogadores e clubes, especialmente no que concerne ao vínculo empregatício existente entre ambos.

Sob este ângulo, constatou-se que, anteriormente à edição da Lei Pelé (Lei 9.615/1998), notava-se uma verdadeira violação a garantias constitucionais hoje já sedimentadas. Os atletas eram privados de seu direito de ir e vir, bem como do direito fundamental ao exercício da profissão. Isso porque o atleta somente podia ser transferido a outra entidade desportiva mediante o pagamento do valor estipulado referente a seu passe, muitas vezes extremamente excessivo, ou com o aval do clube a que estava vinculado.

Por meio da extinção do passe, decretada pela mencionada Lei, ocorreu uma verdadeira libertação das amarras outrora existentes entre os jogadores e seus respectivos clubes.

Neste sentido, passou a existir a previsão, precisamente no art. 28 da Lei Pelé, segundo a qual o vínculo desportivo do jogador com o clube possui natureza meramente acessória ao vínculo empregatício. Em outras palavras, as relações dos atletas com as agremiações desportivas em que atuam são aquelas comuns aos trabalhadores em geral, estando a eles garantidos os mesmos direitos legais e constitucionais sob os quais estão amparados todos os cidadãos.

Esses aspectos são exatamente o que se observou da análise do caso Oscar, onde ficou clara, em decisão proferida pelo Ministro Caputo Bastos, do Tribunal Superior do Trabalho, em liminar de habeas corpus cujo paciente era Oscar dos Santos Emboaba Júnior, a forma como está consolidada a compreensão quanto ao vínculo empregatício no desporto. Agora, os atletas são muito mais do que simples mercadorias. Ou seja, a reificação da pessoa do esportista findou-se naquele tempo em que a relação dos jogadores com seus clubes mais se assemelhava à noção de propriedade.

Ficam, assim, anunciadas tais considerações, sem o intento de esgotar a matéria, mas com a finalidade de propiciar mais um passo para a formação das bases de uma ampla construção acadêmica perante o desporto brasileiro. Esperamos, deste modo, sirva o exposto como apoio para os demais que se aventurarem no estudo do Direito Desportivo e como esclarecimento, para o público em geral, de conceitos hoje difundidos de forma imprecisa.


REFERÊNCIAS

AIDAR, Carlos Miguel Castex. Aspectos normativos e retrospectiva histórica da legislação desportiva infraconstitucional. Em: Curso de Direito Desportivo sistêmico: Coordenação: Rubens Approbato Machado; Luís Geraldo Sant'Ana Lanfredi; Otávio Augusto de Almeida Toledo; Ronaldo Crespilho Sagres; e Wagner Nascimento. Vol. II, 1ª edição. Quartier Latin, 2010.

BRASIL. 16ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Acórdão em Recurso Ordinário na Reclamação Trabalhista nº 02770-2009-040-02-00-1. Recorrente: São Paulo Futebol Clube; Recorrido: Oscar dos Santos Emboaba Júnior. Juiz Relator Nelson Bueno Prado. DJ, 17 fev. 2012.

BRASIL. 40ª Vara da Justiça do Trabalho da 2ª Região. Sentença em Reclamação Trabalhista nº 02770-2009-040-02-00-1. Reclamante: Oscar dos Santos Emboaba Júnior; Reclamado: São Paulo Futebol Clube. Juíza do Trabalho Eumara Nogueira Borges Lyra Pimenta. DJ, 16 jun. 2010.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

BRASIL. Decreto-Lei no 5.452/43 (Consolidação das Leis do Trabalho). Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em: www.planalto.gov.br.

BRASIL. Lei no 9.615/98 (Lei Pelé). Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em: www.planalto.gov.br.

BRASIL. Lei nº 10.406/02 (Código Civil). Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 jul. 2006.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Decisão Liminar em Habeas Corpus nº 030494/2012-9. Paciente: Oscar dos Santos Emboaba Júnior. Autoridade Coatora: 16ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Ministro Relator Caputo Bastos. DJ, 26 abril. 2012.

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CORREIA DE MELO, Bruno Herrlein; CORREIA DE MELO, Pedro Herrlein. A Lei Pelé e o fim do “passe” no desporto brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, IX, n. 35, dez 2006. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1523>. Acesso em jul 2013.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 12 ed., São Paulo: Saraiva, 1996.

RUSSOMANO JR., Victor; RUSSOMANO NETO, Mozart Victor; SOUZA, Fábio Tomás de. Habeas corpus nº 030494/2012-9. Paciente: Oscar dos Santos Emboaba Júnior. Autoridade Coatora: 16ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Brasília, 2012.


Notas

[[1]] RUSSOMANO, Mozart Victor apud NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 12 ed., São Paulo: Saraiva, 1996, p. 361-365.

[2] Aqui, utilizou-se o termo cláusula penal em sentido lato, meramente como a estipulação negocial de uma pena privada em virtude do inadimplemento de uma obrigação. Veja-se, em “3. Da necessária delimitação teórica”, que a Lei nº 12.395/2011, modificando o art. 28 da Lei Pelé, trouxe inovações quanto ao conceito da cláusula penal aplicada ao contrato especial de trabalho desportivo.

[3] Informações referentes a datas e valores retirados de: BRASIL. 40ª Vara da Justiça do Trabalho da 2ª Região. Sentença em Reclamação Trabalhista nº 02770-2009-040-02-00-1. Reclamante: Oscar dos Santos Emboaba Júnior; Reclamado: São Paulo Futebol Clube. Juíza do Trabalho Eumara Nogueira Borges Lyra Pimenta. DJ, 16 jun. 2010.

[4] BRASIL. 40ª Vara da Justiça do Trabalho da 2ª Região. Sentença em Reclamação Trabalhista nº 02770-2009-040-02-00-1. cit.

[5] BRASIL. 40ª Vara da Justiça do Trabalho da 2ª Região. Sentença em Reclamação Trabalhista nº 02770-2009-040-02-00-1. cit.

[6] BRASIL. 16ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Acórdão em Recurso Ordinário na Reclamação Trabalhista nº 02770-2009-040-02-00-1. Recorrente: São Paulo Futebol Clube; Recorrido: Oscar dos Santos Emboaba Júnior. Juiz Relator Nelson Bueno Prado. DJ, 17 fev. 2012.

[7] RUSSOMANO JR., Victor; RUSSOMANO NETO, Mozart Victor; SOUZA, Fábio Tomás de. Habeas corpus nº 030494/2012-9. Paciente: Oscar dos Santos Emboaba Júnior. Autoridade Coatora: 16ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Brasília, 2012.

[8] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Decisão Liminar em Habeas Corpus nº 030494/2012-9. Paciente: Oscar dos Santos Emboaba Júnior. Autoridade Coatora: 16ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Ministro Relator Caputo Bastos. DJ, 26 abril. 2012.

[9] Deve-se destacar que, conforme demonstrado no presente estudo, em tempo posterior à celebração de contrato entre o jogador e SPFC, a cláusula penal foi transformada em cláusula indenizatória desportiva, através da edição da Lei nº 12.395/2011, que modificou o art. 28 da Lei Pelé.

[10] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Decisão Liminar em Habeas Corpus nº 030494/2012-9. cit.

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Sobre os autores
Rodrigo Santos Valle

Advogado, sócio-fundador do Escritório Malta Valle Advogados. Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília - UnB (2010-2014). Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP (2015-2017).

Alberto Malta

Sócio-fundador do escritório Malta Advogados; Professor de Direito Imobiliário da Universidade de Brasília - UnB; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Condominial da OAB/DF; Mestre em Direito, Estado e Constituição, com ênfase em Direito Imobiliário Registral, pela Universidade de Brasília - UnB; Pós-graduado em Direito Imobiliário pelo Instituto Brasiliense de Direito Público 0 IDP; Master in Business Administration em Gestão de Negócios de Incorporação Imobiliária e Construção Civil pela Fundação Getulio Vargas - FGV; Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília - UnB; Alberto Emanuel Albertin Malta

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUIAR, Hugo ; VALLE, Rodrigo Santos et al. Jogador de futebol: mercadoria ou empregado?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4229, 29 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31633. Acesso em: 24 abr. 2024.

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