Em toda eleição, circula na Internet um e-mail despolitizado e perigoso para o regime democrático. É uma convocação para o povo votar NULO.
O chamamento despolitizado é: “todos são corruptos, vamos votar nulo e as eleições serão anuladas”.
Em realidade, tecnicamente não existe “voto nulo”. Por quê?
Para José Afonso da Silva, o voto é o “ato político que materializa, na prática, o direito público subjetivo de sufrágio”[1], ou seja, voto é processo de escolha, portanto, quando a opção é pelo voto nulo ou branco não há tecnicamente voto, pois não houve escolha.
E mais:
A manifestação apocrífica do eleitor, quer dizer, o voto nulo ou branco não pode causar a nulidade de uma eleição por um motivo muito simples: na eleição majoritária e na proporcional, o número de votos válidos não é aferido sobre o total de votos apurados, in casu, leva-se em consideração tão somente o percentual de votos dados aos candidatos, excluindo-se os votos nulos e os brancos.
Neste sentido, nossa lei eleitoral é bem clara:
Na votação majoritária:
Art. 2º da lei 9.504/1997:
Será considerado eleito o candidato a Presidente ou a Governador que obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.
Art. 3º da lei 9.504/1997:
Será considerado eleito Prefeito o candidato que obtiver a maioria dos votos, não computados os em branco e os nulos.
Na votação proporcional:
Art. 106 do Código Eleitoral:
Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior.
Preconizava o parágrafo único:
“Contam-se como válidos os votos em branco para determinação do quociente eleitoral”. Este parágrafo foi revogado pela Lei nº 9.504/1997.
Hoje, o artigo 5º da lei 9.504/97 exclui os votos nulos e brancos ao afirmar que
“Nas eleições proporcionais, contam-se como válidos apenas os votos dados a candidatos regularmente inscritos e às legendas partidárias”.
A opção de escolha “nulo” e em “branco” não são computadas porque não há através destas opções processo de escolha, ou seja, não há tecnicamente voto.
Na Consulta no 1.657, o TSE decidiu que não se somam aos votos nulos derivados da manifestação apolítica dos eleitores, aqueles nulos em decorrência do indeferimento do registro de candidatos – “afigura-se recomendável que a validade da votação seja aferida tendo em conta apenas os votos atribuídos efetivamente a candidatos e não sobre o total de votos apurados”.
Mas se a nulidade atingir a mais de metade dos votos? Haverá ou não nova eleição?
Resposta: sim, o artigo 224 do Código Eleitoral é taxativo, in verbis:
Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do País nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.
Então vamos votar nulo para haver nova eleição!!!!
Não. Relaciona-se o artigo supracitado com “nulidade de votos” que decretada pela justiça eleitoral, por exemplo: voto captado ilicitamente poderá ser anulado através da ARCISU (Ação de Reclamação de Captação Irregular de Sufrágio).
“(…) A nulidade dos votos dados a candidato inelegível não se confunde com os votos nulos decorrentes de manifestação apolítica do eleitor, a que se refere o art. 77, § 2º, da CF, e nem a eles se somam, para fins de novas eleições (art. 224, CE)”[2].
Portanto, como não é possível anular uma eleição com a opções “nulo” e “branco”, devemos ter plena consciência que na democracia, o povo, com mais ou menos perfeição, governa-se a si mesmo e decide o seu destino. Faz-se representar, porque o povo é muito numeroso, e o instrumento de representação é o voto. Este é por conseguinte o instrumento da democracia, é a sua arma de cabeceira.
A importância do voto é destacada por Pinto Ferreira:[2]
“O voto é um instrumento necessário da ação política, que encontra a sua natural florescência nas democracias. Através dele, o cidadão expressa a sua opinião e escolhe os agentes do governo. Voto é, na realidade, o maior instrumento de exercício da cidadania”.
Os “intelectuais” que defendem a opção pelo voto nulo, esquecem as lições mais básicas de Maquiavel, segundo as quais na política quem não toma partido é dominado pela política dos que a tomam e se manter inerte diante de uma injustiça é escolher o lado do opressor.
Em realidade, há esses pensamentos geram a chamada intelectualidade opressora. Dizia Vitor Hugo:
“Desde que existe a História, duas classes de homens dirigem a humanidade: os opressores e os libertadores. Aqueles dominam pelo mal, estes pelo bem. Mas de todos os libertadores, o pensador, o intelectual é o mais eficaz. O espírito fere de morte o mal. Os pensadores emancipam o gênero humano. Sofrem mais triunfam. E é pelo sacrifício que eles, não raro, alcançam a redenção dos outros. Podem sucumbir no exílio, no cárcere ou patíbulo. O seu ideal lhes sobrevive; e, mesmo depois de sua morte, continua a tarefa libertadora que eles encetaram em vida”. (Texto publicado no Diário do Rio de Janeiro, de 7 dez. 1860, transcrito no livro Teófilo Otoni: ministro do povo, de P. Pinheiro Chagas, p. 271 – 272).
A intelectualidade opressora, através de suas maquiavélicas estratégias transmitem ao povo brasileiro diversas pobrezas.
- Pobreza de espírito (moral e dignidade) - Estratégia: “todos são assim e nada vai mudar”.
- Pobreza material - Estratégia: “cidadão pobre é ser um pedinte, necessitado e facilmente comprado”.
- Pobreza intelectual - Estratégia: “quanto mais analfabetos menos politização e conscientização e mais votos adestrados”.
Portanto, se a pobreza é necessária, para manter o status quo dos corruptos no poder, só existe uma solução: é você começar a gostar de política, debater como pode melhorar o seu país, votar sempre de forma consciente e nunca desistir de construir uma rica nação cidadã, afinal como dizia Colbert ( Jean Baptiste, célebre ministro francês):
“A grandeza de um país não depende da extensão do seu território, mas do caráter do seu povo”.
É desejo dos políticos corruptos que o cidadão não acredite em política, que acredite que todos são desonestos e não há opções de votos e assim o alienante voto nulo reforça a corrupção na medida em que suprime o seu único antidoto: a consciência de cidadania.
Conclusão: nenhum efeito plausível causa o protesto pelo “voto nulo ou branco” (manifestação apocrífica); e o pior, você “vota nulo”, mas alguém vota no corrupto, sua manifestação não tem nenhum efeito eleitoral e o corrupto é eleito. Portanto, só há um método de protesto válido e que causa grandes efeitos: votar consciente e excluir do processo eleitoral os políticos corruptos.
Aos cooptados pela “estratégia”, ou seja, aqueles que insistem em dizer que não gostam de política, só tenho algo a dedicar, os versos do Alemão e poeta da revolução Russa de 1917, Bertolt Brecht, em “o analfabeto político”:
“O pior analfabeto é o “analfabeto político”.
Ele não ouve, não fala, não participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O “analfabeto político” é tão burro, que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política.
Não sabe o imbecil que de sua ignorância nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e o explorador das empresas nacionais e multinacionais”.
Quem vende ou troca seu voto é pior que uma prostituta, essa vende o seu corpo e o analfabeto político vende a sua própria consciência.
Voto consciente, eis a grande vacina contra a epidemia da corrupção, afinal:
“Uma sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha de se vender a alguém.” (Jacques Rousseau).
Notas
[1] Op. cit., p. 316.
[2] Nesse sentido: PINTO FERREIRA. Código Eleitoral comentado. São Paulo: Saraiva, 2. ed. 1990.