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Os princípios administrativos e o ato de improbidade administrativa

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4       CONCEITO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

No ordenamento jurídico brasileiro vigente, não há disposição expressa conceituando a expressão improbidade administrativa. Tem-se, todavia, uma doutrinária interpretação, descrevendo-a como a administração pública de forma amoral e sem caráter. A priori, como relata Marçal Justen Filho (2014), a “improbidade administrativa consiste na ação ou omissão violadora do dever constitucional de moralidade no exercício de função pública, que acarreta na imposição de sanções civis, administrativas e penais, de modo cumulativo”.

O conceito de improbidade administrativa, desse modo, se refere aos alicerces da ética pública, dirigindo-se às noções de grave inabilidade funcional e grave desonestidade. Consigna-se, que na raiz etimológica da expressão, reside a proteção à honra e à moral institucional no setor público. Na consolidação do Estado Moderno é que se fundam os pressupostos mais característicos relacionados à responsabilidade dos administradores, cujos vínculos com os administrados demandam prestações de contas e retribuição da confiança.

Dessarte, visualiza-se o entendimento dado pela Câmara dos Deputados Federais sobre a questão, em notícia publicada em sua página eletrônica:

É a designação técnica para a corrupção administrativa. Qualquer ato praticado por administrador público contrário à moral e à lei; ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições (...) (BRASIL, 2006, p.1).

A improbidade administrativa se concretiza, pois, no maltrato da coisa pública, o que entende Fábio Medina Osório (1997, p. 56), implicar na “ideia de violação de preceitos legais e/ou morais que vinculam a atividade dos agentes públicos, violação intencional ou involuntária, dolosa ou culposa”.

É de se concluir então, a sentido amplo, que o ato de improbidade qualificado por administrativo, é aquele praticado contra os princípios administrativos, somado à desonestidade e deslealdade. Vale dizer, a conduta praticada por qualquer agente público ou particular que do ato se beneficie, que em razão de sua função (pública), infere normas positivas e princípios administrativos, em tese, é tratada como improbidade administrativa.


5       DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Dessa feita, a Lei de Improbidade tipifica por condutas desonestas do agente público e contra a moralidade administrativa, as que este, mediante ação ou omissão, se enriquece ilicitamente, obtendo vantagem indevida, para si ou para terceiro; cause dano ao erário; ou afronte os princípios relacionados à Administração Pública.

Nesse sentido, Alexandre de Moraes (2013, p.320) elucida:

O ato de improbidade administrativa exige para sua consumação um desvio de conduta do agente público, que no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da Sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas ou gerar prejuízos ao patrimônio público, mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, como ocorre nas condutas tipificadas no art. 11 da presente lei.

Marcelo Figueiredo (2000, p.22) traz à baila, em obra coordenada por Cássio Scarpinella Bueno e Pedro Paulo de Rezende Porto Filho, os exemplos ordinários de violação ao princípio da probidade administrativa notados em nosso país:

Os grandes exemplos de improbidade no Brasil são: aplicação irregular de verba pública, desvio de verba pública, falta de prestação de contas, frustração de concurso de processo licitatório, superfaturamento de obra pública – esses são os mais comuns atos de improbidade administrativa praticados diariamente pelos administradores públicos brasileiros. E esses atos são classificados como atos de improbidade administrativa.

Dessa maneira, a citada lei dispõe em seu Capítulo II, em três seções, a saber, seus artigos 9º, 10 e 11, as hipóteses de cabimento de responsabilidade civil do sujeito ativo por ato de improbidade administrativa. Tais dispositivos indicam, em rol exemplificativo, as condutas que importam, respectivamente, enriquecimento ilícito, causam prejuízo ao erário ou atentam contra os princípios da administração pública.

Oportuna, nesse momento, a transcrição do caput dos artigos 9º e 10 da Lei 8.429/1992, uma vez que os mencionados tipos legais não serão abordados no presente, que cuidará apenas do artigo 11 do diploma legal em voga, in verbis: 

 Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

(...)

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

Pois bem, neste momento, passar-se-á a analisar de forma precisa os efeitos jurídicos decorrentes do artigo 11 da supramencionada lei.


6       ASPECTOS GERAIS DO ARTIGO 11 DA LEI Nº 8.429/1992

A Lei nº 8.429/1992 foi promulgada visando a combater atos desleais e desonestos praticados, na maioria das vezes, por agentes públicos. Contudo, não seria plausível impor à legislação o dever de prever de maneira completa, todos os possíveis atos ilegais que poderiam ser realizados na esfera pública, uma vez que estes decorrem da fértil imaginação humana.

Dessa forma, como aduzem Garcia e Alves (2013), necessário se fez a criação de normas que se adaptassem a tal peculiaridade e permitissem a efetiva tutela do interesse público, certo que esse, em tese, seria o papel dos princípios, e nesse caso, do artigo 11 da citada lei.

Mesmo antes do dispositivo legal em comento disponibilizar e exemplificar os atos considerados como ímprobos, quando atentatórios aos princípios da Administração Pública, vale repisar que o artigo 4º previamente orienta que, in verbis: 

Art. 4° Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.

Nesses termos, complementando tal dispositivo, reza a seção III da Lei de Improbidade Administrativa, notadamente pelo artigo 11 e seus incisos que, atentar contra os princípios regentes da atividade estatal, cujos principais foram descritos em tópico anterior, caracteriza o ato de improbidade administrativa, como verbis: 

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

 I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV - negar publicidade aos atos oficiais;

V - frustrar a licitude de concurso público;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

Como já explanado acima, por óbvio, o rol de condutas que contrariariam os princípios administrativos tipificado nesse artigo de lei não é exaustivo. Bem por isso, como averbam Garcia e Alves (2013), o supramencionado artigo é normalmente intitulado de ‘norma de reserva’. Essa titulação ocorre haja vista que ainda que eventual ato administrativo supostamente não gere enriquecimento ilícito ao agente ou cause prejuízo ao patrimônio público, far-se-á possível sua configuração como improbidade, porquanto restar demonstrada a inobservâncias dos princípios regentes da atividade estatal.

Dessarte, a fim de garantir a tutela jurisdicional a que presta o dispositivo legal em exame, o inciso III do artigo 12 da LIA prevê a reprimenda em que incidirá o infrator, a qual independe das previstas nas esferas penal, civil e administrativa, in verbis:

Art. 12

(...)

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Visto o dispositivo legal que caracteriza a afronta aos princípios administrativos e o que prevê a respectiva reprimenda, necessário se faz estudar os requisitos eminentes à subsunção do ato à lei.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a modalidade de improbidade prevista no artigo 11 do diploma legal em voga não admite a modalidade culposa. Funda-se o citado entendimento em dois motivos. O primeiro diz respeito à vontade do agente, o qual deve agir dolosamente almejando o resultado lesivo à Administração Pública ou vantagem particular. O segundo se dá por fator lógico, vale dizer, apenas o artigo 10 da Lei n° 8.429/1992 prevê a caracterização da improbidade em modalidade culposa, logo, deduz-se que esse foi o objetivo pretendido pelo legislador. Acerca disso:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EXIGÊNCIA DO DOLO NAS HIPÓTESES DOS ARTIGOS 9º E 11 DA LEI 8.429 /92 E CULPA, PELO MENOS, NAS HIPÓTESES DO ART. 10. PAGAMENTO DE HORAS EXTRAS A SERVIDOR COMISSIONADO. ART. 11 DA LIA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE DOLO, AINDA QUE GENÉRICO, DE ATUAÇÃO CONTRA NORMAS LEGAIS. ENTENDIMENTO DO TCU PELA POSSIBILIDADE DO PAGAMENTO. 1. O STJ ostenta entendimento uníssono segundo o qual, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10. Precedentes: Ag Rg no AREsp 20.747/SP, Relator Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 23/11/11; REsp1.130.198/RR, Relator Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 15/12/10;EREsp 479.812/SP, Relator Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJe 27/9/10; REsp 1.149.427/SC, Relator Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 9/9/10; e EREsp 875.163/RS, Relator Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 30/6/10.2. Na presente hipótese, que versa sobre o pagamento de horas extras a cargos comissionados (que amolda, em princípio, aos atos de improbidade censurados pelo art. 11 da Lei 8.429 /1992 – patrimônio público imaterial), há acórdão do TCU no sentido da legalidade de tal pagamento (TCU, Decisão 479/2000 - Plenário, julgado em 7 de junho de 2000, Processo: 000.549/2000-9).3. Infere-se que não se caracterizou o dolo, ainda que genérico, de se conduzir deliberadamente contra as normas legais, o que descaracteriza o ato de improbidade. 4. Agravo regimental não provido. (grifo nosso).

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Nessa esteira, Mazza (2012, p. 510) elucida que “atos de improbidade que importam enriquecimento do agente (art. 9º) e os que atentam contra princípios da Administração (art. 11) só podem ocorrer diante de condutas dolosas”.

Contudo, a hipótese de improbidade administrativa por dolosa afronta aos princípios, em tese, pode alcançar uma infinidade de atos. Os princípios da Administração Pública são inúmeros, como se pode constatar pelos já explanados neste artigo e pela enumeração contida no artigo 2º da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo na esfera federal, in verbis:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

É cediço que a conduta ilegal, para ser caracterizada como ímproba, deve ser praticada no exercício de função pública, função essa considerada em seu sentido mais amplo, a qual inclui inclusive, a praticada por particular que mantenha função pública, que tenha concorra à ação ilegal ou dela se beneficie.

Dessa forma, notando-se essa abertura concedida pelo legislador, o qual permitiu que hipóteses não tipificadas na Lei fossem caracterizadas como ímprobas e para tanto, sofram as devidas sanções, atinge-se nesse momento, o objetivo deste artigo: analisar como um ato irregular não acarretaria nas reprimendas previstas na Lei de Improbidade Administrativa, bem como observar como se deve realizar a subsunção da conduta administrativa irregular à norma legal em comento, valendo-se das atuais teorias doutrinárias e jurisprudenciais elaboradas acerca do problema.


7       DA SUBSUNÇÂO AO ARTIGO 11 DA LEI nº 8.429/1992

Como já explanado acima, necessariamente o ato realizado de forma a ferir os princípios regentes da atividade estatal deve ser precedido de dolo. Complementando, é lapidar o seguinte ensinamento sobre formação do dolo, de Capez (2010, p.179):

(...) é formado apenas por consciência e vontade, sendo um fenômeno puramente psicológico, e pertence à conduta, devendo ser analisado desde logo, quando da aferição do fato típico. A consciência da ilicitude é algo distinto que integra a culpabilidade como seu requisito (...) (grifo nosso).

Dessa forma, forçoso se faz verificar se a conduta do infrator foi dotada de vontade de praticá-la, mesmo ciente de que contrária às normas legais. É o que assegura, outrossim, Di Pietro (2013, p.903):

A rigor, qualquer violação aos princípios da legalidade, da razoabilidade, da moralidade, do interesse público, da eficiência, da motivação, da publicidade, da impessoalidade e de qualquer outro imposto à Administração Pública pode constituir ato de improbidade adm. No entanto, há que perquirir a intenção do agente (...) (grifo nosso).

Oportuno trazer à baila, nesse instante, o princípio da culpabilidade. Trata-se de um princípio fundamental do direito penal e do direito civil, o qual não se afasta do direito administrativo. Referido princípio indica que a imposição de reprimenda pressupõe a verificação de elementos subjetivos, sendo que recai sobre um ato reprovável perante a sociedade. Sobre isso, Justen Filho (2014, p. 607):

O Estado Democrático de Direito exclui o sancionamento punitivo dissociado da comprovação da culpabilidade. Não se pode admitir a punição apenas em virtude da concretização de uma ocorrência danosa material. Pune-se porque alguém agiu mal, de modo reprovável, em termos antissociais.

Bem por isso, menciona ainda Justen Filho (2014) que a improbidade se enquadra como a transgressão a um dever específico, que é o do respeito à moralidade administrativa. Nesse caso, incabível a confusão de improbidade com ilicitude em sentido amplo. Pode haver ilegalidade sem haver improbidade. A improbidade pressupõe um elemento subjetivo reprovável que, em regra, se aperfeiçoa mediante dolo.

Não obstante, para a subsunção da conduta em improbidade administrativa, além de se perquirir a intenção do agente, qual seja, observar se este possuía dolo ou má-fé em sua realização, faz-se necessário, ademais, verificar o real atingimento das regras.

Diante dessa análise, conquanto a conduta do sujeito ativo possa infringir formalmente o dispositivo legal estudado, perfaz-se essencial saber se foi também materialmente atingido. E isso, no sentido conforme doutrina Capez (2010, p. 295), ilicitude formal é “mera contrariedade do fato ao ordenamento legal (ilícito), sem qualquer preocupação quanto à efetiva perniciosidade social da conduta”. Já a ilicitude material se forma na “contrariedade do fato em relação ao sentimento comum de justiça (injusto)”.

Nesses termos, a caracterização da improbidade administrativa requer, além da subsunção da conduta do agente à letra da lei, a investigação de sua intenção, pesquisando-se a culpabilidade e por fim, a verificação do abalo social, ou seja, se comportamento afronta o que o homem médio tem por justo ou correto. É dizer: a aplicação do dispositivo legal em tela requer mais que a ocorrência de uma hipótese de incidência legal.

Com efeito, deve-se conter uma lesividade inserida na conduta, a qual não se limita a afrontar o texto legal, provando um efetivo dano à coletividade. A improbidade administrativa só pode ser caracterizada se a despeito da sua subsunção formal (neste caso, artigo 11 da LIA), a conduta for dotada de efetiva lesividade concreta e material. Se o fato não tiver significância mínima, não será, em tese, adequado como ímprobo.

Há, em contrassenso, teorias doutrinárias versando sobre a inexistência de princípio da insignificância no âmbito da improbidade administrativa. Cita Mazza (2012) que no julgamento do Recurso Especial nº 892.818-RS, o Superior Tribunal de Justiça afastou o principio da bagatela na improbidade administrativa, pautando-se na indisponibilidade da moralidade administrativa.

Entretanto, a perquirição sobre o real atingimento das normas positivas não se refere diretamente ao principio da insignificância, mas sim, a uma ponderação de valores sociais que relacionam a culpabilidade do agente à reprovação da sociedade, o que, nesse pensamento, consubstanciaria de fato, a existência da improbidade.  

Nesse diapasão, prossegue Di Pietro (ano, p. 727/728), a saber:

Por isso mesmo, a aplicação da lei de improbidade exige bom-senso, pesquisa da intenção do agente, sob pena de sobrecarregar-se inutilmente o Judiciário com questões irrelevantes, que podem ser adequadamente resolvidas na esfera administrativa. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi o de punir infrações que tenham um mínimo de gravidade, por apresentarem conseqüências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros (grifo nosso).

E isso ocorre, tendo em vista que o objeto do artigo 11 da LIA é de punir o agente desonesto que afronta a moralidade administrativa, não o inábil. Nessa esteira, jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça: 

ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE DE PREFEITO - CONTRATAÇÃO DE PESSOAL SEM CONCURSO PÚBLICO - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. Não havendo enriquecimento ilícito e nem prejuízo ao erário municipal, mas inabilidade do administrador, não cabem as punições previstas na Lei nº 8.429/92. A lei alcança o administrador desonesto, não o inábil. Recurso improvido. (RESP 213994 MG 1999/0041561-2, Relator: Min. Garcia Vieira, 1999, T1 Primeira Turma, Publicação: DJ 27.09.1999 p. 59) (grifo nosso).

Assim, melhor contextualizando o presente, passar-se-á a estudar um caso concreto ocorrido na Comarca de Mogi das Cruzes, no ano de 2013 (conforme documento anexo).

Em meados de 2013, o Ministério Público Paulista ajuizou ação de responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa (autos n° 0018586-21.2013.8.26.0361), em face de R. de T. L. e outros. Afirmou o autor, que o servidor municipal R. de T. L., auxiliado e acobertado por demais servidores públicos, subtraiu, para uso próprio, uma geladeira de propriedade municipal, levando-a para sua casa em veículo também de propriedade do Município. Dessa forma, invocando artigos da Constituição Federal (art. 37, paragrafo 4°) e da Lei de Improbidade Administrativa, pugnou pela condenação dos requeridos em improbidade administrativa, nos termos dos artigos 9°, 10 e 11 da LIA.

Por sua vez, o magistrado entendeu que a inicial não merecia acolhimento, devendo ser de pronto indeferida, ante a ausência de interesse jurídico. Fundamentou que, in casu, não se verificava uma apropriação indébita, mas sim, quando muito, um furto de uso. Aduziu que o engano de raciocínio do requerido (levar uma geladeira pertencente ao Município, ainda que por empréstimo) não pode ser havido como má-fé, porquanto havia nisso tudo, uma questão subjacente: o patrimonialismo característico do Estado Brasileiro e a confusão que todos fazem do que é público e do que é particular. Fortaleceu seu entendimento dizendo que a confusão, por ser cultural, é enorme e diuturna; portanto, apenas a má-fé, o dolo, a intenção de lesar o erário e de se locupletar com o alheio deveriam ser punidos. Corroborando a ideia tratada nesse artigo cientifico, entendeu o Juízo que, conquanto a conduta do réu tenha infringido formalmente alguns dispositivos da LIA, tais regras não foram materialmente atingidas. E disse: “para a aplicação da Lei n° 8.429/92 não basta a ocorrência de uma hipótese de incidência legal; é preciso perquirir a intenção do agente administrativo, isto é, se realmente tencionava causar dano ao Erário Público”. Assim, considerando ausência de má-fé e de dolo dos envolvidos, indeferiu a inicial e, ipso facto, julgou extinto esse Processo, com base no art. 267, I, do Código de Processo Civil.

Pois bem. Nessa acepção, resta clara a problematização trazida à tona pelo presente artigo: a repercussão do dispositivo legal em voga e suas diversas interpretações.

Analisando-se o caso, nota-se que o Ministério Público, a estreme de dúvidas, pautou-se no principio da legalidade e entendeu que a simples transgressão dos servidores à normal legal permitiria sua caracterização com ímprobos, bem como a consequente condenação às severas sanções previstas na LIA. Contudo, corroborando com o presente, o M.M. Juízo indicou requisitos necessários à subsunção da ação irregular do agente à Lei. Aduziu o magistrado, que não necessariamente uma conduta irregular configura a improbidade, ao passo que se deve perquirir a intenção do agente.

De fato, a conduta dos réus do caso concreto acima descrito é reprovável, tendo em vista a apropriação de bem público. Todavia, indaga-se se seria a ponto de se caracterizar como improbidade. O fato de o servidor público se apropriar de bem do Município para seu próprio uso, pode, em tese, se afastar da improbidade, em razão da confusão patrimonial existente na cultura brasileira entre os institutos públicos e privados, que como bem destacou a decisão anexada, folhas de papel sulfite e canetas ‘bic’ praticamente não possuem dono nas repartições públicas. Ora, conforme bem explanado no presente, distanciada a má-fé, consequentemente distancia-se a improbidade.

Com base nesse estudo, fixa-se que o cerne da questão seria pesquisar a intenção do agente – questão subjetiva - e não apenas sua conduta – questão objetiva. É de se considerar que a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios da Administração Pública acolitada pelo dolo do administrador ou administrado.

Ademais, forçoso se notar ainda, que o principio da legalidade impõe a obrigação nas relações jurídicas de se atentar ao atendimento da lei e do Direito. O artigo 2º, parágrafo único da Lei nº 9.784/1999 dispõe sobre isso:

Art. 2º (...)

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

I – atuação conforme a lei e o Direito;

No tocante à atuação conforme o Direito, a doutrina explica que devem ser observadas questões supralegais e a essa teoria, denomina como bloco de legalidade. Sobre isso, Mazza (2012) ensina que a Administração Pública além de cumprir leis em sentido estrito, está obrigada a respeitar o bloco da legalidade, vale dizer: as regras vinculantes da atividade administrativa emanam de outros veículos, como a Constituição Federal, as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas, as medidas provisórias, os tratados internacionais; os costumes, os atos administrativos normativos, como decretos e regimentos internos, decretos legislativos e resoluções, bem como os princípios gerais do direito.

Diante disso, conclui-se que não há fórmula pré-existente para a configuração da improbidade administrativa. Conclui-se, mais do que isso, que não basta a mera infringência dos dispositivos legais da Lei n. 8.429/1992.

Mas sim, deve-se observar cada caso concreto separadamente. Dessa forma, a fim de evitar a robotização da Justiça, além da apuração da conduta infratora dos princípios da Administração Pública, se faz indispensável o estudo sobre a má-fé do infrator, bem como se a conduta foi reprovável a ponto de se subsumir ao artigo 11 da Lei nº 8.429/1992, considerando-se principalmente, todas as questões subjacentes à conduta, como por exemplo, o contexto histórico, cultural e psicológico vivenciado pelo agente.

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Sobre o autor
Guilherme Luiz Séver Carvalho

Estagiário do Ministério Público do Estado de São Paulo - lotado na Promotoria do Patrimônio Público de Mogi das Cruzes.<br>Estagiário do Tribunal de Justiça de São Paulo - lotado na Vara da Fazenda Pública da Comarca de Mogi das Cruzes.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Guilherme Luiz Séver. Os princípios administrativos e o ato de improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4264, 5 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31743. Acesso em: 22 nov. 2024.

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