O aumento constante do número de acidentes causados por motoristas que ingeriram álcool fizeram vítimas fatais nas estradas brasileiras trouxe à tona a discussão sobre os diferentes entendimentos acerca da presença do dolo eventual nestes fatos.
Este tema tornou-se muito recorrente, principalmente na impressa, porque o bem jurídico em risco, neste caso, é a vida e é indiscutível que este é um dos bens mais zelados e protegidos pelas leis brasileiras (previsto no artigo 5º, caput, da Carta Magna Brasileira de 1988) e tal situação infringe, ainda, o Código de Trânsito Brasileiro, que garante:
“Art. 1º, § 2º. O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito”. [1]
O Código Penal trata da embriaguez no seu inciso II do artigo 28, determinando que ela não excluirá a imputabilidade penal (capacidade de responder por seus atos na esfera criminal), seja voluntária ou culposa e pelo álcool ou substâncias análogas (entorpecentes).
Entretanto, para falar de dolo eventual é preciso que se esclareça o conceito de dolo e culpa. Assim, a redação do artigo 18 do Código Penal dispõe que o crime é doloso “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo” [2] e em seu parágrafo único determina que “salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente” [3].
Sabendo-se que a conduta só pode ser portadora de dolo ou culpa, a ausência das duas características, portanto, faz com que o fato deixe de ser típico. O crime culposo é concentrado no inciso II do artigo 18 do Código Penal, que diz que esse tipo de crime se caracteriza “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia” [4]. Para o doutrinador Julio Fabbrini Mirabete, esse crime pode ser definido como “a conduta humana voluntária (ação ou omissão) que produz resultado antijurídico não querido, mas previsível, e excepcionalmente previsto, que podia, com a devida atenção, ser evitado” [5].
O ponto que divide dolo e culpa é a separação entre os conceitos do dolo eventual e da culpa consciente. O dolo eventual é caracterizado pela presença de vontade no agente de realizar a conduta, pela consciência dela e do nexo de causalidade. Fernando Capez, para explicar, diz que “o agente não quer diretamente o resultado, mas aceita a possibilidade de produzi-lo (dolo eventual), ou não se importa em produzir este ou aquele resultado (dolo alternativo) [6]”. Para este mesmo jurista, culpa consciente é, portanto, “aquela em que o agente prevê o resultado, embora não o aceite” [7]. O resultado, então, é previsível e até previsto pelo agente, porém ele não possui o desejo de consumá-lo nem assumir o risco, pois entende ser capaz de evitar que o resultado seja produzido. Importante destacar que o dolo eventual só é caracterizado quando o agente ultrapassa os limites da normalidade, não se preocupa se o delito irá ou não ser realizado.
Muitos tribunais têm entendido, inclusive, que um sujeito dirigir embriagado e em alta velocidade caracteriza-se o dolo eventual, pois é certo que ele, neste caso, assumiu o risco de produzir o resultado. Infere-se, assim, que a teoria do consentimento é a adotada pelo Código Penal Brasileiro.
Vale lembrar, também, que a Lei nº 9.503 de 1997 inovou acrescentando os crimes de trânsito. O que mais gera discussão é o artigo 302, que caracteriza o homicídio praticado na direção de veículo automotor como culposo (diferente do que pode ser observado até agora com os conceitos a respeito de dolo eventual, principalmente), contudo, sabe-se que há a presença do dolo eventual, indiscutivelmente.
Rogério Greco ainda diz que “exige-se, portanto, para a caracterização do dolo eventual, que o agente anteveja como possível o resultado e o aceite, não se importanto realmente com a sua ocorrência” [8].
Mirabette vem para fortalecer este pensamento dizendo que:
“Nesta hipótese, a vontade do agente não está dirigida para a obtenção do resultado; o que ele quer é algo diverso, mas, prevendo que o evento possa ocorrer, assume assim mesmo o risco de causá-lo. Essa possibilidade de ocorrência do resultado não o detém e ele pratica a conduta, consentindo no resultado” [9].
O mesmo doutrinador ainda diz que “há o dolo eventual, portanto, quando o autor tem seriamente como possível a realização do tipo penal se praticar a conduta e se conforma com isso” [10]. Um exemplo citado por Mirabete é o do motorista que direciona e vai com o carro contra muitas pessoas, pois tem pressa para chegar ao seu destino, sabendo que poderá haver a morte dos pedestres ali presentes.
Apesar da redação do artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro, ainda há quem, erroneamente, continue julgando esses crimes sem a observância da lei especial e sim seguindo apenas princípios e o Código Penal que segue linha diversa. Nestes casos, esquece-se, contudo, que o correto é que a lei especial prevaleça sobre a geral.
Deste modo, com todas as divergências legais, doutrinárias e jurisprudenciais, fica claro que o que se deve buscar, principalmente, é maior severidade nas penas impostas àqueles condutores que se embriagam conscientes do risco que estão causando ao bem maior da coletividade: a vida.
Em tempo, cabe salientar que pressão social e clamor público não podem também pesar mais que o que está determinado legalmente, pois é notório esse tipo de acontecimento, o que pode levar, porém, a um julgamento desproporcional e sem o amparo legal e dos princípios essenciais.
BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Disponível em: http: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9503.htm Acesso em: 30 abr. 2012.
BRASIL. Código Penal. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em: 30 abr. 2012 .
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2004.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Vol. I. 14. ed. 2012. Rio de Janeiro: Impetus, 2012.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Vol. I. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
[1] BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Disponível em: http: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9503.htm Acesso em: 30 abr. 2012.
[2] BRASIL. Código Penal. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em: 30 abr. 2012 .
[3] BRASIL. Código Penal. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em: 30 abr. 2012 .
[4] BRASIL. Código Penal. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em: 30 abr. 2012 .
[5] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Vol. I. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 121.
[6] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 190.
[7] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 197.
[8] GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Vol. I. 14. ed. 2012. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. p. 206
[9] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Vol. I. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 116.
[10] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Vol. I. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 116.