Em decisão tomada no dia 16/09/2014, o Conselho Nacional de Justiça - CNJ sinalizou que passará a não mais autorizar horário diferenciado para que candidatos que professam a fé Adventista do Sétimo Dia concorram em concursos públicos para o cargo de juiz de direito.
Tratava-se de membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia que se inscrevera em concurso para o cargo de juiz de direito substituto do Tribunal de Justiça do Ceará.
Após lograr êxito nas fases preliminares, avançou para a etapa de prova escrita, a qual estava designada para ocorrer em horário que compreendia o sábado. O Candidato, então, formulou pedido ao TJCE par que ingressasse na sala de aplicação de prova no mesmo horário que os demais candidatos, mas que pudesse iniciar sua realização somente após o pôr-do-sol, haja vista reservar tal período para estudo e reflexão dos dogmas da religião que pratica, dentre outras atividades de cunho eclesiástico.
Na prática, o candidato se submeteria a um confinamento e se quedaria incomunicável, sem acesso a qualquer material de estudo ou similar, resguardando a lisura do certame. Ou seja, ingressaria na sala de prova junto com os demais candidatos, mas permaneceria isolado e incomunicável até o crepúsculo, quando então iniciaria o exame, com o mesmo tempo assegurado aos demais candidatos.
O TJCE negou o pedido, motivando a instauração de Procedimento de Controle Administrativo - PCA perante o CNJ (processo 0003657-86.2014.2.00.0000), no qual se concedeu liminar nos moldes requeridos pelo candidato.
Antes mesmo do julgamento do mérito do aludido PCA, sobreveio a notícia de que o candidato requerente fora reprovado em fase intermediária, interrompendo sua trajetória no certame, o que, a rigor, acarretaria a perda de objeto do PCA, dada a ausência de objeto.
Não obstante, em um inédito protagonismo que assume feições discriminatórias, o Presidente do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Ricardo Lewandowski, que também é presidente do Supremo Tribunal Federal, propugnou que mesmo assim o conselho deliberaria sobre o tema. Após vencer a resistência da Corregedora-Geral da Justiça (Ministra Nancy Andrighi), que entendia ser competência de cada tribunal resolver o assunto, o Presidente do STF e do CNJ iniciou o debate e proclamou a perda de objeto, mas não sem antes enfatizar que não seria dado aos tribunais adaptar os concursos as distintas religiões, em obséquio ao princípio da eficiência.
Como ocorre na maioria das decisões ou proclamações tomadas de forma açodada, a ponderação do Presidente do CNJ e do STF materializou ato verdadeiramente discriminatório e isolado em relação ao entendimento do Pleno do Excelso Pretório.
É que, ao sinalizar tal postura, o Estado, que se autoproclama "laico", acaba criando cidadãos de “segunda classe”, que não podem concorrer em concursos públicos por conta de sua religião, em nítido prestígio à imensa maioria que é adepta a religião que “venera” outro dia como sendo o de guarda.
Devem então se contentar com outros cargos públicos ou trabalhos na iniciativa privada.
As aspas acima indicam que essa veneração de outro dia por parte da religião majoritária é observada com certo tempero, isto é, se auto qualificam como “não-praticantes” e pouco se importam se concursos ou aulas ocorrem no dia dedicado ao “Sol”.
Mas no caso dos adventistas do sétimo dia, a guarda do sábado constitui um verdadeiro pilar da fé. Para eles, a observância do sábado, que tem respaldo bíblico, é algo muito sério, já que adere ao extrato espiritual e intelectual que norteiam suas condutas no seio social.
Já tivemos a oportunidade de demonstrar[1] que: a) o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, em obra doutrinária, enfatizou a importância que a religião tem para a sociedade, uma vez que promove o afeto entre as pessoas, atenua as tensões sociais, e, via de regra, forma cidadãos mais solidários; b) o direito à liberdade religiosa abrange a liberdade de crença (consciência) e a liberdade de culto, franqueando ao fiel aderir a uma ou a nenhuma religião, além de outorgar-lhe a possibilidade de poder agir, portar-se e conduzir-se segundo as inspirações da fé, observadas as limitações constitucionais, como o direito à vida, por exemplo; c) a laicidade do estado é conotativa, figurativa, porquanto, na realidade brasileira, por questões históricas, ainda hoje sobrevivem feriados vinculados à religião majoritária que venera o domingo, e a própria Constituição Federal elegeu tal dia como dia oficial de repouso semanal remunerado (art. 7º, inc. XV), o que constitui uma mensagem sub-reptícia aos demais de que são cidadãos de categoria inferior, excluídos que estão pela maioria.
Ora, para o religioso zeloso, a fé professada incorpora-se ao seu ser de forma tão intensa que já não há mais como separar-se sua existência do plexo de doutrinas, ritos e crenças que permanentemente se anexam à sua consciência.
De modo que o ataque à sua crença repercute no âmago da consciência do religioso, causando-lhe sofrimento, a ponto de lhe ferir a alma.
Por isso é que um assunto tão sério não pode ser tratado como uma conversa de “fim de expediente” em processo que já nem mais tinha objeto a ser deliberado, uma vez que repercute drasticamente na sorte de uma minoria já excluída.
Com efeito, em reconhecimento da necessidade de preservação de um espaço indevassável, o Estado outorga aos indivíduos, com status de proteção constitucional, a liberdade de crença e de culto, que vedam ao poder público interferir na esfera íntima do indivíduo (prestação negativa ou de resistência típica de direito de primeira geração), impondo-lhe proporcionar que a convicção seja livremente formada e incorpore ao substrato do ser humano, denotando sua identidade moral, a ponto de liberá-lo a orientar-se de acordo com as suas preferências – a chamada autodeterminação (vide: BONAVIDES, Paulo. MIRANDA, Jorge. AGRA, Wagner de Moura Agra. Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 100)
Nessa perspectiva, por corolário lógico do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito fundamental à liberdade religiosa, além de o Estado não poder impor concepções filosóficas aos cidadãos, “deve admitir, igualmente, que o indivíduo aja de acordo com suas convicções”, notadamente as de índole religiosa (MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 403).
Em virtude de a religião constituir um plexo de princípios que moldam posturas e diversas ações de seus adeptos, compreende, além da crença e das liturgias interna corporis, dogmas éticos e morais revelados na própria existência do fiel e em sua convivência social, de modo que é inviável admitir-se o constrangimento à pessoa humana para que renuncie sua fé, sob pena de vulneração ao pluralismo democrático de ideias e, por isso mesmo, à própria diversidade espiritual, conforme a percuciente lição de Alexandre de Moraes: “[...] sendo a religião o complexo de princípios que dirigem os pensamentos, ações e adoração do homem para com Deus, acaba por compreender a crença, o dogma, a moral, a liturgia e o culto. O constrangimento à pessoa humana de forma a renunciar sua fé representa o desrespeito à diversidade democrática de ideias, filosofias e a própria diversidade espiritual” (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 10. ed.. São Paulo: Atlas, 2002, p. 73).
É inegável a conexão existente entre a vida daquele que professa determinada religião e sua condução no seio da sociedade, porquanto as convicções religiosas materializam caracteres fundamentais da personalidade, pois a partir do exercício desembaraçado da atividade religiosa é que a existência dos fiéis ganha sentido e torna-se válida, daí porque a gênese protetiva da liberdade religiosa e de consciência encontra expressão de marcante relevo no princípio da dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III) (vide: FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD. Nelson. Direito Civil. Teoria Geral. 6ª ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2007. p. 127).
Assim, interessa ao Estado não simplesmente assistir de braços cruzados o assentamento das religiões no seio social, mas incumbe-lhe, observada sua neutralidade (CF/88, art. 19, I), atuar de forma ponderada em relação à liberdade religiosa, de modo a “permitir o pluralismo de crenças, seja abstendo-se de refreá-lo, seja atuando comissivamente para prestigiá-lo” (BONAVIDES, Paulo. MIRANDA, Jorge. AGRA, Wagner de Moura. Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p 100).
Desse modo, embora deva haver neutralidade estatal (CF/88, art. 19, I), a obediência à regra de laicidade do Estado não pode redundar em posturas inertes, que se materializem com indiferença, pois “[...] o silêncio sobre religião, na prática, redunda em posição contrária à religião”. (MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1998, Tomo IV, p. 427)
Pode-se afirmar, portanto, que a laicidade não implica a adoção pelo Estado de uma postura ateísta ou refratária à expressão individual ou coletiva da religiosidade, porquanto o próprio ateísmo, na sua negativa da existência de Deus, representa, em si, uma perspectiva religiosa e muitas vezes fundamentalista, que não pode ser encampada pelo Estado em detrimento de qualquer outra cosmovisão.
Por consequência, é imperioso que o Estado promova a tolerância, materializada em ações afirmativas e de inclusão social, porquanto “a constituição assegura a liberdade dos crentes, porque toma a religião como um bem valioso por si mesmo, e quer resguardar os que buscam a Deus de obstáculos para que pratiquem os seus deveres religiosos” (MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 409/410)
Conforme constou pronunciamento do Presidente do STF/CNJ, sua Excelência invocou o princípio constitucional da eficiência para justificar a posição externada. E, com isso, fez a minoria “curvar-se” à maioria, o que, de certa forma, até seria razoável, não fosse a força normativa da constituição (Konrad Hesse), aliada ao princípio da dignidade da pessoa humana, preconizarem uma saída intermediária.
Ora, incidência concomitante de princípios constitucionais não justifica a aniquilação por completo de um deles em detrimento do outro. Ao contrário, o equacionamento de tensões normativas dessa natureza evoca um juízo de ponderação para que ambas as normas coexistam, sem extirpação do núcleo essencial de qualquer delas.
Na situação aqui retratada, o direcionamento dado ao caso aniquilou por completo o direito da minoria adventista, que se vê agora diante do seguinte dilema: abandonar o projeto de vida que é a carreira na magistratura x renunciar a fé. A forma como atuou o Estado não contempla, para os adventistas, as duas hipóteses, antes impõe a primeira delas.
Uma reflexão mais acurada revela a existência de método conciliador dos interesses em aparente conflito, decorrente de uma ponderação à luz da interface da liberdade religiosa e do princípio da dignidade da pessoa humana e da isonomia em sua vertente material.
É por meio desse juízo que exsurgirá o redimensionamento conceitual do direito em comento, autorizando a conclusão de que se deve promover ajustes em editais de concursos públicos e grades de ensino para, equalizando-se as diferenças sociais, admitir a livre participação dos fiéis nos certames.
Na verdade, a Constituição dirigente, como é a Carta de 1988, inspirou-se em diversos conceitos plasmados em diplomas internacionais que guarnecem o direito à liberdade religiosa em uma extensão ampla e abrangente[2] e que, em solidariedade de conteúdo, foram sistemática e repetidamente remodelados e enfatizados[3], alguns dos quais constituem objeto de expressa incorporação ao sistema jurídico brasileiro[4].
Dentre eles, é imprescindível mencionar, por ajustar-se com integral fidelidade ao objetivo deste esboço de artigo, o conteúdo do Pacto dos Direitos Civis e Políticos de 1966, aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 226 e promulgado pelo Decreto n. 592, de 6-7-1992, o qual, além de apregoar em seu artigo 18 uma proteção à liberdade de “consciência e de religião” (art. 18), determina no art. 25: “Todo cidadão terá o direito e a possibilidade, sem qualquer das formas de discriminação mencionadas no artigo 2 e sem restrições infundadas: [...] c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.”
Daí poder afirmar-se que as vertentes da liberdade religiosa expressamente previstas na Constituição Federal de 1988 normatizam ideais axiológicos mínimos (liberdade de crença, liberdade de culto e a liberdade de organização) dos quais decorrem implicitamente outros conceitos delineadores da franquia constitucional em comento, com projeções sobre diversas normas constitucionais, tal e qual o já mencionado direito de fiéis religiosos obterem acesso a cargos públicos e ao sistema oficial de ensino, sem qualquer discriminação[5].
Portanto, na sociedade contemporânea a aplicabilidade do direito fundamental à liberdade religiosa ultrapassa o marco característico então estabelecido a partir da chamada primeira geração (ou dimensão) de direitos fundamentais, que se contentava com singelas abstenções estatais (não ingerência sobre a vida privada) e, como reflexo do princípio da igualdade em seu viés material, ganha novos contornos conceituais, que impõem uma postura intermediária e positiva do Estado.
Voltando-se ao injusto dilema, a equação jurídica que se desenha revela que eventual designação de data de aplicação de provas para ingresso em carreiras públicas ou de aulas/atividades acadêmicas compreendidas no período reputado “sábado natural”, ensejaria uma intrincada situação aos adeptos da mencionada fé, que, frente a suas convicções religiosas, se veriam impossibilitados de tomar equânime parte no processo de aprendizagem ou de concorrência. É que, por via oblíqua, seriam forçados a optar entre, de um lado, submeter-se à intransigência das autoridades que lhes negam a realização do concurso/atividades em horário alternativo, e, de outro, resistir em sua fé, sempre sob a inaceitável ameaça de sumária exclusão do processo seletivo ou educativo.
Não obstante, nenhuma destas opções é compatível com os preceitos constitucionais em destaque, tendo em vista a Constituição da República consagrar, a um só tempo, a liberdade religiosa (art. 5o, inc. VI e VII), a laicidade estatal (art. 19, I), o acesso universal aos cargos públicos (CF/88, art. 37, II) e a previsão de que a educação é "direito de todos e dever do Estado" (CF/88, art. 205), de modo que, em face do princípio da unidade da Constituição, afigura-se inviável adotar-se uma perspectiva que, em nome da laicidade e de uma igualdade meramente formal, negue qualquer possibilidade de ajuste tendente a assegurar aos fiéis religiosos que se encontrem em tal situação o livre exercício das faculdades constitucionais que lhes são outorgadas.
Reitere-se, seja por resignação ou mesmo por infidelidade à própria crença, fato é que não se tem notícia de que outros grupos religiosos busquem o Poder Judiciário para a conciliação da observância de outros dias reputados sacros (direito à liberdade religiosa) em eventual conflito com outros princípios constitucionais, o que suplanta qualquer risco de “efeito multiplicador” de eventual ação constitucional deflagrada para rechaçar óbices deste jaez.
Esse fator, de per si, é revelador de uma desigualdade entre os sabatistas em geral e a maioria dos cidadãos que professam a crença sempre privilegiada, ou mesmo o ateísmo, cuja fé não enseja debates perante o Poder Judiciário. É dizer: não vêem fechadas as portas das oportunidades de alçar condições melhores de vida em razão de seu credo, pois isso sempre foi e lhes é assegurado. Não se pode exigir da minoria entre a já minoritária classe dos evangélicos que sacrifiquem sua crença e deixem de se submeter ao processo seletivo público.
Então, não há endosso fático ou social a amparar a presunção de que a adequação (de provas/atividades) para não incidirem no período reputado sacro redundaria em quebra da igualdade. A isonomia, aliás, há muito já está fraturada e enquanto tenta liberar-se de pré-conceitos confessionais prevalecentes na sociedade, padece junto com os fiéis de religiões de menor representatividade na esfera sócio-política a cada vez que lhes cerram as portas das oportunidades.
Sem embargo, tal tratamento anti-isonômico dispensado à minoria religiosa ora em foco é passível de compensação mediante a equalização destas diferenças, o que constitui uma meta perene do Estado, erigida ao status de objetivo fundamental, pois se compromete a “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, IV, da CF/88).
Assim, existe um critério constitucional para calibração da efetivação da equivalência de direitos, ou seja, o constituinte originário estabeleceu um roteiro de compulsória passagem não só pelo intérprete, mas também vinculante ao legislador, os quais, ao avaliarem os contrastes sociais e históricos dos indivíduos ou de uma coletividade, devem perquirir se as políticas públicas ou outras formas de manifestação estatais realmente abrangem a todos, sem distinção.
Nesse contexto, é possível uma intepretação do preceito em questão (isonomia) que o compatibilize com os demais princípios da Constituição da República, de modo a ser razoável, sem extravasar a neutralidade estatal, compreender o direito à liberdade religiosa na perspectiva de ações afirmativas, que vai além da mera abstenção e demanda uma conduta positiva do Estado.
Da busca por uma limitação ao exercício da liberdade religiosa, bem como a delimitação do princípio da igualdade frente aquele, a fim de se estabelecer uma eficácia ideal e equilibrada, resulta manifesto que o mínimo de efeito a se preservar do direito à liberdade religiosa consubstancia-se pela não imposição de empecilhos à participação dos “sabatistas” em certames públicos. São, pois, perfeitamente cabíveis ajustes de horários e o confinamento e isolamento dos candidatos, medidas estas suficientes à superação das barreiras.
No âmbito do próprio Supremo Tribunal Federal, o Ministro Marco Aurélio, no AgReg na STA 389, em 3-12-2009, no qual se discutia acerca da necessidade de designação de data diversa do sábado para realização de concurso público, entendeu que o simples ajuste de datas e horários, com confinamento e isolamento dos sabatistas, seriam insuficientes, merecendo a designação de dia diverso do sábado, vez que os candidatos guardadores do sábado já estariam penalizados pelo fato de terem de permanecer reclusos e incomunicáveis por horas, até o crepúsculo, quanto, então, iniciariam a realização do exame.
Ou seja, para o Ministro Marco Aurélio, a fórmula de confinamento seria medida extrema e prejudicial aos sabatistas, de modo que foi além e votou no sentido de que fosse designada outra data que não o sábado para a realização do concurso.
Todavia, sua Excelência quedou-se vencido e a maioria considerou equacionado o embate a partir da solução administrativa tomada pelo órgão público: submeter os interessados ao confinamento durante o horário reputado sagrado para, após pôr-do-sol de sábado, iniciarem a execução da prova.
Tal julgamento (AgReg na STA 389, em 3-12-2009) é um marco na história do Excelso Pretório, pois, como se viu, encampou posição contra-majoritária moderada e louvou a solução que a administração pública adotou para resolver o problema do “ENEM“, que consistiu em permitir o confinamento e incomunicabilidade do candidato sabatista.
Essa decisão do Pleno do STF, que foi fruto de debate colegiado amadurecido, opõe-se frontalmente ao entendimento externado pelo atual Presidente do STF.
É um sinal de que se a discussão parar no CNJ, talvez prevaleça a posição discriminatória de sua Excelência. Todavia, se o CNJ realizar controle administrativo e, com isso, abrir a competência do STF para exame de eventual mandado de segurança contra ato do Conselho, ao que tudo indica, a decisão prestigiaria a igualdade, sem supervalorizar o princípio da eficiência, possibilitando a fórmula do confinamento e incomunicabilidade.
Notas
[1] http://www.ajufesc.org.br/index.php?q=revista%20atual
[2] O art. 18 da Declaração Universal dos Direitos do Homem assim dispõe: "Art. 18 - Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular"
[3] Resolução 36/55-ONU. Art. 1o: “ninguém será sujeito à coerção por parte de qualquer Estado, instituição, grupo de pessoas ou pessoas que debilitem sua liberdade de religião ou crença de sua livre escolha”, abrangendo, segundo o art. 6o, as seguintes liberdade: “h) Observar dia de repouso e celebrar feriados e cerimônias de acordo com os preceitos da sua religião ou crença.”
[4] A Convenção Americana sobre Direitos Humanos incorporou-se ao ordenamento pátrio por meio do Decreto n. 678, de 6-11-1992, com natureza de norma supra-legal. Prevê referido documento: “art. 12. [...] “Ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças.”
[5] O direito à liberdade religiosa independe de lei infraconstitucional em razão de sua eficácia contida – a atividade legiferante infraconstitucional eventualmente surgirá para regular especificamente a possibilidade de delimitação do direito protegido (BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 222; TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 92); diversos diplomas legais sobre o tema já foram editados, dentre ele a Lei Estadual n. 11.225/99, de Santa Catarina e Lei Estadual n. 12.142/2005, de São Paulo.