Preconiza o artigo 236 do Código Eleitoral:
Art. 236. Nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias antes e até 48 (quarenta e oito) horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto.
§ 1º Os membros das mesas receptoras e os fiscais de partido, durante o exercício de suas funções, não poderão ser detidos ou presos, salvo o caso de flagrante delito; da mesma garantia gozarão os candidatos desde 15 (quinze) dias antes da eleição.
§ 2º Ocorrendo qualquer prisão o preso será imediatamente conduzido à presença do juiz competente que, se verificar a ilegalidade da detenção, a relaxará e promoverá a responsabilidade do coator.
Só podemos entender o alcance da norma jurídica visualizando-a por seu lado prático.
Tício, perigoso assaltante, acusado de vários roubos, triplo homicídio e dois estupros, estava foragido com prisão preventiva decretada, mas apareceu para votar nas eleições de 2014. Populares ligaram para a delegacia e a resposta do delegado foi uma só:
“Não há flagrante delito, não há sentença criminal condenatória por crime inafiançável e nem desrespeito a salvo-conduto, portanto, só podemos prendê-lo 48h após a eleição”.
É claro que Tício ainda se encontra foragido, assaltando, matando e estuprando, pois profissionais do Direito estritamente legalistas aplicam o art. 236 do Código Eleitoral em seu sentido literal sem compatibilizá-lo com a Constituição Federal.
Dizia Carlos Maximiliano:
“Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis.” [1]
Neste contexto, entendo que a esdrúxula imunidade formal prisional prevista no art. 236, §1º, não foi recepcionada pela nova Constituição Federal, porque o ordenamento jurídico máximo, ao permitir alguns tipos de prisões, textualmente, excepcionou algumas situações e em nenhum momento se referiu às prisões em período eleitoral.
O inciso LXI do art. 5º da CF/88 foi taxativo:
“Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.”
O flagrante delito ou a ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente são institutos autorizados pela Constituição Federal, portanto, uma norma infraconstitucional não pode retirar a sua eficácia.
É ilação plenamente lógica que, se a prisão estiver em consonância com a Constituição Federal, poderá ser executada mesmo em época de eleição, não sendo juridicamente possível ser alegada a sua ilegalidade.
Seria uma grande excrescência jurídica uma prisão preventiva, leia-se: “uma ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”, não poder ser executada porque a legislação infraconstitucional não permite algo que é autorizado pela Constituição Federal.
Insta ainda acentuar que o Código Eleitoral também não foi recepcionado pela Constituição Federal quando permite a prisão em “virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável” e não exige o trânsito em julgado da sentença condenatória, algo que, em realidade, atenta contra o princípio da não culpabilidade antecipada.
Em realidade, a prisão em virtude de sentença criminal condenatória só será juridicamente viável se presentes os requisitos da prisão preventiva; é a conclusão imperativa da leitura do art. 492, I, alínea e, in verbis:
“Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que:
I – no caso de condenação:
e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva;”
Quanto à decisão de pronúncia, defendemos, no livro “Manual do Júri -Teoria e Prática” (Edição esgotada), que:
“Antes da reforma, o STJ tinha defendia que: ‘Nos processos da competência do Tribunal do Júri, a prisão do réu é efeito legal da pronúncia, não havendo falar em constrangimento, se o decisum se ajusta à letra do art. 408 do Código de Processo Penal. Recurso improvido’, hoje, no sistema processual penal vigente, não vigora mais o princípio da prisão obrigatória em decorrência da sentença de pronúncia. Entretanto, a revogação da prisão preventiva, na fase de pronúncia, não é direito subjetivo do acusado. O Código de Processo Penal preconiza que o juiz eleitoral decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código.”
Denota-se que a prisão no dia da eleição também pode ser originária, não de uma sentença condenatória e sim da própria decisão de pronúncia, presentes os requisitos da prisão preventiva.
Portanto, a solução será fazer uma interpretação conforme a Constituição Federal, é dizer, o juiz eleitoral ou o Tribunal deve, na análise do caso concreto, declarar qual das possíveis interpretações se revela compatível com a Lei Fundamental.
Assim, em uma interpretação conforme a Constituição Federal, podemos dizer que será possível sete tipos de prisões no período eleitoral:
a) Prisão em flagrante (agora pré-cautelar);
b) Prisão preventiva;
c) Prisão oriunda de sentença criminal condenatória transitada em julgado;
d) Prisão por recaptura de réus;
e) Prisão originária da decisão de pronúncia, presentes os requisitos da prisão preventiva.
f) Por fim, a prisão por desrespeito a salvo-conduto.
h) Prisão temporária por crimes que não seja eleitoral.
Insta acentuar que, no Direito Eleitoral, é inadmissível a prisão temporária porque a Lei nº 7.960/89 não elenca em seus dispositivos nenhum crime eleitoral.
No Congresso Nacional, tramita o Projeto de Lei nº 7.573/062 (Projeto de autoria do Deputado Fernando de Fabinho), propondo a revogação do art. 236 do Código Eleitoral, in verbis:
“PROJETO DE LEI Nº 7.573/2006
Revoga o art. 236 do Código Eleitoral.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Esta lei revoga o art. 236 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, que institui o Código Eleitoral, de maneira a relativizar o princípio do direito de voto diante do princípio da segurança da sociedade, permitindo em todo o território nacional a prisão dos cidadãos, mesmo no período compreendido entre os cinco dias que antecedem e as quarenta e oito horas que se sucedem à eleição.
Art. 2º Revogue-se o art. 236 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965.
Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”
O princípio da proporcionalidade é usado com muita propriedade na justificativa do Projeto de Lei:
“(...) sopesando o direito de voto e o direito de segurança da sociedade contra os indivíduos que atentam contra os valores que lhe são caros, o legislador preferiu o primeiro, estabelecendo algumas exceções. No entanto, passadas mais de quatro décadas da entrada em vigor da norma e vivendo nós hoje em um mundo muito mais violento, penso que não mais se justifica tal garantia eleitoral. O livre exercício do sufrágio há de ser garantido de outra forma, mas não mais dando um salvo-conduto de uma semana a inúmeros criminosos, para que circulem tranqüilamente no período das eleições.”
Em conclusão, embora o Código Eleitoral só permita, cinco dias antes e até quarenta e oito horas depois do encerramento da eleição, a prisão em flagrante delito, a prisão em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável e a prisão por desrespeito a salvo-conduto, podemos afirmar que qualquer prisão realizada no período supracitado, dentro dos limites da Constituição Federal pode sempre ser executada.
Notas
[1] (Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 19. ed. São Paulo: Forense, 2005, p. 136).