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O bem de família contratual.

Questões notariais e registrais

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12/11/2014 às 10:30
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DA DESNECESSIDADE DA PUBLICAÇÃO DOS EDITAIS

Saber se há ou não necessidade da publicação dos editais é uma questão tormentosa, atualmente, no mundo jurídico. As opiniões se dividem e há nomes ilustres sustentando ambas as posições.

Álvaro Villaça Azevedo, Marcione Pereira dos Santos, Sylvio Capanema de Souza, entre outros importantíssimos nomes, entendem que persiste a necessidade da publicação dos editais.

Entre os que se posicionam de forma contrária, encontramos Walter Ceneviva, em sua obra Lei de Registros Públicos Comentada, Alexandre Guedes Alcoforado Assunção, no Novo Código Civil Comentado, obra coordenada por Ricardo Fiuza, e Milton Paulo de Carvalho Filho, na obra Código Civil Comentado, coordenada pelo Ministro Cezar Peluso.

Filio-me à corrente que entende pela desnecessidade da publicação dos editais, pelos motivos adiante expostos.

Aqueles que advogam a tese da necessidade se baseiam em duas premissas:

a) a lei quis conferir ampla publicidade ao bem de família, para evitar que credores fossem prejudicados pela instituição;

Como já explanei acima, nenhum credor será prejudicado, pois se a afetação foi efetivada em fraude à execução, a impenhorabilidade do bem de família ser-lhe-á inoponível àquele credor; se for constatada a fraude contra credores, o prejudicado terá 4 (quatro) anos para propor ação anulatória; e se a escritura contiver declaração falsa, o credor terá 10 (dez) anos para propor ação de nulidade. 

Indubitavelmente, a publicidade do ato se dá com o registro imobiliário!  

Lembrando, também, que nesse ínterim o bem não poderá ser alienado a terceiros, sem a prévia autorização judicial.

Qual será o prejuízo do credor?

Agora, pergunto-lhes, quando lavramos uma escritura de compra e venda, em que o vendedor apresenta nas certidões acostadas processo de execução contra o seu nome, publicamos no jornal a síntese dessa escritura? Existe tanta preocupação com esse credor? Ou caberá ao credor ser diligente e, rapidamente, proceder ao registro da penhora, conforme determina o §4º, do art. 659, do CPC, pois, se assim não o fizer, quem adquirir aquele bem, será considerado comprador de boa-fé, vide Súmula 375, do STJ.

Então, a primeira premissa está, a meu ver, descartada, isso sem adentrarmos na discussão de qual seria o direito preponderante, i.e., o direito do credor ou o direito à moradia.

b) a Lei nº 6.015/73, LRP, trata-se de lei especial, e como o Código Civil de 2002, que é uma lei geral, não cuidou do tema, continuará vigendo a lei especial.

É bem verdade que, quanto à matéria processual, em relação ao instituto do bem de família criou-se um vazio, conforme podemos ver adiante:

Segundo o Des. Sylvio Capanema de Souza[9], “o Prof. ALFREDO BUZAID, que fez o projeto do Código de Processo, disse textualmente na exposição de motivos que não reproduziria os artigos sobre o procedimento do bem de família, por entender – e disse claramente – que era um instituto de direito material e que, portanto, isso tudo deveria ser regulado no Código Civil. Pois, por incrível que pareça, quando se fez o Código Civil, entendeu-se que o procedimento deveria ser regulado no Código de Processo. Resultado: ficou no limbo. Foi uma espécie de conflito de competência, porque nem o Código de Processo nem o Código Civil assumiram a paternidade do procedimento.”

Dessa forma, continuou a Lei de Registros Públicos a regulamentar a matéria, no que tange ao procedimento. E, nos seus arts. 167, I, "1", 260 a 265, dispôs sobre a lavratura da escritura pública de bem de família, a publicação dos editais na imprensa local, para ciência de terceiros, entre outras matérias.

Todavia, entendo que, no que tange à necessidade da publicação dos editais, o atual Código Civil não foi negligente, haja vista que no seu art. 1.714 foi enfático ao determinar que o bem de família se constitui pelo registro de seu título no Registro de Imóveis, e.g., o ato alcança a eficácia com o registro, não se referindo, propositalmente, à publicação dos editais, por entender pela sua absoluta excrescência.

Vejamos, então, de que forma o Código Civil de 1916 tratava a matéria, no seu art. 73, in verbis:

Art. 73. A instituição deverá constar de escritura pública transcrita no registro de imóveis e publicada na imprensa local e, na falta desta, na da capital do estado.” 

No Código passado exigia-se a publicação dos editais. No atual, não!

Outro ponto que merece relevo é que temos, culturalmente, o hábito de sermos prolixos; quando lavramos uma procuração para alienar determinado bem imóvel, deixamos expresso no instrumento que o mandatário poderá vender, dar quitação, transmitir domínio, responder pela evicção, e por aí afora. 

A propósito, se não colocarmos todos esses poderes, provavelmente o Serviço Notarial em que se realizará a pretendida escritura não o aceitará, por entender que os poderes são insuficientes.

Não bastaria dizermos que o mandatário X tem poderes para a venda, os outros poderes não seriam corolários do primeiro, que é a venda?

Mutatis mutandis, acredito que ocorra o mesmo na leitura do art. 1.714, se determino que a instituição do bem de família alcançará a eficácia com o registro, despiciendo dizer que não há necessidade da publicação dos editais, está implícito.

Este também é o entendimento de ALEXANDRE GUEDES ALCOFORADO ASSUNÇÃO[10], ao afirmar que:

A necessidade do registro do instrumento que institui o bem de família tem o objetivo de dar publicidade ao ato, evitando que terceiros possam ser prejudicados em seu crédito. Retirou o novo Código Civil a disposição que ainda determinava a publicação na imprensa local, por ser de evidente exagero.             

Idêntico é o entendimento exposto pelo doutrinador MILTON PAULO DE CARVALHO FILHO[11], que se segue adiante:

“Nos termos da LRP, o registro perante o cartório de Registro de Imóveis da escritura instituidora de bem de família é formalidade essencial do ato, que dá a ele a mais ampla publicidade, a fim de evitar prejuízos a terceiros, que sejam credores do instituidor. Os arts. 167, I, 260 e segs. da LRP tratam do registro do bem de família, tendo sido revogada parcialmente a disposição contida no art. 262 que impunha ao oficial a publicação de edital na imprensa da instituição do bem de família, por não mais o exigir o presente artigo.” (g.n)

Entendo ser desnecessária a publicação dos editais por duas razões: a primeira é com fundamento no art. 1.714, que condiciona a eficácia do ato de instituição do bem de família ao registro imobiliário e a segunda é que a publicação dos editais representa um alto custo financeiro ao seu instituidor, que deverá ser somado ao valor dos emolumentos, notarial e registral, cerceando a utilização do instituto e se afastando, frontalmente, do espírito do legislador civil, que foi de conferir efetividade ao instituto.


DA EXTINÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA

No que concerne à extinção do bem de família, o atual Código Civil estendeu a afetação protetora, quando houver na família filho sujeito à curatela; nesse caso, o bem permanecerá afetado a aludida instituição protetora, mas sempre condicionada a sua extinção ao requerimento judicial, por força do disposto no art. 1.722.

Mencione-se, por oportuno, que o requerimento judicial para a desconstituição do bem de família será em todas as situações imprescindível, conquanto pudesse parecer num primeiro momento, pela leitura do art. 1.719, que não haveria necessidade da outorga judicial, quando se pretendesse alienar um bem imóvel afetado pelo instituto do bem de família, bastando a concordância de todos os interessados, após a oitiva do Ministério Público.

“Art. 1.717 – O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem de família, não podem ter destino diverso do art. 1.712 ou serem alienados, sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público.” (g.n)

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Entretanto, não é essa a melhor exegese, conforme veremos adiante.

Analisando o art. 1.719 do atual Código Civil, podemos verificar que, somente com a autorização judicial, será possível a extinção ou a sub-rogação do bem de família. E a pretendida autorização dar-se-á com o adimplemento de três requisitos: a) comprovação da impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído; b) requerimento dos interessados; e c) oitiva do Ministério Público e do instituidor.

O Projeto de Lei nº 6.960, de 2002, do deputado Ricardo Fiuza, propõe a seguinte redação:

“Art. 1.719 – Comprovada a manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo, autorizar a alienação ou a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público.” (g.n)

Retornando, agora, ao art. 1.722, vimos que o bem de família extinguirse-á com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos à curatela.

É importante salientar que, se um dos cônjuges falece ou na hipótese de haver filho sujeito à curatela, não será aberto inventário daquele bem, enquanto viver o filho curatelado, é o que determina o art. 20, do Decreto-Lei nº 3.200/41:

“Por morte do instituidor, ou de seu cônjuge, o prédio instituído em bem de família não entrará em inventário nem será partilhado, enquanto continuar a residir nele o cônjuge sobrevivente ou o filho menor de idade. Num e noutro caso, não sofrerá modificação a transcrição.” (g.n)

Depois do advento da Lei nº 11.441/07, que possibilitou o inventário e divórcio extrajudiciais, essa matéria passou a ser de suma importância para Notários e Registradores. Portanto, é de grande relevo que saibamos que, enquanto o bem estiver afetado, não será aberto o inventário.

Logo, se o inventário não poderá ser aberto enquanto o bem estiver afetado, entendo não ser cabível o pagamento antecipado, até mesmo porque não haverá partilha. Portanto, trata-se de hipótese de não incidência do imposto causa mortis.

Enfim, como disse no preâmbulo desse estudo, este se limitou à abordagem do instituto do bem de família contratual, no âmbito do direito notarial e registral, objetivando, principalmente, o debate das questões abordadas sobre esse instituto, a meu ver, injustamente, tão esquecido por nós.


Notas

[1] FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3 ed. Editora Lumen Juris.

[2] Oliveira, J M Leoni Lopes De. Teoria Geral do Direito Civil, volume 2. Pag. 460. Editora Lumen Juris. 

[3] AZEVEDO, Alvares Villaça, Bem de Família - com Comentários à Lei

[4] .009/90. Pag. 101. Editora Atlas.

[5] FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3 ed. Pag. 853. Editora Lumen Juris.

[6] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 7 ed. Editora Jurídico Atlas.

[7] DANTAS San Tiago. Programa de Direito Civil. Aulas proferidas na Faculdade Nacional de Direito (1942 – 1945). Parte Geral. Editora Rio.

[8] VENOSA, Silvio de Savo. Direito Civil. Direito de Família. 7 ed. Editora Jurídico Atlas.

[9] SOUZA, Sylvio Capanema de. O Bem de Família no Novo Código Civil. Coletânea de Textos CEPAD.

[10] ASSUNÇÃO, Alexandre Guedes Alcoforado e outros. Coordenador Ricardo Fiuza. Novo Código Civil Comentado. 3 ed. Editora Saraiva.

[11] GODOY, Claudio Luiz Bueno de e outros. Coordenador Ministro Cezar Peluso. Código Civil Comentado. 8 ed. Editora Manole. 2014.

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Sobre a autora
Fernanda de Freitas Leitão

Tabeliã titular do 15º Ofício de Notas da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro. Bacharel em Direito em 1991 pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Exerceu a advocacia na iniciativa privada. Admitida em concurso público, exerceu o cargo de Procuradora do Estado do Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITÃO, Fernanda Freitas. O bem de família contratual.: Questões notariais e registrais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4151, 12 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32668. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Publicado na Revista ABAMI nº 69.

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