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Noções, panorama histórico e objetivos iniciais sobre tutela coletiva

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4 DESENVOLVIMENTO DA TUTELA COLETIVA E ESTÁGIO ATUAL

Em se tratando de direito nacional a tutela coletiva não remonta a longa data. Não obstante, ensina Aluisio Gonçalves Castro Mendes:

Ao longo dos últimos vinte anos, pode-se dizer que houve não apenas o florescimento de um conjunto de normas pertinentes, mas também o desabrochar de substanciosa doutrina relacionada com as ações coletivas e a ocupação de um espaço crescente por parte da preocupação de docentes e discentes no meio acadêmico, consubstanciando o surgimento de uma nova disciplina: o Direito Processual Coletivo.[29]

Ocorre que, apesar da dedicação ao tema, o tratamento legislativo da tutela coletiva no Brasil está sendo realizado de modo extravagante, isto é, são diversas as leis que tratam do tema. Portanto, não raras vezes o aplicador do direito vê-se diante de uma verdadeira lacuna ou zona nebulosa onde há insegurança no sentido de se traçar um caminho correto a ser percorrido.

A título de elucidação, Luiz Manoel Gomes Junior enumerou as normas que disciplinam o direito coletivo e defendeu a existência de um único sistema interligado para a tutela dos direitos coletivos. Em suas palavras:

Todas as normas que disciplinam a aplicação dos direitos coletivos - Lei da Ação Popular (LGL1965\10) (Lei 4.717/1965), Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), Código do Consumidor (Lei 8.078/1990), Lei da Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), Estatuto da Criança e do Adolescente (LGL 1990\37 ) (Lei 8.069/1990), Lei da Pessoa Portadora de Deficiência (Lei 7.853/1989), Lei Protetiva dos Investidores do Mercado de Valores Mobiliários (Lei 7.913/1989) e Lei de Prevenção e Repressão às Infrações contra a Ordem Econômica - Antitruste (Lei 8.884/1994) - formam um único sistema interligado de proteção dessas espécies de direitos (difusos, coletivos e individuais homogêneos).[30]

Pela exposição acima, pode-se perceber a existência de múltiplos diplomas legislativos esparsos que tratam de direitos coletivos, contudo não se tem um sistema completo e bem acabado como há no processo civil individual.

Em vista disso, surge a necessidade de se pensar e estudar um verdadeiro sistema processual coletivo, enquanto não é elaborado um verdadeiro Código de Processo Coletivo.

É o que pode ser chamado de mircorssistema de proteção à tutela coletiva, o qual, segundo Fredie Didier Jr. e Hermes Zanetti Jr.:

[...] evidenciam e caracterizam o policentrismo do direito contemporâneo, vários centros de poder e harmonização sistemática: a Constituição (prevalente), o Código Civil, as leis especiais. [...] Esta ordem de idéias pode ser facilmente transportada para o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor como atual elemento harmonizador do microssistema da tutela coletiva.[31].

A par disso, os tribunais pátrios contemplam o chamado microssistema coletivo, de forma que o Superior Tribunal de Justiça decidiu da seguinte maneira:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LITISCONSORTES. PRAZO EM DOBRO PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA PRÉVIA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA LIA. UTILIZAÇÃO DOS INSTITUTOS E MECANISMOS DAS NORMAS QUE COMPÕEM O MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA. ART. 191 DO CPC. APLICABILIDADE. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. 1. Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados para "propiciar sua adequada e efetiva tutela" (Art. 83 do CDC). [...].[32]

O Código de Defesa do Consumidor, neste microssistema da tutela coletiva, apresenta papel fundamental[33]. Em razão da ausência de um Código de Processual Coletivo e da carência de normas seguras sobre processo e procedimento, a fim de preencher as lacunas, a doutrina e a jurisprudência reconhecem a existência do microssistema para a tutela coletiva, o qual é pautado principalmente pelo Código de Defesa do Consumidor.

Não obstante a existência e aplicação sistemática dos diplomas legislativos que tratam da tutela coletiva, para melhor harmonia e aplicação prática do direito coletivo, trabalhou-se no Código Modelo de Processos Coletivos Ibero-américa, em 2004, o qual foi objeto de estudos no Brasil, que culminaram com a elaboração em um Anteprojeto e Código Brasileiro de Processos Coletivos, mas, no início de 2009, decidiu-se por trabalhar em um projeto de Lei para a reformulação do processo coletivo no Brasil[34].

Na elaboração do Projeto de Lei, em trâmite na Câmara dos Deputados, sob n. 5.139/09, houve modificações e restrições no anteprojeto elaborado pelos estudiosos, entretanto, restam pontos positivos como a simplificação e maior efetividade da liquidação e execução. Atualmente, o projeto aguarda deliberação acerca do recurso apresentado contra a conclusão tomada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, que optou por sua rejeição e arquivamento[35].  

Há também o Projeto 282/12, em trâmite no Senado Federal[36], o qual não trata do processo coletivo com a abrangência que versa o Projeto de n. 5.139/09, mas traz importantes avanços e pacifica de forma definitiva questões controvertidas como o alcance e efeitos da coisa julgada na ação coletiva e a competência para sua execução.

Ambos os textos dependem de aprovação, portanto, podem servir somente como norte para aplicação do direito. Talvez melhor seria a junção de todos os projetos e a dedicação no sentido de se elaborar um verdadeiro Código de Processo Coletivo.


5 OBJETIVOS COMUNS: TUTELA COLETIVA, SÚMULAS VINCULANTES, RECURSOS REPRESENTATIVOS DE CONTROVÉRSIA E JULGAMENTO LIMINAR DE IMPROCEDÊNCIA.

Influenciado pelo neoconsitucionalismo, o direito processual civil entra em uma nova fase[37], na qual importam e vigoram não só regras e procedimentos, mas há um formalismo-valorativo o qual "constitui o elemento fundador tanto da efetividade quanto da segurança do processo"[38]

A tutela coletiva, as súmulas vinculantes (Art. 103-A da Constituição Federal), os recursos representativos de controvérsia (Art. 543-C do Código de Processo Civil), o julgamento liminar de improcedência (Art. 285-A do Código de Processo Civil) possuem finalidades necessárias e coincidentes[39].

Pode-se dizer que a tutela coletiva tem como objetivos fundamentais a economia e a eficiência processual, bem como a segurança jurídica, de modo a evitar que decisões contraditórias sejam proferidas[40]. José Rogério Cruz e Tucci leciona no sentido de não haver dúvidas:

[...] de que o ajuizamento de uma ação de espectro coletivo implica evidente redução de custo e tempo, se comparados com aqueles que seriam despendidos em centenas de demandas individualmente aforadas [...] o resultado global atingido com as primeiras, considerando-se o trinômio custo-tempo-benefício, é extremamente compensador.[41]

Nota-se portanto serem fundamentos da tutela coletiva a celeridade, a economia e a eficácia processual, o acesso à justiça e a segurança jurídica, todos direitos fundamentais.

Alexandre de Moraes comenta que

A EC n. 45/04 (Reforma do Judiciário) assegurou a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, pois, 'o direito ao julgamento, sem dilações indevidas, qualifica-se como prerrogativa fundamental que decorre da garantia constitucional do 'due process of law''.[42]

Nesse particular, tem-se que atualmente o processo não se contenta em proporcionar o direito, mas deve fazê-lo em tempo razoável, o que eleva à celeridade processual ao patamar de direito fundamental. Atrelada à celeridade está a economia e eficácia processual, posto que essas são formas de se proporcionar a efetivação daquela.

Com relação à segurança jurídica, Gilmar Ferreira Mendes destaca a insuficiência de doutrina sobre o tema e consigna que "Em verdade, a segurança jurídica, como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria idéia de justiça material."[43].

Observa-se que apesar da carência de doutrina, a segurança jurídica possui papel fundamental no Estado.

Nesse passo, dentre outros desígnios da súmula vinculante, para comparação, vale destacar a eficiência, a celeridade processual e a segurança jurídica. Guilherme Sarri Carreira mostra que o objetivo da súmula vinculante é: “[...] superar controvérsia atual sobre a validade, eficácia e interpretação de normas determinadas, capazes, por sua vez, de gerar insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica”[44].          

Também sobre a súmula vinculante, Gustavo Santana Nogueira e Marcus Vinícius Lopes Montez sustentam que: “O objetivo delas é padronizar a interpretação da Constituição da República em todo o território nacional, em que pese já ter sido sustentado que a principal função seria permitir a prestação da tutela jurisdicional com maior celeridade”[45].

Percebe-se que possui o instituto da súmula vinculante o interesse de proporcionar segurança jurídica e celeridade processual, vez que o seu enunciado será obrigatório para todas as instâncias do Poder Judiciário, inclusive valendo-se o lesado do instituto da reclamação[46].

No mesmo passo estão os recursos representativos de controvérsia, também chamados de recursos repetitivos, os quais, conforme ensinamentos de Marcela Kohlbach de Faria, objetivam proporcionar maior celeridade à tramitação dos processos nos Tribunais Superiores e aplicar a matéria de forma isonômica[47].

Assim, os recursos repetitivos visam a celeridade processual e a isonomia nos julgamentos do Poder Judiciário, pois proporcionam ao próprio tribunal de origem, após o julgamento do recurso repetitivo, a possibilidade de revisão de seu julgamento para aplicar a tese estipulada nos termos do Art. 543-C do Código de Processo Civil[48].

Em igual sentido está o instituto do julgamento liminar de improcedência da demanda, o qual, nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero:

Trata-se de expediente que, conjuntamente com outros dispositivos do Código de Processo Civil [...], visa a racionalizar a atividade judiciária e compatibilizar verticalmente as decisões judiciais, prestigiando os valores da economia e da igualdade no processo.[49]

Pelo que se apresentou acima, verifica-se que ao menos três instrumentos jurídicos brasileiros possuem os mesmos objetivos das ações coletivas, isto é, celeridade, racionalização processual e uniformidade na aplicação do direito, que se traduz em segurança jurídica.

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Com finalidades semelhantes têm outros dispositivos legais, como, por exemplo, a repercussão geral nos Recursos Extraordinários, a possibilidade de julgamento unipessoal pelo Relator quando o recurso for manifestamente improcedente; entretanto, dada a limitação que se faz necessária, não serão comentados.

É evidente a crescente onda de preocupação em garantir os direitos fundamentais da celeridade processual e da segurança jurídica, os quais ganham salutar importância nos tempos de aumento no acesso à justiça e na massificação das demandas.

Os institutos tratados neste trabalho objetivam bens jurídicos em comum. Logo, com pensamentos visando à presteza processual e à segurança jurídica, é necessária a aplicação eficaz da tutela coletiva, das súmulas vinculantes, dos recursos repetitivos, do julgamento liminar da demanda e de todos os outros dispositivos legais que buscam a segurança jurídica e a celeridade processual.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A massificação das demandas é evidente, sentida e observada pelos operadores e aplicadores do direito. Podem ser enumeradas diversas consequências decorrentes desse fenômeno, o qual, como já apresentado, é positivo e indicador de amadurecimento social.

Com o aumento da litigiosidade, observa-se o abarrotamento do Poder Judiciário com questões idênticas e que atravancam os demais processos, gerando morosidade. Há também o problema decorrente de decisões conflitantes, ocasionando insegurança jurídica e descrédito do Poder Judiciário.

Em meio a essa situação, ganha destaque e importância singular a tutela coletiva, a qual, como outros institutos, visam à celeridade e eficiência processual e à segurança jurídica.

Atualmente não basta simples acesso à justiça. Esse direito constitucional deve ser lido, visto e tratado em sentido amplo e complexo. É necessário o acesso à justiça, garantidos todos os meios processuais idôneos para que se obtenha de modo célere, eficiente e seguro o bem da vida.

Como destacado neste trabalho, a tutela dos direitos coletivos passa por uma evolução singular, de forma que estudiosos dedicam-se ao aprimoramento do instituto que remonta à longa data em termos mundiais, mas é novo, em se tratando de Brasil.

Fato é que a importância da tutela coletiva está potencializada na medida em que há crescente aumento na litigiosidade e nas demandas de massa, bem como existe clamor social por celeridade, eficiência e segurança jurídica.

Apesar da dedicação ao estudo e aprimoramento da tutela coletiva, não se tem um Código de Processo Coletivo harmônico e bem acabado, razão pela qual o operador do direito deve se valer do chamado microssistema descrito acima. Não obstante, urge a necessidade de elaboração do Código de Processo Coletivo para melhor aplicação do instituto.

Desta forma, como instrumento de celeridade, eficiência e segurança jurídica, o processo coletivo deve ser melhor trabalhado e estudado pelos operadores do direito e legisladores, posto que é uma ferramenta substancialmente hábil para garantir direitos fundamentais do homem.

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Sobre o autor
Luiz Felipe Ferreira dos Santos

Advogado. Sócio do Escritório Souza, Ferreira e Novaes. Mestre em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos mantido pela Instituição Toledo de Ensino - ITE/Bauru e integrante do Grupo de Pesquisa “Tutela Efetiva de Direitos Coletivos” liderado pelo Professor Pós-Doutor Rui Carvalho Piva no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do Centro Universitário de Bauru/SP mantido pela Instituição Toledo de Ensino. Pós Graduado em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Pós Graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Faculdade Prof. Damásio de Jesus. Graduado em Direito pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Luiz Felipe Ferreira. Noções, panorama histórico e objetivos iniciais sobre tutela coletiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4122, 14 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32778. Acesso em: 25 abr. 2024.

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