A competência normativa das agências reguladoras

(Limites e possibilidades)

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20/10/2014 às 14:36
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Estado-gerente - agências reguladoras - competência normativa - interesse público.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO SETOR ECONÔMICO. 1.1 O LIBERALISMO ECONÔMICO. 1.2 O INTERVENCIONISMO ESTATAL. 1.3 O ESTADO REGULADOR. 2 FUNDAMENTOS DA REGULAÇÃO. 2.1 OBJETIVOS DA REGULAÇÃO. 2.1.1 Igualdade social. 2.1.2 Desenvolvimento. 2.2 PRINCÍPIOS DA REGULAÇÃO. 2.2.1 Princípio da democracia econômica. 2.2.2 Cooperação. 2.2.3 Interesse público. 2.2.4 Proteção ao Consumidor. 2.2.5. Eficiência. 3 A FUNÇÃO REGULATÓRIA4 A EXPERIÊNCIA NORTE-AMERICANA. 5 AS AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL. 5.1 NATUREZA JURÍDICA. 5.2 CARACTERÍSTICAS. 5.2.1 Autonomia administrativa. 5.2.2 Investidura de seus dirigentes. 5.2.3 Autonomia financeira. 5.2.4 Participação. 5.3 DIFERENÇA ENTRE AGÊNCIA REGULADORA E AGÊNCIA EXECUTIVA. 6 A COMPETÊNCIA NORMATIVA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS. 6.1 O PROCESSO LEGISLATIVO ORDINÁRIO E O FATO ECONÔMICO. 6.2 O EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA NORMATIVA PELO PODER EXECUTIVO. 6.3 PRODUÇÃO DE NORMAS COMO ATRIBUIÇÃO DAS AGÊNCIAS. 6.4 DESLEGALIZAÇÃO E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. 6.5 EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA NORMATIVA PELAS AGÊNCIAS REGULADORAS - POSICIONAMENTOS. 6.5.1 Poder normativo com natureza de direito regulatório. 6.5.2 Poder normativo com natureza de direito regulamento. 6.5.3 Poder normativo com natureza de ato administrativo geral e abstrato. 6.6 MECANISMOS DE CONTROLE. 6.6.1 Princípio da separação dos poderes. 6.6.2 Discricionariedade. 6.6.3 Controle administrativo. 6.6.4 Controle político. 6.6.5 Controle financeiro. 6.6.6 Controle social. 6.6.7 Controle jurisdicional. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto de análise as agências reguladoras brasileiras no âmbito federal, entidades concebidas para regular a intervenção do Estado na economia, fenômeno este que tem se manifestado após a  Reforma do Estado brasileiro iniciada na década de 90 e que até agora gera tantas posições adversas.

Em virtude da inserção dessa nova entidade na estrutura da Administração Federal, muitas dúvidas surgiram sobre a polêmica função normativa desses órgãos, principalmente sobre a possibilidade de inovação no ordenamento jurídico por meio de normas gerais e abstratas, tendo em vista a tecnicidade peculiar a seus respectivos setores de atuação. Mais do que uma breve polêmica, no decorrer da presente monografia, busca-se mostrar a necessidade da mudança de paradigmas remanescentes do antigo modelo de Estado-empresário, para a efetiva consolidação do Estado Regulador.

Para tanto, o presente trabalho está dividido em seis capítulos, além desta introdução, conclusão e referências bibliográficas.

O primeiro capítulo expõe a evolução histórica dos modelos estatais, partindo do Liberalismo Estatal, passando pelo Intervencionismo Estatal e finalmente chegando ao Estado Regulador.

O segundo capítulo procura esclarecer os fundamentos da regulação, esmiuçando seus objetivos e princípios norteadores que identificam-se com a nova ordem constitucional.

O terceiro capítulo faz um breve relato sobre a função regulatória, como meio eficaz de promover o bem-estar social fazendo com que a Administração Pública volte-se para sua atividade fim.

O quarto capítulo aborda a experiência norte-americana na atividade regulatória, na qual firmou-se na década de trinta, sendo utilizada como parâmetro no modelo brasileiro.

O quinto capítulo descreve a atividade regulatória no Brasil, citando as agências reguladoras no âmbito federal, sua natureza jurídica, características e individualidades.

O sexto capítulo aborda a parte mais polêmica do trabalho, tratando sobre a competência normativa das agências reguladoras, expondo posicionamentos doutrinários que, após quase vinte anos de transição, geram tanta discussão sobre a legitimidade acerca do poder normativo das agências reguladoras.


1 A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO SETOR ECONÔMICO

1.1 O LIBERALISMO ECONÔMICO

O modelo político e econômico adotado no século XVIII caracterizou-se pela passagem de três fases distintas no que tange à sua participação do Estado na atividade econômica.

Primeiramente, observamos que após a Revolução Francesa tivemos uma notada ausência de regulação econômica. Norteando-se por princípios liberais, o Estado não manifestava-se a fim de prestar as mínimas garantias a fim de proteger os direitos do cidadão. Apenas alguns serviços foram encampados pelo poder público e, logo em seguida, foram transferidos a particulares.

Observamos, dessa forma, que os serviços públicos sempre estiveram velados pela “longa manus” do ente Estatal, quer como titular quer como poder concedente. Entretanto, vemos que as relações entre Estado liberal e sociedade estão bem divididas. A realização de atividades públicas por particulares era feita mediante contratos, e limitava ao extremo a intervenção Estatal na atividade privada. Tal procedimento alcançava o propósito das correntes liberais da época, onde se objetivava o “Estado Mínimo”.

No início do século XX, o processo de desenvolvimento econômico e social foi atribuído ao Estado. Essa iniciativa passou a intensificar-se após a Segunda Guerra Mundial. O Poder Público passou a promover o bem-estar social. A igualdade social foi tomada como pilar básico pelo pensamento liberal, é reconhecida atualmente de maior importância do que a liberdade individual e econômica.

1.2 O INTERVENCIONISMO ESTATAL

No início do século XX, os organismos estatais intervencionistas tiveram uma proliferação acentuada, principalmente no período pós-guerra e perduraram até a década de 70. Seu crescimento deu-se devido o grande crescimento econômico de economias capitalistas, associado à evolução proporcionada pelo conflito de classes sociais, que adquiriu contornos cadavez menos revolucionários e mais institucionalizados.

Tendo em vista a mudança dos instrumentos da Administração Pública para atender à nova realidade, foi necessário que sua estrutura fosse aprimorada, ocasionando um grande aumento do Poder Executivo.

Enquanto o Estado foi capaz de manter todos os serviços a que se comprometeu, foi possível mascarar as origens dos conflitos sociais e saciar necessidades imediatas da classe operária, de modo que conflitos fundamentais foram afastados do centro da vida política. Todavia, a provisão estatal adquiriu tamanha importância que o capitalismo tornou-sedependente de práticas intervencionistas, as quais passaram a ditar a tônica da vida econômica e política. Essa dependência criou um endividamento público sem precedentes, que resultou em um esforço governamental para reduzir seus programas de bem estar social.

O ente Estatal assumira o papel de controlar a produção de bens e serviços, tornando-se produtor direto e  planejador da economia, até então bastante autocentradas e voltadas ao suprimento de suas demandas. O planejamento de investimentos públicos, além de atender a uma lacuna deixada pelo mercado, visava também o desenvolvimento de regiões, ou setores específicos. Em contrapartida, não se imaginou que o Estado tinha uma capacidade limitada de assumir tamanha

Ao término do período próspero do Pós-Guerra, chegou ao fim o tempo em que se permitia ao Poder Público atuar como ator e interventor na economia, gerando os bens necessários ao desenvolvimento de seus nacionais.

Nos países periféricos, este foi o período do aumento da dívida externa, de desvalorização dos produtos colocados por estes no mercado internacional e redução de ajuda externa. Constata-se que, sob o aspecto econômico, a década foi verdadeiramente desastrosa. Ao mesmo tempo, não se pode negar que o aumento da participação social e política dos cidadãos foi bastante significativa, iniciando uma fase em que o respeito ao princípio democrático e aos direitos  fundamentais não mais poderia ser afastada.

1.3 O ESTADO REGULADOR

Surge tal modalidade de Estado como consequência da redefinição do papel do Estado social. Relaciona-se especificamente com a atribuição à iniciativa privada da prestação de bens e serviços antes ofertados, com exclusividade ou  não, pelo estado. O Estado sai de cena como prestador e surge como agente normativo e regulador da atividade econômica.

Em verdade, o Estado Regulador, pressupõe o Estado de Direito e o monopólio na produção de normas jurídicas, mas não se exaure nestes termos.

O termo Estado Regulador não prescinde da caracterização do Estado de Bem-Estar Social, concepção esta que põe o Estado como agente prestador de serviços e empresário, que atua ativamente. O Estado de Bem-Estar Social  evidencia-se por "um conjunto de propostas mais ou menos homogêneas, compostas pelo reconhecimento de uma função intervencionista estatal orientada a promover o reconhecimento econômico e social".1                                                  

Esclarece William Glade (1988) que:  O poder regulatório, tendo em vista a complexo mundo  contemporâneo, tem se balizado muito por princípios, objetivos genéricos e programa. É bem verdade, que suas normas  maleáveis, são princípios gerais, caracterizando um notável grau  de discricionariedade devido ao elevado nível de especialização das suas normas, variando de acordo com a realidade  socioeconômica atual.                                            

Com a queda do modelo intervencionista, começou a eclodir uma infinidade de demandas que até então eram  supridas, bem como outras que naturalmente começaram a surgir. Todos esses serviços, que haviam sido inseridos no texto Constitucional dos países que adotaram o modelo intervencionista, ocasionaram uma corrida ao judiciário, uma vez que,sendo encampadas pelo Estado, tornaram-se objetos de reivindicação.

Reconhecendo o mercado como grande orientador das atividades privadas, por essência livre de interferências e  direcionamentos do Estado, passa a se conceber necessário, entretanto, para seu bom funcionamento, o desenvolvimento de uma nova estrutura reguladora estatal afinada com a necessidades de um complexo sistema industrial.  Essa faceta adicional de complementaridade toma várias formas, entre elas a da necessidade de proteger o ambiente, de estabelecer padrões para produtos em defesa a saúde e da segurança do consumidor (e também, de enfrentar as demandas mais exigentes do mercado exportador), de obrigar a competição, onde a abertura da economia não basta para  estabelecer mercados disputáveis (especialmente, talvez, no setor  produtor de bens não comercializáveis), de supervisionar indústria de “utilidade pública”, operada pelo setor privado, de   obrigar a transparência no mercado de capitais, exigindo maior exposição das informações financeiras verificadas, e de assegurar   a estabilidade e a integridade do setor financeiro, de brigar melhor gerenciamento de intermediários financeiros, cujas operações criaram grandes dificuldades no México, Brasil, Venezuela e Argentina, por exemplo. Justamente por isso, a maioria das nações ainda está precisando de novos sistemas  reguladores, para restaurar a saúde de seus programas de previdência social, lidar com problemas aparentemente insolúveis de saúde, fornecer serviços de educação mais adequados às necessidades de um mercado de trabalho em constante evolução, e com maior eficiência do que a que tem caracterizado o setor educacional até então, fornecer ao trabalhador ambientes saudáveis e seguros, que as principais economias industriais vão exigir cada vez mais como condição para receber os produtos importados das nações recém-industrializadas e em desenvolvimento.2

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No Estado Regulador há uma alteração da suposição de que o Estado que deva prestar, através de seus agentes,  os serviços públicos. Não só os serviços industriais devem estar inteiramente no âmbito do setor privado, como também os  serviços públicos. A orientação é a substituição do Estado-prestados pelo Estado-regulador. Por essa orientação, todos os  serviços públicos que puderem ser prestados pela livre iniciativa, deverão sê-lo. Apenas educação e seguridade social  devem permanecer sob o controle do Estado, evitando-se sua mercantilização.


2 FUNDAMENTOS DA REGULAÇÃO

Nesse contexto, a regulação surge como uma nova forma de intervenção do Estado na atividade econômica. A  Doutrina entende por regulação, “toda forma de organização da atividade econômica através do Estado, seja a intervenção através da concessão de serviços públicos ou o exercício do poder de polícia” É notório que sem este mecanismo estaríamos entregues à um Estado Neo-liberal, onde os efeitos danosos da omissão do Estado traria conseqüências  catastróficas, caso o controle do mercado econômico fosse totalmente entregue à atividade privada.

2.1 OBJETIVOS DA REGULAÇÃO2.1.1 Igualdade social

O Estado busca a igualdade social no momento em que passa a prover as condições mínimas para seus nacionais,  bjetivo este que perdura até hoje. Pilar este que norteia a atividade pública e o Estado Democrático de Direito, certo de que o ente público deve orientar-se no interesse do bem comum, garantindo dessa forma, uma busca constante pela igualdade abstrata mínima entre os administrados.

2.1.2 Desenvolvimento

Toda a atuação do Estado sobre a economia deve ser pautada pela busca do desenvolvimento econômico, isto é,  pela busca de oferta permanente de bens e serviços a ser usufruído por uma comunidade, em quantidade  proporcionalmente superior a seu incremento demográfico. O Estado deve buscar constantemente a satisfação geral sem, contudo, alterar o aspecto estrutural da economia.3

2.2 PRINCÍPIOS DA REGULAÇÃO

 

Entende-se por princípios da regulação o conjunto de fundamentos que norteiam a atividade intervencionista do  Estado no ramo da economia privada de interesse público. Compreendendo-se nos seguintes tópicos:

2.2.1 Princípio da democracia econômica

Consiste no balizamento da atividade regulatória a fim de propiciar aos agentes econômicos uma maior participação, caracterizando-se na aproximação da Administração e esses agentes por meio da simplificação do processo econômico por meio da exclusão de determinados agentes desse processo.

2.2.2 Cooperação

Tal princípio consiste na busca de mecanismos que promovam a harmonização das relações econômicas,  minimizando a concorrência desleal. Tendo em vista a livre iniciativa, tal objetivo só é capaz de prosperar com a regulação de certos ditames a cargo do ente Estatal.

2.2.3 Interesse público

Na definição de BANDEIRA DE MELLO: 

Interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto de interesses que os indivíduos pessoalmente tem quando considerados em sua qualidade de  membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem.4

Segundo Márcio Pestana (2008), em Direito Administrativo Brasileiro:

Daí percebe-se a presença de dois vetores axiológicos: o coletivo ou público, de um lado, e o individual ou privado de outro. A supremacia, no caso, daquele sobre este último não quer dizer que este inexista e que aquele tenha caráter absoluto. O que se quer ferir, com tintas carregadas de vibrantes pigmentos, é que o interesse coletivo deve, sempre, prevalecer sobre o interesse do indivíduo. Tal não equivale a dizer que os direitos e interesses individuais sejam desprezados, dando margem à arbitrariedades e excessos.5

 

 

Ora, nesse prisma, a regulação mais do que nunca se presta a propiciar o bem comum por meio do controle da  economia privada.

A função regulatória foi e está sendo essencial para a eficiência do processo de desestatização, certo de que na  maior parte dos ritos de migração tratam-se de processos complexos, que são realizados mediante contratos de longo prazo. Isso faz com que ocorram mudanças inesperadas no curso do contrato, que deve ser adaptado a nova realidade mediante o julgamento isento dos princípios que o norteiam.

2.2.4 Proteção ao Consumidor

Outro princípio norteador da atividade regulatória caracteriza-se pela sua profundidade no Direto Brasileiro, servindo de modelo para diversas economias, tanto que possui previsão no texto constitucional, dentre os direitos fundamentais (CF, art. 5º, XXXII), bem como em legislação específica (Código do Consumidor).

A defesa do consumidor, reconhecida como direito fundamental pode ser explicada pelo fato de que em uma  economia de mercado, é inconcebível que o indivíduo como sujeito de direito, e por sua vez, o pólo mais fraco nesta relação diga-se de consumo, não seja resguardado pelo Estado através de uma política regulatória.

2.2.5. Eficiência

 

Convencido de que a eficiência exigida na prestação de serviços e na produção de bens e utilidades encontra-se  com o setor privado, apresentou-se no cenário mundial a proposta de transformação do Estadoempresário em um Estado-mínimo.

A busca da eficiência, caracterizada pela prestação de serviços com excelência tanto na qualidade como na quantidade, constitui fator preponderante nas econômicas atuais, emprestando-se uma importância nunca antes vista à macroeconomia, objetivando a utilização dos recursos na melhoria do resultado dos processos, que são a satisfação dosconsumidores dos serviços.6

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Sobre o autor
Alessandro Portella da Silva

1º Sargento do Exército, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Pará, Especialista em Gestão Pública, Especialista em Direito do Trabalho

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT) SILVA, Alessandro Portella da. A Competência Normativa das Agências Reguladoras (Limites e possibilidades). Sítio Jus Navigandi, Bagé, RS, 16 nov. 2009. Disponível em:

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