A competência normativa das agências reguladoras

(Limites e possibilidades)

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20/10/2014 às 14:36
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3 A FUNÇÃO REGULATÓRIA

Como já visto, percebe-se um rápido processo de transformações tanto na sociedade em geral, quanto no mercado. A figura do Estado Liberal, no qual o intervencionismo Estatal na economia era inadmissível, foi superada, com a instituição de Estado intervencionista no momento pósguerra, quando era necessária, por um lado, uma reconstrução dos paísesparticipantes das duas grandes guerras e, por outro, da estruturação dos países que não foram afetados diretamente pelas guerras, mas que almejavam iniciar seu processo de industrialização.

Naquele momento não havia a possibilidade do capital privado desempenhar tais atividades, tendo em vista a  dificuldade de concentração de capital. É nesse contexto que o Estado assume para si a figura do Estado Empresário, para o desempenho das atividades de base, de infra-estrutura, às quais fazia-se de suma importância na época de acordo com o contexto histórico.

Dessa forma, justificou-se a atividade empresarial do Estado em setores tais como, siderurgia, mineração, produção de gás e petróleo, serviços públicos como telecomunicações, água, energia elétrica, saneamento básico, etc.

Entretanto, com o passar do tempo, verificou-se que o desempenho de tais serviços pela Administração Pública passou a ser inadequado, tanto no aspecto administrativo, quanto empresarial. Podemos citar como alguns dos problemas enfrentados: a) ineficiência do serviço; b) defasagem no aprendizado de novas técnicas; c) morosidade.

Portanto, como o advento da Constituição da República de 1988, em seu art. 173 caput, verificamos uma inovação:“Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interessecoletivo, conforme definidos em lei”.

Desta forma, vemos que a regra é a proibição da exploração direta da atividade econômica pelo Estado, exceto nos casos imperativos da segurança nacional ou de relevante interesse coletivo, fora essas hipóteses, o Estado só deverá exercer a atividade econômica quando não por possível ao particular, objetivando-se, desta forma, que a Administração Pública volte-se para sua atividade fim.


4 A EXPERIÊNCIA NORTE-AMERICANA

As primeiras agências reguladoras dos EUA surgiram no âmbito dos Estados-membros, em 1839, Rhode Island e em 1844, a New Hampshire, ambas disciplinavam o transporte ferroviário. Mais tarde, em 1889, foi criado o Insterstate  Commerce Commissin (I.C.C), pelo governo americano, esta com âmbito nacional, considerada a primeira agênciareguladora do mundo. Tinha por objetivo minimizar as disputas entre as empresas do transporte ferroviário e os empresários rurais.7 Essa idéia de regulação foi influenciada pela colonização inglesa, que naquele contexto tabelava os preços cobrados por alguns serviços pelos imigrantes do Reino Unido.

Com o tempo, foram criadas uma série de agências, tais como:

FDA- Food and Drug Administration, em 1932, para regular o setor de alimentos e medicamentos;

AAA- Agriculture Adjustment Administration, em 1933, para regular o setor agrícola;

SEC- Securits anda Exchange Comission, em 1933, para regular o mercado financeiro;

FDIC- Federal Deposit Insurance Corporation, em 1933, para regular o setor de seguros;

FCC- Federal Communications Comission, em 1934, para regular o setor de telecomunicações;

NLRB- Nacional Labor Relations Bord, em 1935, para regular o setor do trabalho;

FMC- Federal Maritime Commission, em 1936, para regular o transporte marítimo,

CAB- Civil Aeronautics Board, em 1938, para regular o setor aeronáutico.8

O então presidente Franklin Roosevelt utilizou-se da regulação como instrumento de políticas econômicas para enfrentar a grande crise de 1929. Essas agências reguladoras intervieram fortemente na economia americana, que até então era regida por princípios do liberalismo (laissezfaire).

 

Dentre os poderes conferidos às agências, a competência normativa é, sem dúvida, o mais discutido na doutrina e o mais questionado judicialmente. Há muito tempo os Estados Unidos discutem a magnitude da delegation doctrine no campo da edição de normas primárias por agências reguladoras. Duas doutrinas se contrapõem: a delegation doctrine e a non-delegation doctrine.

A Constituição americana elenca em seu artigo 1º § 1º, que “all legislative powers herein granted shal be vested in a Congress of the United states”, havendo margem para que tal dispositivo seja interpretado como atribuição exclusiva do Congresso – Poder Legislativo – a edição de leis.

Porém, o § 8º do mesmo artigo atribui ao Congresso o Poder de “make all laws witch shall be necessary and proper for carring into execution” - (interpretação da corrente delegation doctrine) atribuir a outras entidades estatais o poder de produzir normas que originariamente seriam de sua competência.

Cabe ressaltar ainda que, no contexto da administração norteamericana, as agências comportam classificação em duas espécies: regulatory agencye non-regulatory agency.

As agências reguladoras têm poderes conferidos por delegação do Congresso Nacional. Compreendem as capacidades normativa e decisória. Condicionam direitos, liberdades e atividades econômicas. Resolvem, ainda, conflitos entre pessoas a elas vinculadas. Já as agências não reguladoras correspondem àquelas que são investidas para prestaçãode serviços públicos quando não exercidos pela administração centralizada, com poderes bem mais limitados, cuja atividade se reduz a reconhecer benefícios e ajudar aos mais desfavorecidos na prestação de serviços sociais.

Embora a estrutura regulatória americana tenha servido de parâmetro à brasileira, é de se observar que há dessemelhança jurídica entre os sistemas administrativos. No Brasil, há uma regulação legal detalhada do funcionamento da Administração Pública, inclusive, com a diferenciação feita entre Administração Pública direta e indireta e a exemplificação das entidades integrantes desta última. Nos Estados Unidos, inexiste essa forma de organização legal, havendo vários entescom funções administrativas e, dentre esses, as agências.

Assim, falta um texto normativo genérico, pois cada agência tem regulamentação específica, a depender da lei que estabelece sua criação e que dispõe sobre sua estrutura e formas de atuação. É certo que essa legalização totalmente dispersa não mais subsiste nestes moldes, pois os Estados Unidos adotaram algumas regras gerais, principalmente emrelação ao processo administrativo.

Cabe ressaltar que a regulamentação dos diversos setores da economia norte-americana não se deu necessariamente com a passagem da exploração de serviços ao capital privado. Muitas agências foram criadas ser que em nenhum momento tivesse sido o Estado o titular da exploração.


5 AS AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL

No Brasil, as agências reguladoras são um instituto bastante recente, surgido a partir de 1996 e fruto do processo de desestatização que desencadeou a partir de 1990, com a Lei nº 8.031/90 que estabeleceu o chamado “Plano Brasil Novo”, posteriormente regulamentado pela Lei nº 9.491/97, que disciplina o Plano Nacional de Desestatização.

Importante esclarecer que a inserção de agências reguladoras no ordenamento jurídico não mantém sempre relação direta com o processo de desestatização, pois, como visto anteriormente, nos Estados Unidos essas agências foram criadas dissociadas desse processo, porque na maioria dos setores sequer conheceram o fluxo de estatização. Mas, semdúvida, países que adotaram políticas estatizantes tendem a adotar o modelo de administração centralizador e hierarquizado.

Para a efetivação de tal reforma, necessária se fez a elaboração de emendas à Constituição, servindo de base para a edição de normas infraconstitucionais. Tais normas disciplinaram a privatização de serviços prestados em exclusividade pelo Poder Público, afastaram distinções entre empresas de capital nacional e estrangeiro, facilitando o ingresso de recursos com a aquisição de empresas estatais por empresas com capital estrangeiro.

As primeiras agências reguladoras no Brasil surgem num ambiente de privatização, com a missão de regular um setor ainda pouco explorado, o da prestação de serviços públicos por particulares mediante contrato de concessão como o poder público titular do serviço. Neste primeiro momento as agências tratavam de disciplinar a concessão desses serviços públicos de titularidade exercida pela União por meio de sua administração direta As agências reguladoras constituem-se autarquias especiais, estando sujeitas, portanto, ao comando constitucional do art. 37, XIX, o que implica na sua criação e extinção por lei específica. O seu caráter reside na maior autonomia administrativa a elas conferida.

Vale registrar que existe grande diversidade de modelos em todo o mundo e o brasileiro segue uma tendência prevalecente no Europa Continental de instituir entes em regime público administrativo.

No âmbito federal, foram criadas as seguintes agências reguladoras:

Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, instituída pela Lei nº 9.427/96, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, com sede e fora no distrito Federal e prazo de duração indeterminado, tendo por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal;

Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, instituída por meio da Lei nº 9.472/97, vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal;

Agência Nacional do Petróleo – ANP, instituída pela Lei nº 9.478/97, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, com sede no Distrito Federal, tendo como finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo;

Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, instituída pela Lei nº 9.782/99, vinculada ao Ministério da Saúde, com sede no Distrito Federal, tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária,inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem com o controle de portos, aeroportos e de fronteiras;

Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, instituída pela Lei nº 9.961/00, vinculada ao Ministério da Saúde, com sede na cidade e estado do Rio de Janeiro, tem por objetivo funcionar como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde;

Agência Nacional de Águas – ANA, instituída pela Lei nº 9.984/00, vinculada ao ministério do Meio Ambiente, com sede no Distrito Federal, com a finalidade de implementar, em sua área de atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos, integrando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;

Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, instituída pela Lei nº 10.233/01, vinculada ao Ministério dos Transportes, com sede no Distrito Federal, atuando no transporte ferroviário de passageiros e cargas ao longo do Sistema Nacional de Viação, na exploração da infraestrutura ferroviária e o arrendamento dos ativos operacionais correspondentes, no transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, no transporte multimodal e no transporte de cargas especiais e perigosas em rodovias e ferrovias;

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Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, instituída pela Lei 10.233/01, vinculada ao ministério dos Transportes, com sede no Distrito Federal, atuando na navegação fluvial, lacustre, de travessia, de apoio marítimo, de apoio portuário, de cabotagem e de longo curso, nos portos organizados, nos terminais portuários privativos e no transporte aquaviário de cargas especiais e perigosas;

Agência Nacional de Cinema – ANCINE, criada pela MP nº 2.228-1/01 vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, com sede no Distrito federal e escritório central na cidade do Rio de Janeiro, tem por finalidade atuar como órgão de fomento, regulação e fiscalização da indústria cinematográfica e videofonográfica,Agência Nacional de Desenvolvimento da Amazônia – ADA – instituída pela MP nº 2.175-5/01, é vinculada ao Ministério da Integração Nacional, com sede e foro em Belém, no estado do Pará, tem por objetivo implementar políticas e viabilizar instrumentos de desenvolvimento da Amazônia.

Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, instituída pela Lei nº 11.182/05, é vinculada ao ministério da Defesa, com sede no Distrito Federal, podendo instalar unidades administrativas regionais, a quem compete, por delegação da União federal, regular e fiscalizar as atividades de aviação civil e de infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária.

No âmbito estadual, há uma tendência na criação de um único órgão regulador, abrangendo uma pluralidade de áreas de atuação. Trata-se de agência “multisetorial”, isto é, sem especialização, com competência para todos os serviços. A título de exemplo, no Rio de Janeiro, foi criada a Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de Janeiro – ASEP-RJ, pela Lei estadual nº 2.686, de 13.12.97.

Outro exemplo é a Comissão de Serviços Públicos de Energia – CSPE, instituída pela Lei Complementar nº  833/02, que é agência reguladora criada pelo estado de São Paulo, tendo por objetivo controlar e fiscalizar as concessionárias de energia elétrica e de gás canalizado no estado, assegurando a qualidade do fornecimento de energia à população paulista. É vinculada à Secretaria de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento.

5.1 NATUREZA JURÍDICA

A criação das agências reguladoras não era prevista no Decreto-Lei nº 200/67, que compreende como componentes da administração indireta as pessoas jurídicas de direito público interno com personalidade de direito público ou privado, as quais a lei transfere o exercício de determinada função administrativa. Portanto são previstas no referido diploma legal, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

As agências reguladoras são instituídas no Brasil com a natureza jurídica de autarquia especial. Autarquia - por  realizarem atividade típica estatal, como regulação, fiscalização e intervenção em serviços públicos e atividades econômicas; e Especial – por se atribuir às mesmas um plus em relação às demais autarquias.

Com o surgimento das agências reguladoras, a doutrina tem se preocupado em buscar, no esquadro da  administração tradicional, a natureza jurídica das mesmas. Clareando este novo campo, vieram as leis instituidoras da Agência Nacional de Eletricidade, da Agência Nacional de Telecomunicações e da Agência Nacional de Petróleo, primeiras a serem criadas, conceituando as referidas agências como autarquias reguladoras com mandato fixo para seus dirigentes.

Entretanto apenas a Anatel e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) possuem  previsão expressa na Constituição Federal. Os artigos 21, XI, e 177, § 2º, III, alterados, respectivamente, pelas Emendas Constitucionais nº 8/95 e 9/95, prevêem a promulgação de leis que disponham sobre a exploração das atividades detelecomunicações e de petróleo e a instituição dos respectivos órgãos reguladores. Com fundamento nesses dispositivos, foram promulgadas as leis nº 9.472/97, instituidora da Anatel, e nº 9.478/97, criadora da ANP.

Logo em seguida, leis ordinárias criaram outras autarquias com competência normativa.

A doutrina identifica as agências reguladoras como entidades sob regime especial, às quais seriam atribuídas  prerrogativas próprias de acordo com a natureza de suas atribuições. O regime especial, diferenciado do comum aplicado às demais autarquias no ordenamento jurídico brasileiro, tem previsão expressa em diversos dispositivos das leis instituidoras das agências.

Como exemplo, podemos citar a lei instituidora da Anatel, que em seu art. 8º, §2º, dispõe que "a natureza de  autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira". Assim, não obstante a disciplina jurídica das agências seja tratada em leis esparsas, podem-se verificar alguns caracteres comuns a essas entidades, sendo  observado um modelo específico de instituição.Uma dessas características diz respeito à autonomia decisória, tendo em vista que os conflitos administrativos se desencadeiam e são solucionados pelos próprios órgãos da entidade autárquica de regime especial.

Segundo Carvalho Filho (2008), o poder revisional exaure-se no âmbito interno, sendo inviável juridicamente eventual recurso dirigido a órgãos ou autoridades da pessoa federativa à qual está vinculada a autarquia". Os conflitos podem  envolver as entidades sob seu controle direto, como concessionários e permissionários entre si, ou os usuários dos serviços públicos por elas regulamentados. Nesse sentido é que a lei da ANP estatui, no art. 20, que o seu regimento interno disporá sobre os procedimentos a serem adotados para a solução de conflitos entre agentes econômicos, e entre estes e usuários e consumidores, com ênfase na conciliação e no arbitramento.9

A lei instituidora da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, confere à agência, no art. 1º, parágrafo único, "autonomia nas suas decisões técnicas". A autonomia decisória de última instância na esfera administrativa conferida às entidades autárquicas sob regime especial, no entanto, não exclui a possibilidade de apreciação, pelo Poder Judiciário, dequalquer ameaça ou lesão a direito, em consonância com o texto constitucional.

 

Nesse sentido, a lei criadora da Anvisa estabelece, no art. 7º, III, entre suas competências, a de "estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária". A lei da ANA determina, no art. 4º, II, que compete à agência "disciplinar, em caráter normativo, a implementação, a operacionalização, o controle e aavaliação dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos". A lei criadora da ANAC, no art. 8º, XXX, dispõe que compete à agência "expedir normas e estabelecer padrões mínimos de segurança de vôo". À Aneel foi outorgada, no art. 2º de sua lei instituidora, a finalidade de "regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal". O que diferencia as autarquias de regime  especial das de regime comum é, assim, justamente o poder regulamentar mais amplo conferido àquelas, o que constitui uma exigência dos tempos modernos.

5.2 CARACTERÍSTICAS5.2.1 Autonomia administrativa

A atuação das Agências Reguladoras aloja-se na intersecção entre a incidência dos vetores publicistas e dos vetores de natureza privada. Portanto, seu papel é extremamente delicado, pois, se de um lado tem o dever de,  concretamente desempenhar as funções que a lei lhe direcionou, de outro, há de contarem com independência,  sensibilidade e tecnicidade suficientes para, pormenorizadamente, conhecer o segmento onde atuam, com isto empreendendo políticas realistas que também confortem e atendam às expectativas do segmento privado.10

A maior autonomia de atuação no regime especial, no entanto, encontra limites no controle administrativo exercido pelo Ministério a que estão vinculadas essas entidades, sob a forma de supervisão ministerial, e na "direção superior da administração federal" prevista no art. 84, II, da Constituição Federal.

 

Pode-se verificar a extrema autonomia das agências no tocante à modalidade diferenciada de licitação. A consulta, cuja previsão genérica surgiu em nosso ordenamento jurídico na Lei Geral de Telecomunicações – Lei nº 9.472/97, é uma modalidade não prevista na Lei nº 8.666/93, para os casos de fornecimento de bens e serviços não classificados como comuns.

Vemos assim, que a Lei nº 9.742/97 criou a possibilidade da Anatel disciplinar uma modalidade de licitação diversa. Não bastasse a duvidosa constitucionalidade dessa previsão, nosso Congresso, posteriormente, estendeu essa modalidade de licitação a todas as agências reguladoras federais, por meio da Lei nº 9.986/00.11

5.2.2 Investidura de seus dirigentes

Segundo Pestana (2008), as Agências Reguladoras são dirigidas em regime de colegiado, por um Conselho Diretor ou Diretoria composta por conselheiros ou diretores, sendo um deles o seu presidente ou o diretor-geral ou o diretor- presidente. O presidente ou o diretor-geral será brasileiro, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceitono campo de especialidade dos cargos para os quais serão nomeados, devendo ser escolhidos pelo Presidente da  República e por ele nomeados, após a aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea f, do inciso III, do art. 52, da Constituição Federal (arts. 4º e 5º da Lei 9.986/2000).

Este mandato dos conselheiros dos diretores terá o prazo fixado na lei de criação da respectiva agência, devendo ainda, dispor sobre a nãocoincidência de mandato, consoante os artigos 6º e 7º da Lei nº 9.986/2000.

Tais prazos não devem, no entanto, ultrapassar o do mandato do Presidente da República que procedeu à nomeação.

A estabilidade outorgada aos dirigentes das agências confere maior independência, não muito comum na maior parte das entidades da Administração Indireta, em que os dirigentes, por ocuparem cargos de confiança do Chefe do Poder Executivo, acabam por curvar-se a interferências, mesmo que ilícitas.12

Cabe ressaltar que tanto os conselheiros como os diretores, somente perderão o mandato em caso de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar, bem como na ocorrência de qualquer situação que seja expressamente prevista na lei de criação de cada agência (art. 9º da Lei 9.986/2000).

5.2.3 Autonomia financeira

Tamanha é a independência regulatória, que compreende ainda a autonomia financeira, que se alcança pelo gerenciamento de recursos próprios. As agências reguladoras são dotadas de receitas próprias, obtidas pela denominada taxa de regulação.

Vale lembrar que a natureza jurídica da taxa de regulação tem ensejado controvérsia, oscilando a doutrina entre a natureza contratual e a tributária. No que tange a serviços públicos, sua natureza é contratual, visto que a base de cálculo é a receita auferida pela concessionária.

Entretanto, existem agências que para exercerem a fiscalização das concessionárias, não podem limitar-se a ao cumprimento de normas contratuais, senão manifestando seu poder de polícia. Desta forma, verifica-se a natureza tributária, tendo em vista manifestar-se o efetivo poder de policia, foto gerados de taxa, na forma do art. 145, II, da constituição da República Federativa do Brasil, bem como do art. 78 do Código Tributário Nacional.13

5.2.4 Participação

 

 

A participação na regulação é característica que confere legitimidade à atuação reguladora, perfazendo-se através da garantia de ampla publicidade de seus atos, com a adoção de instrumentos efetivos que garantam a sua aplicação e, ainda, através de um processo administrativo pautado no devido processo legal, com abertura a qualquer portador de  interesses, que se insere no conceito de processualidade aberta.

Partindo desse ponto, o princípio da participação encontra-se intimamente associado ao do consensualismo, que consiste em alternativa à imperatividade, sempre que possa ser dispensado o poder coercitivo.

A aplicação da consensualidade estabelece o consenso nas relações entre Estado e sociedade, criando atrativos para que a sociedade civil atue, sempre que possível, em parceria com o Estado.

Moreira Neto (2001) estabelece uma tipologia da consensualidade em referência às funções do Estado, que se apresenta na produção de normas, com a adoção de formas alternativas de composição.14

5.3 DIFERENÇA ENTRE AGÊNCIA REGULADORA E AGÊNCIA EXECUTIVA

 

Primeiramente, é preciso esclarecer que, no modelo proposto no Brasil, não há um apego à hermenêutica vocabular, de modo que falar em agências nem sempre explicita o objeto de forma precisa. Necessário se faz destacar que, na Administração Pública brasileira, veremos casos em que a palavra "agência" significa órgão (caso da ABIN - Agência Brasileira de Inteligência), fundação (pode ser o caso das agências executivas) ou autarquia especial (as agências reguladoras).

As agências executivas não representam um tipo novo de entidade. Trata-se de uma qualificação dada tanto às autarquias como às fundações públicas que tenham um plano estratégico de reestruturação e desenvolvimento institucional, visando à obtenção de maior autonomia, para torná-las mais ágeis e eficazes. Tais organizações, então disciplinadas pelos artigos 51 e 52 da Lei nº 9.649/98 e pelos Decretos 2.487/98 e 2.488/98, celebram contrato de gestão com o respectivo Ministério Supervisor e possuem maior autonomia administrativa, como a prevista no parágrafo único do art. 24 das Lei nº8.666/93. Como exemplo, temos o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, indústria e Comércio Exterior.

De maneira diversa, a criação das agências reguladoras propugna a despolitização das decisões, eliminando-se o conteúdo político, priorizando o conteúdo técnico. Tal recurso visa a afastar a interferência partidária e burocrática, além de atender à pluralidade de interesses, com regulações específicas, setorizadas e independentes. Entrementes, tais quais as agências executivas, também celebram contratos de gestão, fixando metas e objetivos a serem perseguidos.

Diferentemente das Agências Reguladoras, que predominantemente, preocupam-se em fiscalizar e regular a atividade desenvolvida por concessionários, permissionários e autorizatários, as Agências Executivas impressionam-se com a operacionalidade e a produtividade da autarquia ou fundação, conforme depreende -se da aludida Lei 9.649/98.15

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Sobre o autor
Alessandro Portella da Silva

1º Sargento do Exército, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Pará, Especialista em Gestão Pública, Especialista em Direito do Trabalho

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Mais informações

Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT) SILVA, Alessandro Portella da. A Competência Normativa das Agências Reguladoras (Limites e possibilidades). Sítio Jus Navigandi, Bagé, RS, 16 nov. 2009. Disponível em:

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