Operação “Lava Jato” e o corporativismo contra a delação premiada

22/10/2014 às 17:57
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Operação "Lava Jato" e delação premiada

Causa assombro a divulgação na imprensa de notícia referente à mobilização de advogados criminalistas de vários rincões do país contra o magistrado federal Sérgio Moro, Juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR, intitulada “Advogados pedem punição de juiz que abriu depoimentos da Lava-Jato[1]”.

A princípio, conforme veiculado, propaga-se a adoção de uma iniciativa destinada a censurar um “vazamento” dos áudios dos depoimentos da ação penal em curso naquele foro, indigitado como “seletivo” e “parcial”, e, também, por se irresignar contra uma suposta ausência de oitivas das pessoas nominadas pelos delatores e um suposto impedimento de “algumas assessorias jurídicas, como da própria presidente Dilma Rousseff e do PT”, de terem “acesso à investigação”.

Embora se revista do pretexto de censurar uma suposta parcialidade que transcende à condução de um processo, já que se encontra em curso uma campanha eleitoral ao mais elevado cargo da república, é impossível não observar a manobra fora de seu contexto, qual seja, o momento posterior à conclusão do julgamento da Ação Penal n. 470, popularmente conhecida como “processo do mensalão”, e os seus reflexos no Poder Judiciário nacional e na atuação dos profissionais da seara forense.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento da aludida ação penal, concluindo, por maioria dos votos de sua composição plenária, pela condenação de diversos réus autores de desvios de recursos públicos que foram destinados para a compra de votos de parlamentares em matérias consideradas relevantes pelo governo, estando eles organizados em uma sofisticada rede integrada por agentes políticos, publicitários de renome e executivos de instituições financeiras públicas e privadas.

Ao final do julgamento, os diversos réus foram condenados de modo distintos, conforme as imputações que lhe foram irrogadas e acolhidas pela Suprema Corte, causando certa perplexidade para a população brasileira o fato de os agentes do denominado “núcleo político” terem sido apenados com reprimendas menores, enquanto aos membros do indigitado “núcleo financeiro” foram impostas as penas privativas de liberdade mais severas, sem possibilidade de cumprimento de pena no benéfico regime semiaberto.

O espanto é latente ao senso comum, por ser ilógico que os agentes executores tenham sido censurados de forma mais rígida do que as lideranças a que serviam, no entanto, o julgamento da Ação Penal n. 470 não deixa de ser paradigmático, ao trilhar o primeiro passo de resgatar a credibilidade da Justiça Penal, rumo à sedimentação da ideia de que “o crime não compensa”, dando concretude às funções preventiva e repressiva da pena.

Assim, forçoso se faz reconhecer que o julgamento do processo do mensalão concretizou o referido chavão popular, de forma rigorosa, para aqueles que desempenharam o papel de executores e colaboradores das infrações penais reprimidas, razão pela qual, temerosos de sofrerem o mesmo destino dos agentes integrantes do núcleo financeiro dos “mensaleiros”, resolveram colaborar, de forma estritamente legal, através do instituto denominado de delação premiada, revelando as engrenagens do esquema fraudulento e os nomes dos beneficiários contratantes de seus serviços.

Ao repudiarem a tendência natural de servirem de “boi de piranha”, os delatores da denominada “Operação Lava Jato” oferecem ao Poder Judiciário nacional um novo panorama, a colaboração eficaz com a Justiça Pública, incluindo o ressarcimento dos vultosos valores desviados para contas bancárias no exterior, a fim de obter, como contrapartida, uma redução na futura reprimenda que lhes será imposta, fato que desagradou alguns notáveis advogados criminalistas, que renunciaram ao patrocínio da defesa, diante de tal opção exercida pelos seus então clientes.

Eis porque a artilharia pesada está sendo manejada contra o Juiz Federal Sérgio Moro, conhecido no meio forense pela competência e técnica na condução dos processos, bem como pelo rigor na aplicação da lei, haja vista a concreta possibilidade do instituto da delação premiada se popularizar  e se incorporar de vez ao cotidiano forense, após a conclusão das ações penais relacionadas à “Operação Lava Jato”, como instrumento eficiente de combate à criminalidade organizada.

Um magistrado da 1ª instância da Justiça Federal está sujeito a eventuais reclamações disciplinares perante a Corregedoria da corte que integra e perante o Conselho Nacional de Justiça, diferentemente do ex-Ministro Joaquim Barbosa, cujos atos jurisdicionais estavam sujeitos à revisão somente pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, o que impediu a adoção de investida semelhante. 

Contudo, ao se analisar superficialmente os motivos da irresignação classista, verifica-se que, em regra, nenhuma irregularidade constitui o acesso à imprensa de dados processuais, salvo aqueles que estejam sob o abrigo do segredo de justiça, o que parece não ser a hipótese, segundo divulgado pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE)[2], posto que o sigilo apenas está restrito aos depoimentos colhidos e as condições avençadas no bojo do procedimento da delação premiada. A regra, pois, é a publicidade, e o art. 93, IX, CF[3], que dispõe sobre a matéria, reconhece expressamente existir o interesse público à informação sobre as demandas judiciais.

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Calha salientar que, a respeito da vedação de acesso ao teor dos depoimentos tomados no curso do procedimento do instituto premial, postura idêntica foi adotada pelos Ministros Teori Zavasck[4] e Luis Roberto Barroso[5], e, nem por isso, há notícia sobre manejo de expedientes contra os referidos magistrados do Supremo Tribunal Federal.

Ademais, não havendo notícia de anulação ou reforma das decisões do Juiz Federal Sérgio Moro pelas instâncias superiores, nem, tampouco, a suspensão do curso das ações penais que tramitam sob sua presidência, presume-se a legalidade de suas tramitações, não se prestando o aviamento de representações disciplinares como a via adequada para revisar atos eminentemente jurisdicionais.

Se por um lado, o art. 5º, XXXIV, “a”, da Constituição Federal assegura o direito de petição, o seu exercício deve se pautar estritamente em seus propósitos legais, não servindo a imputação de falta funcional como ferramenta estratégica para se remover o juiz natural da causa e/ou fragilizar as decisões judiciais de sua autoria, sob pena de se constituir em um verdadeiro atentado contra a dignidade do cargo e, por conseguinte, contra a magistratura independente.

 Se ilegalidades porventura foram praticadas pelo Juízo Federal da 13ª Vara Federal da Curitiba/PR, há de se perguntar, então, se os causídicos atuantes nos feitos que ali tramitam manejaram os recursos cabíveis e, em caso afirmativo, qual foi o pronunciamento das instâncias superiores. Existindo inconformismo das partes afetadas por uma decisão judicial, a via própria para direcionamento de sua pretensão é o sistema recursal, e não o aviamento de representação aparentemente despida de sua verdadeira finalidade.

Resta nítido, pois, que a mobilização iniciada contra o magistrado que conduz com firmeza as ações penais da citada “Operação Lava Jato” demonstra a posição estratégica de resistir à incorporação da delação premiada ao cenário forense nacional, já manifestada em outras ocasiões[6], inobstante existir previsão do instituto premial no ordenamento jurídico pátrio, adotado também pelos países desenvolvidos.

Afinal, a renúncia dos patronos ao mandato outrora outorgado pelos delatores pode traduzir também que a opção dos ex-clientes pela delação premiada não é interessante do ponto de vista financeiro, afinal, pelo patrocínio da causa de quem se propõe a confessar seus crimes e colaborar com a Justiça Pública, incluindo o compromisso de repatriar as divisas depositadas em paraísos fiscais, não poderá ser cobrado o mesmo preço daquele patrocínio que propõe a expectativa de se obter uma declaração de inocência e a preservação do patrimônio amealhado.


[1] http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2014-10-16/advogados-pedem-punicao-de-juiz-que-abriu-depoimentos-da-lava-jato.html

[2] http://oglobo.globo.com/brasil/ajufe-defende-magistrado-da-lava-jato-diz-que-nao-houve-vazamento-de-depoimentos-14232833

[3] Constituição Federal

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(...)

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação

[4] http://amp-mg.jusbrasil.com.br/noticias/144922298/stf-nega-pedido-de-cpi-e-de-dilma-para-acessar-delacao

[5] http://www.conjur.com.br/2014-out-16/barroso-nega-acesso-cpi-depoimento-ex-diretor-petrobras

[6] http://www.conjur.com.br/2014-set-20/delacao-premiada-usada-esquentar-prova-ilicita

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